sábado, 13 de março de 2010

A CULTURA DO AUTISMO

por Gary B. Mesibov e Victoria Shea
(Retirado do Site da Society For The Autistically
Handicapped e traduzido por Luis
Achilles Furtado)



1. Introdução: De um entendimento teórico para prática
educacional.

Cultura refere-se a parte dos modelos de comportamento humano. As
normas culturais afetam o modo como as pessoas pensam, comem,
vestem-se, trabalham, entendem o fenômeno natural de passagem do dia
para a noite, gastam o tempo de lazer, comunicam-se, e outros
aspectos da interação humana. As culturas variam largamente nesses
aspectos, então, aquelas pessoas que são de um grupo podem, às
vezes, considerar as de outras culturas incompreensíveis ou muito
estranhas. No sentido antropológico, a cultura é passada de geração à
geração; as pessoas sentem, pensam e se comportam de certas
maneiras porque sua cultura as ensinou.

É claro, o autismo não é, verdadeiramente, uma cultura; é um distúrbio
no desenvolvimento causado por uma disfunção neurológica. Contudo, o
autismo, também, afeta a maneira como os indivíduos comem,
vestem-se, trabalham, gastam o tempo de lazer, entendem o mundo,
comunicam-se, etc. Assim, em certo sentido, o autismo funciona como
uma cultura, em suas próprias características e modelos previsíveis de
comportamento em indivíduos nessa condição. A maioria dos
professores de estudantes com autismo são como intérpretes
inter-culturais: alguém que entende ambas as culturas e está apto para
traduzir as expectativas e procedimentos do ambiente não-autista para o
estudante com autismo. Então, para ensinar estudantes com autismo,
devemos entender sua cultura, as forças e deficiências que estão
associadas a eles.

O autismo é um distúrbio de desenvolvimento caracterizado por
dificuldades e anormalidades nas diversas áreas: habilidade de
comunicação, relações sociais, funcionamento cognitivo, processos
sensitivos e comportamento. Aproximadamente 10 a 15% dos indivíduos
com autismo têm inteligência normal ou acima do normal (incluindo
aqueles que possuem QIs acima da média); 25 a 35% estão numa
média às beiras de um suave retardo mental, enquanto os outros são,
moderada ou profundamente, retardados.

A média de QIs encontrada nas pessoas com autismo é causa de uma
variabilidade tremenda na população de pessoas que possuem este
diagnóstico; uma outra causa de variação é a disseminação das
habilidades em cada indivíduo. A maioria dos indivíduos com autismo
mostram, geralmente, relativa ou mesmo significante eficácia em certos
aspectos de memória, percepção visual ou raros talentos (desenhos,
perfeita inclinação musical).

Devido aos problemas de base orgânica que definem o autismo não
serem reversíveis, nós não tomamos o "ser normal" como objetivo de
nosso esforços terapêuticos e educacionais. De preferência, o demoroso
objetivo do método TEACCH é usado para os estudantes com autismo
se ajustarem o melhor possível na nossa sociedade assim como um
adulto. Nós buscamos esse objetivo respeitando as diferenças que o
autismo cria em cada estudante e, trabalhando com sua cultura, para
ensinar as habilidades necessárias para se adequarem em nossa
sociedade. Trabalhamos para expandir essas habilidades e o
entendimento dos estudantes, enquanto nós, também, adaptamos
procedimentos parar as suas necessidades especiais e limitações. Com
efeito, o que nós tentamos fazer por eles seria o que nós mesmos
poderíamos desejar para quando viajássemos para um país estrangeiro:
enquanto podemos tentar aprender uma língua estrangeira e acompanhar
as informações sobre os costumes do país, assim como o sistema
monetário, ou como achar um taxi, poderíamos, também, ser felizes ao
ver símbolos em nossa língua, e achar guias que poderiam ajudar-nos no
processo de compra de um ticket de trem ou no pedido num restaurante.
Da mesma forma, os serviços educacionais para pessoas autistas
devem ter duas metas: 1) aumento de inteligibilidade e; 2) tornar o
procedimento mais compreensível.

Para executar essas metas de ajuda às pessoas com autismo, para
uma melhor adaptação na nossa cultura, é necessário projetar
programas sobre as qualidades e deficiências do autismo que afetam
diariamente o aprendizado e as interações. Embora diferente, esta
abordagem do autismo está relacionada com a identificação das
deficiências para propósito de diagnóstico. As características do
diagnóstico do autismo como deficiências sociais e problemas de
comunicação, são usais na distinção do autismo de outros distúrbios,
mas são, relativamente, imprecisas para o propósito de conceitualização
de como o indivíduo com autismo entende o mundo, age de acordo com
seu entendimento e aprende. A seguir estão as características
fundamentais do autismo que interagem para produzir os
comportamentos que abrangem a "cultura" deste distúrbio.

As dificuldades a serem descritas abaixo não são exclusivas do autismo.
Muitos dos traços vistos no autismo são encontrados em outros
distúrbios do desenvolvimento, assim como retardo mental, problemas de
aprendizagem e problemas de linguagem. Algumas são vistas em certas
condições psiquiátricas como distúrbios obssessivo-compulsivo,
personalidade esquizóide e problemas de ansiedade. Muitos, também,
são vistos no desenvolvimento normal da criança ou mesmo em nós. O
que distingue o autismo é o número, a severidade, a combinação e
interação dos problemas que resultam num significativo dano funcional.
O autismo é a composição das deficiências, não uma características.



2. Pensamento

2.1 Falta de significação
O problema que caracteriza o pensamento da pessoa com autismo é a
incapacidade de colocar significação nas suas experiências. Eles podem
atuar no seu ambiente, aprender seus talentos, alguns podem aprender a
linguagem, mas não têm capacidade independente de entender o que
muitas de suas atividades significam. Eles não relacionam as idéias aos
fatos. Seu mundo consiste numa série de experiências e demandas não
relatadas, enquanto os temas, conceitos, razões ou princípios básicos
estão, tipicamente, obscuros para eles. Este severo dano na produção
de significado, provavelmente, aponta muitas outras dificuldades
cognitivas.

2.2 Concentração excessiva em detalhes com uma capacidade
limitadas para priorizar os detalhes importantes
Os estudantes com autismo são, geralmente, muito bons na observação
de minúsculos detalhes. Eles, freqüentemente, notam quando os objetos
do ambiente foram movidos, podem ver minúsculos fragmentos de lixo a
serem apanhados, linhas a serem puxadas, quadros a serem tirados,
telhas a serem contadas, etc. Alguns, também, notam detalhes
sensoriais como sons de pequenos ventos ou de máquinas. Os
indivíduos que possuem um alto nível de inteligência, geralmente,
concentram-se em detalhes mais cognitivos como recados nas estações
de rádio, códigos de áreas de telefones ou capitais dos países. Que os
estudantes com autismo são menos capazes de avaliar a relativa
importância de todos os detalhes, isso eles sabem. Eles podem se
concentrar na visão de um fio que estão seguindo enquanto atravessam a
rua, e, assim, perderem a aproximação de um ônibus que está vindo, ou
podem entrar numa sala, refletirem sobre o vento e ignorarem o fato de o
almoço estar sobre a mesa.

2.3 Distração
É dificuldade freqüente para os estudantes com Autismo prestar atenção
ao que seu professores querem, porque estão concentrados em
sensações que para eles são mais importantes e mais interessantes. E
ainda, sua concentração muda rapidamente de uma sensação para
outra. Geralmente, as fontes de distração para crianças de
baixo-funcionamento são visuais: um professor pode pôr um lápis na
mesa e a criança pode estar tão entretida no lápis que não realiza seu
trabalho. Ou, o aluno vê alguma coisa porta a fora e fica tão distraído que
pára de trabalhar corretamente para ver mais de perto. Estímulos
auditivos podem ser, também, muito importantes para a distração. Um
aluno pode ouvir um barulho que o professor nem mesmo percebeu, o
qual provém de cinco salas adiante, e torna-se impróprio para
concentrar-se. Alguns estudantes com Autismo são, também,
aparentemente, distraídos por uma estimulação interna, assim como o
desejo de um cabo, fio, xícara ou outros objetos que lembram
experiências passadas. Ou, eles se distraem por um processo cognitivo
interno como rimar, contar, computar ou recitar fatos que têm
memorizado. Qualquer que seja a origem da distração, as pessoas com
Autismo têm grande dificuldade de interpretação e põem em prioridade a
estimulação externa ou pensamentos que os invadem. Alguns olham,
movem e exploram constantemente como se todas as sensações
fossem novas e excitantes, que, para eles, são. Outros tratam essa
invasão de pensamentos ignorando a estimulação ao seu redor,
tornando-se preocupados com a limitadíssima disposição dos objetos.

2.4 Pensamento Concreto
Indivíduos com Autismo, negligentes do seu nível cognitivo, possuem,
relativamente, maior dificuldade com conceitos da linguagem simbólica
ou abstrata que com fatos diretos e descrições. Na cultura do Autismo,
as palavras significam uma coisa; elas não possuem conotações
adicionais ou associações. Um exemplo disso é o de um rapaz de 15
anos, com um QI normal, que perguntava o significado de "o primeiro
pássaro agarra o verme". Ele replicava, "se o pássaro acorda de manhã
cedo, pode pegar um verme, e se conseguir vê-lo e pegá-lo, come-o e
continua a procurar por um outro verme". Da mesma forma, quando é
questionado sobre o significado de "não chore sobre o leite derramado",
ele responde: "Se você derramar o leite, não deve chorar sobre ele, mas
deve pegar um pano, limpar onde derramou e depois limpar o pano e
então, ir pegar mais leite".

2.5 Dificuldade para combinar e integrar as idéias
É mais fácil para a pessoa com Autismo entender fatos isolados ou
conceitos, que juntar ou integrar os conceitos com as informações
adquiridas, particularmente, quando os conceitos parecem ser um pouco
contraditórios. Por exemplo: um jovem viajava para fazer acampamento,
regularmente, em um lugar chamado Camp Dogwood. A maioria das
viagens era no outono ou no começo da primavera, nunca quando os
cornisos estavam florescendo. Finalmente, ele realiza seu desejo quando
foi para Camp Dogwood em abril. Sabendo o quanto ele tinha esperado,
a mulher que gerenciava o acampamento colocou uma flor de corniso no
seu prato, então, ele achou a flor quando foi tomar o seu café na primeira
manhã. O rapaz pegou a flor de corniso e foi direto para a cozinha
procurar a gerente, aparentemente, para agradecê-la. Ao contrário, ele
passou um longo sermão sobre a importância da proteção à natureza
(ele era membro de um clube ecológico) e da colheita de flores
inapropriada. Quando foi explicado que ela era uma pessoa legal e que
pegou a flor como um gesto de afeto, ele insistiu que se ela fosse boa,
saberia que ferir o ambiente é errado, e censurando-a, estava fazendo-lhe
um favor. Ele não ele não podia entender como dois conceitos
inconsistentes (pessoas legais salvam o ambiente e pessoas legais
pegam flores) podiam ser ambos corretos.

2.6 Dificuldade de seqüenciação e organização
Os problemas de organização e seqüenciação estão relacionados com a
maioria das dificuldades de integração de múltiplas informações. A
organização requer a integração de diversos elementos para atingir um
fim predeterminado. Por exemplo, se alguém está pretendendo viajar,
precisa antecipar o que vai ser necessário estar em ordem para colocar
na mala antes de ir. Um outro exemplo pode ser a necessidade de
colecionar todo o material necessário antes de completar um tarefa com
sucesso. Habilidades organizacionais são problemas para pessoa com
Autismo porque requerem a capacidade de concentrar-se, ao mesmo
tempo, com a tarefa imediata e a conseqüência desejada. Este tipo de
dupla concentração é que as pessoas não fazem bem quando atendem a
detalhes individuais e específicos.

A seqüenciação, também, é difícil para pessoas com Autismo porque
requer habilidades semelhantes. Não é raro para pessoas com Autismo
formarem séries de atos, numa ordem numérica-produtiva ilógica e
parecem não perceber. Por exemplo, uma pessoa pode levantar-se pela
manhã, pentear os cabelos, tomar um banho e, então, lavá-los. Uma
pessoa fazendo o almoço pode pegar duas fatias de pão e então colocar
a carne em cima, em vez de colocar a carne entre o pão como fazemos
em nossa cultura. Algumas vezes eles colocam os sapatos antes das
meias. Dessa maneira eles nos mostram que enquanto executam os
passos individuais em um processo complexo, eles não entendem as
relações entre o passos ou seu significado com a consideração da
conseqüência final.

2.7 Dificuldades com generalização
As pessoas com Autismo, geralmente, adquirem habilidades ou
comportamentos em uma situação, mas possuem dificuldades para
generalizá-las para situações diferentes. Por exemplo, eles podem
aprender a escovar os dentes com um creme dental verde, então, não
escovam os dentes com um creme azul. Podem aprender a lavar pratos
mas não realizam o procedimento básico usado na lavagem de copos.
Podem aprender a forma literal das regras, mas não entendem o seu
propósito fundamental e então têm problemas aplicando-as em diferentes
situações. Por exemplo, um jovem de alto-funcionamento acostumado a,
bem cedo da manhã, entrar no prédio onde trabalha para trocar suas
roupas. Ele fora avisado que, embora o prédio não estivesse aberto
oficialmente, ainda haviam pessoas lá se preparando para o dia de
trabalho. Aquelas pessoas não o queriam trocando de roupas na frente
delas. Ele, aparentemente, entendeu, mas começou a trocar de roupa no
estacionamento na frente de todos que passavam. Ele, honestamente,
não entendeu a idéia por trás da questão porque teve dificuldades de
saber por outras perspectivas, quando podia ser visto trocando de roupas
e quando não podia.

2.8 Fortes impulsos; ansiedade excessiva; anormalidades
perceptuais e sensoriais
Além das múltiplas deficiências cognitivas, o Autismo possui
características biológicas e comportamentais padrões:

a.Fortes impulsos - pessoas com Autismo são extraordinariamente
persistentes na procura das coisas que desejam, sejam os
objetos favoritos, experiências ou sensações, assim como tocar
em algo, fazer um complexo ritual ou repetir um modelo de
comportamento estabelecido. Estes comportamentos, que
lembram os sintomas de um distúrbio obssesivo-compulsivo,
podem ser muito difíceis para pais ou professores controlarem ou
destruírem. De fato, é uma qualidade própria deles, parecerem
não estarem fora do controle consciente de um indivíduo autista.
Dirigir, controlar e canalizar esses comportamentos é o maior
desafio.
b.Ansiedade excessiva - muitas pessoas com Autismo estão
inclinadas a terem altos níveis de ansiedade; eles, estão,
freqüentemente, tristes ou a ponto de ficarem assim. Algumas de
suas características são atribuídas a fatores biológicos. E, ainda,
a ansiedade pode resultar de freqüentes confrontações com um
ambiente que é imprevisível e opressivo. Devido às suas
deficiências cognitivas, pessoas com Autismo, geralmente, têm
dificuldades de entender o que se espera delas e o que está
acontecendo ao seu redor; ansiedade e agitações são reações
inteligíveis para essa constante incerteza.
c.Anormalidades Perceptuais e Sensoriais - Sabe-se, no campo
do Autismo, há muitos anos, que os sistemas de processamento
sensoriais dos autistas são incomuns. Vemos pessoas com
estranhas preferências alimentícias, pessoas que gastam seu
tempo olhando o sacudir dos dedos, esfregando tecidos contra a
sua face ou ouvindo sons tão perto de seus ouvidos que podem,
também, sentir as vibrações. Nós sabemos de autistas que não
respondem ao som da mesma forma que os outros, fazendo com
que as pessoas pensem que são surdos, quando possuem uma
perfeita acuidade auditiva. Algumas pessoas com Autismo
parecem confundir as sensações ao serem beliscados com as de
fazer cócegas, ou parecem não sentir coisa alguma. Outros
escolhem aproximar-se e afastar-se por horas em modelos
repetitivos. De muitas formas diferentes, as pessoas com Autismo
nos mostram que suas diferenças começam no nível de
processamento de algo ou de todas as sensações que
encontram-se a cada minuto que passa.

[texto integral, em inglês, no site Society For The Autistically
Handicapped]

divulga
silvania

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