Silvania Mendonça Almeida
Margarida
Escolhi,
por causa do amor, ser mãe de um patinho feio que se transformou em cisne.
Dizia o mundo
que meu patinho feio vivia num mundo de patologias complicadas e que nunca descia
do seu céu para cumprir asas e bicar seu lago, pegar peixinhos e algas. Esse
meu patinho era diferente, por assim dizer. Asas encurvadas, bico vermelho e
olhos distantes. Um olhar gratificante, às vezes, para mim sofridos a maior
parte do tempo, lindo e meigo para o lago que lhe inspirava. Sua imagem
refletia em si mesmo. Não deixava de ser imponente, como a história do patinho
feio que virou cisne numa realidade bem diferente.
Se o meu
amor não fosse tão intenso e tenaz, eu diria que teria motivos para desânimo.
Afinal, o nosso raciocínio ainda está fixado apenas em labutas do dia a dia e não
consegue ler nas entrelinhas das ondas do lago.
E patinho
não nada em grandes oceanos, em grandes mares, em grandes rios, em grandes
lagoas, não fica perto de pororocas. Patinho que é patinho nada em pequeno
lago, cobre-se de pequeno manto de água e contorna o “pound” em passos lentos do seu compasso estreito. De vez em quando alça pequeno voo entre arbustos
das margens e fica por ali. Mas sempre
sozinho, olhando a sua imagem refletida na imagem da sua água cristalina.
A minha
preocupação com meu patinho não residia em doenças físicas ou genéticas, em
seguir protocolos, padrões de condutas médicas, calendário de vacinas, lidar com famílias e suas dificuldades. Pato que é pato não são seres complicados
fabricando seres a cada dia mais complicados. É apenas um pequeno ser que precisa de asas
para voar e pés para remar.
Claro que
o mundo está cheio de boas intenções e reparam em tudo. Claro que isso ainda vai desembocar
em insolente e seletiva encrenca das boas – muitos belos patinhos na aparência
tornam-se patinhos feios sem que o sejam.
Mas não como
o meu cisne. O foco das minhas intenções era a educação e instrução em
ensiná-lo a ir ao mais alto grilhão do
céu, buscar a linda estrela e vivenciar a mais pura educação.
Uma educação
focada quase que exclusivamente na instrução fundamentada – como pouca ou
nenhuma preocupação em saber quem somos nós e o que fazemos aqui. Enfim, ter
apenas o interesse em educar para a vida; querer transformar minha ninhada de
patos em número de três, passando pela fase de marrecos e de gansos, em cisnes
num passe de mágica. Mas com sacrifício de quem utilizou as asas.
Ambicionamos
oferecer aos nossos filhos o que a vida nos negou. Nutri-los com disciplina, cuidados, atenção e
amor. Daí, podemos criar fortes e
poderosos seres; sem sofrimentos em
valores e aquisições, pois, além de tudo
foram patinhos feios que a vida ensinou ser cisnes.
Por quê?
Para que? Não teria significado refletir que os episódios ocorrem por misteriosos
desígnios, apenas, porque metade da tarefa é nossa. Afinal somos candidatos a sensíveis
cisnes (que alguns avocam como seres angelicais, mães e pais experientes). A vida não é uma obra alquebrada, mas em direção,
constituição e reconstrução.
E, assim,
biografia afora, o meu pequeno e isolado patinho, que os outros patolenses estão
aprendendo a amar com fervor, vai vida
afora tranquilo e feliz. Olha para um lado e para outro, garboso, não entende a
aflição da sociedade patolense que o rodeia e continua a aprender a nadar.
E
eu? Sou capaz de imitar uma série de
ações que ultrapassam as minhas próprias
competências, mas somente dentro de limites da patolândia.
Patinho
lá, patinho aqui, estou começando a aprender o que seja o autismo. É como o meu
cisne se vê refletido em seu lago, querendo ir para os grilhões do céu. Basta
acompanhá-lo e aprender com ele. Somente com ele.
BH, 26 de junho de 2012. 017mm
Me encantaria com este texto se os atores fossem desconhecidos. Porém, o protagonista desta história, este lindo Cisne, é meu amado primo, por isso além de apreciar a literatura, me emocionei de verdade. Parabéns...
ResponderExcluirPamela Margarida.
Obrigada, querida Pamela, continue a ler os textos que nos incentiva a escrever. Você é uma menina muito inteligente, sua família e seu filhinho são lindos. Obrigada por gostar tanto do André. Amamos você.
Excluirsilvania
Faço das palavras da Pamela, as minhas. Fiquei realmente tocada em ler um texto tão belo sobre meu querido afilhado. Sei muito bem tudo que vocês passam diariamente para fazer do André um garoto tão especial. Fico encantada com a paciência e carinho que possuem com ele. Parabéns pelo texto e por tudo que fazem pelo André.
ResponderExcluirBeijos,
Naná
Obrigada Naná querida pela visita. Deixei um recadinho lá no seu lindo site.
Excluirbeijos
Silvania
Nossa, este texto foi muito inspirado. Quem poderá produzir tal ligação sentiu na alma o amor pelo autismo. Lindo!
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