AUTISMO INFANTIL X "SURDEZ":
UM ESTUDO SOBRE O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Monografia de conclusão do curso de Especialização em Audiologia Clínica
Belo Horizonte - Fevereiro/ 2000
Autora: Érica Gomes Fornero
- Fonoaudióloga da Equipe TID ( Transtornos Invasivos do Desenvolvimento) do Centro Psicopedagógico (CPP - FHEMIG) - B.H/ MG
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RESUMO
O presente estudo tem como objetivo refletir sobre o diagnóstico diferencial entre a surdez e o autismo infantil. Este diagnóstico tem se constituído em uma dificuldade, provocando muitos contratempos no que diz respeito ao prognóstico, tanto de uma condição quanto de outra.
A suspeita de surdez pelos pais tem representado a primeira queixa e tem sido um achado sistemático na história da criança autista, o que poderia, portanto, funcionar como um forte propulsor para o diagnóstico correto. No entanto, é notado que nessa condição o caso fica indefinido ou definido erroneamente, por tempo maior que o necessário, atrasando um tratamento específico e direcionado aos déficits do indivíduo autista.
É comum se atender uma criança autista tendo-a como surda, uma autista e surda concomitantemente, tendo-a apenas como surda ou como autista e, até, ainda que mais raro, uma criança surda tendo-a como autista. Essa dificuldade ocorre, em grande parte, em função de um conhecimento restrito do autismo, inclusive pelos próprios profissionais. A essência desses acontecimentos liga-se ao fato de que o indivíduo puramente autista, apesar de não ter uma deficiência auditiva, tem um problema auditivo, mas de ordem central. Sobre esse, há controvérsias quanto ao mesmo estar em nível neurológico inferior ou superior.
Este trabalho poderá fornecer subsídios para o entendimento das diferenças entre a criança autista e a surda, desde os aspectos comportamentais gerais e os achados auditivos (objetivos e subjetivos) até os aspectos anátomo-funcionais. Através desses, houve a intenção de enfatizar as hipóteses etiológicas vigentes para o autismo, as quais acredita-se poderem explicar os peculiares comportamentos auditivos do indivíduo autista. Esses, particularmente a ausência de reações auditivas, fazem suspeitar de surdez o que exige encaminhamentos laboratoriais coerentes, bem como da habilidade em identificar os traços clínicos distintivos, muitas vezes sutis, entre os sintomas auditivos, tanto da surdez, quanto do autismo. Assim, os profissionais que estiverem mais a par dessa problemática, poderão detectar precocemente e incluir essa criança num plano terapêutico e educacional adequado às suas necessidades específicas.
Verifica-se que o tratamento precoce é primordial e uma criança autista não pode ser tratada como surda, da mesma forma que esta não pode ser tratada como autista.
ABSTRACT
The present study has as objective to contemplate on the diagnosis diferencial between the deafness and the infantile autism. This diagnosis has been contituting in a difficulty , provoking many setbacks in what say respect to the prognostic, so much os a condition as of another.
The suspicion of deafness for the parents has been representing the first complaint and it has been a systematic discovery in the autistic chil’s history, what coulded not, therefore, to work as a strong propeller for the correct diagnosis. However , it is noticed that the case is indefinite or defined erroneously, for larger time than the necessary, putting back a specific treatment and addressed to the autistic individual’s deficits.
That difficult happens, largely, in function of a restricted knowledge of that syndrome, besides for the own professionals that treat her. It is common to assist an autistic child tends it as deaf, an autist and deaf concomitantly, just tend it as deaf or as autistic and, untill, although rarer, a deaf child tends it as autistic. The essence of those events links to the fact that the individual purely autistic, in spite of not having na auditory deficiency, he has an auditory problem, but central order. On that, there are controversies with relationship to the same to be in inferior neurological level or superior.
This work can supply subsidies for the understanding of the differences between the autistic child and the deaf, from the aspects general behaviours and the auditory discoveries (objectives and subjectives) untill the anatomical-functional aspects. Through of thouse, there was the intention of emphasizing the hypotheses effective etiologicals for the autism, which it is believed could explain the autistic individual’s peculiar auditory behaviors. Those particularly the absence of auditory reactions, they make to suspect deafness that demands directions coherent of laboratories, as well as of the ability in identifying the distinctive clinical lines, many subtle times, among the auditory symptoms, so much of the deafness, as of the autism. Like this, the professionals that are more informed of that problematic one, they can detect precociously and to include that child in a therapeutic and educational plan adapted to its specific needs .
It is verified that the precocous treatment is primordial and na autistic child cannot be treated as deaf, in the same way that this cannot be treated as autistic.
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares, que sempre estiveram presentes ao meu lado, dando-me um suporte afetivo, fundamental à minha constituição como pessoa, e conseqüentemente , como profissional.
Ao querido primo Pedro Henrique Silva Gomes, pela boa vontade e apoio incondicional e expontâneo nas repentinas circunstâncias as quais lhe recorri, devido suas habilidades em Ciência da Computação.
Ao meu marido, pela paciência e compreensão de minha batalha profissional, por saber o tanto que a valorizo e do significado, também pessoal, que ela representa.
À Equipe T.I.D. do Centro Psicopedagógico, por compor, com amizade e profissionalismo, meu caminhar profissional. Pela compreensão e paciência aos meus específicos defeitos, no dia a dia juntos. Pela retroalimentação constante de conhecimento através da troca de experiências. Pelo amparo nos momentos difíceis e, principalmente, pelo compartilhar de um objetivo comum, ou seja, a busca do melhor, cada um em seu enfoque, para o indivíduo portador de transtorno invasivo do desenvolvimento (T.I.D.).
Ao Dr. Walter Camargos Jr., por ter criado a equipe T.I.D., da qual faço parte, pois a mesma me inspirou, dando-me bases, para encontrar meu caminho profissional. Por tanto ter ensinado-me, às vezes até desapercebidamente, além de por sempre estar disponível a eventuais necessidades profissionais. Pela demonstração de confiança, acompanhada de sua performance exigente, crítica e motivadora, o que concerniu em bons frutos. E, mais do que nunca, pelo apoio na análise desse trabalho, pela amizade conferida e identificação com o tema.
Ao Dr. Lucas Monteiro de Castro, como entidade fundamental na análise dessa obra, particularmente como profissional multigabaritado, devido às diversidades de conhecimentos e, também, por constituir uma pessoa de essência única, o que já pude perceber através de um convívio profissional.
À Pedagoga Margarida Maria de Matos (Maggy), pela colaboração dada à estrutura do texto, sintaxe e coerência lingüística. Pelo apoio amigo e clareza sempre oferecida, em resposta a muitos argumentos que a conferi.
Ao Dr. Rainer Walter de Souza Jr pela possibilidade de discussão de alguns tópicos do trabalho bem como análise dos mesmos, com ponto de vista crítico. Pela compreensão explícita em sua devolutiva e valor conferido, assim como pela sintonia e identificação com o tema.
Á Dra. Marília Ferreira Gomes, profissional e pessoa extremamente carismática, que assume sua profissão como um sacerdócio. Pediatra que se dedica à criança com prazer, competência e com o coração. Agradeço as opiniões dadas, sempre com boa vontade, independente do momento que a solicitei; o olhar e sorriso amigo unidos aos braços sempre abertos, tanto no sentido profissional, quanto no pessoal e à curiosidade e interesse demonstrados pelo tema.
À Dra. Maria Elizabeth Silva Teixeira, Psiquiatra Infantil, por ter demonstrado perceber em mim um ímpeto científico através de observação empática. Observação esta que me alimenta, juntamente com seus encorajamentos amigos, a ter sempre uma busca incondicional e incessante de pesquisa...
À fonoaudióloga e escritora Mírian Goldenberg, pela colaboração com a estrutura padrão de um trabalho científico; aporte técnico, formal e metodológico à confecção desta obra.
" A importância prática de um diagnóstico correto está no fato de as crianças portadoras de diferentes tipos de problemas variarem significativamente em suas necessidades.
A menos que um diagnóstico diferencial seja feito, suas potencialidades serão perdidas..."
(H. Myklebust, 1954)
"É muito comum que crianças autistas me sejam encaminhadas para fins diagnósticos, após já estarem sendo tratadas. Inclusive, grande parte destes casos chegam de fonoaudiólogos que foram procurados pelos pais dessa criança que não fala, apresenta transtorno lingüístico ou da qual suspeita-se de surdez. No entanto, normalmente essa criança é primeiro submetida a enfoques terapêuticos, compostos por planejamentos deslocados de suas necessidades específicas, por tempo considerável. É no decorrer dessa terapêutica que vão surgindo questões ou suspeitas de o caso ser de ordem psiquiátrica devido a ausência de retorno à terapia, momento em que ocorre tal encaminhamento. A questão é que, o atraso dessa suspeita dificulta um diagnóstico precoce e, conseqüentemente, a inclusão desse indivíduo em abordagens terapêuticas eficazes à condição..."
DR. Walter Camargos Jr.
Psiquiatra Infantil
"Crianças com distúrbios de comportamento e/ou de linguagem, associados ou não ao envolvimento de outras funções neurológicas, são muito freqüentemente encaminhadas à avaliação.
Através de uma análise metodológica clínica auxiliada de recursos complementares laboratoriais, neurofisiológicos ou imagenológicos estruturais e/ou funcionais, há, no geral, o objetivo de definir o diagnóstico, de forma mais precoce e acurada possível.
Tal ânsia profissional é ainda maior na população infantil, a fim de orientar adequadamente a terapêutica. No entanto, o autismo infantil persiste como uma condição de diagnóstico puramente clínico e com etiologia desconhecida, apesar de toda a evolução científica proporcionada na chamada década do cérebro.
Dessa forma, é essencial que o olho clínico observador seja minucioso, crítico e inteligentemente analítico, e, os sintomas auditivos, como veremos, são realmente relevantes."
Dr. Rainer Walter de Souza Júnior
Médico Neurologista e Neurofisiologista
"Com estilo próprio e apurado rigor técnico a autora discorreu, de forma clara e precisa, sobre tema tão complexo e desafiador, trazendo lúcida contribuição aos especialistas da área."
Dr. Lucas Monteiro de Castro
Médico Neurologista Infantil, graduado em direito e filosofia, mestre em letras
SUMÁRIO
Página
-Introdução 2
-Definições e Considerações Importantes 13
-Autismo Infantil 20
-A dificuldade auditiva do indivíduo autista e seu comportamento perante os sons 30
-A dificuldade diagnóstica 36
-Os aspectos etiológicos do autismo infantil e a teoria biológica 39
-O ABR: seu significado e importância 50
-Déficit auditivo periférico associado ao autismo 55
-Fundamentos sobre a coexistência surdez e autismo 61
-Os achados centrais de ABR e de outros testes eletrofisiológicos 63
-Considerações finais 73
-Referências bibliográficas 78
INTRODUÇÃO
Dani nasceu no mês de outubro, naquele dia em que as crianças ganham presentes, balas e se sentem o centro das atenções. Sua mãe, Rita, estava ansiosa para lhe dar o seu presente mais precioso e aguardava sua chegada do berçário, na maternidade. Mal podia esperar homenagear o filho que acabara de vir ao mundo, com o presente que só ela poderia dar: o leite materno!
Dani chegou no colo da enfermeira que o colocou em seus braços. Rita já se pôs a preparar seu seio, que, para ela, naquele momento, era um saco cheio de presentes, e, Dani, a criança ansiosa pelo Papai Noel. Porém, ele não se importou com o seu seio, pronto para dar-lhe o alimento e a nutrição. Pelo contrário, demonstrava um incômodo diante do aconchego e do contato com o seio e a pele da mãe. Não se acolhia ou se entregava, nem tão pouco procurava seu olhar. Quando Rita insistia na situação, despertava o choro de Dani e certa inquietação. Assim, a opção foi esperar que a criança tivesse fome; porém, horas se passaram e Dani não se manifestou. Mais uma tentativa com o seio e, no entanto, a obtenção da mesma reação. Daí, perante o estresse da situação, a enfermeira aconselhou um teste com a mamadeira. Rita bombeou seu leite e o transferiu para a mesma.
Antes dela, mais uma tentativa com o seio, e... nenhuma mudança. Enfim, a mamadeira. O que aconteceu? O melhor presente de dia das crianças para Dani... Como toda decepção, o tempo cura. Tal preferência foi contornada e aceita por Rita.
Daí, Dani foi crescendo e desenvolvendo-se: era mais "molinho" que as outras crianças, mas nada tão diferente; andou um pouco mais tarde que o padrão (1 a 5 m.), e, segundo a mãe, era o melhor bebê do mundo! Não dava trabalho, quase não chorava, e, nem mesmo lhe dava a preocupação de preparar a alimentação pastosa, pois "não gostava". Só líquidos em geral já lhe bastava. Isto, no fundo, era uma honra para a mãe, pois, apesar de ter rejeitado seu seio, o seu leite era o alimento preferido e o mais valioso para Dani, mesmo que bombeado. Rita chegou a fazer até uma canção rotineira para o filho: "_ Dani... Dani... Tão quietinho e educado, rechonchudo bonzinho da mamãe..."
No entanto, ela começou a perder seu equilíbrio diante de tanta quietude e tranqüilidade, principalmente quando começou a perceber que Dani estava demorando a falar, não atendia quando era chamado por seu nome e não reagia, da forma esperada, a certos sons intensos, os quais assustariam qualquer criança. A partir daí, ela foi capaz de fazer uma recapitulação do perfil de seu filho, nos tempos anteriores a essa sua percepção. Através disto, identificou que Dani não procurava os estímulos do berço, raramente sorria ou vocalizava, e, não se lembra de seu filho ter lhe estendido os bracinhos, alguma vez, para que fosse pego em seu colo. Lembrou, que, quando engatinhava, não se assentava para observar o ambiente, não reagia sempre aos eventos e é uma criança que tende a se esguiar de toques e carinhos. Através dessas lembranças, começa agora a refletir, achando estranho até, aquilo que antes não a preocupou e sim a lisonjeou: seu filho não aceitou alimentação pastosa na idade em que deveria. No entanto, já agora, atenta-se ao fato de Dani não ser, também, muito "chegado" à alimentação sólida. Enfim, começam a lhe chamar a atenção fatos passados, os quais, no momento que ocorreram, não foram percebidos. A falta de interesse pelos móbiles do berço e seus sons, a falta de reciprocidade social e comunicativa, assim como, vários tipos de desinteresses ficam claros para essa mãe.
Então, Rita se desequilibra emocionalmente, perante o desinteresse de seu filho pela fala das pessoas e pelo fato de não atender ou olhar quando é chamado pelo nome. Preocupa-se ainda mais quando associa isto a uma fala ausente. Daí, Rita começa a cultivar uma dúvida infeliz: "- Dani é surdo?". Através disto o pediatra é procurado, o qual pede um exame audiológico, que é marcado para daqui duas semanas.
Aguardando o dia do exame, essa mãe tende agora a observar seu filho minuciosamente, paralelamente a um sentimento de expectativa pelo resultado do exame. Em sua apurada observação, percebe-se fatos que lhe dão uma sensação de alívio. Ao mesmo tempo que Dani não atende quando é chamado ou ignora completamente sons fortes, como os do aspirador de pó, enceradeira ou o de um objeto pesado caindo no chão, foge de outros, tapando seus ouvidos e tentando se esconder, demonstrando, até mesmo, certo desespero. Ao mesmo tempo que não reage ao som de uma buzina estridente, reage ao som do tilintar de um papel, ou, ao som da verdura sendo jogada na panela para ser refogada. Com tal observação, Rita não precisou do exame em mãos. Ela podia afirmar, com certeza, que seu filho não era surdo. O exame confirmou sua certeza, até então subjetiva, mas relatou outros tipos de anormalidades, que fogem do aspecto quantitativo auditivo, mas que podem significar desordens qualitativas.
Na busca da definição do problema de Dani e da causa de certos comportamentos estranhos e falta de outros, Rita e Dani fizeram uma "tournée" médica. Conheceram vários pediatras, neurologistas, fonoaudiólogos e psicólogos. O último profissional a ser conhecido foi o psiquiatra infantil. Após várias avaliações e entrevistas, Rita conseguiu encontrar uma das coisas que buscava, no entanto, a outra não foi possível: obteve o nome do problema de Dani, mas não, a causa do mesmo. Quando saiu da sala, onde foi lhe dado o tal nome, por uma equipe de vários profissionais, encontrou com uma outra mãe, cuja filha era atendida neste mesmo centro onde lhe foi dado o diagnóstico de Dani. Na sala de espera, durante todo este processo, elas tiveram oportunidade de se conhecerem e trocar idéias. Neste encontro, de forma mais que normal, essa mãe lhe perguntou se já havia resolvido o problema. Rita disse:"- Sim... enfim descobriram! Os doutores disseram que o Dani é autista. Graças a Deus ele não é surdo! Ufa...!"
Mal sabia Rita que essa designação tão simples refere-se a um quadro de extrema gravidade, que excede os malefícios da surdez e que acompanha o indivíduo em toda a sua vida, não havendo "cura". Uma vez tendo se manifestado, a síndrome do autismo persiste durante toda a vida, independente da evolução e do progresso que possa apresentar. Assim, desde o momento do diagnóstico, a condição dessa criança deve ser amplamente discutida com os pais, ajudando-os a lidar com esta complexa situação. Se isto se fizer, é uma colaboração para que haja evolução e um desenvolvimento melhor.
É importante salientar que a dúvida de Rita é muito comum entre os pais de crianças autistas, pois os mesmos são correntemente questionados por outras pessoas sobre a audição de seus filhos, além deles próprios, notarem características que fazem pensar em surdez, sendo que, uma delas, é a ausência de fala. Tal dúvida, se bem analisada pelo profissional procurado, é um veículo para o diagnóstico correto, e, portanto, para um melhor prognóstico, já que o direcionamento e o enfoque terapêutico da surdez em si e do autismo é diferente. Além do mais, quando surge a dúvida a tendência é procurar esclarecê-la.
Tenho visto em minha prática, que a grande maioria dos pais, de pacientes autistas, já desconfiaram que seu filho era surdo. Em grande parte dos casos, essa dúvida dura pouco devido a observação de certos detalhes que indicam presença de audição. Chegam, por sinal, a indicar uma audição um tanto refinada e apurada, porém, circunscrita e seletiva. Através disto, a frase duvidosa: "- Meu filho é surdo?", gradativamente é substituída por uma frase afirmativa: "- Ele só ouve o que ele quer e quando ele quer."
Há casos em que não ocorre tal transposição frasal e a criança é realmente surda. Mas, neste caso, a tendência é não ocorrer os fatos que compõem a recapitulação de Rita, já descrita. A criança surda - pura tenta se comunicar e interagir. Há um déficit social como repercussão da surdez, mas, o comportamento da criança apenas portadora de surdez é diferente do da criança autista.
A criança portadora apenas de deficiência auditiva ou até de surdez (respectivamente falta parcial ou total de acuidade auditiva-sensação sonora) usa com nitidez os canais sensoriais íntegros, de forma até mesmo exagerada, a fim de compensar a restrição ou falta que tem, ou seja, a auditiva. Todo o tempo vemos em uso a sua busca de informações, através dos canais visuais, proprioceptvos e somes tésicos, procurando enriquecer o input informativo, incompleto, devido ao déficit auditivo quantitativo. Essa criança está todo tempo atenta aos caracteres informativos ambientais, procurando interagir através de uma inspecção visual qualitativa e quantitativa, atentando-se sempre aos gestos indicativos e sociais-convencionais do outro, ao mesmo tempo que também os usa a fim de se comunicar. Tais condutas refletem uma ânsia comunicativa e compensatória perceptiva dos contextos, a qual está inserida, chegando a representar, portanto, um perfil hiperativo, que se difere da hiperatividade, freqüentemente observada nas crianças autistas. No caso de a deficiência auditiva ser congênita ou pré-linguística, como no autismo, a fala também tende a ser ausente, ainda aos dois anos de idade. Este é o fenômeno mais freqüentemente eliciador das primeiras buscas de auxílio médico pelos pais, tanto em uma, quanto em outra condição. No entanto, a criança deficiente auditiva procura imitar e emitir sons intencionalmente, mostrando até angústia no insucesso, particularmente, quando já percebe a existência de "algo" que não sente e, portanto, não conhece. O desenvolvimento lingüístico é comprometido não por um fator intrínseco neurológico ou mental, mais complexo e abrangente, mas pela falta do traço modal passivo (auditivo) que, por não ser captado, nào se associa aos outros parâmetros sensoriais que foram recebidos e então, decodificados e assimilados. Assim, não há um significado auditivo possível de ser registrado (esquemas mentais auditivos), porque as estruturas do ouvido, responsáveis pela captação sonora, estão comprometidas.
Dessa forma, a criança deficiente auditiva não atenta-se aos sons ou não olha, quando é chamada pelo nome, porque seu ouvido deficitário não os capta. No caso de a falta de acuidade auditiva ser parcial, ela atenta-se ou olha, quando a intensidade do som ou do chamado é alta. Pode, também, haver respostas a sons de certas freqüências sonoras e a de outras, não. Isto, porque o aparelho auditivo é provido de uma tonotopia freqüêncial, havendo áreas mais ou menos sensíveis às diferentes faixas freqüênciais (grave, médio, agudo). Dessa forma, uma criança com restrição auditiva parcial pode mostrar respostas aos sons que variam, de acordo com o grau ou tipo de comprometimento. Assim ela pode necessitar de uma maior intensidade sonora, para responder a sons de freqüência aguda e menor, para responder aos graves ou vice-versa. Isso reflete uma variação de respostas em seu comportamento auditivo. Já, quando a restrição auditiva é total, é realmente notada uma ausência de respostas auditivas.
Como abordado na história de Dani, é, também, típico do comportamento auditivo das crianças autistas a variação e oscilação dessas respostas. No entanto, ao mesmo tempo que elas podem não responder a sons extremamente intensos, respondem a sons muito pouco intensos, além de não demonstrarem um segmento definido de respostas por faixas de freqüências. Os pais das mesmas associam suas respostas a fontes sonoras que lhe são interessantes ou que se relacionam a contextos ou situações de seus interesses específicos. Relatam que "às vezes, o som é mínimo e ele olha" e, paralelamente, pode ignorar sons realmente muito intensos e incômodos. Segundo eles, esta última conduta é identificada primeiro, o que desencadeia, também nessa ordem, a suspeita de que o filho é "surdo".
Fazendo-se um comparativo entre a criança autista e a criança parcialmente surda, nota-se, nessa última, um caráter bastante definido de suas respostas, no que diz respeito aos parâmetros intensidade e freqüência sonora: dependendo do caso, ela pode responder somente a sons graves de alta intensidade ou a médio, ou a sons graves em intensidade próxima do padrão ambiental mas nunca a sons agudos; pode responder aos sons graves, mas aos agudos somente quando em alta intensidade ou vice versa.
Na criança autista não é observado esse caráter definido, havendo uma inconstância muito grande de respostas. Ela pode responder a um determinado som em um momento e não responder, ao mesmo som, em outra ocasião, independente de sua intensidade ou freqüência. Pode, por exemplo, sempre responder a determinados sons (seletividade), mas nunca a outros ou responder assistematicamente a estes, bem como essa assistematicidade pode ser global. Entretanto, suas respostas não mostram vínculo de forma organizada, a parâmetros sonoros físicos.
Outro traço comparativo relaciona-se ao aspecto social-interativo e comunicativo que o deficiente auditivo parcial ou total apresenta, como já descrito e o autista, não. Esse parâmetro relaciona-se a intenção e iniciativa, bem como às funções comunicativas básicas em grau e qualidade. O deficiente auditivo age através de condutas comunicativas, apresentando iniciativa interacional. Perante um desejo ou necessidade, recorre ao outro (função comunicativa regulatória solicitativa). Mesmo que através de formas proporcionais a sua restrição (auditiva) tal conduta não deixa de exprimir uma qualidade rica interativa, comunicativa e afetiva. Já o indivíduo autista, independente do grau do "espectro autístico" (o que ainda será comentado) observa-se uma dificuldade, quanto a intenção interativa-comunicativa, assim como nessa função regulatória. Apesar de esta ser a função comunicativa mais presente ou mais comumente desenvolvida no autista (solicitação) nota-se um caráter pobre, mecânico, frio, de qualidade até mesmo bizarra. Quanto às duas outras funções comunicativas básicas (função comunicativa social e a de atenção conjunta), nota-se, também, estarem nitidamente presentes no indivíduo surdo. Este adota mecanismos a fim de chamar a atenção do outro para si ou para seus feitos. Mostra preocupar-se, quando o pai ou a mãe estão distraídos e usa de artifícios, para desviar a atenção dos mesmos para si. Os meios usados são proporcionais às suas limitações, mas são dotados de carga afetiva e/ou emocional. É também observado no mesmo, a intenção de compartilhar gostos, pensamentos, fatos ou acontecimentos (atenção conjunta), cuja prática exprime boa qualidade afetiva e social. Essas funções são observadas até mesmo, quando este indivíduo, com restrição auditiva, tem algum comprometimento emocional associado. Neste caso, são também usadas as funções comunicativas. Não de forma tão rica e ativa de quando não há nenhuma dificuldade emocional-afetiva, mas também, nem tão fria e robótica como na criança autista. Nota-se nessa criança (surda com dificuldade emocional) um olhar social (ainda que mais tímido), busca de comunicação, reciprocidade e de compartilhar. A qualidade mostra um aspecto mais retraído, mas a carga afetiva não é ausente em suas condutas, o que é diferente na criança autista. Esta, sendo bem trabalhada, e dependendo do grau autístico, pode vir a desenvolver satisfatoriamente as funções sociais e de atenção conjunta. No entanto, estas não perdem a qualidade distante, fria, robótica e de caráter voltado para seus próprios interesses. Não há um objetivo incondicionalmente de troca afetiva e social em suas condutas comunicativas, por menor que seja o grau autístico.
Assim, há pontos contrastantes nas condutas comunicativas e interativas próprias tanto da surdez, quanto do autismo. Elas são mais ou menos detectáveis, de acordo com o grau e tipo de autismo ou com a associação de uma dificuldade emocional à surdez ou deficiência auditiva (no caso do indivíduo portador destas restrições), onde o aspecto emocional mais tímido e retraído pode ser fator de confusão diagnóstica.
Apesar das diferenças, é difícil para os pais e pessoas do contato dessa criança autista, bem como para muitos profissionais e educadores, identificarem tais diferenças, o que realmente é complicado para quem não lida cotidianamente com as crianças autistas ou trabalhe diretamente com elas. A questão é que, a dúvida quanto a audição da criança autista acaba levando à descoberta de sua real condição, como no caso de Dani, sendo portanto importante saber que tal dúvida correlaciona-se com esta síndrome.
Sabemos que a desconfiança de surdez pelos pais de crianças autistas é, em geral, a primeira dúvida. Quando a criança é somente autista, normalmente os pais, por si mesmos, descartam essa questão, devido a comportamentos auditivos circunscritos do filho, que os fazem crer que o mesmo é ouvinte. No caso das duas condições serem associadas, os pais desconfiam da surdez, mas não se aliviam pela possibilidade de a mesma não existir, como ocorreu com Rita. Nesta última situação, de biexistência, tem sido visto que os dois diagnósticos tendem a ser estanques, ou seja, é detectado inicialmente somente o autismo ou apenas a surdez, o que dificulta um melhor prognóstico, já que o direcionamento ou plano terapêutico de uma criança surda e autista, ou só autista, se diferem.
Os aspectos do comportamento auditivo, tipicamente encontrados na criança autista, é o assunto essencial deste estudo a medida que geram dúvidas sobre sua acuidade auditiva. As mesmas cruzam diagnósticos diferentes que envolvem surdez, autismo infantil e a comorbidade entre ambas condições. Cada uma destas três situações exige condutas educacionais e terapêuticas diferentes, para que o indivíduo portador desenvolva-se da melhor forma possível. No entanto, há dificuldades diagnósticas por parte de muitos profissionais, o que interfere na precocidade de um tratamento adequado. Atribuo-as à falta de um conhecimento mais consistente sobre a síndrome do autismo infantil em si, bem como, a uma falta de iniciativa de encaminhar essas crianças à avaliação audiológica adequada. Esta última questão é essencial, particularmente nos casos de comorbidade, onde o autismo pode estar claro, e por isso, a falta de reação aos sons é diretamente atribuída a condição autística, sem nem mesmo ser verificado o status auditivo. Assim, essa criança é inserida num plano terapêutico cuja a abordagem seria apenas a condição autística. Por outro lado, a falta de reação aos sons pode ser atribuída, pelo profissional, somente a um quadro de surdez. Isto pode ser devido à simples falta de conhecimento de que tal sintoma não se correlaciona apenas com um problema de acuidade auditiva, mas também pode incluir uma anormalidade central, tendo caráter perceptivo, como ainda será comentado. Temple Grandin é um exemplo consistente deste aspecto. Ela é uma mulher autista, cujas condições permitiram-lhe um bom desenvolvimento da habilidade comunicativa de descrever seus sintomas autísticos "auditivos". Isto porque o seu autismo é o chamado High - Functioning ou de alto funcionamento, o qual será brevemente explicado na discussão teórica. Outra explicação para isso, é que, em seu caso, houve um diagnóstico relativamente precoce, que propiciou uma intervenção precoce, iniciada aos 2 anos e meio de idade. Hoje, ela é capaz de conviver com suas deficiências, tem 51 anos de idade, é autora de vários livros tendo uma carreira internacional. Grandin escreveu um artigo aos 44 anos de idade, onde ela conta sua experiência como indivíduo autista e suas sérias dificuldades. Desse material, foram selecionadas algumas informações de suas dificuldades perceptivas - auditivas, que estão expostas na discussão teórica: "Minha audição funciona como se eu usasse um aparelho auditivo, cujo controle só funciona no super alto. É como se fosse um microfone ligado que capta todo barulho ao redor. Eu não consigo moderar os estímulos auditivos que entram por meus ouvidos" (Grandin).
Assim, Grandin é uma prova concreta de que existe uma dificuldade atentiva, receptiva e/ou perceptiva auditiva associada ao autismo infantil. Tal fato relaciona-se ao objetivo do presente estudo. É considerável que a falta de reações auditivas não pode ser imediatamente atribuída a um quadro de surdez, já que tal falta pode ser devido a anormalidades perceptivas. Da mesma forma, ela não pode ser diretamente atribuída a tais anormalidades, mesmo que o quadro autístico pareça claro, pois o mesmo pode ser acompanhado de surdez.
Através de tudo isto, este estudo tem como objetivo dar subsídios de reflexão ao leitor sobre os déficits auditivos e o comportamento auditivo decorrente dos mesmos, do indivíduo autista e o que pode explicá-los. Pretende-se ainda mostrar, que há motivo para se preocupar com a coexistência de autismo e surdez, pois, esta existe em um número não subestimável de casos. A surdez não deve ser descartada subjetivamente, mesmo nas situações em que o autismo esteja claro. Ela deve ser descartada através de exame adequado. Ainda devemos ter em mente que ela pode estar também presente juntamente à condição autística, o que exige um plano educacional e terapêutico diferente.
Acredito que este estudo pode colaborar para a conscientização dessa questão chave, que envolve a frase duvidosa dos pais, já descrita, além de aflorar uma maior cautela diagnóstica nos profissionais que lidam com crianças, de uma forma geral. É ainda minha intenção que o leitor conheça e entenda as possibilidades explicativas existentes da falta de reação aos sons alternada com hiper-reações, o que não envolve déficit auditivo periférico (de acuidade auditiva). Assim, a pretensão é estar contribuindo para que essas crianças não sejam mais vistas ou encontradas em clínicas de otorrino, foniatria ou fonoaudiologia sem diagnóstico ou com um diagnóstico incorreto. É importante pensar na possibilidade diagnóstica de autismo, sendo essas crianças difíceis de testar, o que interfere negativamente na clareza diagnóstica. O resultado normalmente é o de falsa surdez, uma vez que não respondem a estímulos auditivos. Os profissionais devem observar o comportamento global destas crianças, que, como já descrito, se difere do de um paciente surdo ou surdo mudo, até mesmo com comprometimento emocional associado. No exame audiológico comportamental do indivíduo autista é notado a hiper ou hiporreatividade aos estímulos sonoros. A grande oscilação dos resultados, ou, a pouca congruência dos mesmos aparecem, o que não ocorre nos casos de deficiência auditiva.
DEFINIÇÕES E CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES
Antes de nos entretermos no tema central, já exposto, é fundamental o esclarecimento sobre alguns conceitos e definições importantes de serem conhecidas para que auxiliem no raciocínio sobre o tema e sobre o objetivo central do presente estudo:
.Comprometimento auditivo periférico: diz respeito a um problema auditivo quantitativo, ou seja, à perda auditiva . É o que é comumente chamado de deficiência auditiva, havendo restrição quanto a acuidade (captação do som) já abordada anteriormente. O órgão cuja função está acometido é o ouvido e não áreas auditivas cuja representação é o sistema nervoso. Por isso, é usado o termo periférico. Tal acometimento, de acordo com Momensohn e Russo (1994), pode ser classificado de acordo com o local, grau, momento em que ocorre e pela sua origem. Segundo essas mesmas autoras, as perdas auditivas (problema periférico) podem refletir comprometimento em nível de ouvido externo (meato acústico externo, pavilhão auricular) e médio (ossículos), sendo, nesses casos, denominadas condutivas ou em nível de ouvido interno (cóclea) e/ou nervo auditivo, onde são chamadas de neurosensoriais. Por outro lado, há casos em que o transtorno pode estar em nível central (áreas auditivas do sistema nervoso), mas nesses casos o termo usado pelas mesmas autoras é distúrbio, ou seja, distúrbio auditivo central. As perdas auditivas condutivas podem ser desencadeadas desde por um simples corpo estranho no conduto auditivo externo, até por completa mal-formação do sistema de transmissão aéreo-sonoro (conduto auditivo externo, membrana timpânica, ossículos da caixa timpânica). Tais tipos de perdas podem envolver: mal-formação de pavilhão auricular, micrótia, atresia de conduto auditivo esterno (ex. síndromes), disfunção tubária, otite média, colesteatoma, tumor, etc. Já em perdas neuro-sensoriais, a patologia encontra-se em nível do órgão de Corti e/ou trajeto periférico do nervo auditivo, que podem ter sido comprometidos por vários motivos como: displasias genéticas, síndromes genéticas, anormalidades cromossômicas (fator genético), ototoxicoses, infecções virais (rubéola, citomegalovirus) e bacterianas (meningite), etc. As perdas auditivas podem, também, ser classificadas quanto ao grau, sendo consideradas leve, entre 26 e 40 db; moderada, entre 41 e 70 db; severa, entre 71 e 90 db e profunda, acima de 91 db (Davis e Silvermann, 1970). No entanto, o parâmetro usado para crianças é diferente. Segundo Northen & Downs (1991), nessas, a audição só é considerada normal até 15 db de limiar auditivo. Se o mesmo estiver entre 16 e 25 db, considera-se haver uma perda auditiva leve; entre 26 e 40 db, moderada; entre 41 e 55 db, moderada a severa; entre 56 e 70db, severa; de 71 a 90 db, profunda e acima de 90 db, total. Quanto ao momento que ocorrem, as mesmas podem ser congênitas (antes do nascimento) ou adquiridas (após o nascimento). Quanto a origem, temos as hereditárias e as não hereditárias (Paparella, 1973). Quando o problema auditivo não é de ordem periférica, trata-se de um distúrbio auditivo central. Neste caso observa-se achados audiométricos dentro do padrão de normalidade, porém há dificuldades na percepção, decodificação e/ou interpretação sonora. Tais dificuldades podem envolver dificuldades simples para tarefas auditivas até uma total falta de compreensão da fala. A detecção deste tipo de problema pode ser feita através da observação apurada do comportamento auditivo e/ou através da achados eletrofisiológicos.
.Comportamento auditivo: a qualidade e quantidade das respostas auditivas de uma criança durante o primeiro ano de vida depende do processo maturacional evolutivo do sistema nervoso. A aquisição, bem como a modificação das respostas da criança aos sons constitui-se em uma hierarquia comportamental auditiva, o que é um fenômeno normal. A gradação das respostas observadas e o aprimoramento das mesmas são reflexo de que o sistema nervoso está sofrendo a mielinização celular num ritmo adequado e da maneira esperada. Se o processo de mielinização nervosa ocorre normalmente, as habilidades auditivas de competência central são adequadamente observadas.
Os primeiros sinais de que esse processo está ocorrendo normalmente incluem respostas reflexas como o reflexo cócleo palpeleral (RCP) e a reação de sobressalto (Startle). De acordo com Azevedo (1993), as mesmas devem ocorrer entre 0 e 3 meses de idade. O RCP deve ocorrer, obrigatoriamente, a estímulos de 100 db NPS, o Startle ocorre em aproximadamente 50% dos bebês, devendo, também, ocorrer as respostas de atenção ao som (frangir testa, arregalar olhos, mudança de ritmo respiratório, etc). Ainda nessa faixa de idade, a criança demonstra acalmar-se perante a voz da mãe (resposta a estímulo verbal). Entre 3 e 6 meses de idade devem surgir a procura da fonte sonora e a localização lateral direita e esquerda, a partir de 80 db NA, além da procura ou localização da voz materna, perdurando as respostas de atenção, já adquiridos entre 0 e 3 meses de idade. Entre 6 e 9 meses deve localizar a voz da mãe e do examinador. Quanto aos sons instrumentais, deve perdurar a localização direita e esquerda ocorrida entre 3 e 6 meses (mas, agora no mínimo a 60 db NA), devendo surgir a capacidade de localização indireta para baixo e para cima (também a 60 db NA). No período entre 9 a 13 meses deve surgir a capacidade de localização sonora direta para baixo, perdurando a localização lateral direita e esquerda, além da indireta para cima, já adquiridas a partir de 40 db NA. Quanto as respostas a estímulos verbais, já deve reconhecer os comandos verbais do nível I de Azevedo (dá tchau, joga beijo, bate palmas). Entre 13 e 18 meses surge a localização direta para cima, perdurando a localização lateral (D/E) e a localização direta para baixo a estímulos de 20 db NA. Deve também reconhecer comandos verbais do nível II (cadê a mamãe?, cadê a chupeta?, cadê o sapato?) e III (varia de família para família e envolve questões sobre partes do corpo), também de Azevedo (1996). É observado que, à medida que a idade aumenta, o nível mínimo (em db NA) dos estímulos capazes de eliciarem as respostas diminui e que o RCP deve estar presente em todas as fases, a 100 db NPS, o que representa um desenvolvimento normal. Azevedo, Vilanova e Vieira (1995) relatam que há contrastes quanto a esse desenvolvimento auditivo entre indivíduos nascidos a termo e sem intercorrências, os nascidos pré-termo sem seqüela neurológica (sem indícios lesionais no sistema nervoso em avaliação neurológica) e os nascidos pré-termo com seqüela neurológica (indícios de lesão neurológica na avaliação). De acordo com seus estudos, as crianças que foram consideradas do grupo de baixo risco, apresentaram-se dentro do padrão normal (colocado acima), durante o 1º ano de vida, confirmando assim, um caráter biológico adequado, no que diz respeito a maturação do sistema nervoso central. As consideradas de alto risco e sem seqüelas neurológicas, apresentaram um atraso nas etapas do desenvolvimento entre o terceiro e o nono mês de vida. Ou seja, houve uma maior permanência das respostas mais primitivas, apesar de ter havido a evolução das respostas com o aumento da idade com uma recuperação entre 9 e 13 meses (desvio com recuperação). Segundo os mesmos autores, este fenômeno decorre do próprio processo de maturação do SNC ou da presença de alterações transitórias, ditas de serem freqüentes em crianças de alto risco. Já quanto ao grupo, também considerado de alto risco, mas com seqüela neurológica, houve um desvio persistente de normalidade. Este parece decorrer de alterações permanentes do SNC e representando riscos de alterações futuras de linguagem e aprendizado. Quanto as respostas a estímulos verbais, foi notado uma maior freqüência e qualidade de respostas a voz no grupo de baixo risco em comparação com os de alto, particularmente nos estágios entre 3 e 6 meses e entre 6 e 9 meses. O reconhecimento verbal também foi melhor, em freqüência, no grupo de baixo risco, comparado ao de alto risco, nas idades entre 9 e 12 meses.
Vemos com isso que as respostas aos sons são realmente influenciadas pelo estado do SNC. O desenvolvimento auditivo observável, de forma hierárquica e em etapas, constitui um processo decorrente de um intrínseco, que envolve a maturação celular nervosa. Desta originar-se-ão funções que envolvem habilidades auditivas centrais, como: atenção, discriminação, reconhecimento, compreensão e memória, fundamentais à aprendizagem e composição da linguagem. Quando tais habilidades estão comprometidas, há o que é chamado de distúrbio do processamento auditivo central (DPAC).
.Distúrbio do processamento auditivo central: o processamento auditivo central (PAC) diz respeito a capacidade de atender, discriminar, reconhecer, armazenar e compreender a informação auditiva (Keith, 1994). No entanto, autores como Ferre (1987,1992), Bellis e Ferre (1996) propõem que o processamento auditivo central não inclui somente aspectos perceptivos do input como a decodificação, integração e associação auditiva, mas também o fenômeno de organização do output. Nessa abordagem, a inabilidade em seqüênciar, planejar e organizar respostas, também fazem parte dos DPAC. Assim, há uma dificuldade em agir sobre a informação que chega. Esse indivíduo mostra dificuldade em se organizar e seguir instruções, havendo inversões e fraco desempenho em habilidades de memória auditiva e resgate dos estoques mentais auditivos. Luria (1973), em seu modelo, coloca tais habilidades dentro da terceira unidade funcional do cérebro que se refere a: programação, monitoração, iniciativa, recrutamento da atenção e concentração através da conexão com o tronco cerebral, bem como planejamento e correção de processos comportamentais mais complexos. Alvarez (1999), concordante com o modelo de Ferre, complementa com alguns dos sinais comportamentais , encontrados nas demais três categorias do PAC: a da codificação auditiva, cuja dificuldade envolve fechamento e atenção seletiva auditiva; a da integração, que envolve a troca de informações entre um e outro hemisfério cerebral, refletindo, entre outras coisas, dificuldades no uso de linguagem simbólica e a da associação que, nos casos mais graves, inclui inabilidade em designar significado lingüístico.
Para Pickles (1998), um indivíduo com DPAC possui déficits relacionados a atenção seletiva (sistema reticular e lobo frontal – manutenção), discriminação (córtex cerebral), localização (competência sensorial e neural), compreensão (córtex), assim como no registro, categorização, reorganização e reutilização das informações acústicas do meio.
Há alguns fatores etiológicos acreditados de explicarem tais déficits, havendo, inclusive, hipóteses de os mesmos serem devido a questão desenvolvimental. Galaburda (1994) a defende, crendo que o mesmo está associado a condições patológicas do SNC durante o processo de mielinização (maturação). Já Abdula (1998) acredita na hipótese de o DPAC ser decorrente de mutações cromossômicas, envolvendo os pares VI e XV. Existem até mesmo hipóteses de que a otite média na primeira infância representa um fator etiológico, o que é preconizado por Rapin (1979), Walace e outros (1988), Sak e Ruben (1994) e Meniuk e Ruben (1994). No entanto, Alvarez (1998) relata que não há consenso na literatura sobre isso. Em contraposição, Nancy Stecker (1996) verificou em seu estudo que 80% dos portadores de perda auditiva condutiva crônica apresentam DPAC. Álvarez (1998) aponta que os fatores básicos, envolvidos com a etiologia do DPAC, são representados por infecções congênitas e neo-natais, infecções pós-natais (meningite bacteriana, arterite cerebral, sífilis), transtornos metabólicos e doenças degenerativas de substância branca (leucodistrofias).
Em suma, o DPAC é explicado por comprometimentos em nível de sistema nervoso central, devido a transtorno neurológico precursor (lesão focal) ou disfunção mais dificilmente evidenciada por técnica laboratorial (aspecto desenvolvimental – Galaburda, 1994). Há estudos que levantam a correlação entre otite média e DPAC, porém é uma questão que ainda deve ser mais pesquisada. A clínica do indivíduo portador de DPAC varia de acordo com a categoria afetada. No entanto, Alvarez (1998) aponta algumas condutas básicas, indicadoras da presença de DPAC. Segundo ela, essa criança comporta-se como se houvesse uma perda auditiva (transtorno auditivo periférico), apesar de apresentar audição normal; apresenta QI verbal freqüentemente menor que o de execução, dificuldade em seguir ordens següênciais e na leitura e escrita; pode se negar a participar de diálogos, isolar-se e exibir história de otite e outras seqüelas otológicas e/ou neurológicas, além de ainda mostrar habilidades motoras deficientes.
Quanto a Classificação do DPAC em categorias, a qual parece basear-se no raciocínio proposto por Lúria (1973) sobre as três unidades funcionais do cérebro, a mesma autora retrata cada déficit auditivo central, correlacionando-o a um local de disfunção ou lesão. Quando estas concentram-se no tronco encefálico (unidade funcional I), o reflexo é um déficit de atenção seletiva e de localização auditiva, estando comprometidos os mecanismos de filtragem de ruído e de alerta aos sinais auditivos novos e recentes.
De acordo com Pickles (1988), a filtragem do ruído de fundo dos sinais auditivos recebidos é de competência dos núcleos cocleares. O mecanismo de localização sonora é auxiliado pelos núcleos do complexo olivar superior (discriminam os parâmetros de intensidade sonora e tempo interaural codificando assim a direção do som no espaço), núcleos do colículo inferior (mapeiam a posição sonora caudo-rostral através da combinação dos resultados das funções tanto dos núcleos cocleares, quanto do núcleo olivar superior) e a porção ventro-medial do corpo geniculado medial. Ainda dentro das funções auditivas de estruturas contidas no tronco encefálico, Pickles refere que os núcleos do colículo inferior estão relacionados àquelas respostas motoras exacerbadas a certos sons (hipersensibilidade sonora) e o corpo geniculado medial à análise de sons complexos.
Retomando a perspectiva de Alvarez, quando o comprometimento está em nível cortical, mais especificamente nos dois terços posteriores do córtex cerebral (labos temporal, parietal e ocipital) observam-se déficits quanto ao armazenamento de curto prazo, discriminação, reconhecimento, identificação, análise sensorial acústica, associação da informação, integração e coordenação da mesma (unidade funcional II). Pickles nesse sentido ainda complementa com uma correlação anátomo-funcional mais específica, citando os centros do hipocampo e as amigdalas (corpo amigdalóide) como responsáveis pela memória e categorização das informações provenientes do meio. Quanto a terceira unidade, que atualmente tem sido incluída como parte do processamento auditivo central, a qual diz respeito ao planejamento da saída (output), temos como resultado de seu comprometimento, de acordo com Alvarez: déficits de integração, memória de longo prazo, evocação, resgate verbal e de organização sérica e seqüencial. Ela os considera reflexo de comprometimentos em nível cortical anterior (labosfrontais e porção anterior dos labos parietais).
Assim nota-se que o processamento auditivo central envolve áreas centrais de funções bastante abrangentes. Ele inclui fenômenos tanto de input, quanto de output (considerações mais recentes). Através disto será percebido que os sintomas do DPAC se assemelham a determinados sintomas autísticos, só que nestes, representando uma versão mais grave.
AUTISMO INFANTIL
A outra abordagem conceitual imprescindível para o acompanhamento deste estudo, de acordo com os objetivos já explicitados, diz respeito ao autismo infantil.
Para Ritvo e Feedman (1978), o autismo é uma inadequação no desenvolvimento que se manifesta de maneira grave durante toda a vida. É incapacitante e aparece tipicamente nos três primeiros anos de vida. Acomete mais o sexo masculino que o feminino e não tem uma freqüência maior quanto a condição sócio - cultural, de raça e etnia. É uma síndrome inata que se manifesta até os 36 meses de idade e repercute de forma global no desenvolvimento do indivíduo, interferindo de forma determinante, nas áreas que dizem respeito a comunicação, interação, socialização, comportamento geral e aprendizagem. Então, é fácil notar que a realidade do autismo é dura, sendo uma deficiência abrangente. Na maioria dos casos, está associada a algum grau de deficiência mental que, segundo Gauderer (1993), diz respeito a 75% dos casos. A própria OMS (1984) cita a evidente gravidade do autismo, por acometer todos os aspectos acima citados, inclusive, relata, em seu conceito sobre a síndrome, as respostas anormais a estímulos auditivos e a falta de compreensão da linguagem falada. Gauderer (1993) relata que o autismo inclui uma incapacidade em desenvolver um relacionamento interpessoal, marcada pela falta de resposta ao contato humano e de interesse pelas pessoas. Há uma inadequação no modo de se aproximar, falta de contato visual e de resposta facial, indiferença ao afeto e aversão ao mesmo. Ele também chama a atenção que tal comportamento provoca nos pais dessas crianças, a suspeita de surdez. Este autor ainda cita como sintoma a incapacidade comunicativa, comprometendo tanto as habilidades verbais quanto as não verbais. Segundo ele, a linguagem expressiva verbal pode estar totalmente ausente, e, quando presente, é acompanhada de estrutura gramatical imatura, ecolalias, reversão pronominal, afasia nominal, etc. Há grandes distúrbios comportamentais, como, por exemplo, as respostas estranhas ao meio ambiente, incoerentes e apragmáticas. Ainda afirma que, nos casos mais graves, há fatores coadjuvantes bastante repercutivos e nocivos, associados ao quadro, como: condutas auto - agressivas e/ou heteroagressivas, impulsividade, hiperatividade e movimento estereotipado.
De forma semelhante, Sugiyama (1994) define o autismo como uma desordem do desenvolvimento, enfatizando sinais de alteração no desenvolvimento da linguagem. Ele acrescenta dados como distúrbios de alimentação e sono e ainda a presença de distúrbios precoces de comportamento, envolvendo irritabilidade. Ele também afirma que a desordem autística já é possível de ser percebida ao redor de 3 meses de idade.
.Histórico
Leo Kanner foi o primeiro a classificar a síndrome em 1943, através de onze crianças identificadas por denotarem tendência ao isolamento, antes de ter cumprido um ano de idade. Através disso, ele denominou tal quadro de autismo infantil precoce. Desde então foram publicadas muitas observações similares, por parte de outros profissionais. Várias teorias foram levantadas, a partir da teoria afetiva. Esta era baseada numa perspectiva de que o autismo seria decorrente de uma falta de habilidade afetiva dos pais em lidar com seus filhos. Kanner enfatizava que todo seu grupo de pacientes autistas era representado por crianças filhas de pais pouco afetuosos, de perfil intensamente preocupado por abstrações científicas, literárias ou artísticas e pouco investidos em interesses humanistas mais genuínos, além de comporem casamentos de características fria e formal.
Há, também, a teoria cognitiva, que mantém alguns seguidores. Lebovici (1991) enquadra o autismo nas psicoses infantis, sendo o termo psicose precoce utilizado para os quadros que se instalam na primeira infância. Já Hobran (1991) o inclui no grupo dos distúrbios globais do desenvolvimento, cuja ênfase diz respeito a déficits em nível cognitivo, linguístico e motivacional. Para Assumpção (1997), a síndrome é desencadeada por distúrbios perceptivos, havendo um sério comprometimento social e relacional específico, distúrbio de fala, linguaguem e motilidade. Porém, ele considera que o déficit crônico e patognomônico do autismo está relacionado às interações sociais, o que já foi descrito em vários trabalhos de Kanner ( 1943, 1949, 1956, 1968, 1973), Ritvo (1976), assim como no DSM IV, DSM II-R e ICD 10.
Atualmente, as versões que têm encontrado mais apoio, devido a presença de subsídios mais fidedignos, relacionam-se a teoria biológica. Esta preconiza um estado lesivo ou disfuncional do Sistema Nervoso Central, particularmente comprometendo os aspectos perceptivos e/ou associativos modais sensoriais da informação externa. Tal comprometimento teria como reflexo os vários sintomas observados nesses indivíduos que abrangem as áreas básicas do desenvolvimento: social, comunicativa, lingüística e cognitiva.
Sintomas associados e linguagem
De acordo com Gillberg, Hordin e Ehlers, 65% a 90% dos casos de autismo estão associados a deficiência mental, havendo poucos com QI acima de 80. Também são muito comuns alterações em nível motor, que abrangem a hiperatividade, movimentos estereotipados automáticos e/ou condição hipotônica, marcha atípica e ainda condutas auto e hetero-agressivas.
De acordo com Kanner, do ponto de vista lingüístico, apenas 1/3 dessas crianças aprendem a falar e as demais ficam, praticamente, em estado de mutismo. Quando adquirida, a fala dessas crianças restringe-se, inicialmente a um caráter acomunicativo, ou seja, a uma expressão verbal fonêmica e estruturalmente correta, no entanto, idiossincrática e sem função comunicativa. As vezes, as crianças em estado de mutismo surpreendem, emitindo palavras soltas, funcionais solicitativas. A presença de ecolalias imediatas e retardadas é muito freqüente, assim como um aspecto apragmático e incoerente nas emissões de frases. Tais fatos para muitos associam-se a déficits perceptuais.
De forma geral, quando a criança autista é capaz de produzir enunciações verbais, estas não se dirigem ao outro, sendo observadas como reguladoras de certos atos. Há grande esforço na função das palavras para a formação de uma mínima frase, tendo esta uma estrutura frasal pobre, pelo fato de este indivíduo não compreender a influência da ordem das palavras. Quanto a estrutura gramatical da expressão verbal desse indivíduo, o mesmo não usa pronomes ou comete inversões pronominais, ou seja, substitui o pronome eu (1ª pessoa) pelo da 3ª pessoa. Há muitos erros preposicionais com sintaxe bastante imatura (Wing, 1980, 1988, 1994; Gauderer, 1993).
De acordo com Simon (1975) é percebido uma atipia quanto aos aspectos suprasegmentares da fala (dos indivíduos autistas que a desenvolvem). Ele relata uma característica descontrolada da altura tonal ou uma monotonia vocal, as quais relaciona com lesões discretas nas centros auditivos do tronco encefálico. Tais fatos podem também estar relacionados a falta de compreensão do contexto afetivo emocional dos enunciados externos e contextos, observada nesses indivíduos.
Complementando as informações sintomatológicas desse indivíduo, Ornitz e Ritvo enfatizam, consideravelmente, os déficits perceptivos e atentivos existentes, seguindo a abordagem de que o sistema nervoso central do mesmo recebe e assimila as informações sensoriais de uma forma gravemente diferente e peculiar, o que está relatado com mais detalhes no item dedicado aos aspectos etiológicos e à teoria biológica. Há, também muitos sintomas autísticos, que denotam déficits associativos e integrativos centrais, refletindo-se clinicamente em déficits na compreensão e, portanto, na comunicação, que, também estão detalhados mais adiante. Algumas especificações clínicas-sintomatológicas estão expostas no quadro a seguir.
DÉFICITS ATENTIVOS
-Não olha, quando apontamos para algo
-Inspecção visual curta com varredura pouco ocorrente e pobre
-Atenção multifocal com muita inabilidade em restringir-se ao foco contextual relevante
-Interrrupções súbitas de atos e condutas iniciadas ou em trabalho
-Interesses auditivos e/ou visuais circuncritos, fásicos, alternados ou aleatórios
DÉFICITS E CARACTERÍSTICAS INTERATIVAS E COMUNICATIVAS
-Isolamento social
-Pode haver rejeição do seio materno com boa aceitação da mamadeira
-Não estendem os bracinhos, para serem pegos no colo, quando bebês
-Pouco interesse em assentar-se e olhar para o meio ambiente, mesmo quando há capacidade motora para tal
-Não mostram coisas ou compartilham situações prazeirosas com os pais
- Não usa gestos comunicativos ou indicativos convencionais (tchau, mandar beijos, etc).
-O tipo de comunicação mais percebida é a regulatória-solicitativa, através da forma bizarra de instrumentalizar o outro
-Se houver as funções comunicativas sociais e de atenção conjunta, apresentam-se muito sutilmente, sem caráter simbólico (sorriso, olhar, som súbito, atos manipulativos)
-Expressão facial pobre (amorfia facial)
-Produções averbais e/ou verbais de caráter auto-estimulatório
-Grande ocorrência de mutismo
-Fala preenchida por ecolalias ou resumida a palavras isoladas com função solicitativa
-Estrutura frasal pobre com presença de inversão pronominal
-Alterações entonativas na emissão verbal
DÉFICITS COMPREENSIVOS
-Incompreensão de regras sociais
-Não demonstra entender gestos sociais convencionais
-Não cumpre ordens auditivas puras e, às vezes, nem com a presença do apoio indicativo gestual
-Compreensão através de termos isolados do enunciado de entrada com desprezo dos termos sintáticos
-Não diferencia contextos afetivos-emocionais dos enunciados
-Não amplia o significado das palavras que ouve
DÉFICITS COGNITIVOS
-Tende a uma atuação prática sobre os objetos, monótonas e repetitivas, sem caráter funcional
-Não demonstra nem mesmo condutas simbólicas simples (I nível)
-Não imita
-Tendência a pensamento concreto
-Pode apresentar "ilhas de capacidade" (memória)
-Tendência a condutas auto-estimulatórias
DÉFICITS PERCEPTIVOS
-Muitos não decodificam material pictórico bidimencional
-Dificuldade em associar o material concreto com seu correspondente bidimensional
-Hiper ou hiporreatividade a sons
-Não olha, quando é chamado pelo nome
-Preferência por receber inputs táteis, somestésicos e proprioceptivos
DÉFICITS COMPORTAMENTAIS GERAIS
-Resistência a mudanças (rotas, disposição de móveis, etc)
-Tendência a apegos (objetos)
-Rituais estereotipados e interesses circunscritos
-Ausência de noção de perigo
-Medos, risos e choros imotivados
-Auto e heteroagressão
-Movimentos estereotipados
-Condutas apragmáticas
-Hiperatividade
É importante salientar que a quantidade, presença, qualidade e abrangência desses sintomas podem variar de indivíduo autista, para indivíduo autista. O grau e tipo de autismo não é unidimensional. Ele deve ser considerado como uma linha contínua sintomatológica, embasada e enraizada em critérios básicos de patognomonia para a síndrome. Considera-se que há quadros muito graves e outros menos, contrastes quantitativos e qualitativos quanto as áreas desenvolvimentais (interativa, social, lingüística e cognitiva) consideradas, bem como uma maior ou menor sistemacidade com os critérios diagnósticos formais existentes. Wing (1988) enquadra tais contrastes no que é chamado de "espectro autístico ou continuum autístico". Ou seja, o quadro autístico definido pela presença das características determinantes, representadas pelo déficit social e comunicativo, mas com variações de grau, modo e nível somadas a presença de algumas particularidades. Lang (1978) denomina tais quadros de fronteiriços (os sintomas autísticos básicos são presentes mas há detalhes mais específicos) e aponta a síndrome de Asperger como sendo um deles. Sobre esta há controvérsias.
Enquanto alguns autores não crêem que a sindrome de Asperger se distingue do autismo de alto funcionamento, outros crêem que sim ( Schopler, 1992; Guilberg, 1985; Volkman, 1985; Szatmari, 1990; Klim, 1994; Chaziuddin, 1994; Manjiviana, 1995; Ozonoff, 1991; Bowler, 1992). Bowman (1988) e Szatamari (1991) caracterizam-na como um déficit de sociabilidade, interesses circunscritos, déficit de linguagem e de comunicação. Já Tallau (1970) a considera como sendo uma disfunção basicamente desenvolvimental, cuja sintomatologia é determinada por alterações da substância branca do hemisfério cerebral direito. Ela ainda considera que seus portadores apresentam um baixo desempenho do QI de execução, enquanto que o verbal é relativamente bom. Relata, também, que esses indivíduos apresentam pouca prosódia, dificuldade em expressar os aspectos afetivos emocionais da linguagem e em analisar formas, espaço e direção. Enfatiza também a dificuldade dos mesmos em reconhecer os traços supra segmentares da fala e os aspectos globais do contexto, além da rigidez de julgamento e a dificuldade com situações novas e inesperadas.
Segundo Klin (1994), o autismo de alto funcionamento (High - Functioning) é um tipo de autismo onde é encontrado Q.I. normal, sendo o de execução maior que o verbal, comparado à Síndrome de Asperger. No entanto, da mesma forma é observado sociabilidade muito pobre e comunicação muito comprometida (sinais autísticos patognomônicos), variando-se os interesses específicos. Segundo as pesquisas de Gillberg (1985) e Volkmar (1985), não há distinção entre a Síndrome de Asperger e o autismo de alto funcionamento. Já para Szatmari (1990), Ozonoff (1991) e Klin (1994), há certas diferenças. Já a diferença marcante entre o autismo high functioning e o de características desenvolvimentais mais precárias e prejudicadas, é a presença de Q.I. normal, o que reflete um desempenho cognitivo e lingüístico melhor, que, por sua vez, define um melhor prognóstico do quadro. A prova disto é nitidamente vista através de Grandin, uma mulher autista, já relatada páginas atrás.
Condições associadas e fatores predisponentes
Schwartzman (1994) relata que vem sendo encontrado várias alterações cromossômicas em associação com o autismo. Camargos (1993) também considera isto e aponta a síndrome do X frágil como sendo a patologia genética mais freqüente nesses indivíduos. Segundo ele a condição autística pode estar inserida em outras condições como as genéticas, fazendo dos testes genéticos um complemento importante para o esclarecimento diagnóstico das comorbidades. Ele ainda refere que certas desordens monogênicas, ou seja, doenças produzidas por genes isolados, são comuns de serem concomitantes, como por exemplo a Fenilcetonúria, Esclerose Tuberosa e a Neurofibromatose. Gauderer (1993) confirma tal fato, complementando também que a síndrome tem fatores predisponentes, entre eles a rubéola materna, encefalite e meningite. Inclusive Schwartzman (2000) relata que a rubéola, durante a gestação, predispõe a vulnerabilidade dos embriões ao autismo, assim como a ingestão de medicamentos anticonvulsivos, por parte desta mãe. Paralelamente a isso, chama-lhe a atenção o fato de tais fatores provocarem anomalia cerebral em uns e em outros não. Isso também será visto adiante, quanto a rubéola ser capaz de provocar surdez pura em alguns, e, em outros, surdez e autismo concomitantemente. Como Gauderer, Schwartzman não crê que hajam predisponentes psicológicos, ou seja, que características familiares ou de relacionamento interpessoal possam prover autismo, o que inclusive vários estudos mostram concordância. A favor da existência de predisponentes, Rutter (1993) relata que há uma incidência maior de autismo em crianças que tiveram um período perinatal complicado, sugerindo um comprometimento no sistema nervoso central intra - útero ou durante o processo de parto. Wing (1980) ainda mostra que metade das crianças autistas apresentam condições associadas como epilepsia e espasticidade. A abordagem dessa mesma autora (1988) fortifica a visão do autismo não como uma entidade única, mas como um grupo de doenças, apesar de crer, também, que o mesmo é dependente de comprometimento cognitivo. Complementando a questão, Assumpção (1997) enfatiza a complexidade do diagnóstico diferencial por reunir uma gama bastante variada de doenças com diferentes quadros clínicos, cujo fator básico comum é o isolamento.
A grande questão é que ainda não se conseguiu identificar a causa do autismo, mas há muitas suposições, particularmente vinculadas à uma causa orgânica neurobiológica. Porém, há o desconhecimento de uma etiologia, que é sustentado pela falta de um marcador biológico, ou seja de qualquer achado específico, de caráter laboratorial definido, que seja padrão dessa população.
Alguns estudos têm se aproximado de tal descoberta: há certas condições cerebelares encontradas que têm convergido em pensamentos de que, no cerebelo estaria contido o marcador biológico para o autismo. No entanto, se isto for se definir, é uma questão que levará tempo por exigir caráter consistente e cumulativo de casos (Schwartzman; 1994,1995). Existem dados de que 40% dos casos apresentam cerebelo com vermix atrofiados e/ou tumor em sua linha média. Há achados de hipo e hipertrofia de uma mesma região cerebelar, redução do número de células de Purkinge e ainda redução do lobo parietal e de algumas áreas do corpo caloso (William e outros, 1980).
Não é difícil notar que todos os dados , até agora expostos, sugerem uma real dificuldade de se diagnosticar o autismo infantil, à medida que ele pode se associar a outras condições assim como ser predisposto por outras. Além do mais, a síndrome contém muitas alterações, que podem estar presentes em outras condições, sendo indicativas de outras. Um grande instrumento que colabora para uma maior clareza diagnóstica, é uma anamnese bem feita com atenção específica a alguns detalhes, bem como o conhecimento dos tipos de história que são sugestivos da síndrome.
Segundo Fornero (1999), há 3 vertentes de história, no que diz respeito a detecção, cujo conhecimento é importante para levantar a hipótese de autismo infantil, podendo ajudar no diagnóstico diferencial: a) um bebê que desenvolveu-se normalmente e involuiu em suas aquisições subitamente, antes dos 30 meses de idade, b) um bebê que chamou a atenção pela falta de reação a estímulos e apatia, desde os primeiros meses de vida, e c) um bebê nervoso, agitado e hiperativo, desde tempos precoces de vida. Quando o caso foi a involução súbita de aspectos desenvolvimentais, a atenção para o problema é facilmente despertada. Quanto as outras duas vertentes, os sintomas autísticos tendem a serem percebidos, mais nitidamente, apenas a partir do 2º ano de vida, quando essa criança não mostra os desenvolvimentos esperados nessa idade, ou caracteres estereotipados começam a aparecer ou a serem mais visíveis. O não aparecimento da fala é um dos sintomas mais marcantes, sendo determinante do desequilíbrio desses pais, juntamente com a percepção de reações anormais, inconstantes e inconsistentes desta criança aos sons. Isto desencadeia uma grande desconfiança da audição da mesma.
A DIFICULDADE AUDITIVA DO INDIVÍDUO AUTISTA E SEU COMPORTAMENTO PERANTE OS SONS
As reações auditivas anormais do indivíduo autista, já bastante abordadas, por definirem a questão central desse estudo, mostram ser, realmente parte do conjunto de alterações que compõem a síndrome.
Gauderer (1993) inclui tais reações como componentes dos sintomas autísticos e a OMS (1984) as enfatizam em seu conceito, exposto no ICD - 9. Gauderer (1993) ainda considera que tais reações, principalmente por estarem associadas a uma fala ausente, são fortes indícios para a desconfiança de que essa criança seja surda. São ainda incluídas, pela associação Americana de Psiquiatria, em sua listagem de critérios diagnósticos para o autismo, sendo também enfatizadas pelas principais escalas de critérios diagnósticos, o que denota uma sistematicidade quanto aos comportamentos relacionados a informação sonora. Estando contido em tantas escalas e protocolos nota-se que não se trata de um sintoma desconsiderável e sim valioso, tanto para o diagnóstico diferencial quanto para o levantamento de hipóteses explicativas para o mesmo.
O CARS (Childhood Autism Rating Scale) é uma escala diagnóstica para o autismo infantil proposta por Schopler, Reichler e Renner. Dentre os vários parâmetros para análise, contidos na mesma, observa-se o item "uso da audição" (item 8) composto por 3 graus de comportamento anormal auditivo, para que o avaliador analise ou identifique em seu paciente: falta de resposta (ausência) e/ou hiperreatividade a certos sons, latência aumentada na resposta após o estímulo e presença de respostas exacerbadas ou catastróficas a sons estranhos a ele (grau leve); ignorância de sons específicos em período inicial (primeiras vezes), tampando os ouvidos e/ou assustando-se com determinados sons (grau moderado); e, apresentar hipo ou hiperreatividade de forma extrema inespecificamente, ou seja, a qualquer modalidade de som, de forma aleatória (grau severo). Há outras escalas que também abordam a questão auditiva autística como o CHAT (Checklist Autism in Toddlers), ADOS (Autism Diagnostic Observation Schedule), RLAS (Real Life Rating Scale) e o BSE (Behavioural Sumarized Evaluation).
Existem ainda, entrevistas estruturadas e padronizadas como o ABI, o ADI-R e o ABC (Autism Behaviour Chocklist). O ADI-R (Autism Diagnostic Interview-Revised) consiste numa entrevista padronizada, aplicada em pais de indivíduos autistas. Seu objetivo é acessar o desenvolvimento ao longo da vida em áreas de interesse para o diagnóstico de autismo e separar claramente desvios qualitativos de atrasos no desenvolvimento. Sua versão modificada da original, permite o uso em crianças com idade mental, a partir de 18meses. É considerada de grande valor e importância pelo psicólogo clínico brasileiro Ami Klin (que trabalha em Yale) na prática de seu serviço, para fins diagnósticos. É também muito valorizada por Gillberg e Camargos (Psiquiatras Infantis). Dentre tantos itens que constam no ADI-R, encontram-se questões sobre as respostas das crianças aos sons abordando os pais sobre a ocorrência de ausência de respostas ou denotações, por parte desse filho, de não entender ou atentar-se ao que se fala com ele. Na pesquisa da condição "auditiva" no ADI-R ocorrem dois itens. No item 1 (preocupações básicas) e no item 35 (aspectos relativos a audição). São abordadas questões como: "alguém já pensou que ele era surdo ou tinha problemas para ouvir?", "o que as outras pessoas fizeram?", "ele busca a porta, quando toca a campainha, olha para cima, quando passa um avião?", "e sobre os barulhos cujos objetos não se vê?".
Outra entrevista padronizada estruturada com os pais como complemento ao processo diagnóstico é a ABI (Autism Behavior Interview).Ela é usada no New York Institute for Basic Researchin Developmental Disabilities e também aborda a questão do comportamento auditivo. Há um sub-item no item "Humor e nível de atividade", descrito da seguinte forma: "Reações a sons altos e inesperados (sirenes, liquidificadores, etc) ou sons idiosincráticos". O mesmo enfatiza o aspecto quantitativo das reações anormais bem como o qualitativo (especificação) da forma da reação, mais particularmente a hiperreatividade sonora. Os sintomas auditivos anormais também são listados como parte do quadro autístico nos principais materiais de critérios diagnósticos como CID 10, DSM III, DSM II-R e DSM-IV.
Enfim, nota-se que o sintoma auditivo autístico é relevante, sendo consagrado como usual dessa população. Devemos pensar que todo sintoma é reflexo de uma condição intríseca. Vemos uma sistematicidade conferida a esses sintomas auditivos anormais por outros autores, estudiosos e materiais, respeitados e confiáveis. Através disso, é fácil de se concluir que refletir sobre os mesmos não se constitui em perda de tempo, podendo nos levar a hipóteses ou achados importantes sobre o autismo infantil.
Gauderer (1993), sobre esses sintomas, faz algumas observações: a criança autista, entre 0 e 6 meses de idade, pode mostrar falta de interesse por objetos, como o chocalho ou os móbiles, mas, reagir de maneira exagerada a sons como buzina, apito ou telefone. Já entre os 6 e 12 meses de idade, essa mesma criança pode assumir conduta de aflição ou pânico, perante os mesmos ruídos ou sons, os quais, há algum tempo atrás, permanecia alheio ou indiferente. Tais manifestações tendem a continuar a aumentar em intensidade até o terceiro ano de vida. Essa observação de Gauderer mostra um sintoma que reflete um déficit qualitativo auditivo, e não, quantitativo. Ele ainda acrescenta que, a partir do quinto ano, elas tendem a diminuir em intensidade e não há justificativa satisfatória para tal melhora.
Ritvo (1976) inclui essas características auditivas como um dos sintomas chave do autismo infantil. Suas descrições também denotam um comportamento auditivo anormal, mas de essência qualitativa e não quantitativa, o que é marcado por hipo e hiper - reatividade aos estímulos. Segundo o mesmo, as reações a estímulos auditivos são alteradas em relação a sons diversos do meio, como por exemplo à voz humana. E, enquanto que a criança normal reage com reação de susto a um som alto e súbito, estremecendo, piscando e/ ou procurando sua fonte, a criança autista não o faz. Por outro lado, certos sons podem ser-lhe catastófricos, repercutindo até mesmo sua fuga dos mesmos, como ao do liqüidificador ou ao do rasgar de um papel. Ao mesmo tempo, pode procurar, com insistência, sons que seriam desagradáveis para crianças normais. Gauderer (1993) também chama a atenção para esse comportamento paradoxal, mostrando que uma mesma criança, que não reage a um ruído forte, reage, de forma aversiva, diante de um som de 256 HZ, produzido por um diapasão. Wing (1980), da mesma forma, enfatiza tal comportamento auditivo. Segundo ela, ocorre uma maneira bastante imprevisível em responder aos sons ambientais, relatando que, paralelamente, a conduta de esconder-se e tentar fugir de um som, tapando seus ouvidos, é visto um comportamento de ignorar completamente barulhos muitos fortes.
Em suma, há muitas considerações que mostram uma real presença de respostas auditivas bastante inconsistentes, por parte dessa criança. As respostas variam e se alternam dentro de um ciclo de: ora responde, ora não responde. A qualidade das reações denota uma anormalidade envolvendo o aspecto auditivo central, salvo os quadros associados com uma deficiência primária, ou seja, em nível periférico auditivo.
Estudos demonstram que o processamento auditivo desses indivíduos é realmente pior em detrimento das outras formas ou canais perceptivos. Segundo alguns autores, há uma hierarquia patológica quanto ao uso dos receptores sensoriais , sendo que o auditivo ocupa o último lugar na mesma: para Gauderer (1993), há uma preferência pelo uso dos receptores proximais, tais como, tato, olfato e gustação, em detrimento da visão e da audição. O mesmo ainda relata que, condicionar uma criança normal a responder preferencialmente a um estímulo auditivo é fácil, o que é impossível na autista. O mesmo atribui isto a um déficit de discriminação auditiva.
Segundo ele, o autista necessita de um feedback cinestésico, ou seja, de suas próprias respostas motoras, em relação a um estímulo, para que consiga lidar com essa percepção. Mettler & Mettler, citados por Gauderer (1993), apoiam este fato, afirmando que tais crianças tem uma dependência inquestionável de pistas somatosensoriais, na tentativa de perceber instruções e lidar com tarefas que envolvam estímulos visuais e, principalmente, auditivos. Ainda segundo os mesmos, tais necessidades não ocorrem em deficientes mentais puros. Schopler (1965), da mesma forma, relata que o sistema receptor mais prejudicado, no que diz respeito ao indivíduo autista, é o auditivo, sendo observado que o mesmo é evitado por essas crianças, que dão preferência pelos receptores próximos. Schopler denomina o canal auditivo como sendo um sistema receptivo distante.
Schachtel (1959) chama o uso de receptores distantes, como a audição, de percepção alocêntrica. Segundo seus estudos, bem como os de Boguslavskaya (1961), Tarakanov (1960), Renshaw (1930) e Schopler (1964), o uso dos receptores próximos ocorre no desenvolvimento normal e é relativamente maior nas crianças mais jovens, sendo ele substituído pelos distantes no decorrer do desenvolvimento. Primeiramente, o reconhecimento do mundo é feito através de formas e sensações práticas evoluindo em direção a um reconhecimento em bases menos concretas. Schopler (1965) fez uma associação interessante deste fato com a condição autística: se o autismo é uma condição presente no início da vida, pode-se correlacionar suas preferências pelos receptores próximos com uma fixação em fases iniciais do desenvolvimento, e claro, fixações em formas proximais de percepção. Segundo ele, então, há um defeito cognitivo- perceptual. Ele ainda afirma que a criança autista falha em alcançar representações mentais através das coordenações sensório - motoras sendo arrastada a uma forma de comportamento sem sentido e repetitivo, alimentando, cada vez mais, a preferência pelos receptores próximos e a ignorância dos distantes.
Provence e Ritvo (1953), de forma semelhante, notam um evitamento do canal auditivo pela criança autista em sua interação adaptativa com o meio, sendo sua exploração tátil preferencial por muito mais tempo, em relação às crianças normais que, também, passam pela manipulação e exploração prática do objeto, em fases de seu desenvolvimento. Segundo Sherrington (1906) isto é normal e é um estágio inicial do desenvolvimento. Neste, primeiramente, o maior uso é dos receptores próximos, onde a criança aprende através de seu meio ambiente imediato, preferindo atuar no meio de forma prática. Gradativamente a criança começa a dar preferência aos receptores distantes como forma adaptativa, entre eles à audição. Segundo Sherrington, estes receptores distantes são os maiores contribuintes para o desenvolvimento das funções mentais superiores, ou seja, um maior uso dos receptores distantes mostra proporcionalidade a um maior desenvolvimento cortical. A fase, na qual começa-se a notar uma capacidade mental antecipatória e de memória, é coincidente com um maior uso dos receptores distantes, particularmente, da audição, como veículo experienciativo.
Há muitos estudos que confirmam uma preferência por estímulos através de vias proximais pela criança normal, no início de seu desenvolvimento ( Bridges; Wolff, 1959; P Faffman, 1951; Katz, 1953; Gerwirtz, 1961). No geral, a criança autista não mostra vazão aos sons do ambiente como veículos informativos ou de aprendizagem, necessitando de uma prática contínua sobre os componentes ambientais para obter deles algum sentido. Sua atuação não mostra objetivo em relação de causa e efeito, não sendo notada a transição desta fase de percepção autocênctrica para a alocêntrica(Schachtel, 1959), que ocorre no desenvolvimento normal.
Todos esses sintomas autísticos, até agora apresentados, que dizem respeito tanto à inconsistência de respostas auditivas quanto a hierarquia existente no uso dos receptores (onde, inclusive, o auditivo encontra-se em última posição) apontam para um distúrbio auditivo central. Se esse distúrbio marca uma ausência de respostas auditivas fica fácil entender o porquê a surdez é um consagrado componente do diagnóstico diferencial de autismo. Gauderer (1993) chama bastante a atenção para esta dificuldade, inclusive, a do diagnóstico precoce. Ele afirma que, na prática profissional, a postura geral ainda é "esperar para ver", sendo, com isto, postergado um tratamento adequado e precoce. Também atribui tal dificuldade a um certo desconhecimento de vários profissionais, da condição autística. Assim, é uma condição que não é diagnosticada pronta e facilmente. O que o autor relata é que o seu reconhecimento é difícil, particularmente, nos primeiros anos de vida. Ele também chama a atenção que muitas dessas crianças freqüentam escolas especiais com diagnósticos errôneos de surdos-mudos.
A DIFICULDADE DIAGNÓSTICA
De acordo com Tuchman, Jure e Rapin (1991), uma criança surda também pode ser tida como autista, principalmente quando associa-se distúrbios neurológicos e quadro de deficiência mental. Por outro lado, Momensohn e Russo (1994) relatam que muitas crianças podem se comportar como deficientes auditivas, apesar de apresentarem achados audiológicos considerados, clinicamente normais. Assim, é primordial que todas as crianças, que apresentem comportamentos despadronizados, sejam submetidas a avaliação auditiva fidedigna. Tal fidedignidade, segundo Momensohn e Russo (1994), depende de um cuidado minucioso na escolha dos procedimentos e técnicas de avaliação audiológica a serem usadas. Para Wing (1980), crianças surdas apresentam-se, muitas vezes, introvertidas, e, ainda, podem ser hiperativas, sintoma este muito freqüente nas autistas. No entanto, Russo (1994) afirma que a hiperatividade observada na criança com surdez ou com perda auditiva parcial é devido a grande necessidade desta em explorar visualmente o ambiente, como forma de compensar a restrição existente no canal sensorial auditivo. De acordo com Wing, elas ainda podem mostrar-se atrasadas em seu desenvolvimento, o que colabora para que sejam confundidas com autistas.O quadro autístico, da mesma forma, pode ser confundido com surdez. Esta, na maioria dos casos, ainda segundo ela, torna-se uma hipótese descartada, particularmente pelos pais,graças a observação dos mesmos de que seus filhos reagem a certos sons leves, desde que lhe sejam significativos. Na situação inversa, se isto não é percebido por eles,pode ser difícil a aceitação de que o filho não é surdo (deficiência auditiva periférica) e sim tem acuidade auditiva normal. Afinal, a justificativa mais comum para uma criança que não fala é o fato de a mesma também não ouvir e não o mutismo ser decorrente de outros problemas (Momensohn e Russo, 1994). Gauderer (1993) também confirma a idéia de que há características em comum nas crianças autistas e surdas, como: impulsividade, escasso autocontrole, inquietação, agitação, hiperatividade, e, principalmente, o enorme atraso no aparecimento da fala ou prolongado mutismo.
Da mesma forma que há semelhanças entre essas duas condições, também há diferenças, as quais são determinantes para o diagnóstico diferencial de ambas, e, devem ser muito bem visadas na avaliação comportamental da criança. Segundo Momenshn e Russo (1994), nesta deve haver uma observação cuidadosa do comportamento auditivo da criança, da qual suspeita-se de surdez. Deve-se analisar aspectos como: padrão de voz, padrão de fala, desenvolvimento da linguagem, o uso que é feito das pistas visuais, comportamento social, etc. Através desta análise, levanta-se a hipótese de um problema "emocional", de processamento auditivo central e outros, ou, de deficiência auditiva periférica, propriamente dita. Assim pode-se chegar próximo de se justificar o atraso ou a ausência de fala. As autoras também enfatizam a importância de não se analisar as respostas auditivas da criança de maneira isolada. Elas devem ser avaliadas, sendo cuidadosamente relacionadas a toda sintomatologia. Afinal, os sintomas auditivos encontrados em crianças com problemas "emocionais", no caso as autistas, não devem ser confundidos com aqueles das crianças com deficiência auditiva periférica. Um comparativo nesse sentido já foi feito durante a introdução. Gauderer (1993) mostra ser concordante com muitos aspectos do mesmo, ao relatar que as crianças com deficiência auditiva só respondem consistentemente a ruídos muito intensos, enquanto que, as com autismo infantil respondem de forma inconsistente a várias intensidades, inclusive as pequenas, se não houver nenhum grau de deficiência auditiva (periférico) associada. Damasio e Maurer (1978) também relatam certas diferenças. Segundo os mesmos, o que difere essas condições entre si são as formas comunicativas não verbais. Eles afirmam que as crianças autistas não utilizam dessas formas comunicativas, o que, em contraste, é observado nas crianças surdas. Estas desfrutam de gestos e expressão facial a fim de se comunicarem. Eles ainda afirmam que os autistas apresentam deficiência tanto na compreensão quanto na expressão, o que não é visto nas crianças surdas. Estas tentam se comunicar, ou seja, podem apresentar introversão, mas, têm intenção social. Eles ainda enfatizam que, quando a criança autista apresenta alguma intenção comunicativa, que na maioria das vezes é solicitativa, isto se faz através de formas motoras grosseiras e não convencionais, como por exemplo, a instrumentalização do outro. Wing (1980) afirma que tal incapacidade do indivíduo autista, em comunicar-se até mesmo por formas averbais, é devido a um déficit de compreensão lingüística que é equiparável a seu déficit de compreensão verbal. Segundo ela, eles não aprendem um simples gesto como apontar com os dedos até os 5 anos de idade, o que não ocorre no surdo. No entanto, essa linguagem não verbal tende a ser mais facilmente desenvolvida por eles do que a fala. Ela ainda acrescenta que as crianças autistas não tem curiosidade social, sociabilidade e imaginação, o que não considera ser apresentado por crianças surdas, desde que estas sejam capazes de entender um sistema de símbolos. Apesar de, dependendo do impacto da surdez em uma criança poder consecutir um "perfil autístico", há diferenças comunicativas e sociais, que diferem uma condição da outra.
Ainda dentro do diagnóstico diferencial envolvendo o autismo, há condições que estão inclusas no mesmo, além das síndromes genéticas, já relatadas aqui através de Wing (1980), Camargos(1993) e Gauderer (1993). Segundo este último autor outras condições dizem respeito a: retardo mental, esquizofrenia, distúrbio persistente do desenvolvimento de início na infância e afasia receptiva, além da surdez, já bastante comentada. Segundo Gauderer , o deficiente mental apresenta anormalidades comportamentais semelhantes, porém, sem a diversidade de sintomas apresentado pelo indivíduo autista. Ele ainda afirma que, a coexistência de ambos, leva, também, a afirmar que quase todo autista tem retardo mental, mas, nem todo deficiente mental tem autismo. Relata também que, da mesma forma que o surdo, o afásico estabelece contato e tenta se comunicar de forma apropriada, através de gestos, enquanto que o autista não, como já explicado.
Refletindo sobre toda essa questão não é difícil perceber que o autismo é constituído por um conjunto de alterações do comportamento que não são exclusivas da síndrome, e, difere-se de outras condições por alguns detalhes, os quais devem ser conhecidos para que o diagnóstico diferencial seja possível. É positivo ter em mãos os exames complementares necessários, bem como se fazer comparações clínicas entre as hipóteses diagnósticas levantadas. Vemos também, que o diagnóstico diferencial não se restringe apenas a surdez, mas temos que convir que, a mesma faz parte dele, por significar uma dúvida, da qual, inclusive, refletiu este estudo. Tal dúvida acaba por ser uma ponte para se chegar ao diagnóstico de autismo, fazendo-se por isso importante. Ou seja, ela desperta a atenção dos pais e do profissional encarregado, de que há algo de errado, além de eliciar no mesmo, as condutas necessárias para a averiguação do status auditivo. Considerações de vários autores, atrás descritas, nos fizeram crer que esta dúvida é proveniente de uma anormalidade auditiva que não tem caráter quantitativo periférico, mas um caráter qualitativo.
OS ASPECTOS ETIOLÓGICOS DO AUTISMO INFANTIL E A TEORIA BIOLÓGICA
Se o problema auditivo é qualitativo, envolve inabilidades auditivas centrais, as quais levantam a idéia de neuropatologia. Tal idéia tem sido bastante apoiada, não só em pró do tipo de performance auditiva, observado nessas crianças, mas, também, pela análise deoutros tipos de sintomas, apresentados pelas mesmas. Assim, existe a hipótese biológica como explicação do autismo, que, inclusive, é a que tem sido mais aceita.
Segundo Gauderer (1993), há relatos antigos que consideram que o autismo é devido a fatores psicológicos, o que foi muito preconizado por Kanner, nos primórdios da classificação da síndrome. Tal idéia era sustentada pela crença de que a mesma poderia ser causada pelos pais dessas crianças, que de alguma forma instigariam nas mesmas um desinteresse pelo contato humano e uma frieza emocional. Existem até mesmo afirmações de que a condição autística surge de rejeição materna ou de uma falta de habilidade dessa mãe em lidar com seus filhos. No entanto, tais hipóteses não vigoram mais.
Há uma crescente evidência científica que fortifica a teoria biológica para o autismo sugerindo um comprometimento ou disfunção do sistema nervoso central. Gillberg et. al. (1987) consideram que há uma interligação neuropatológica no autismo. Segundo eles, disfunção ou lesão cerebral podem causar autismo e, nestes casos, há uma comum associação de retardo mental ao mesmo. Ainda neste sentido, eles reforçam que, isso não quer dizer que a lesão ou disfunção cerebral está associada ao autismo apenas devido a suas correlações com o retardo mental. Steffenburg (1991) também dá subsídios a teoria biológica para o autismo afirmando que o mesmo é dotado de múltiplas etiologias de caráter orgânico. Ela ainda chama a atenção para a obrigatoriedade de uma completa avaliação médica neurobilológica. De todas as crianças autistas estudadas por ela, 90% apresentam indicações de dano ou disfunção cerebral.
No entanto, Rutter (1994) afirma: "não há base suficiente para se colocar a lesão em alguma área particular do cérebro". Da mesma forma, Gauderer (1993) chama a atenção de que não há nenhum subsídio concreto localizado que consagre as hipóteses, ou seja, as bases para elas ainda são clínicas. Damasio e Maurer (1978) também relatam esta situação. Para eles, a teoria biológica para o autismo encontra bases, mas, a partir de uma analogia dos sinais e condições encontradas em neurologia de adultos, com certos comportamentos autísticos.
Enfim, independente da localização exata da lesão, há fortes indicativos de que ela existe, e, segundo Gauderer (1993), o que importa é que a mesma interfere na capacidade dessa criança em perceber corretamente o seu meio ambiente.
Segundo Bower (1977), a forma como a criança percebe suas experenciações repercute até mesmo em como ela vai agir um pouco mais tarde. Para ele, a experiência perceptiva, em estágios precoces da vida, deve ter qualidade. Temos visto que isso não ocorre com a criança autista, que percebe seu mundo deturpadamente e inconstantemente. Hermelin e O’Connor (1970), experimentalmente, requereram de indivíduos autistas, memória para ordenação de dígitos. Da mesma forma que crianças surdas, as crianças autistas empregaram estratégia mnésica espacial, no lugar da estratégia de código temporal normativo. Klin (1993) considera tal achado mais um componente da gama de dados que serve como fortificador de que, ao menos uma porcentagem de indivíduos autistas tem deturpação auditiva, ou seja, algum tipo de privação deste canal sensorial.
Nos relatos sobre a teoria biológica, a seguir, serão encontrados muitas informações de caráter hipotético sobre o aspecto essencial neuropatológico do autismo infantil. Será visto que muitos autores enfatizam as inabilidades auditivas centrais (já enfatizadas por Alvarez,1999; Pickles,1998 e Ferre,1996)como sendo parte da síndrome autística. Tal fato pode fazer o leitor refletir sobre a hipótese de o DPAC ser um componente marcante dessa síndrome.
Suposições já relatadas, como as de Galaburda (1994) e Abdula (respectivamente a de que o DPAC possa ter caráter desenvolvimental e a de poder estar relacionado a mutações cromossômicas, envolvendo os pares VI e XI) são importantes de serem consideradas, já que o autismo é considerado um transtorno de desenvolvimento e o transtorno genético ser incluído, em alguns estudos, como uma hipótese etiológica do mesmo. Além disso, já foi visto que o autismo infantil tem relação freqüente com transtornos neurológicos assim como os DPAC, como já exposto por Alvarez (1998). Esta autora também cita a correlação dos déficits de processamento com transtornos psiquiátricos e de linguagem oral e escrita. Assim, é sugerido que a questão da comorbidade é fato, tanto em casos de DPAC, quanto nos de autismo, como já enfocado.
Se a comorbidade é comum às duas condições não seria difícil hipotetizar que o DPAC é comórbido com o autismo e, muitas vezes, particularmente em certos níveis e categorias de DPAC, o autismo é comórbido com ele. Perante tais reflexões, poderíamos, ainda, questionar: -será que, em grande parte, o quadro autístico poderia ser decorrente de um DPAC de grau profundo ou o DPAC representa, simplesmente, um componente da síndrome?
Será iniciado, agora, um desenvolvimento sobre as questões que dão base a neuropatologia, a qual pode explicar as reações anormais aos sons, os déficits qualitativos auditivos, bem como os déficits perceptivos relacionados à outros estímulos. Para isso seria interessante que o leitor tenha algumas informações sobre o sono REM, pois, relatos, de vários autores, indicam a presença de perturbação neurofisiológica, que envolve estágios específicos do sono REM, apontando a possibilidade de um transtorno em nível de sistema vestibular.
O sono REM normal é composto por um estado de inibição tônica pontuado por episódios fásicos de excitação e inibição. Ou seja, o estado de excitação fásica é sempre acompanhado por uma inibição fásica, o que requer a integridade do sistema vestibular. Tal processo ocorre normalmente durante uma fase do sono, denominada de Sono Dessincronizado, paradoxal ou dos movimentos rápidos dos olhos (REM). Neste sono há um estado de consciência que combina características de excitação e inibição, tendo um efeito sobre o Input Perceptivo. Através de pesquisas, foi verificado que no sono REM, o estado de inibição fásica, que está proposto sobre a atividade excitatória, é mais forte, e, é diferenciado neurofisiologicamente do estado de inibição tônica. No estado de inibição fásica observou-se uma redução na amplitude das médias das respostas evocadas auditivas devido a um aumento do limiar de despertar da Formação Reticular Mesencefálica e Vestibular. Da mesma forma, na atividade inibitória tônica ocorre um aumento do limiar, necessário para despertar a formação reticular Mesencefálica e Vestibular, além da diminuição da amplitude das respostas evocadas sensoriais. Já na atividade excitatória fásica ocorre pulsões de movimentos rápidos dos olhos, aumento da descarga piramidal, surtos de descarga de unidades a partir do núcleo Vestibular descendente e Medial, Mioclonias de contração das extremidades distais, além de redução do limiar, para a ação do estímulo, incidente no SNC.
Ritvo e Ornitz (1968), em alguns de seus estudos, correlacionaram o sono REM com a condição autística. Eles acreditam que, os estágios inibitórios (tônico e fásico) e o excitatório (fásico) deste sono podem estar perturbados na criança autista, devido a fatores fisiopatológicos. Ainda crêem que, tal fato, pode operar durante o estado de alerta dessas crianças, e, portanto, perturbar o mecanismo homeostático normal dentro do SNC. Sobre este, os mesmos ainda chamam a atenção, de que, o cérebro não é unicamente um recipiente passivo de chegada de informações sensoriais, e sim, tem papel ativo sobre o Input sensorial. Da mesma forma, o Input sensorial exerce influência no SNC, ou seja, em estruturas que reciprocamente o regulam. Então, há uma verdadeira regulação homeostática para que a informação se processe adequadamente no cérebro. Carrinton e Ephron (1966) ainda complementam que a função de ativação do estado REM está normalmente associada a um sistema de checagem e balanço (inibição fásica e tônica) o que protege o organismo de descontroles excitatórios. No entanto, é paralelamente relatado por estes mesmos autores que tais estados inibitórios podem estar alterados no autista. Os mesmos ainda consideravam que a inconstância perceptiva, apresentada por estas crianças, é determinada por estados dissociados de excitação e inibição. Isso ainda pode ser reforçado por Snyder (1966), quando afirma que o sono REM tem papel na carga de modulação sensorial e regulação homeostática do cérebro. Assim, segundo essas informações, uma constância perceptual não pode ser mantida, o que é observado no indivíduo autista.
Ornitz e Ritvo (1976) compararam os detalhes que ocorrem durante o sono REM com comportamentos da criança autista, quando em estado de alerta. Eles observaram que os comportamentos autísticos, que notamos durante o estado de vigília dessas crianças, tem as mesmas características daqueles que são comuns durante uma fase REM de sono. Ou seja, nesta ocorre o desligamento de certas funções e, eles afirmam que tal desligamento ocorre no estado de vigília do autista. Neste notamos uma combinação de estados dissociados de excitação e inibição, sendo estes alternados, o que pode vir explicar suas inconstâncias comportamentais, inclusive as auditivas. Tais comportamentos são sugeridos de serem semelhantes às manifestações neurofisiológicas do sono REM. Os autores pressupõem, que a hipersensibilidade dessa criança, bem como sua atenção incomum aos sons auto-induzidos, são acompanhados por uma excitação neuronal exacerbada do córtex sensório-motor. Da mesma forma, a falta de reação aos sons, bem como a apatia geral, pode ser associada a redução da amplitude das respostas evocadas sensoriais durante o sono REM. Em estudos recentes, os mesmos autores ainda observaram que a inibição fásica das respostas, comumente encontradas no estágio REM normal estão marcadamente inexpressivos,no sono da criança autista jovem.
Assim é sugerido que haja uma quebra do equilíbrio entre excitação e inibição fásica durante o sono REM de crianças autistas, e que, o sistema vestibular está provavelmente envolvido. Tal envolvimento do sistema vestibular é fortificado por experimentos descritos, feitos com gatos, e por certas características de crianças autistas, como: rodopios e preocupação com objetos giratórios como alternativa de prover Input sensorial e pela redução da duração do nistágmo pós rotatório, já observada nessas crianças. É suposto que tais alterações sejam devidas a uma fisiopatologia central do sistema vestibular e outros sistemas moduladores da função do mesmo. Damasio e Maurer (1978), Bergman (1979) e Farley (1978) também citam as reações vestibulares apresentadas por essas crianças, relatando, também, a presença de nistágmo pós rotatório diminuído, após estimulação vestibular. De acordo com eles, as mesmas são interpretadas por muitos outros autores, como sendo reflexo de uma alteração na integração sensorial, no nível do tronco encefálico. No entanto, eles acreditam que a disfunção primordial do autismo, inclusive que justifica os sintomas vestibulares, concentra-se em nível mais alto do SNC, como por exemplo nos gânglios basais e córtex cerebral. Mettler & Mettler, citados por Gauderer (1993), dão suporte para o pensamento de Damasio e Maurer. Através de experimentos em gatos, eles constataram que a remoção bilateral do lobo frontal (córtex) ou do núcleo caudado e lobo frontal, repercutem no ato de ignorar a estimulação labiríntica.
Schopler (1965) enfatiza a importância da Formação Reticular na função excitatória e inibidora do córtex cerebral. Ela pode servir como um sistema excitatório global ou específico, onde o estímulo alcança apenas um centro confinado de sensação ou várias áreas ao mesmo tempo. Segundo Hebb (1955), certos comportamentos autísticos condizem com mecanismos excitatórios defeituosos, como por exemplo o seu baixo nível de atividade. Ele acredita que a hiporreatividade sonora é explicada por um bloqueio da relação estímulo - resposta, devido ao fato de a Formação Reticular não estar sendo capaz de ativar o cérebro por inteiro, e sim, apenas áreas receptivas de sensação.
Rimland (1964) acredita que o déficit atentivo está ligado a um comprometimento da Formação Reticular, componente nervoso central extenso que ocupa todo o tronco encefálico. Com isto, esta estaria impedida em ativar estruturas centrais superiores, o que repercutiria em uma alteração de consciência. Hutt, Hutt e Cols. (1964, 1965) também concordam com essa hipótese de disfunção Reticular, a qual ocasionaria desatenção a estímulos, inclusive aos auditivos. Schopler (1965) também concorda, que há um déficit reticular inibidor de suas funções, porém, devido a uma deficiência constitucional do indivíduo autista.
No entanto, Ornitz e Ritvo (1968) não concordam que o déficit atentivo é devido a um distúrbio de vigilância que seria acarretado por disfunção reticular, como preconizado por Rimland, Hutt e Cols. Eles acreditam que as reações auditivas inconstantes são devido a uma ineficiência em modular os estímulos auditivos e que tais reações não podem ser explicadas simplesmente por uma desatenção. Assim, a entrada dos estímulos é que estaria deturpada. O mecanismo normal, de facilitar a transmissão de alguns estímulos e dificultar a de outros não funcionaria e, dessa forma, haveria uma percepção desordenada, assumindo uma qualidade extremamente desagradável. Grandin (1992) confirma essa questão quando relata seus problemas "auditivos" e afirma: "Eu não consigo moderar os estímulos auditivos que entram pelos meus ouvidos". Fornero (2000) também aborda essa questão.
Sohmer (1978) acredita que há um comprometimento quanto a condução do estímulo pelo tronco encefálico. Simon (1975) também considera tal fato, e, mais ainda, que há uma lesão discreta nos centros auditivos do tronco cerebral, os quais são responsáveis pela discriminação dos aspectos suprasegmentares da fala, na qual é notado dificuldade por parte do indivíduo autista.
Segundo Ornitz (1994, 1989), o trajeto dos estímulos, culminando em modulação sensorial é, também, comprometido no sentido de output motor no indivíduo autista e não somente na de input. Esses dois parâmetros, segundo eles, justificam a hipo-reatividade e/ ou hiper-reatividade ao estímulo, bem como, as auto - estimulações auditivas. Ou seja, ao mesmo tempo que uma mesma criança, dita autista, não responde aos comandos verbais ou a sons realmente intensos, pode paralelamente reagir de forma exagerada e exacerbada, a som de baixa intensidade.
Gauderer (1993) também acredita que o autista tenha um déficit atentivo seletivo, que é explicado por uma falha na modulação sensorial o que, também, determina um uso distorcido e hierárquico dos receptores sensoriais, já comentado por Gauderer , citando Mettler & Mettler e por Schopler (1978). Ele ainda reforça que tal falha central, na modulação dos estímulos sensoriais, interfere na capacidade dessa criança em usá-los de forma a discriminar o relevante, e, portanto, ser capaz do mecanismo de atenção seletiva, fundamental para o processo de aprendizagem.
Para Ornitz (1974,1983) o que explicaria esse déficit de modulação sensorial, o qual defende, seria uma lesão vestibular. E, inclusive, este déficit de modulação culminaria em alterações da integração sensitivo motora, em níveis mais altos do neuro - eixo. Isto é explicado pela inter - ligação íntima das estruturas do tronco, proporcionando que a disfunção neuronal inferior atinja, sucessivamente centros neurais superiores, pois, os impulsos anormais seriam gradativamente projetados.
Damasio e Maurer (1978) consideram que as crianças autistas tem um distúrbio atentivo, o qual se difere do distúrbio neuro-condutivo ou perceptivo atrás descrito. Segundo eles, essas crianças não podem ser condicionadas a responder preferencialmente a uma fonte sonora, também, já afirmado por Gauderer (1993). Damasio e Maurer consideram que, o fato de as crianças autistas, em termos, responderem "melhor" ao som que as não autistas (hiper-reatividade), indica déficit atentivo, fato que, para eles, não deve ser relacionado com deficiência perceptiva. Eles afirmam que o indivíduo autista não apresenta déficit perceptivo, e que, o potencial perceptivo assim como o de memória, estão intactos. Os autores querem dizer com isto que, a alteração no autismo é de nível central superior, de forma a isentar o tronco encefálico.
Grandin (1992) mostra que há casos de autismo onde há imagens mentais formadas, inclusive sonoras. Tais casos incluem indivíduos que entendem mensagens auditivas - puras mas que não eram capazes de coordenar sua interpretação em uma resposta, especialmente sob a forma de fala. Ainda nesse sentido, Fornero (1999) afirma tal existência mental (sonora), exemplificando com tais indivíduos autistas, que obedecem ordens dadas de forma auditiva - pura. Isso é condizente com o pensamento de Damasio e Maurer (1978) de que o problema não é em nível inferior central, mas superior.
O mecanismo processador superior (extra tronco encefálico) que, para Damasio e Maurer, é o que está prejudicado no autismo, envolve a busca de informações no que já se tem estocado, alem da seleção de percepções, através dos mecanismos de atenção. Esse último item promove o estoque de informação em nível mental, ou seja, a formação de imagens mentais. Se esta está sendo possível, todo o estoque interno pode ser formado, bem como, uma memória permanente pode ser constituída. Se o resgate desses registros mentais, que constituem pensamentos internos, ocorre, sendo possível emergir um impulso nervoso, em direção ao sistema motor, tem-se uma resposta sensorial. Tais informações nos fazem pensar que, o problema do indivíduo autista, para Damasio e Maurer, relaciona-se ao output motor, ou seja, à capacidade de usar parâmetros mentais e lingüísticos internos estocados. De acordo com eles essa criança não tem dificuldades em perceber, mas sim de controlar os dados percebidos e de solicitar memória, mas não de memorizar. A justificativa para tal afirmação, segundo eles, é que, apesar dela não responder diferentemente à fala clara, em oposição ao ruído, ela mostra um potencial mnésico tão bom quanto ao de crianças normais, perante um material sonoro aleatório, ou, organizado apenas por reforço fonológico (isento de parâmetros semânticos). Contrariamente a isto, apresenta um pior potencial mnésico quando o material sonoro é dotado de significado. Isso mostra que a memorização, em seu sentido estanque, está preservada, mas, quando a qualidade de estímulo exige associação lingüística a um parâmetro significativo intrínseco, já memorizado, esse processamento é problemático. Isso mostra que a dificuldade é acessar componentes mnésicos ou imagens mentais, ou seja, em processar o estímulo percebido. Cromer (1991) discorda de Damasio e Maurer. Ele verificou que 72% dos casos de autismo que desencadearam suspeita de surdez eram crianças com menos de 1 ano de idade, e, a outra parte, com menos de 6 meses de idade. Ele concluiu com isto que, em tão poucas idades, ainda não poderia haver uma ligação consistente entre som e significado, e, portanto, a mesma não poderia ser tomada como defeituosa. Em outras palavras, neste sentido, o déficit só poderia estar relacionado a um nível inferior (intra tronco encefálico) e não em nível superior, como preconizou Damasio e Maurer.
Assim, as considerações são divergentes. As de Ornitz e Ritvo sugerem que o autista tem patofisiologia no tronco encefálico e diencéfalo. As mesmas são muito criticadas por Maurer e Damasio (1979) , que não acreditam que o comprometimento esteja em nível de tronco encefálico. Veremos mais adiante os resultados do estudo de Courchesne, Grillon e Akshoomoff (1989) que, como Damasio e Maurer, discordam da hipótese do tronco encefálico.
Havendo divergências ou não, é notado que todos os sintomas enfatizados pelos vários autores, bem como as correlações anátomo-funcionais feitas, convergem em direção ao modelo das unidades funcionais, expostas no tópico sobre o distúrbio de processamento auditivo central. Ou seja, os relatos conotam distúrbios auditivos centrais que se contrastam, de autor a autor, pelo nível funcional considerado. Ou seja, tronco encefálico (atenção seletiva e localização sonora) e córtex cerebral (manutenção da atenção seletiva, discriminação, representação do espaço auditivo, reconhecimento, compreensão e memória auditiva, organização de respostas referentes a informação auditiva recebida e/ou percebida).
Em Grandin (1992) é fácil perceber uma presença real de alguns déficits, particularmente relacionados a unidade I: segundo sua mãe, ela agia como se fosse surda, porém, os testes e exames auditivos indicavam normalidade quantitativa. Sua sensação era de que usava um aparelho auditivo no último volume, que captava todo som dos arredores, o que lhe conferia uma incapacidade de selecionar o som ambiental importante ou relevante (atenção seletiva). Segundo ela, havia duas opções: ser inundada pelo barulho ou se "desligar". Ainda hoje Grandin detesta lugares confusos e barulhentos, principalmente quando a exposição é a um som ou ruído contínuo.
Segundo Ritvo, citado por Gauderer, várias áreas cerebrais estão acometidas no autismo. Devido aos distúrbios de fala, linguagem e simbolismo, levanta a possibilidade de lesão cortical. Sugere que o déficit afetivo relaciona-se a lesão límbica, frontal e/ou temporal, enquanto que os déficits de reações sensoriais, bem como outros, à lesão cerebelar. Tais anormalidades podem envolver tanto anatomia e fisiologia, quanto inadequação metabólica. É encontrado alguns achados que confirmam cada uma dessas possibilidades nessa síndrome, como por exemplo o PETSCAM , que sugere alteração metabólica. No entanto, esses achados não são padrões a ponto de serem usados como marcos da síndrome. Apenas sugerem associação neurobiológica, dirigindo-se a favor das considerações mais fidedignas.
O ABR: SEU SIGNIFICADO E IMPORTÂNCIA
O ABR tem sido considerado por muitos autores um exame estratégico, devido ao fato de refletir o estado auditivo periférico e central do indivíduo a ele submetido (pelo menos até os colículos inferiores - estruturas centrais mesencefálicas, relé da via auditiva). Assim ele representa um instrumento valioso no processo do diagnóstico diferencial.
Como já abordado na discussão sobre o diagnóstico diferencial, a análise subjetiva, visando as respostas auditivas, dentro do complexo comportamental é essencial, quando realizada por examinador experiente e com treino em observação. Além desse exame clínico-comportamental, já enfatizado por Russo e Momensohn (1994), os dados da anamnese constituem fortes colaboradores. Dessa forma, na ausência de maiores recursos tecnológicos (como o ABR), a clínica, unida à história do paciente, significa um suporte considerável, se houver conhecimento, por parte do profissional que lhe dê condições de contrastar detalhes comportamentais entre condições patológicas diferentes. Se há recurso tecnológico, o ABR pode significar peça determinante no diferencial diagnóstico, denotando ou não comprometimento auditivo periférico (pelo menos numa faixa restrita de freqüência) e/ou central. Tais achados são confiáveis, se os procedimentos laboratoriais forem usados, considerando-se certos métodos e raciocínios que, adiante, são abordados por Gillberg.
Segundo Klin (1993), este teste consiste em reflexos do potencial neural, evocado por um breve estímulo auditivo, de característica diferente, chamado Click. Tais potenciais são capturados em sítio distante, ou seja, no vértex craniano ou lóbulo auricular. Eles representam os eventos neuroelétricos do órgão final coclear e do trajeto auditivo do tronco encefálico consistindo de uma seriação de 5 ondas primárias ( I a V). Estas aparecem após um intervalo de 10 a 15 m sec. Leg att, Arezzo e Vaughan (1988) afirmam que tais ondas são referentes a propagação do potencial de ação do VIII par craneano e do trajeto auditivo central.
Segundo Figueiredo (1999), o ruído de fundo interfere no resultado do exame mas, enfatiza que o teste comporta sedação e anestesia, o que favorece sua realização em indivíduos não cooperativos, como o autista. Ela considera este exame limitado por envolver uma faixa de freqüência restrita, de 2 a 4 KHz.
Os relatos mais atuais consideram que a onda I refere-se a porção distal do nervo auditivo e a onda II à proximal; a onda III aos núcleos cocleares, a onda IV ao complexo olivar superior com contribuição dos núcleos cocleares e núcleo do lemnisco lateral, a onda V refere-se ao lemnisco lateral e a VI e a VII ao colículo inferior.
Considerações para a interpretação dos resultados
• A onda V: é a que informa o limiar auditivo, que é condizente com a última intensidade que a mesma ainda aparece.
• Ela é a mais nítida, e, se estiver com a amplitude menor, em relação às outras, suspeita-se de lesão retro - coclear.
• As latências absolutas: é o tempo entre o estímulo sonoro (click) e a onda analisada. Esse tempo, até a onda I, pode
• estar entre 1,4 a 1,8 ms, para ser considerado normal. Até a onda III, é o normal o tempo da onda I somado com 2,3
• ms e o da onda V é considerado normal um tempo de até 5,8 ms.
• As latências inter picos ( IPL): é o tempo que o impulso leva para percorrer de uma onda para outra. Os valores
• considerados normais são: IPL I - III (até 2,6 ms), IPL III - V (até 2,4 ms).e IPL I _ V (até 4,5 ms).
• A diferença inter - aural: é a comparação da latência I - V entre as duas orelhas. É considerado normal quando a diferença destes valores não exceda 0,3 ms.
Análise dos resultados
• Patologia condutiva periférica em nível de ouvido médio: ocorre latências absolutas aumentadas com inter-picos normais ( IPL(s) ).
• Patologia coclear: o traçado pode ou não estar presente. Se presente, a latência absoluta é normal, com qualidade adequada de traçado. O que ocorre é que, a última intensidade em que a onda V ainda aparece é de perda auditiva. Se o traçado é ausente (ausência da onda I), isto pode indicar um grau profundo de perda auditiva. Ainda indicando lesão coclear, temos aqueles resultados caracterizados por potenciais com latência e morfologias instáveis.
• Patologia retro - coclear: o traçado pode, também, estar ou não presente. Se totalmente presente, todo o tempo entre I - V está aumentado. Se a lesão é de tronco baixo o aumento é do IPL I - III e, se de tronco alto, o mesmo é referente ao da IPL III - V. Se o comprometimento é difuso, ambos estes IPLs estão aumentados. Se o traçado está totalmente ausente ( o que pode ocorrer também quando o problema é coclear com perda auditiva profunda) pode-se também suspeitar de uma lesão retro - coclear considerável. Outros indicativos é a presença única da onda I (a lesão, neste caso, só pode estar após esta onda)e a de uma diferença inter - aural com valor acima de 0,3 ms.
Enfim, uma análise correta dos resultados unida a um procedimento adequado durante o exame nos permite saber se há alguma patologia, tanto em nível periférico auditivo quanto central.
Como já comentado, apesar da teoria biológica para a síndrome estar em evidência, já houve um grande número de controvérsias dentro da literatura no que diz respeito ao fator etiológico do Autismo Infantil. Fato este bastante enfatizado por Makita (1974). As discordâncias vinculam-se a atribuição de um distúrbio emocional ou a de uma lesão orgânica cerebral. Como já visto, para Kanner (1943,1949) e Creak (1963), a condição autística é determinada pelo meio ambiente sendo uma psicose infantil. Já para Schopler (1965) e Ornitz, Ritvo et. al. (1968), a condição é explicada por uma lesão orgânica, no sistema nervoso central.
Segundo Feinmesser et al. (1974) e Picton et. al. (1977), tais polêmicas poderiam ser resolvidas através de testes refinados e objetivos do sistema auditivo e função cerebral. Visto sua fácil aplicabilidade e fidedignidade, o registro, das respostas evocadas auditivas do tronco encefálico, foi tomado como o melhor teste neste sentido. Sohmer e Feinmesser (1973) o citam como sendo o teste mais objetivo da audição em crianças com diagnóstico incerto. Somado a isto, Starr e Achor (1975) ainda enfatizam a sua validade no diagnóstico de lesão do tronco cereberal.
Gillberg (1993) também considera o ABR como a melhor maneira para explorar a hipótese do tronco encefálico em indivíduos autistas, pois os resultados não são afetados por mudanças no ciclo sono-vigília, seja pela atenção, sedação ou uma variedade de drogas de ação central. Tudo isso faz deste teste uma valiosa avaliação objetiva e ferramenta clínica não invasiva. Assim, o ABR é eficaz em indivíduos não cooperativos ou difíceis de testar, pois, estes podem ser sedados para que o exame seja realizado, e, daí, é possível classificar as condições de hipótese do tronco encefálico, assim como obter um nível auditivo dos indivíduos autistas.
No entanto, o próprio Gillberg afirma que há uma falta de clareza quanto aos achados provenientes do ABR de indivíduos autistas. Segundo ele, a mesma é determinada por diversidades metodológicas, no diz respeito aos critérios de seleção e diagnóstico dos indivíduos testados e critérios de exclusão; às diversidades quanto ao número de indivíduos contidos nos grupos controles, pelos valores de referência de normalidade adotados, e, ainda, pela forma de interpretação dos achados. Analisar os achados, considerando prováveis prejuízos das condições auditivas periféricas, auxiliam no evitamento de um rótulo direto de patofisiologia central, talvez errôneo, já que, em muitos casos, não há evidências concretas sobre as mesmas, e, além do mais, veremos que há estudos que referem coexistência de autismo com surdez.
Klin (1993) valoriza o ABR como o exame a ser usado na investigação do status auditivo do indivíduo autista, a fim de descartar ou não um déficit auditivo quantitativo associado. Os dados são confiáveis a partir do momento que se usa procedimentos adequados.
O ABR, realmente, indica anormalidades auditivas periféricas, mas, Klin reforça que, medidas normais de ABR, podem não significar audição normal. Ele ainda acredita que, por enquanto, não podemos tomar os dados anormais dos traçados de ABR, de indivíduos autistas, como apoio para a hipótese do tronco encefálico. Segundo ele, a metodologia usada para a formação das amostras - controle, assim como, outros parâmetros metodológicos, não são consistentes, devido a falta de um padrão. Tais parâmetros, diversificados, fazem com que os dados que compõem os resultados não sejam confiáveis ou fidedignos, para se definir a hipótese de lesão tronco-encefálica, havendo a necessidade de práticas descritivas mais rigorosas e metodologias mais homogêneas. Ele ainda chama a atenção para a importância de se relacionar os achados eletrofisiológicos do ABR à clínica, aos dados colhidos(anamnese) e a condição do paciente como um todo, como: diferenças psicométricas, presença de neuropatologia aparente ou pregressa e severidade dos sintomas. O sentido dado aos achados anormais deve ser minucioso, de forma a serem interpretados coerentemente com todos os dados, já que há estudos que evidenciam a maior ocorrência de certos achados de ABR com história de outras desordens como, por exemplo, as neurológicas.
Como Klin, Gillberg também considera que os achados, interpretados como sendo centrais no ABR de indivíduos autistas, não podem ser considerados dados de suporte, mas, apenas, como sugestivos de algum envolvimento patológico, em nível de tronco encefálico. Isto, porque os achados são contraditórios, envolvendo aspectos variados de traçado que incluem tanto prolongação e encurtamento de latência na transmissão central, quanto ausência de respostas. O mesmo autor associa tais variações a adoção de diferentes critérios pelos variados laboratórios na execução e análise dos exames, tais como: seleção de amostras, variação no controle das amostras, apresentação do estímulo, etc. Ou seja, metodologias diferentes bem como considerações diferentes de vários fatores, que influenciam os resultados deste exame. Ele também considera que os resultados e achados podem variar de acordo com cada método avaliativo e de interpretação, devendo ser considerados certos aspectos. Estes incluem o número de indivíduos da amostra, faixa de idade, gênero, critérios diagnósticos para a escolha da amostra e critérios de exclusão.
DÉFICIT AUDITIVO PERIFÉRICO ASSOCIADO COM AUTISMO
Veremos, agora, que alguns achados do ABR são condizentes com anormalidade auditiva periférica, já que esta pode interferir nos resultados apresentados pelo exame, ocasionando certos parâmetros de traçado. É necessário lembrar que a surdez ou déficit auditivo periférico pode não apenas ser uma dúvida inicial, mas, uma condição associada ao autismo, representando uma comorbidade.
Klin (1993) demonstra uma reflexão constante sobre tal questão, ou seja, a união de disfunção auditiva periférica (ouvido médio - cóclea) e condição autística, bem como sobre o problemática de ambos diagnósticos. Ele reforça a importância da conscientização de que, tal coexistência é um significativo obstáculo adicional ao desenvolvimento dessas crianças e deve ser detectada, o mais rápido possível, visando contornar terapêuticamente a dupla condição. Segundo ele, o acréscimo da deficiência auditiva periférica à condição autística pode exacerbar potencialmente o comportamento mal adaptativo, aumentar a frustração e interferir, ainda mais bruscamente, no aspecto social e comunicativo. Por isso, a visão ampla, pelo profissional, de que essa biocoerência é possível, é fundamental para que ele faça, desde o início, uma pesquisa diagnóstica considerando tal possibilidade. Através disto, este bi-diagnóstico torna-se mais possível, e, automaticamente, um plano terapêutico condizente com a união dessas duas condições.
Cohen e Thompson (1987) chamam a atenção para o fato de que as reações anormais aos sons, mostradas pela criança autista, não podem ser exclusivamente e ceticamente atribuída a teoria sensorial, de indícios lesivos em nível central. Eles acreditam que os déficits "auditivos", associados no sentido de ausência de reações auditivas, nem sempre vão de encontro a teoria do tronco encefálico, podendo ser reflexo, também, de déficit auditivo periférico.
Para Gillberg, nenhum comportamento auditivo deve ser explicado através de processos centrais, até que problemas no aspecto de mecanismos fisiológicos sensoriais mais simples sejam descartados. Segundo ele, o ABR é o método mais eficaz, no caso do autismo.
Jure et al., (1991) consideram que todas as alterações encontradas no ABR de crianças autistas são reflexo de comprometimento auditivo periférico. Já Gordon (1993), ainda sobre a questão desta comorbidade, enfatiza que a prevalência de surdez, associada ao autismo infantil, é correntemente subestimada. Segundo ele, isto é atribuído à pouca importância dada a este fato e à dificuldade real encontrada em se testar essas crianças. Ele ainda levanta o problema de diagnóstico, muito freqüentemente tardio da surdez, inclusive em casos muito óbvios, os quais envolviam fator familiar ou hereditário.
É comum detectar casos de perdas auditivas em indivíduos de um mesmo grupo que já foi testado em anos atrás, inclusive de grau profundo. Isto mostra que muitos casos de deficiência auditiva, envolvidos com autismo, passam desapercebidos por muitos anos, mesmo em indivíduos que já foram submetidos a testes auditivos. Assim, se a deficiência auditiva de grau profundo já é difícil de ser detectada, quanto mais a de grau leve. Steffenburg (1991) cita tal problemática, ou seja, a de crianças já testadas anteriormente não terem tido sua perda de audição detectada, e sim, em testes realizados anos depois.
Os estudos de Tuchman et al. (1991), sobre a coexistência entre autismo e surdez, tiveram uma colaboração importante para uma maior cautela diagnóstica. Segundo as conclusões de Gordon (1993), quando o autismo é detectado, a tendência dos profissionais é justificar a falta de reações aos sons, por parte dessa criança, mais que, rapidamente, pelo seu autismo. Na maioria das vezes, uma possível deficiência auditiva associada é descartada, o que piora o prognóstico, devido a impossibilidade de se traçar um plano terapêutico adequado a essas duas condições. O estudo de Tuchman et al. (1991) explicitou eficientemente a problemática sobre o considerável intervalo de tempo existente entre os dois diagnósticos, quando tal coexistência é o caso.
Segundo eles, quando a Perda Auditiva coexiste com o autismo, a detecção, tanto de uma quanto de outra condição, é difícil. Dentre um grupo de 46 crianças estudadas, com esta dupla condição, a idade média de detecção da surdez é de 2 anos de idade e a do autismo de 4 anos de idade. Através de seus estudos foi constatado que: quando o quadro autístico é biocorrente com o quadro de surdez, os momentos diagnósticos são nitidamente espaçados, ficando o autismo ou a surdez negligenciados por anos. Os mesmos ainda levantam que tanto a deficiência auditiva quanto o autismo exercem um papel negativo sobre o desenvolvimento da linguagem, quanto mais se elas são coocorrentes. Tal coexistência é um fato real apesar da existência de poucas informações.
Estes mesmos autores desenvolveram um estudo que consistiu na investigação minuciosa de 1150 crianças possuidoras de um diagnóstico fechado de P.A profunda (neurosensorial). Após avaliações e testes feitos, foi descoberto que 4% das crianças (n=46) encaixavam-se dentro dos critérios diagnósticos para o autismo e o grau da perda auditiva variava, havendo casos de P.A leve e moderada, apesar de a grande maioria ser profunda.
Outro estudo que abrange a coexistência de autismo e surdez, é o de Steffenburg (1991). Ela avaliou audiologicamente 38 indivíduos de um grupo, o qual ela mesmo formou, em prol de pesquisar as condições neurobiológicas em autistas. Tal grupo era representado por indivíduos com quadro autístico típico e atípico (autístas - Like - que não se encaixam em todos os critérios estabelecidos para o autismo). Nesse último, um garoto era totalmente surdo, outro tinha uma perda auditiva severa ( > 50 db) e uma garota mostrou um déficit auditivo de grau moderado. No grupo autista típico foi encontrado 5 casos de perda auditiva de grau leve a moderado.
Klin (1993) cita que, em muitos estudos de ABR, em crianças autistas, foi verificada a presença de dificuldade auditiva periférica, em um número não negligenciável . Esta é constatada quando há um atraso na latência ou ausência da onda I ( Skoff, 1980; Rumsey, 1984; Tanguay et. al., 1982; Ifria e Sabo, 1980), o que pode ser determinado por uma dificuldade condutiva ou por déficit coclear. Os indicativos desses déficits não foram achados através da avaliação audiológica comportamental. No entanto, Davis e Hirsh (1979) atentam para o fato de que ausência de ABR pode não significar presença de perda auditiva. Segundo eles, há uma incidência de 0,5% de pacientes cujas respostas de ABR são ausentes e a audição é boa.
Klin (1993) levanta que, dentre 170 sujeitos identificados como autistas, uma média de 56 a 78 mostraram evidências de anormalidades auditivas, mesmo que através de métodos de Screening auditivos de exclusão mais diversificados.
No estudo de Gillberg (1990), 30% das crianças denotaram déficit auditivo entre moderado a severo e a otite média era o fator mais freqüente. No entanto, notou-se que nessas crianças com problema condutivo, o grau da perda auditiva não era condizente com um grau leve, o que não é compatível com um problema condutivo. Uma das explicações de Gillberg para isto é que haviam déficits sensoriais (cóclea) associados ao problema condutivo. Steffenburg (1991) refere-se a essas perdas de audição como sendo neurogênicas, coocorrente com infecção respiratória superior. (Perdas auditivas mistas).
Sohmer e Student (1978) estudaram as respostas ao ABR de 15 crianças com diagnóstico de autismo, as quais ainda passaram por exame otológico prévio, com a finalidade de descartar perdas auditivas condutivas. Tais respostas foram comparadas com as de um grupo controle de crianças normais. Cinco crianças não apresentavam respostas (ausência de traçado) devido a presença de perda auditiva de grau profundo, o que impediu a condução do estímulo auditivo, e, portanto, sua transformação em impulso elétrico. Neste mesmo estudo, todos os indivíduos da amostra apresentaram anormalidades auditivas periféricas e, na de Skoff et. al.(1986), 46%, o que foi visto através de dados do ABR.
Os resultados obtidos dos estudos de Bluestone (1978); Bluestone, Beery e Paradise (1973) e de D. Cohen e Sade (1972) são compatíveis, indicando uma média do grau de perdas auditivas nas seguintes porcentagens, para indivíduos autistas: 8%. Com perdas menores ou iguais a 10 db para freqüências de fala, 90% com perdas auditivas entre 16 e 40 db e 1% dos casos com perda igual ou acima de 50 db.
Para Cohen e Sohmer (1976), a latência aumentada da onda I é atribuída a perdas auditivas periféricas. Diante disso, Sohmer (1978), em seu estudo, ao analisar as respostas ao ABR de 15 crianças autistas, descartou, previamente, fatores condutivos no ouvido médio, através de exames otológicos, a fim de averiguações qualitativas da perda auditiva. Da mesma forma, um atraso no aparecimento da onda I ocorreu, fato que só pôde ser associado a uma perda auditiva neurosensorial profunda ou severa.
Dentro do critério do DSM - III -R (APA, 1997) para o autismo, a P.A (Perda Auditiva) é listada como um diagnóstico diferencial, mostrando que, o fato de perdas auditivas coexistirem com o autismo é uma possibilidade um tanto ignorada.
Os estudos de ABR mostram claras indicações de que anormalidades auditivas periféricas são possíveis nessas crianças, cuja detecção não é possível com a audiometria comportamental. Em Taylor et. al. (1982), uma amostra de 32 indivíduos referiu 14 com perda auditiva moderada a profunda através dos dados de ABR, em Student e Sohmer (1978) todos os indivíduos referiram déficit auditivo periférico e em Skoff et al. (1986), 46% da amostra.
Estudos impedanciométricos em indivíduos autistas, realizados por Smith, Milher, Stwart, Watter (1988), detectaram pressão negativa anormal no ouvido médio. Já Konstantarcos e Homatidis (1987) compararam a freqüência de ocorrência de otite média entre crianças autistas e não autistas, através dos relatos dos pais. Eles concluiram que a mesma foi maior no grupo autista.
Já no estudo de Steffenburg (1991) notou-se que todos os déficits auditivos encontrados tinham origem neurogênica, com exceção de um caso, que tinha história abrangente de infecção de vias respiratórias superiores. No entanto, há muitos trabalhos que abrangem a existência de uma tendência considerável dos indivíduos autistas, a desenvolver distúrbios respiratórios superiores e, portanto, um transtorno de ouvido médio, o que acarretaria perda auditiva condutiva.
FUNDAMENTOS SOBRE A COEXISTÊNCIA SURDEZ E AUTISMO
Jure et al. é citado por Gordon (1993), dentro da idéia de que muitos fatores predisponentes do autismo são identificados como sendo, também, da surdez como, por exemplo: asfixia peri - natal, infecção por Haemophilus, anormalidade cromossômica, infecção congênita viral, prematuridade, hiperbilirrubinemia, etc.
Tuchman, Jure e Rapin (1991) acreditam que a explicação da coexistência dessas condições realmente envolve presença de disfunção cerebral. Esta, correntemente, determina um quadro autístico em junção a desordem auditiva periférica. Esta biocorrência tem sido proporcional a prevalência de achados neurológicos sérios e anomalias congênitas. Segundo Rourke and Spirp (1967), a causa mais conhecida da mesma é a rubéola congênita, resultando vasculite e meningoencefalopatia. Klin (1993) ainda, verificou que a incidência da coexistência de P. A. (transtorno periférico) e autismo, é maior nos casos de autismo em que há deficiência mental associada.
Gordon (1993) também enfatiza a questão da rubéola, a qual causa ao mesmo tempo autismo e surdez. Ao mesmo tempo, ele questiona o fato de uma mesma condição, como a rubéola, poder estar implicada tanto em casos puros de surdez e em casos puros de autismo quanto na associação de ambos. Neste momento é importante lembrar-mos do dado, já exposto, anteriormente por Schwartzman(2000)de que a rubeola congênita predispõem a vulnerabilidade dos embriões ao autismo. O autor também coloca a questão da assistematicidade dessa interrelação(autismo x rubeola congênita).
Cohen e Frith (1987) levantaram a possibilidade de o autismo poder vir a ser decorrente de privação sensorial, ou seja, a condição autística ser passível de ser desenvolvida devido a surdez. No entanto, a reflexão sobre o fato de que a grande maioria de crianças surdas não apresentam dificuldades comunicativas e sociais pervasivas, encontradas nas crianças autistas, significou um fator contra essa idéia. Por outro lado, há estudos que sugerem que anormalidades auditivas na infância atuam como agentes neuropatológicos, devido a uma influência sobre a maturação normal de sistemas de giros cerebrais. Isto é referente a Gordon (1989). Nessa abordagem, o autismo poderia surgir de uma privação sensorial. No entanto, já foi visto que apesar de não ser subestimável, o autismo é raro na criança surda, e, além do mais, a perda auditiva, quando envolvida, não tem relação de proporcionalidade com a gravidade do quadro autístico (Jure et al., 1991). Porém, paralelamente a isto, Neville e Lawson (1987) apresentam dados, mesmo que obtidos de forma um tanto grosseira, indicativos de que, realmente, ambiente auditivos impróprios, bem como privação sensorial, assumem um papel negativo sobre tal especialização cortical. Assim é visto que autores como Hoyes e Gordon (1977), Konstantareas e Homotidis (1987) e Smith et al. (1988) crêem no fato de a privação sensorial auditiva ser passível de significar um predisponente do autismo infantil. Em contraste, as conclusões do estudo de Tuchman, Jure e Rapin (1991) apresentadas acima, contradizem essa possibilidade.
Nota-se que a presença de perda auditiva em associação com o autismo não deve ser subestimada e, segundo Gillberg (1993) os achados contraditórios do ABR de indivíduos autistas, já comentados, podem refletir presença de anormalidade periférica mal interpretada. Para ele, a interpretação dos resultados é um fator que interfere. Como já salientado, o aspecto metodológico varia de laboratório para laboratório e de interpretador para interpretador e uma perda auditiva pode não estar sendo considerada. Por exemplo, Keith e Greville ditam que um audiograma plano mostra latências interpicos normais, e, um entalhe na freqüência de 4000 Hz produz uma onda V atrasada e uma onda I precoce, prolongando o intervalo interpico I - V, ou seja, provocando um achado central. Veremos que Gillberg (1993) encontrou resultados no ABR de crianças autistas muito contraditórios, os quais envolviam tanto prolongação quanto encurtamento na transmissão central, e até, ausência de respostas. Isto mostra o quão é importante considerar o estado periférico auditivo dos indivíduos avaliados, para que a avaliação seja coerente e fidedigna.
OS ACHADOS CENTRAIS DE ABR E DE OUTROS TESTES ELETROFISIOLÓGICOS
Refletindo sobre as informações colocadas por Figueredo (1999), no que diz respeito a análise dos resultados do ABR, é visto que o ABR é um instrumento que pode ser usado tanto para se averiguar a presença de perda auditiva periférica, quanto de lesão central. Se há um atraso no aparecimento da onda I, a maior indicação é de se tratar de um problema periférico condutivo. Se não há formação de traçado, pode-se pensar em uma perda auditiva profunda, mas, também, em uma lesão retro-coclear (neural). Ou ainda, se temos um traçado adequado, cujas latências absolutas são normais, podemos pensar em perda auditiva neurossensorial. Isso, particularmente, quando o último momento em que a onda V aparece indicar um nível de intensidade condizente com perda auditiva. Outro caso, é quando há traçados, porém , é visto aumento nas latências inter-picos (IPLS), o que indica comprometimento central, em nível de tronco encefálico.
Os outros testes eletrofisiológicos responsáveis por averiguar o estado funcional de outras áreas do SNC, incluem: os potenciais de média latência (MLR), a resposta N1-P2 (MMN - mismatch negativity) e o P 300 (P3).
O MLR reflete o estado das áreas auditivas da região talâmico-mesencefálica por ser determinado por potenciais gerados em tais áreas, que ocorrem aproximadamente de 10 - 90 m seg após o início do estímulo.
O N1 - P2 avalia a função da área localizada entre o corpo geniculado medial e a ínsula, além do córtex auditivo primário (geradores corticais-subcorticais). Consiste na aplicação de uma série de estímulos sonoros homogêneos (mesmas características acústicas) alternada com a presença de um raro. O indivíduo submetido ao teste deve perceber estes estímulos raros, avaliando, portanto, o stado do processamento pré-atencional, ou seja, a capacidade de identificação automática de diferenças refinadas dos sons da fala. Tais potenciais são gerados, aproximadamente, 200 m seg, após o início do estímulo.
O P3 é representado por uma onda positiva, ocorrendo aproximadamente 300m seg após o início do sinal determinando geradores corticais múltiplos. Ele depende da cooperação do paciente e reflete funções atencionais e integrativas.
Quanto ao ABR, Gillberg (1993) comenta a questão de que os resultados tem sido muito contraditórios e que os achados oscilam, indicando tanto comprometimento central (o que seria a favor da teoria do tronco encefálico), quanto periférico. Ele alerta que este interfere no exame, a ponto de culminar um traçado indicativo de comprometimento central, tendenciando conclusões errôneas.
Serão, agora, apresentados alguns achados centrais do ABR de indivíduos autistas, o que proporcionará um raciocínio qualitativo e quantitativo dos significados do mesmo.
Steffenburg (1991) formou dois grupos controles de indivíduos, respectivamente autistas (35) e autistas - Like (17, quadros incluídos nas desordens do espectro autístico sem preencher todos os critérios diagnósticos), os quais avaliou e estudou. Dentro da bateria de exames, usada por ela em sua pesquisa, encontrava-se o teste de ABR. Trinta e dois indivíduos, de sua amostra de 52, foram submetidos ao teste e 1/3 apresentou alteração nas respostas auditivas do tronco encefálico. Oito de vinte e um, com autismo infantil e dois de onze, com condição autista - Like. As anormalidades referiam-se a: prolongação do tempo de transmissão pelo tronco encefálico, prolongação no tempo da diferença inter - aural e raio da onda V diminuída, em relação a onda I. Steffenburg comparou tais resultados com os de um grupo de crianças normais, as quais não apresentaram nenhuma anormalidade do tipo visto no grupo com condições autísticas ou autísticas - Like.
Dez de quinze crianças estudadas por Sohmer e Student (1978) apresentaram presença de traçado anormal, indicativo de comprometimento no nervo auditivo e núcleos cocleares. Relacionando estas respostas ao grupo controle normal, foi verificado diferenças quanto a conformação das ondas, uma latência inter pico II - IV aumentada no grupo autista, sendo a diferença mais consistente a seguinte: uma latência aumentada da resposta da primeira onda. Student (1995) ainda encontrou, de modo geral, que o raio de amplitude da onda I foi maior do que a onda III, no grupo autista.
Ainda em Student e Sohmer (1978) houve uma prolongação da latência interpico I - V, que não foi tomada como significativa. Essa alteração, nos mesmos, estava associada a condições de coma ou de hipotermia, as quais são conhecidas de , realmente, prolongar levemente o tempo de transmissão central no ABR, o que foi tomado como justificativa do fato. Já Courchesne et. al. (1995) e Grillon et. al. (1989) não encontraram qualquer anormalidade no ABR de seu grupo experimental, de indivíduos autistas High Function. Os mesmos ainda levantam um forte argumento de que, indivíduos autistas, isentos de deficiência mental e desordens neurológicas, não mostram anormalidade no ABR, e, portanto, disfunção do tronco encefálico, não podendo esta ser uma condição firmada pelo ABR, para o autismo infantil puro(sem outros comprometimentos detectáveis). Em acréscimo, segundo Gilberg (1993), dentre 159 indivíduos autistas, 35 mostraram anormalidades no ABR, no que diz respeito aos IPL(s). Apesar das variadas metodologias de realização dos exames e interpretação dos resultados, os quais impedem uma estimativa confiável do número de pessoas autistas que mostram anormalidades centrais no ABR, através desses 159 indivíduos, pode-se presumir que, tal número, é mais baixo que 27%.
Tanguay et al. (1982) avaliou indivíduos autistas pelo ABR. Ele verificou que anormalidades na latência interpicos (IPL), somente ocorriam quando os níveis de intensidade do estímulo eram baixos (42 db HL). Já em níveis mais altos (72 e 57 db HL), não houve diferenças de IPL(s) desses indivíduos comparados ao grupo controle normal (sem autismo).
De modo geral, os resultados adquiridos a partir dos ABR(s) de indivíduos autistas, quando comparados ao grupo controle normal, mostram resultados anormais, principalmente no que diz respeito ao parâmetro latência interpicos. Os achados variam desde prolongamento dos IPL(s) I - V, I - III e III - V, atraso de picos III e IV, atraso no aparecimento da onda I e adiantamento da V (Tanguay et al., 1982; Skoff et al., 1980; Skoff et al., 1986; Taylor, 1982; Starr e Achor, 1975; Stockard e Rossiter, 1977). No entanto, há, também, estudos em que não foi achado nenhuma anormalidade quanto aos parâmetros citados acima.
Courchesne et al. (1985) e Grillon et al. (1989) associam os achados anormais de ABR, ou seja, as latências de aparecimento das ondas e os IPL(s) aumentados, com quadros de deficiência mental e desordens neurológicas.
Estudos como o de Tanguay et al. (1982) e Rumsey et al. (1984) relatam a presença de PICO I atrasado, bem como , tempo encurtado de transmissão central. Isso indica perda auditiva periférica, e, segundo Klin (1993), é um achado que deve ser adequadamente considerado na interpretação dos resultados, a fim de definir, pelo menos, a presença de envolvimento central ou não e ter, então, parâmetros para possíveis confirmações da hipótese do tronco encéfalico ou não. Tais achados, indicativos de problema auditivo periférico, são importantes quando lembramos dos estudos de Tuchman et. al. (1991) e Gilberg (1990), que abordam a coexistência de surdez com autismo em um número não subestimável de casos.
De acordo com Keith e Greville, uma perda auditiva em altas freqüências pode reduzir o intervalo interpico I - V por atrasar mais a onda I que a V, enquanto que, uma perda auditiva em freqüências baixas pode reduzir a latência, mas, da onda V, sendo o intervalo I - V reduzido devido a isto. Esses mesmos autores encontraram tais resultados em crianças autistas e consideram presumível que os mesmos (achados centrais) podem estar ligados a deficiência auditiva. Ou seja, houve um efeito primário do status auditivo audiométrico sobre as latências centrais, particularmente, um encurtamento do intervalo I - V, o que deveria ser considerado na interpretação dos resultados do ABR, principalmente pelo fato de o mesmo avaliar o estado auditivo numa faixa frequencial restrita.
Segundo Gillberg (1993), a latência da onda é determinada tanto por parâmetros do estímulo, quanto pela sua latência na transmissão pelo tronco encefálico e processo coclear. Há estudos que comprovam que a latência da onda V é resultante da contribuição ampla da membrana basilar, enquanto que, a onda I resulta de uma contribuição restrita, ou seja, apenas da região basal. Essas latências sofrem influência das configurações audiométricas, ou seja, do status auditivo quantitativo.
Estudos como os de Starr e Achor (1975), Stockard e Rossiter (1977) e Gillberg et al. (1983) correlacionam o atraso no aparecimento de pico no ABR e o aumento de latência interpico, com uma grande variedade de doenças neurobiológicas e otoneurológicas. Isto pode nos fazer questionar, se as alterações encontradas no ABR são devidas ao autismo em si ou a uma desordem neurológica associada. Da mesma forma, podemos argumentar, perante outras informações aqui contidas, se as anormalidades encontradas na transmissão central são ou não reflexo de prováveis patologias periféricas, em nível de ouvido médio ou cóclea. Enfim, o significado dos achados anormais, encontrados nos resultados deste exame, é bastante relativo.
Já Ritvo, Tanguay, Ornitz e Forsyte (1976) sustentam a hipótese de que os resultados de ABR das crianças autistas são condizentes e atribuíveis a uma imaturidade de certos mecanismos do tronco cerebral. Isto é confirmado por Galambos (1974) e Buda et al. (1975), que afirmam que a latência de condução pelo tronco encefálico é maior em crianças mais jovens. Nesse momento é importante lembrar do que Galaburda (1994) propõe sobre o DPAC, de que o mesmo tem caráter desenvolvimental.
Ritvo e Ornitz (1968), Mason, Brown et. al. (1969) e Fetzner et. al. (1973) consideram que os achados do ABR são justificáveis por uma disfunção do tronco encefálico nessas crianças.
Sohmer (1978) não considera clara a explicação para os achados anormais no ABR da criança autista. Para ele, elas podem ser referentes tanto a uma lesão coclear, quanto a uma lesão sinaptica ou a um comprometimento condutivo no nervo auditivo. Segundo Burkard e Hecox (1987), Gott e Hughes ( 1989), Hecax et al. (1989) e Staplles (1989), as técnicas de ABR estão tendendo a evoluir o que proporcionará uma avaliação mais completa e precisa. Já existem tentativas para isto, as quais concernem na ampliação dos espectros de freqüências testadas, fazendo-as mais comparáveis às situações auditivas da vida real.
Segundo Burvard e Hecox (1987) e Birman et al. (1989), o uso de ruído de banda larga, com a função de mascaramento ipsilateral durante o teste pelo ABR, é muito útil no diagnóstico eletrofisiológico. Klin (1993) considera que tal conduta pode aumentar a possibilidade da detecção de anomalias sutis, na condução auditiva central. Ele ainda acredita que a falta de uso dessa conduta, colabora para a menor fidedignidade dos resultados anormais encontrados no ABR, não podendo ser confiáveis como indicadores da hipótese do tronco encefálico. Para ele, a tendência é a melhora, a medida que pesquisas empregando paradigmas ruído - mascaramento tornará tal conduta mais acessível, fazendo parte da rotina graças a um maior nível de informações. Estas informações são baseadas no fato de que há um ruído de fundo constantemente presente na vida de escuta cotidiana, o qual é mais prejudicial para a audição diminuída. Assim, usando o mascaramento no momento do teste, a resposta eletrofisiológica torna-se mais sensitiva, e, portanto, mais confiável.
É visto, portanto, que o ABR não pode ser usado como um instrumento a favor ou contra a hipótese do tronco encefálico. Ele apresenta resultados oscilantes, que podem ser explicados por várias questões: determinadas configurações audiométricas e presença de perda auditiva, presença de distúrbios neurológicos, além de metodologias de aplicação, interpretações e considerações extremamente diversificadas.
É óbvia a presença de inabilidades perceptivas e atentivas, por parte do indivíduo autista. No entanto, a origem das mesmas tem caráter controvertido. Há autores que as relacionam com comprometimento em nível de tronco encefálico e outros com comprometimento diencefálico e/ou cortical. Os achados centrais encontrados em ABR, não podem ser tidos como confiáveis. Se pudessem, seriam fortes indícios de que a explicação para os déficits atentivos e perceptivos do autista, correlacionariam-se a um comprometimento neurológico baixo.
O fato é que os achados centrais anormais, dados pelo ABR (BERA), podem representar outros fatores (já citados) e não lesão de estruturas troncoencefálicas. Baseando-se nisso, Courchesne, Grillon e Aksahoomoff (1989) fizeram estudos eletrofisiológicos, no entanto, tomando certas precauções. Eles analisaram os resultados do potencial evocado auditivo do tronco encefálico e de média latência de autistas, adotando certas medidas, a fim de evitar resultados falsos, decorrentes de despadronizações metodológicas. Os grupos testados por eles foram equilibrados em aspectos como faixa etária, sexo e performance de Q.I. Os critérios diagnósticos adotados foram padrões para todos os elementos, assim como todos os procedimentos dos exames. Até mesmo a temperatura corporal dos indivíduos foi registrada, pois, sabe-se que ela interfere nos resultados desses exames. Três grupos de indivíduos foram submetidos aos testes: um grupo autista, sem deficiência mental associada; um de portadores de desordem no desenvolvimento da linguagem receptiva (sem autismo) e outro de indivíduos normais. Esse foi selecionado, minuciosamente, através da história familiar, precedentes históricos, testes psicológicos e uso de medicação.
Como já relatado, fatores como retardo mental e presença de desordens neurológicas, bem como idade e sexo, influenciam os resultados do potencial auditivo do tronco encefálico. No entanto, na maioria dos estudos, em autistas, não foi considerado uma padronização metodológica.
Considerando essa questão apontada, inclusive em vários estudos (Courchesne, Yeung-Courchesne, Hicks & Lincoln, 1985; Rumsey, Grimes, Pikus, Duara & Ismond, 1984; Tanguay, Edward, Buchwald, Schwafel & Allen, 1982) Courchesne (1989) mostrou, realmente, considerá-la, excluindo do grupo indivíduos portadores de desordens neurológicas detectáveis e de deficiência mental.
Analisando os resultados, observou-se que não houve diferenças consistentes entre as características dos resultados entre esses três grupos. No ABR, as ondas de I a VI foram identificadas em todas as condições do teste e os diferenciais dos valores entre o grupo autista e o normal estão expostos no quadro a seguir, mostrando as diferenças pouco consistentes:
Table I Means and Standard Deviations for the BAEP Study in the Autist and RDLD Groups and Their Respective Normal Control Groups
Wave latency Interpeak latency Wave latency
(msec) (msec) (µvolt)
Group I III V I-III III-V I-V I III V I/V
Control 1.58 3.73 5.71 1.99 2.01 4.01 0.33 0.28 0.31 1.19
left (0.10) (0.09) (0.21) (0.11) (0.16) (0.06) (0.06) (0.11) (0.06) (0.09)
Right 1.61 3.70 5.72 2.04 2.02 4.06 0.26 0.30 0.31 1.54
(0.23) (0.11) (0.24) (0.07) (0.19) (0.15) (0.09) (0.12) (0.09) (0.95)
Binaural 1.55 3.63 5.74 2.00 1.99 4.04 0.43 0.39 0.51 1.71
(0.08) (0.25) (0.24) (0.09) (0.20) (0.15) (0.14) (0.19) (0.08) (1.35)
Autistic
Left 1.65 3.64 5.66 2.15 2.02 4.18 0.30 0.27 0.32 1.39
(0.11) (0.09) (0.11) (0.13) (0.09) (0.19) (0.14) (0.07) (0.14) (1.03)
Right 1.59 3,63 5.65 2.15 2.01 4.10 0.28 0.29 0.36 1.66
(0.03) (0.11) (0.13) (0.19) (0.13) (0.19) (0.10) (0.10) (0.11) (1.47)
Binaural 1.60 3.60 5,62 2.07 2.06 4.18 0.33 0.39 0.57 1.92
(0.12) (0.08) (0.10) (0.21) (0.31) (0.20) (0.11) (0.09) (0.16) (1.08)
Pensando no resultado das respostas de média latência, não seria difícil inferir uma alteração. Ou seja, se é pensado que elas são o reflexo da atividade de estruturas como tálamo e radiações talâmicas até o córtex auditivo (como preconizaram Cohen, 1982; Hammond, Bruni & Wilder, 1980; Kraus & Stein, 1982 e Galambo, 1974), cujas responsabilidades são primárias em relação à habilidade de compreensão auditiva, poderíamos pensar que, se o autista denota um distúrbio na percepção da fala, essas estruturas deveriam demonstrar um comprometimento ou disfunção. No entanto, isso não ocorreu.
Dessa forma, esses autores concluíram que os déficits perceptivos e atentivos, observados no indivíduo autista, não se correlacionam com déficits de processamento em nível das estruturas nervosas, que geram os potenciais auditivos(ABR) ou as respostas de média latência. Entretanto, eles não descartam a hipótese que possa haver um comprometimento em outras estruturas do próprio tronco encefálico ou do cerebelo e córtex auditivo.
Courchesne, Lincoln, Yeung-Courchesne, Elmasian e Grillon (1989) também fizeram um estudo eletrofisiológico de indivíduos autistas (adolescentes e sem deficiência mental associada), no entanto, considerando potenciais corticais. Dois componentes do registro foram anormais no grupo autista: o NC e o P3b. O NC reflete o córtex frontal e é eliciado por estímulos que despertam atenção. O P3b está relacionado a processo de memória. Ambos apresentaram-se menores do que o normal.
Se fizermos um paralelo entre o estudo de Courchesne, Grillon e Askshoomoff (1989) e o de Courchesne, Lincoln e Elmasian (1989), poderemos dizer que a associação de seus resultados, limitada estritamente a eles, sem considerar qualquer outro estudo, concluiríamos que os déficits atentivos e perceptivos auditivos têm grande probabilidade de serem justificados por disfunções em nível nervoso mais superior. Ainda reforçando isso, há estudos como os de Tanguay e Edwards (1992), Ciesielski, Courchesne e Elmasian (1990), além de Courchesne (1987). Dos mesmos, foram obtidos achados anormais de latência longa, através do potencial cerebral da informação auditiva processada, em indivíduos autistas.Em suma, vemos que há tendências diferentes quanto a topopatologia provável de explicar os déficits relacionados ao Autismo Infantil e, particularmente, seu peculiar comportamento auditivo.
Considerações Finais
O diagnóstico diferencial do Autismo Infantil não é uma questão simples, pois a condição autística pode confundir-se com outras condições, por possuir quadros com características semelhantes e fatores predisponentes comuns. Quadros como deficiência mental pura, afasia, esquizofrenia e outros devem, também, ser muito bem diferenciados. Apesar de os mesmos apresentarem sintomas comuns ao autismo, esta é uma condição exclusiva em que tais sintomas são unidos intimamente. Tal junção define uma constelação clínica especial que não é condizente com nenhuma outra condição, o que nos propicia definir o quadro deste indivíduo, possibilitando fechar o diagnóstico de autismo infantil.
A surdez constitui um componente importante do diagnóstico diferencial. A criança autista comporta-se de forma condizente com o levantamento dessa suspeita. Na maioria das vezes, essa suspeita é levantada pelos próprios pais que começam a se perguntar se o filho é surdo. Esta dúvida significa uma ponte para o diagnóstico de autismo à medida que ela é um dos primeiros acontecimentos a chamar a atenção dos pais de que algo não está bem. No entanto, essa suspeita, gradativamente, pode cair por terra, pois, a falta de reação a sons pode começar a ser complementada por reações auditivas exacerbadas, constituindo dois perfis comportamentais auditivos que se alternam: hipo-reatividade X hiper-reatividade.
Um grande dado que concretiza a importância desses sintomas auditivos, como parte do quadro autístico é a abordagem e a citação dos mesmos em várias escalas e critérios diagnósticos, bem como em entrevistas padronizadas. Isso mostra que eles são relevantes e dignos de atenção. Inclusive, importantes na elaboração de raciocínios, a medida que estudando-os é possível se chegar a definições importantes sobre a síndrome, bem como a novas hipóteses e descobertas.
Eles são típicos da criança autista e têm sido explicados através da teoria biológica para o autismo, mais especificamente através de uma possível neuropatologia. Vimos que há várias hipóteses neuropatológicas para essas inconstâncias auditivas, que se contrastam e se apoiam de autor para autor e de estudo para estudo. O fato é que, praticamente não há provas concretas dos possíveis fatores neuropatológicos ou neuropatotopologia, apesar da existência de dados patológicos, adquiridos através de estudos de autópsias, e, portanto, mais paupáveis. Tais resultados têm dado vasão a hipóteses de haver um déficit de migração neuronal no autismo. Ou seja, tal migração que fisiologicamente tem seu período optimal entre a 8ª e a 12ª/14ª semana de vida intra-uterina, não ocorreria em indivíduos autistas. Tal dado tem sido explicado através do levantamento de algumas possibilidades, como por exemplo a da presença de um "time" patológico desenvolvimental, que seria próprio da população autista, e, a de desencadeantes infecciosos e/ou toxicológicos, que acometeriam a mãe durante a gestação. No entanto, a validação desse dado exige um caráter cumulativo de material humano póstumo, o que colabora para a ausência de um subsídio laboratorial, que poderia ser tido como padrão da síndrome.
Dessa forma as hipóteses sobre disfunção ou lesão em nível de formação reticular, justificando os déficits atentivos, ou em nível de núcleos da base e/ ou lobo frontal do cérebro, assim como a crença de inadequação na modulação sensorial, que consagra a hipótese do tronco encefálico e reflete uma possível distorção quanto ao input sensorial, bem como os indícios de deturpação associativa central superior ou de sistema vestibular, se dão graças a inferências de base clínica e comparativa. Paralelamente, são questões que devem ser valorizadas e consideradas, já que o comportamento de qualquer indivíduo e sua clínica reflete um estado funcional intrínseco. Já que as funções nervosas são bastante relacionadas e intimamente interdependentes, não é difícil entender os diversos contrastes de pensamentos quanto à topologia da provável lesão nervosa. Por exemplo: enquanto Damasio e Maurer acreditam que o problema seja de processamento neural, particularmente, envolvendo diencéfalo e córtex, Ornitz e Ritvo apoiam a hipótese do tronco encefálico. Ou seja, para Damasio e Maurer há uma dificuldade de usar o que se tem aprendido, e, para os outros dois, há uma dificuldade em receber e perceber a informação ou estímulo incidente. Particularmente, em minha experiência prática, observo no comportamento dos portadores de autismo, variações nesse sentido. Enquanto que alguns demonstram indícios de comprometimento central inferior somente, outros denotam disfunção central superior (córtex e diencéfalo), também isolada, havendo ainda uma outra vertente denotativa de presença dos dois níveis de comprometimento. Assim, considero que três níveis de comprometimento ocorrem em conjunto ou isoladamente, de caso a caso.
Vários estudos mostram que esses indivíduos têm uma real dificuldade quanto ao canal auditivo, que pode variar desde problemas receptivos centrais e atentivos até problemas perceptivos. Nesse sentido é interessante lembrar da hierarquia perceptiva de Schopler (1965) que, apesar de ser um estudo antigo, mostra que o canal auditivo ocupa o último lugar.
Há também alguns estudos que mostram a ocorrência de lesão auditiva periférica em um número de casos não subestimável de crianças autistas. Tal fato foi, coerentemente por muitos, atribuído a fatores predisponentes comuns, que causariam tanto um insulto de ordem neurológica (que é a justificativa mais aceita para o autismo visto a psicológica ter caído por terra) quanto a de ordem periférica auditiva. É visto que a rubéola congênita é um dos fatores predisponentes mais comuns dessa coexistência, definindo, também, quadros de surdez puros, sem autismo.
A comorbidade autismo - surdez é fato, apesar de parecer rara, talvez devido, até, ao baixo índice de encaminhamentos a avaliações auditivas fidedgnas. A questão é que essas duas condições devem ser identificadas precocemente, a fim de se estar visando um melhor prognóstico. Porém, não é o que ocorre, devido a dificuldades técnicas e científicas, e, até mesmo, devido a excesso de auto - confiança por parte do profissional. É coerente a opinião de Gillberg de que o problema deve estar definido sempre que possível através de bases objetivas, e, como vimos, o ABR bem feito, através de parâmetros padronizados é um instrumento comlementar eficaz e mais acessível. Quando associado aos dados colhidos da avaliação comportamental e da anamnese, ele constitui parte componente importante do processo diagnóstico.
Os achados do ABR nos mostraram sinais de perda auditiva associados ao autismo, e, ao mesmo tempo, de inadequações auditivas de ordem central. Porém, tais achados e sinais não são bem determinados, devido as muitas variações laboratoriais quanto ao procedimento do exame, metodologia usada, critérios de inclusão e exclusão, bem como a variações interpretativas relacionadas à análise dos resultados. Assim, não são dados dignos de total confiança, no que diz respeito a seu significado real. Ou seja, possíveis de enquadrar ou descartar um comprometimento central inferior(tronco encefálico) no autismo e consagrar um central em nível mais superior e vice-versa.
De fato, tudo leva a crer que o indivíduo autista denota ter um grave déficit de processamento auditivo central ou seja, um problema auditivo qualitativo, o que justificaria o seu tipo peculiar de comportamento nesse aspecto. Em contrapartida pode ou não haver a associação de um problema quantitativo . Nas duas situações essa criança deve ser muito bem avaliada: mesmo quando o problema auditivo periférico não é presente, é comum haver um diagnóstico errôneo de surdez, equando é, ele ou o autismo não é detectado. Ambas situações interferem no prognóstico da criança, devido a ocorrência de falsos positivos e falsos negativos. Falsos positivos quando a criança é na verdade autista e é tida como surda, falsos negativos por ser autista e surda e ser tida apenas como autista ou apenas como surda. Isso impede um direcionamento terapêutico especificamente adequado a seu quadro em tempos precoces. É incoerente uma criança autista estar sendo tratada como surda e vice - versa, ou uma criança autista e surda estar sendo tratada através de uma abordagem visando somente o autismo ou somente a surdez.
Assim, todo profissional que lida com criança, deve ter uma noção geral da condição autística, de modo a colaborar para a detecção precoce deste quadro tão complexo bem como para sua diferenciação de outros, através de formas fidedignas. O conhecimento de que o indivíduo autista tem sintomas auditivos passíveis de serem confundidos ao do surdo, é importante. Ele minimiza nossa inércia para uma averiguação mais palpável da audição dessa criança. Ou seja, aciona a realização de uma avaliação não só subjetiva (comportamental), mas, também objetiva, confirmando ou excluindo a presença de deficiência auditiva periférica.
Acredito que a ênfase dada nas questões sobre a teoria biológica, constando de detalhes sobre os déficits neuropsicológicos e linguísticos, observados na síndrome, favoreceu àqueles profissionais que lidam com esse indivíduo em seu aspecto psicopedagógico. Os mesmos, tendo em mãos informações sobre os aspectos orgânico-funcionais, poderão elaborar métodos e abordagens de trabalho mais eficazes e condizentes com as dificuldades deste indivíduo. Assim, aquela criança autista, já adequadamente diagnosticada, poderá ter um melhor prognóstico, graças a uma atuação terapêutica mais direcionada às suas dificuldades.
Enfim, a intenção desse trabalho, foi colaborar para o aumento do número de diagnósticos precoces, obtidos de forma mais consenciosa, tornando-os, portanto, mais próximos de serem corretos. Foi, também, objetivada a minimização dos falsos positivos e falsos negativos, tendo como parâmetro tanto uma, quanto outra condição.
Considero que este estudo pode chamar a atenção dos profissionais de que um indivíduo autista é facilmente confundido com um indivíduo surdo, sendo freqüente tal diagnóstico no lugar do diagnóstico de autismo e, primordialmente, espero ter contribuído com muitas crianças que são tratadas inadequadamente, sendo elas surdas e/ou autistas, além de com as várias outras que ainda estão por vir. Acredito que estas poderão ser privilegiadas, não sendo vítimas do tempo e nem de um acompanhamento médico e/ou terapêutico-educacional não condizente com suas dificuldades.
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ResponderExcluirExcelente artigo, um dos poucos onde o assunto foi tratado de forma tão direta e tao compensatória, muito obrigada!
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