«Tom Insel dirige, desde 2002, a maior agência de financiamento público da investigação em saúde mental do mundo: os National Institutes of Mental Health (NIMH) dos EUA, com um orçamento anual de 1500 milhões de dólares. Psiquiatra de formação, Insel já foi investigador - estudou a neurobiologia e a genética de comportamentos complexos, como o amor e os laços sociais -, mas agora diz que o seu papel consiste em "falar sobre maneiras radicalmente diferentes de pensar a doença mental" para fomentar a "inovação disruptiva" nesta área. Há duas semanas esteve em Lisboa, onde deu uma conferência na Fundação Gulbenkian, integrada no Fórum Gulbenkian da Saúde, este ano dedicado à doença mental. A seguir, respondeu às perguntas do P2.
O que é a doença mental?
É uma boa pergunta - uma pergunta justa, porque se me perguntassem o que é o cancro ou as doenças cardíacas, eu saberia explicar. Para mim, a doença mental é uma perturbação cerebral. Mas, ao contrário do que acontece com outras perturbações cerebrais, aqui não existe uma lesão detectável. É mais uma lesão funcional, devida ao facto de certos circuitos cerebrais não estarem devidamente sincronizados ou não funcionarem bem.
Por que é que a doença mental é vista como sendo tão diferente das doenças físicas?
Exactamente por isso: porque nunca fomos capazes de encontrar provas dessa disfunção cerebral. Quando uma pessoa sofre de "doença mental" - digamos que está deprimida - e se descobre que ela tem um cancro do pâncreas (o que, em 50 por cento dos casos, está associado a uma depressão grave), diz-se que essa pessoa não tem uma depressão; tem um cancro do pâncreas. Da mesma forma, quando alguém sofre de autismo e se descobre que tem uma síndrome do X frágil [doença genética do desenvolvimento cerebral], afirma-se logo que se trata de um caso de X frágil e não de autismo.Ou seja, mal se identifica uma causa física, a doença sai do domínio da psiquiatria e passa a fazer parte da medicina "a sério". Mas o que eu digo é que, de facto, as pessoas com depressão que não sofrem de cancro do pâncreas têm contudo qualquer coisa, na maneira como os seus cérebros funcionam, que é anormal. Tão anormal como um cancro do pâncreas em relação a um pâncreas normal.
Disse na sua conferência que, nas doenças neurológicas como o Parkinson ou o Alzheimer, há morte celular, ao passo que as doenças mentais são doenças dos circuitos celulares.
Exactamente. A única excepção a essa regra é a epilepsia. A epilepsia não revela células mortas e é claramente um problema ao nível dos circuitos. Tem graça, aliás, que em certos países a epilepsia seja considerada uma doença psiquiátrica e noutros uma doença neurológica. O que eu digo é que tanto umas como outras são perturbações cerebrais.Temos de criar uma nova disciplina. Esqueçam a neurologia, esqueçam a psiquiatria, essas disciplinas pertencem ao século XX. No século XXI, precisamos de uma coisa chamada neurociência clínica, capaz de juntar a psiquiatria e a neurologia. Foi assim que tudo começou: antes de 1900 e talvez até aos anos 1950, a psiquiatria e a neurologia eram uma única disciplina. Freud era neurologista. Está na altura de as tornar a reunir. São como um casal que teve um bom casamento e que depois se divorciou por causa das crianças. Agora, as crianças já estão crescidas e está na altura de os pais se reconciliarem.
Acha que um dia vamos perceber as doenças mentais como hoje percebemos as do corpo?
Acho. Mas vai ser mais difícil, porque estas doenças são mais complexas do que o cancro, do que a diabetes ou as doenças cardíacas. O cérebro é um órgão muito mais complexo do que qualquer outro. Lembro-me da altura em que ninguém percebia muito bem o que era o cancro. Mas de há dez anos para cá, deixámos de olhar para o cancro da mama, por exemplo, como uma única doença. São dez doenças, com dez tratamentos diferentes.Temos de fazer o mesmo caminho com doenças como a esquizofrenia, a depressão, o stress pós-traumático. Existem provavelmente formas diferentes de depressão que exigem tratamentos completamente diferentes, porque os mecanismos em jogo são diferentes. Não é possível continuar a pressupor que o diagnóstico clínico fornece toda a informação necessária sobre a doença mental. Para distinguir os diferentes tipos de cancros e os tratamentos adequados, foi preciso escavar até ao nível da biologia, da genética, da expressão dos genes. Os resultados são melhores quando o fazemos do que quando não o fazemos. O mesmo vai ter de acontecer com a depressão. Vamos ter de perceber o indivíduo não só ao nível comportamental, mas também biológico.
http://gira-ipss.blogspot.com/2010/03/hoje-vemos-o-autismo-como-ha-decadas.html
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