Aline Paiva Dantas*
Theresinha Guimarães
Miranda**
RESUMO
O
presente trabalho constitui um estudo acerca da escolarização de crianças autistas,
enfocando a participação do professor para a formação do vínculo com essa
criança autista. Este estudo propõe apreender como o estabelecimento do vínculo
entre o professor e a criança autista pode contribuir para o advento da
comunicação e interação social da mesma. Dessa forma, o trabalho problematiza o
papel do professor na integração dessas crianças na escola e na sociedade. Para
isso, foi realizada uma pesquisa na literatura disponível sobre o Autismo
Infantil, tendo como aporte teórico alguns conceitos psicanalíticos que
direcionaram o estudo realizado. Com isso, pôde-se pensar nas contribuições que
a formação do vínculo com o professor traz para a integração sócio-educacional
da criança autista, tendo em vista a promoção do desenvolvimento da mesma.
Através de estratégias de interação, o professor é capaz de estabelecer um
vínculo positivo com essa criança, promovendo a integração desta com o
meio.
Palavras – Chave: Criança
autista – Professor - Concepção Psicanalítica – Educação Inclusiva
A
CRIANÇA AUTISTA NA ESCOLA: REFLEXÕES SOBRE O VÍNCULO COM O PROFESSOR
Entender o Autismo Infantil
requer analisar as diversas posições existentes acerca dessa síndrome e
principalmente sua etiologia. Algumas de suas características comportamentais
são conhecidas e não apresentam discordâncias significativas entre os
estudiosos da área. No entanto, no que tange as características emocionais da
criança portadora da síndrome, existem ainda algumas divergências que dizem
respeito aos fatores responsáveis pela origem da patologia. Essas discordâncias
se apresentam, principalmente, devido às diferenças teóricas existentes nos
estudos sobe o Autismo. Entretanto, pode-se pensar que tais diferenças são
enriquecedoras à análise dos aspectos constitucionais do autismo, uma vez que
as diversas posições teóricas acerca desse tema oferecem um amplo olhar, que
podem ser complementares.
O autismo infantil compõe uma
síndrome que pertence à categoria dos distúrbios globais do desenvolvimento, no
qual o aspecto que mais interfere no seu desenvolvimento cognitivo e social
consiste na dificuldade de interação com o meio, o qual se apresenta sob a
forma de características que lhe são próprias.
Nesse
sentido, a integração das crianças autistas na escola constitui uma preocupação
relevante, uma vez que esta se apresenta como um ambiente rico em estímulos que
contribuem para o desenvolvimento dessas crianças. Nesse sentido, destaca-se o
papel do professor enquanto mediador das relações da criança com o contexto
escolar. O professor apresenta uma importante função, se constituindo enquanto
outro social para a criança autista e se valendo de estratégias que oferecem
segurança a ela para se comunicar e interagir com o meio.
Dessa forma, emergem questões
relativas a como o professor pode estabelecer um vínculo positivo que contribua
para o desenvolvimento da criança autista? De que forma ele pode ajudar a fazer
emergir a comunicação da criança autista com o meio?
Com o intuito de investigar essas
questões, o presente estudo considerou a escolarização de crianças autistas, se
propondo investigar sobre o estabelecimento do vínculo entre a criança autista
e o professor. Para isso, teve o objetivo de apreender como o
estabelecimento desse vínculo pode contribuir para o advento da comunicação e
interação social da criança autista.
Para
tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica acerca dos estudos existentes
sobre educação e desenvolvimento humano, bem como a bibliografia sobre autismo
infantil tomando como base as teorias psicodinâmicas. A análise acerca da
importância da função do professor e como opera para a criança autista essa
função, contou com o aporte teórico da psicanálise, no qual fundamenta a
reflexão a partir do olhar acerca da constituição do sujeito.
Com isso, pôde-se pensar nas
contribuições que a formação do vínculo com o professor traz para a integração
sócio-educacional da criança autista, tendo em vista a promoção do
desenvolvimento da mesma. Concluindo-se que, através de estratégias de
interação, o professor é capaz de estabelecer um vínculo positivo com a
criança, promovendo a integração desta com o meio.
Autismo
Infantil
O Autismo Infantil apresenta
sintomas muito particulares que podem ter início aos três meses de idade a
partir da configuração de um quadro de retração autista no qual o bebê
demonstra desinteresse pelo mundo exterior, não sorri nem requisita os cuidados
maternos. Segundo Bosa (2002), os sinais mais evidentes do comprometimento
começam a ser identificados a partir do segundo semestre de vida, quando a
habilidade para compartilhar as descobertas sobre o mundo ao redor, através da
atividade gestual, qualidade do olhar e da expressão emocional não se integram
ao ato comunicativo. Esses primeiros sinais são identificados quando os pais
começam a notar que seu filho raramente requisita o adulto para compartilhar
suas experiências de maneira espontânea. É relevante salientar que se
diferencia esse tipo de situação daquelas em que a criança busca os pais pela
necessidade de assistência à fome, sede ou higiene. O que configura o quadro
autista é a natureza não-espontânea da busca pelo adulto, onde, nas crianças
que apresentam nível de desenvolvimento normal, essa busca ocorre pelo simples
prazer e necessidade de compartilhamento.
Essa síndrome apresenta 5 principais
características comportamentais, dentre as quais: o isolamento autístico;
perturbação na comunicação e linguagem; condutas motoras estereotipadas;
instabilidade de humor e afeto; distúrbios das funções intelectuais.
Com relação ao isolamento autístico,
essa é uma característica correspondente ao fracasso no desenvolvimento da
conexão habitual com os pais e outras pessoas. Segundo Kaplan et al. (1997), o
desenvolvimento social das crianças autistas caracteriza- se por uma falta –
mas nem sempre ausência total – do comportamento de apego e fracasso em
vincular-se a uma pessoa específica. Em geral, não reconhecem ou diferenciam
pessoas importantes em sua vida como pais, irmãos e professores. No entanto,
Bosa (2002) pontua que, na criança autista, os comportamentos de apego possuem
uma diferença qualitativa, representada por ações diferentes das habituais na
maioria das crianças. Uma criança autista, por exemplo, expressa sua intenção
de pedir colo agarrando-se no adulto ou escalando no mesmo, ao invés de
simplesmente esticar seus braços. Todavia, acredita-se que essas crianças
tendem a aceitar melhor o contato físico com outras pessoas que não os pais, em
situações de iniciativa da própria criança. Além disso, elas não demonstram
angústia de separação ao serem deixadas em local desconhecido com pessoas
estranhas. Essas crianças apresentam ainda um contato visual anormal que, de
acordo com Salle et al (2002), tem uma característica diferente, como se o
olhar atravessasse a outra pessoa.
Mais ainda, as crianças autistas
podem não procurar ser acariciadas e não esperar ser reconfortadas pelos pais,
quando têm dor ou quando têm medo. Às vezes, elas se interessam por uma parte
do outro, sua mão ou um detalhe do vestuário. (Salle et
al., 2002: 13).
Outra característica refere-se à
perturbação na comunicação e linguagem onde déficits e desvios amplos no
desenvolvimento da linguagem estão entre os principais critérios que
diagnosticam o autismo, não por uma falha do aparelho fonoaudiológico, mas sim
por uma recusa em se comunicar. Kaplan et al. (1997), coloca que, no primeiro ano de vida,
apresentam-se padrões reduzidos ou anormais de balbucios. Algumas crianças
emitem sons de forma estereotipada como cliques, guinchos ou sílabas sem
sentido, sem qualquer intenção aparente de comunicação. A linguagem se dá
em forma de ecolalia, ou com frases estereotipadas sem qualquer relação com o
contexto. Um fato interessante é que quando uma criança autista quer atingir um
objeto, elas pegam a mão ou o punho de um adulto, mas raramente apontam ou
acompanham seu pedido com um gesto simbólico ou de uma mímica. Algumas crianças
também demonstram fascinação por letras e números e as mais brilhantes
literalmente aprendem a ler sozinhas em idade pré-escolar (hiperlexia) , entretanto,
elas lêem sem qualquer compreensão.
As condutas motoras
estereotipadas também constituem uma característica marcante dos autistas, nas
quais as mais típicas envolvem as mãos e os braços, mexendo-os frente aos olhos
ou batendo palmas no mesmo ritmo, independente do momento ou do espaço em que
se encontram. Outra conduta observada refere-se ao balanceio do tronco e do
corpo inteiro, batidas com a cabeça de forma repetida e incessante, e andar
sobre as pontas dos pés. Estereotipias, maneirismos e caretas são mais
freqüentes quando a criança é deixada sozinha, podendo diminuir em situação
estruturada. Em geral, as atividades ou jogos, quando existem, são rígidos
repetitivos e monótonos. Segundo
Salle et al. (2002), numa maior gravidade dos casos, esses comportamentos
podem vir acompanhados de inabilidade gestual, comportamentos automutiladores
como arrancar os cabelos, bater-se ou morder-se. Nesse sentido, Kaplan et al. (1997)
pontua que a mudança de residência, a redisposição dos móveis de uma sala e
tomar o lanche antes do banho, quando o inverso é a rotina, podem resultar em
pânico e ataques de raiva.
As crianças autistas também
apresentam uma instabilidade de humor e afeto caracterizada por mudanças
bruscas de humor, com surtos de risada ou pranto sem razão aparente, além de
permanecer ausente a expressão de pensamentos que sejam congruentes ao afeto. Salle et al. (2002)
afirma que, além disso, mesmo que a criança autista adquira uma certa forma de
linguagem, ela permanece incapaz de exprimir seu afeto e de perceber a emoção
ou os sentimentos dos outros.
Segundo Salle et al. (2002), é
freqüente a constatação de distúrbios das funções intelectuais nas crianças
autistas. Os autores apontam para a piora do prognóstico à medida que o Q.I.
diminui de acordo com cada caso. Isto quer dizer que as crianças que possuem o
Q.I. inferior a 70 têm menor probabilidade de aprenderem a falar ou de
trabalharem. Kaplan et al.
(1997) ressalta ainda que os problemas relativos ao baixo coeficiente de
inteligência mostram defasagem no sequenciamento verbal e habilidades de
abstração, ao invés de envolverem habilidades viso-espaciais ou de memória de
repetição, o que sugere defeitos nas funções relacionadas à linguagem. Apesar
desses comprometimentos, as crianças autistas possuem outras aptidões precoces
como uma boa capacidade de leitura (embora não entendam o que lêem),
memorização e recitação e aptidões musicais. Estudos epidemiológicos e clínicos
também mostram que quanto menor o Q.I., maior o risco do desenvolvimento do transtorno
autista.
A partir da identificação dessas
características, é importante salientar que o transtorno autista possui uma
grande heterogeneidade sintomática que se apresenta devido às diferenças
individuais ou a evolução dos sintomas com o tempo. No entanto, observa-se uma
tríade constituída pelos comprometimentos qualitativos na interação social,
linguagem e comportamento imaginativo, comum na maior parte dos casos.
Ressalta-se
ainda, a importância de estar atento ao diagnóstico do autismo, para não confundi-lo
com esquizofrenia de aparecimento na infância, retardo mental com sintomas
comportamentais, transtorno misto da linguagem receptivo/expressiv a, surdez
congênita ou transtorno severo da audição, privação psicossocial, e psicoses
degenerativas (regressivas) .
Educação
ou Tratamento da Criança Autista?
De acordo com Kaplan et al.
(1997), o transtorno autista constitui uma patologia crônica e seu prognóstico
depende do tratamento que é dado ao indivíduo portador da síndrome. Portanto, a
supressão dos sintomas é pouco observada, embora haja uma amenização destes.
Algumas crianças podem sofrer a perda de parte ou toda a fala preexistente.
Os estudos de resultados em
adultos indicam que, aproximadamente, dois terços dos autistas continuam
apresentando sérios comprometimentos e vivem em completa dependência ou
semidependência, vivendo com seus parentes ou em instituições. Apenas 1 a 2%
atingem uma situação normal ou independente com empregos remunerados, e 5 a 20%
atingem um estado normal boderline. (Kaplan et al., 1997:
84).
Dessa forma, Kaplan et al. (1997),
afirmam que os objetivos do tratamento consistem na diminuição dos sintomas
comportamentais e auxílio do desenvolvimento de funções atrasadas como a
linguagem e as habilidades de autonomia. Por isso, apesar dos autores
considerarem importante um apoio e aconselhamento para os pais, eles vêem nos
métodos educativos comportamentais o tratamento que melhor atende à demanda das
crianças autistas. A psicofarmacoterapia também é utilizada nos programas de
tratamento abrangentes para reduzir os sintomas comportamentais e acelerar o
aprendizado.
Já Tafuri (2002) pontua a
necessidade de compreender o Autismo Infantil para além do determinismo
orgânico no qual está inserido, rompendo a visão única e excludente de um
tratamento apenas medicamentoso e psicopedagógico. Ela considera que a
metodologia científico-clá ssica limita a compreensão da etiologia e do
tratamento desse transtorno dentro de uma causalidade linear. Dessa forma, ela
ressalta que os estudos modernos sobre as relações psicopatológicas entre
pais/bebê são um caminho para a solução desses impasses.
Ainda segundo Tafuri (2002),
apesar da síndrome ser aparentemente orgânica, nem sempre há uma comprovação
por meio de exames cerebrais, genéticos ou químicos. Portanto, o tratamento não
deve ser realizado em função da causa, e sim de seus sintomas. Dessa forma, ela
aponta para o trabalho psicanalítico como tratamento apropriado. Uma vez que a
criança autista apresenta um isolamento social característico da síndrome, o
trabalho analítico visa oferecer condições para que a criança constitua a noção
dela mesma e dos outros. Este trabalho vai levar em consideração o objeto de
estudo referente à interação mãe/bebê, no qual salienta a função do cuidador,
geralmente atribuído à mãe, como transformador das comunicações, das projeções
e da capacidade do bebê se relacionar com outras pessoas.
(...) a constituição do eu é
única e individual e interfere diretamente na sintomatologia autista. Sendo
assim, o quadro sintomatológico da criança autista pode ser alterado no curso
do desenvolvimento dela, em função da constituição do eu, da percepção dela
mesma e das outras pessoas. (Tafuri,
2002: 47-48).
Dessa forma, considerando que a
psicanálise ressalta a importância da interação dos pais em toda a constituição
da criança, no tratamento das psicopatologias a presença e acompanhamento dos
pais torna-se fundamental para o desenvolvimento de um bom trabalho. O trabalho
analítico com os pais oferece um espaço de escuta do sofrimento desses, dos
sentimentos deles diante do filho autista, suas desilusões, decepções e
fracassos. Possui ainda, o intuito de avaliar as transformações ocorridas no
seio familiar desde o surgimento do isolamento autístico da criança. Tafuri (2002)
pontua que, com isso, a psicanálise está partindo da idéia de que os
sentimentos dos pais, apesar de não terem uma relação causal com a doença do
filho, interferem diretamente na sintomatologia da criança e na estruturação de
toda família. Na escuta dos pais, eles podem conversar sobre eles mesmos e
sobre o filho, para poderem assim expressar suas angústias mais arcaicas. A
prática clínica revela que a participação dos pais no processo terapêutico
permite resultados mais animadores.
A partir dessa visão, pode-se
pensar que, tendo em vista a importância da participação dos pais (enquanto
cuidadores) no tratamento da criança autista e considerando a escola, em
especial a professora, como componente dessa classe de cuidador, a participação
desta será igualmente importante na estruturação subjetiva da criança autista.
Portanto, respaldando- se na teoria psicanalítica que fundamenta a constituição
do sujeito na estruturação da relação pais e filho, pode-se partir de uma
análise que traz a escola e a relação professor/aluno como possível via de
comunicação da criança autista com o mundo exterior, o que promove o advento de
sua subjetividade.
Nesse sentido, Bereohff et al.
(1995), afirmam que o objetivo final de todo programa educativo é a busca de
uma maior interação do indivíduo com o contexto social em que vive, numa
aproximação de um mundo de relações humanas significativas.
Nesse contexto, situa-se a função
terapêutica da educação. Através da ênfase à interação social e estabelecimento
de vínculos significativos, a educação vai marcar um lugar social na criança, a
partir do qual o mundo ganhará sentido e seu sintoma se fará ouvir.
Segundo Jerusalinsky (1999), o
que ocorre na educação especial é que ela ocupa um lugar intermediário entre o
educativo e o terapêutico, que deve ser ressaltado. É nesse lugar especial que
a educação das crianças autistas se situa e é onde o professor vai atuar.
Assim, sobre a relação entre o
professor e a criança autista, Bereohff et al. (1995) salientam que, “qualquer
que seja a programação estabelecida, esta só ganhará dimensão educativa dentro
dessa interação. Quanto mais significativo para a criança for o seu professor,
maiores serão as chances deste promover novas aprendizagens” (Bereohff
et al., 1995: 216).
Comunicação e Interação Social
A comunicação da criança autista
com o outro constitui uma reflexão que diz respeito à interação social enquanto
promotora do desenvolvimento da mesma. Assim, na medida em que a criança
desenvolve uma comunicação cheia de sentido, ela ingressa no mundo dos
significantes de troca social.
“A
língua falada representa um papel federador, pois possui uma organização que
lhe é própria e que ultrapassa a do indivíduo e a de seu meio ambiente imediato
para integrá-los num sistema mais amplo, o da sociedade. Ela obriga a criança a
organizar seu pensamento e sua ação de um certo modo para poder conciliar-se
com aqueles dos outros. Esta pregnância da língua é ainda mais acentuada pelo
mundo da escola que, de acordo com a evolução da sociedade, intervém cada vez
mais cedo na vida da criança, uma escola construída essencialmente sobre a
palavra” (Vayer & Roncin, 1989: 21).
Não se pode deixar de assinalar
que, no momento em que a linguagem circula no meio social fazendo-se necessária
a integração das crianças entre si e entre os adultos, ela exclui aquelas
crianças cuja diferença não se pode ouvir nem se pode falar. Mas que,
entretanto, segundo Kupfer (2000), são criadas no e pelo discurso
social escolar posto em circulação no início da modernidade. Dessa forma,
instaura-se o silêncio de uma realidade que não se quer perceber, mas que se
encontra imersa no sistema escolar.
Poder-se-ia pensar que, tendo em
vista o conceito de escola enquanto espaço de socialização e práticas sociais,
a mesma perderia seu significado ante uma criança que não participa deste
contexto, pois permanece isolada e não interage, como no caso da criança
autista. No entanto, tal pensamento se torna injustificável na medida em que se
tem em mente a concepção de que esse espaço constitui um meio auxiliar –
considerando que o principal é o familiar – para o advento do sujeito social, e
do sujeito psíquico do portador do transtorno autista.
Dessa forma, discutir as
contribuições que a inserção, e especialmente a inclusão escolar, pode trazer
para as crianças autistas consiste numa reflexão bastante pertinente para os
profissionais da área. A totalidade da escola que abarca seu espaço físico,
estrutura educacional e recursos humanos, compreende aspectos de um contexto
social que propicia o desenvolvimento das crianças e em particular, daquelas
que apresentam distúrbios globais do desenvolvimento.
Segundo Vayer e Roncin (1989), a
criança deficiente nos interpela. De alguma forma sua voz se faz ouvir, o que
se leva a perceber a responsabilidade em favorecer o desenvolvimento de cada
uma delas e sua integração no mundo social. Com isso, a educação especial
emerge na tentativa de inscrever essas crianças no contexto relacional da
interação social onde, segundo Kupfer (2000) se aposta no poder subjetivante
dos diferentes discursos que circulam no campo social, capazes de sustentar
lugares sociais para essas crianças.
Levado por seu educador, ele não
olhava para nada, não tocava em nada, não procurava me entender e subia no
parapeito da janela, ou ficava debruçado todo o tempo da sessão, com o olhar
dirigido para o exterior. (...). Depois me dei conta de que ele trazia sempre a
mesma revista e que ele conseguia, embora me parecesse sempre muito ausente,
abrir a revista somente nas páginas azuis. Um dia, finalmente, tomei
consciência de que o tapete e as paredes da sala na qual eu o recebia, naquela
época, eram azuis. Fiz essa observação para André e, pela primeira vez, ele me
olhou bem nos olhos. Pouco a pouco, a revista foi abandonada em benefício dos
objetos azuis da sala e, depois, de outros objetos de cores diferentes. (...).
A caneta azul, por exemplo, foi tocada, depois chupada, depois aberta e fechada
durante sessões inteiras, até que André pegou-a e retirou sua tampa para traçar
algumas linhas sobre a folha de papel. (Amy,
2001: 68-69).
Esse é um exemplo de uma situação
clínica onde a terapeuta, através da identificação de um interesse da criança,
usa esse recurso para estabelecer um vínculo e posteriormente uma interação com
o autista. Certamente nota-se que este constitui um exemplo clínico e não
pedagógico da interação com uma criança autista. No entanto, é necessário
ressaltar que o vínculo e a comunicação com a criança autista podem ser
estabelecidos pela professora, através de estratégias próprias e utilizando os
recursos que a criança apresenta, de uma maneira parecida com a que acontece no
processo terapêutico, uma vez que já se sabe que a educação das crianças
autistas não deixa de ser terapêutica. Não se trata de executar um tipo de psicoterapia
em sala de aula, mas usar estratégias que facilitem o advento de alguma forma
de comunicação que viabilize a interação e os processos educativos. Vale
salientar que educação terapêutica não constitui terapia em forma de educação,
mas considera que a educação possui efeitos terapêuticos.
Para as crianças autistas, a
escola se apresenta como uma oferta de uma segunda chance àquelas que, por um
motivo ou pelo outro, não entraram pela mão dos pais no campo simbólico que a
linguagem representa, mas poderiam tentar fazer pela mão de um terceiro – o
professor. Dessa forma, através desse outro social, a criança autista tem a
possibilidade de ingressar no mundo da linguagem – o simbólico, que inscreve um
lugar social para a criança – e assim poder se integrar a um contexto maior que
ative seu desenvolvimento.
Nesse sentido, Amy (2001) coloca
que a ausência de comunicação das crianças autistas tem suas raízes na
constituição do sujeito, onde certamente fora deixada uma lacuna na unificação
do sujeito psíquico. Ou seja, há uma falha na constituição do sujeito que
impede que a criança se integre a nível psíquico, no qual elas não são capazes
de delimitar até onde vai seu próprio mundo psíquico e onde começa o mudo
externo. Assim, para a criança autista, a palavra torna-se uma parte delas
mesmas que elas perdem, o que contribui provavelmente de modo importante para
seu silêncio. Com isso, o papel do professor situa-se em introduzir aos poucos
nas angústias da criança, palavras e imagens e encontrar caminhos que as
permitam reconhecê-las. “Isso poderá passar pelo gesto, pela imitação, pela
vocalização e por tudo aquilo que, de maneira mais geral, faça a criança
compreender que percebemos alguma coisa de suas emoções e de seus terrores” (Amy, 2001: 74-75).
Dessa forma, segundo Wing (1992),
é importante que os professores conheçam métodos alternativos de comunicação,
como a linguagem de gestos e a comunicação por figuras, ou mesmo o contato
físico, como forma de iniciar uma intervenção positiva. “Muitas crianças não
apreciam leves contatos físicos, mas gostam de contatos físicos mais vigorosos,
como cócegas, ser atirada para cima e para baixo ou rolar no chão” (Amy, 1992:100).
Interferir nas atividades
escolhidas pela criança também pode ser uma maneira de iniciar uma interação, a
princípio através de uma imitação daquilo que a criança está fazendo, para
depois introduzir pequenas variações que podem se ampliar cada vez mais. Wing
(1992) aponta ainda para a música como estratégia de comunicação, uma vez que a
maioria das crianças autistas a apreciam. Este tipo de estratégia pode ser
utilizada como atividade escolar na qual é vivida com gratificação pelas
crianças autistas. Este tipo de atividade pode criar condições para ela fazer
suas primeiras tentativas de contato social.
A fantástica memória das crianças
autistas estende-se, também, à musica. Ela, comumente, é capaz de repetir com
precisão canções que ouviu e lembra da freqüência precisa de notas musicais (o
assim chamado, ‘tom perfeito’). Algumas delas aprendem facilmente a tocar
instrumentos musicais e podem reproduzir melodias após escutá-las somente uma
ou duas vezes. A música é, geralmente, uma das principais fontes de
gratificação para uma criança autista. (Wing,
1992:84).
No entanto, Amy (2001) ressalta que
não se deve estimular rapidamente uma criança autista que começa a falar
solicitando- a constantemente. Considerando que a estruturação psíquica da
criança autista é frágil, não se tem a formação de significantes construídos
pela cultura da linguagem. Dessa forma, quando há a emergência dessa linguagem,
ela também é frágil e sem sentido, devido à ausência de significantes. Somente
quando se tem uma estruturação psíquica e formação sólida de significantes, que
as palavras ganham sentido e a comunicação ganha força.
Quando, enfim, a criança autista
adquire a capacidade de se diferenciar do outro, quando o “meu” e o “seu”
passam a ter sentido para ela, pode-se então esperar o aparecimento de sons e
depois palavras. Dessa forma, Amy (2001) coloca que, ao contrário de alguns
terapeutas que vêem no olhar a emergência da relação com o outro, ela considera
que o ouvir vem primeiro.
Assim, pode-se pensar que a
comunicação – enquanto representação da linguagem e da inscrição social – se
constitui um elemento chave na estruturação psíquica da criança autista, na
qual o professor pode interferir para o advento desse sujeito não constituído e
promover seu desenvolvimento.
O Professor e a Formação de
Vínculo com a Criança Autista
Segundo Bowlby (1982), a formação
do vínculo primordial se dá entre a mãe e a criança, na medida em que o
indivíduo descobre que para satisfazer sua necessidade de alimentação ela
precisa do outro, no caso, a mãe, ou o cuidador. Esse vínculo primordial
constitui a base que estrutura o comportamento de ligação do ser humano por
toda vida. Com isso, a partir das experiências que teve com as figuras de
ligação desde o nascimento, o indivíduo construirá padrões de comportamento de
ligação que nortearão seus vínculos afetivos no decorrer de sua vida.
O ponto fundamental de minha tese
é que existe uma forte relação causal entre as experiências de um indivíduo com
seus pais e sua capacidade posterior para estabelecer vínculos afetivos, e que
certas variações comuns dessa capacidade, manifestando- se em problemas
conjugais e em dificuldades com os filhos, assim como nos sintomas neuróticos,
e distúrbios de personalidade, podem ser atribuídas a certas variações comuns
no modo como os pais desempenham seus papéis. (Bowlby,
1982: 128).
Assim, o comportamento de
qualquer pessoa que se incuba do papel de cuidar da criança – como uma babá ou
mesmo o professor – é complementar ao comportamento de ligação uma vez que este
é concebido como uma forma de comportamento que aproxima um indivíduo de outro
que é usualmente considerado mais forte ou mais sábio. Com isso, ocorre a
reprodução do vínculo primordial pensado a partir do conceito psicanalítico da
transferência, no qual a criança projeta no professor os aspectos afetivos
vividos na relação com sua mãe. Dessa forma, o indivíduo tende a assimilar
qualquer nova pessoa com quem possa formar um vínculo afetivo, a esse modelo
pré-existente.
Tendo em vista que a professora
representa no meio escolar o principal alvo a quem dirige o comportamento de
ligação da criança, ela terá um importante papel no estabelecimento dos
vínculos subseqüentes desta na escola. Com isso, se ela compreende a força e a
estrutura de sua classe, pode dirigir e guiar mais eficientemente o grupo.
Segundo Garrison et al. (1971), a professora concentra seus esforços de
socialização em criar um clima de amizade na classe que propicia as crianças
desenvolverem um comportamento social.
Garrison et al. (1971) apontam
ainda para a importância do estabelecimento do vínculo professor/aluno para o
desenvolvimento do indivíduo. Segundo ele, a maneira pela qual a criança é
recebida, como é acolhida sua conduta e aptidão, são fatores principais e
decisivos no desenvolvimento do autoconceito. Tais fatores são determinados em
cada indivíduo pela condição social, pela participação da escola, pelas crenças
religiosas, pelo papel na sociedade e por seus próprios autoconceitos. Assim, a
criança que desenvolve um bom conceito de si próprio sente-se mais segura em
interagir com o meio social. A formação do autoconceito está intimamente ligada
à auto-estima na qual, se constituída de uma maneira positiva, opera também
positivamente na socialização. A competição, que pode ser um aspecto negativo
na constituição do eu social, deixa de ser praticada em termos de rivalidade,
pois a criança que possui uma auto-estima elevada, não necessita lutar para
chamar a atenção ou provar sua superioridade a fim de ser aceita.
No entanto, em todo meio social
nota-se a existência de algum indivíduo que se isola socialmente. E isso ocorre
na escola com uma freqüência comum. Na maioria das classes existe sempre aquele
aluno que se isola, ou por ter acabado de ingressar na classe – sendo
considerado o estranho – ou por possuir características mais introspectivas, ou
ainda pelo fator referente ao preconceito, sendo considerado diferente. Nesse
momento, é requerida uma intervenção da professora ainda mais específica.
Nesses casos, cabe ao professor reforçar o autoconceito da criança ou tentar
novos meios para que esta seja aceita por seus pares. Pequenas doses de
autoconfiança podem fazer um efeito extremamente positivo na criança,
difundindo por várias áreas de desenvolvimento.
A primeira experiência de
socialização da criança se dá no meio familiar, onde acontecem suas primeiras
interações sociais. Essas interações ampliam-se para as pessoas e outras
crianças da vizinhança, mas é na escola que se inicia um processo mais forte de
socialização, no estabelecimento de laços afetivos mais amplos.
Vayer & Roncin (1989)
consideram que a integração das crianças na sociedade das crianças constitui a
prerrogativa para a integração delas na sociedade dos adultos. Portanto, a
educação e a socialização são indissociáveis. A socialização é concebida como
um processo dialético entre as pessoas, os grupos e as gerações, na qual só
toma sentido através da comunicação – entendendo a comunicação no sentido de
participação e troca. O reconhecimento da criança enquanto sujeito se dá
através do reconhecimento pelo outro, o que só é possível através do mundo da
comunicação.
Nesse sentido, considera-se que o
professor representa esse outro social na vida da criança autista, tendo em
vista que seu papel transpõe as funções educativas para além do processo
ensino-aprendizagem . Dessa forma, observa-se que a atuação do professor possui
um poder subjetivante na criança autista, na medida em que este se situa como
um terceiro na relação mãe-criança que vai proporcionar o rompimento desse
círculo limitado de relações abrindo caminho para outras possibilidades sociais
da criança.
A relação professor aluno também
está pautada numa relação de transferência na qual a criança concebe
imaginariamente o professor como extensão afetiva da própria mãe. Tendo em
vista essa concepção, a partir do mecanismo da transferência que o professor
vai se colocar na relação com a criança autista, se valendo desse efeito para
estabelecer um vínculo positivo com a criança.
O estabelecimento desse vínculo
não constitui uma tarefa fácil, dado que a criança autista possui sérios
comprometimentos de interação e formação de vínculo. No entanto, como afirma
Jerusalinsky (1999), o primeiro passo para buscar o estabelecimento de um
vínculo positivo com a criança autista e entrar na relação transferencial, é
abandonar o “furor docendi” (aquele impulso desmedido de ensinar,
ensinar e ensinar) como condição para poder se descentrar do discurso educativo
e buscar a qualidade dessa relação que contribui de maneira significativa para
o desenvolvimento social da criança.
Reafirma-se a importância do
desenvolvimento social da criança autista devido a este ser considerado o
principal aspecto a ser estimulado na criança autista, uma vez que são suas
características de isolamento que dificultam e às vezes impedem o
desenvolvimento educacional das crianças. Tais características se colocam mais
em evidência no distúrbio de desenvolvimento do que aquelas relativas ao nível
cognitivo, uma vez que algumas crianças até apresentam um bom desenvolvimento
intelectual.
Wing (1992) afirma que, para
estimular a aproximação interativa com a criança autista, o professor deve
interagir com calma, confiança, sem pressa, de forma tranqüila e afetuosa, se
valendo de estratégias de comunicação peculiares que contribuem para a formação
do vínculo com a criança. Para estimular também a confiança e afeição da
criança, necessário se torna que o professor saiba manejar adequadamente os
ataques de raiva e comportamentos agressivos, transmitindo ao autista a
sensação de segurança e controle de forma terna e amigável.
Wing (1992) ressalta ainda que
muitos professores têm a tendência de deixar um pouco de lado aquelas crianças
mais tranqüilas, quietas e isoladas, em favor de uma atenção mais direcionada
às crianças mais agressivas e agitadas. No entanto, as crianças mais fáceis de
serem integradas à sala de aula são as socialmente passivas. Essas, geralmente,
são apreciadas pelos outros colegas e professores por serem obedientes e não
fazerem exigências nas brincadeiras. O que deve ser atentado é que elas podem
ficar sem atendimento porque são excessivamente passivas e podem passar
desapercebidas sem nenhuma tentativa de aprendizagem ou integração social. A
atenção deve ser dada num esforço consciente para avaliar as possibilidades da
criança e estimulá-la adequadamente.
Esse estímulo pode ser apresentado
sob a forma daquilo que interessa à criança, na tentativa do professor
estabelecer o vínculo com a mesma. Atividades rigidamente direcionadas podem
não fazer o efeito vinculativo necessário ao desenvolvimento da comunicação
entre a criança e o professor. Segundo Jerusalinsky (1999), o interessante é
deixar com que as atividades aconteçam com certa liberdade, propondo apenas
aquelas que favoreçam a criatividade dos sujeitos implicados, fazendo circular
elementos imaginários e simbólicos capazes de fazer emergir a comunicação e
interação da criança.
De acordo com Amy (2001), através
desses recursos de comunicação, a criança autista começa a tomar consciência do
ambiente, no qual suas defesas autísticas – como as defesas traduzidas no
comportamento de isolamento – tornam-se menos eficazes e não a protegem tão bem
da realidade exterior.
Considerações Finais
Pensar na escola enquanto
instituição fundamental para o desenvolvimento da criança autista, não consiste
em descartar a inegável importância da função parental para este
desenvolvimento. A família se configura enquanto instituição primeira no início
do processo de socialização de toda criança, inclusive a criança autista. No
entanto, a escola destaca-se como um espaço que possui um universo maior de
estímulos e propiciador de inter-relações com “iguais”, onde a criança
portadora de autismo pode se beneficiar do convívio com seus pares.
Nesse sentido, o professor se
coloca como figura de destaque na mediação dessas novas relações com o meio externo,
no qual o autista vai se apoiar para dar início a sua vinculação e começar a
tecer sua primeira grande teia relacional. Como pode ser visto, a função do
professor transpõe a educativa. Ele se instaura no imaginário infantil enquanto
outro social, o terceiro na relação primária mãe/filho que vai situar a criança
nesse primeiro contato social amplo. Com isso, o professor vai promover
na criança autista, mais do que a inserção num ambiente social, mas a
estruturação psíquica necessária ao ingresso nesse espaço social.
Considerando a importância do
professor na mediação da relação da criança com o mundo externo, a formação de
um vínculo positivo com a criança autista vai ser fundamental para a
estruturação psíquica necessária para que ela se sinta segura em se relacionar
com o meio. Pois, sabe-se, que para a criança autista a interação com o meio
constitui algo de si que elas perdem nessa troca. Dessa forma, se o professor
estabelece um vínculo fortemente capaz de oferecer essa segurança, o autista terá
confiança para estabelecer uma comunicação com o meio e socializar-se.
Mas, o questionamento que se tem
refere-se à como o professor pode estabelecer um vínculo positivo que contribua
para ao desenvolvimento da criança autista? O estabelecimento de uma relação de
confiança, na qual o professor respeita o tempo da criança e não promove a
pressão que a faz desestruturar- se, constitui um dos primeiros passos para a
formação de um bom vínculo. A partir daí, cabe ao professor observar os
interesses da criança para compreender o seu mundo e criar estratégias que o
façam tentar um contato com a mesma.
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Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência –
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problemas de interação social das pessoas autistas. In: GAUDERER, E. Christian. Autismo e
outros atrasos do desenvolvimento: uma atualização para os que atuam na área:
do especialista aos pais. Brasília: Ministério do Bem-Estar Social.
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência –
CORDE, 1992.
** Professora Adjunta
FACED/UFBA. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação
retirado
do site: http://www.fazerapr ender.hpg.
ig.com.br/ FilosofiaeEducac ao/trabalhos/ T-AlineTheresinh a-EFE.htm
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Amei. Estou fazendo uma monografia cujo tema é a Criança Autista
ResponderExcluirem Sala Regular de Ensino. Essa leitura me ajudou muito e vou juntar aos meus estudos.