quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

DIÁLOGO PARA PAIS DE CRIANÇAS AUTISTAS







­ Marina, mais do que ninguém você sabe. Eu nunca busquei um diagnóstico para o Rian. Aliás, nestes anos, manipulei a situação de forma a não ter um diagnóstico médico definitivo que dissesse que Rian é isto ou aquilo, que Rian tem isto ou aquilo... Rótulos dependem do médico que se consulta... e eu tinha informações sobre o que procurar. Acho que a partir do momento, que um médico, com toda sua autoridade, coloca um rótulo numa criança, é muito difícil reverter a situação, até mesmo dentro da familia e grupo de amigos. Até mesmo com meu marido, eu teria que trabalhar a idéia de que "é autismo”; e daí? Ele continua sendo amoroso, inteligente, solidário, etc, etc..." O autismo é somente mais uma das qualidades que nós aceitamos como sendo parte dele.” Fui atrás daquele médico que tivesse uma postura mais aberta.
Estou lhe dizendo tudo, porque assim como não aceitei o rótulo, também não aceito as receitas. Faça isto ou aquilo. Sou uma leitora compulsiva, ávida de conhecimentos - mesmo porque trabalho em função da aprendizagem do que seja autismo. Já li milhares de coisas sobre o assunto e retiro aquilo que julgo se adaptar ao caso do Rian. Concordo com você sobre a atenção difusa e pouco focada. Chamo isso de hiper-estimulação. Mas também vejo que essa hiper-estimulação acontece quando não há nada interessante em que focar a atenção. Senão, como se explicaria ele ser capaz de alta concentração em outros momentos?
Tenho o maior cuidado quando vou à escola dele, porque os profissionais fazem questão de me dizer que lá sou a mãe do Rian. Sinto como se me pedissem para deixar na porta os meus supostos conhecimentos de professora! E não sou psicopedagoga! “Deixa a mala aí e entra!” Dizem. É absurdo, mas é assim que funciona. Quando penso em todas as dificuldades dos meus alunos - sejam elas orgânicas, estruturais, sociais, econômicas... e em como, como um trabalho responsável pode ser feito, sem comprometer a aprendizagem, superando limites rígidos, até então, fico tentada a dizer tudo que penso e dizer que elas (as professoras) são ou querem ser meras instrutoras ou treinadoras.
A procura por uma escola adequada deve levar em conta uma série de fatores; primeiramente de acordo com o quadro da criança, você deve ver se é melhor para a criança uma escola normal (a chamada educação inclusiva) ou uma escola especial adequada a um suposto diagnóstico. Para esta decisão é preciso examinar com calma, se a escola normal tem as condições para atender bem seu filho(a), se os educadores da escola estão conscientes e preparados (não basta aceitar a criança; não se trata disto, é preciso ajudá-lo a desenvolver-se).

As outras crianças costumam lidar melhor com a criança especial que os adultos. Elas auxiliam em muito o desenvolvimento do amiguinho e geralmente o recebem de coração. Naturalmente, se adaptam sem problemas. São os adultos que costumam complicar, criam métodos e especificidades, mas as crianças de um modo geral levam mais progresso ao amigo especial que todos pretensos métodos juntos.
Se alguém já procurou por educação inclusiva, deve ter levado muitos sustos e choques também. Teoricamente toda a escola deveria "aceitar" a criança, sem discriminá-la, é lei, mas não é isto que acontece. Na prática, por mais bem arrumado e bonito que seu filho esteja, muitas vão discriminá-lo. Preparo-me a cada instante. A mediocridade é tanta, que chegarão a me dizer frases do tipo: "Eu gostaria muito, mas não estamos preparados para esta criança. Como vou misturá-los aos outros? Por mim, eu matricularia, mas os outros pais não irão concordar!" e por aí a fora. Não me incomodo, pois estas pessoas não são educadoras. Realmente elas não servem para nossos filhos (creio que para ninguém).
Marina interveio:.
­ Há professores que dão aula apenas por uma necessidade econômica, ou não têm afinidade psico-afetivas para trabalhar com tal faixa etária, ou cometam erros no decorrer do processo; tem limitações sensíveis etc. Por mais difícil que possa ser este tipo de diálogo é muito importante, pois as contradições podem aparecer e fica mais fácil, tanto para a classe, quanto para o professor, trabalhar com elas. Estamos falando de professoras de escolas ditas normais. Imagine aqueles professores que devem lidar com a criança especial, principalmente, a criança autista. A falta de preparo é total.
Para haver diálogo verdadeiro não pode haver formas agressivas de pressão e de poder. Isto é quase impossível na escola, pois o professor detém o poder numa série de situações (notas, advertências, etc.). Entretanto, considerando o objetivo comum de melhorar as aulas, o professor deve abrir mão, o mais possível de algumas destas formas de poder. Por outro lado, o poder pode ser utilizado, de forma não agressiva, para o bem da coletividade. Para tanto, deve ser legitimado por essa coletividade e novamente a legitimação é o diálogo. No caso da criança especial, não existem notas e advertências, há muita doação. É necessário que cada ato acadêmico deste poder tenha o seu conteúdo, o mais claro possível, inserido no amor e na vontade de doar. Crianças limitadas pelo atraso mental precisam necessariamente de muitos estímulos bons e saudáveis e não demonstração de poder.
Por que deve haver necessidade de exercer este poder? Devemos estar atentos para o fato de que quando se inicia um processo de transformação, a primeira resposta pode não ser a melhor, pois é fruto de autoritarismo assimilado, lembrando a questão do opressor e do oprimido, levantada por Paulo Freire. De modo geral, podemos dizer que, se fossemos identificar opressor e oprimido numa sala de aula, os alunos ficariam como oprimidos. Pois, cada oprimido “hospeda” um opressor dentro de si (modelo que foi assimilado pela própria educação hierarquizada).Temos que reconhecer que temos limitações, mas também muitas possibilidades inexploradas pedagogicamente.
Para que o trabalho em sala de aula possa se desenvolver, há necessidade de se ter condições mínimas favoráveis. Estas condições devem ser construídas pelos elementos participantes do processo educativo. Deve-se destacar que a responsabilidade pela obtenção desse ambiente de trabalho é tanto do educador quanto dos educandos. Freqüentemente, esperamos que outros, os superiores nos passem as ordens, pois vivemos numa sociedade marcada pelo mando e desmando, estruturada de cima para baixo. A sociedade é dominada pelos adultos; na sala de aula o professor representa o mundo dos adultos e isso já contribui para a criança ou jovem. Ter um tipo de comportamento semelhante àquele que ele tem fora da escola com os adultos que o rodeiam (agressão gratuita). As relações que são estimuladas geralmente são as de obediência, submissão, silêncio, enfim de repressão de toda possibilidade de manifestações interior mais autênticas e criativas.
O que fazer? Existem inúmeras variáveis envolvidas no processo, mas o fato é que queremos e precisamos dar nossas aulas, e da maneira mais satisfatória possível. Apesar de que, aparentemente, a partir do velho a perspectiva é nova: a superação do velho; o que não pode ocorrer é parar no meio do caminho, pois aí seria, de fato, o velho. Não podemos partir do pressuposto do falso, que todos os alunos sabem por que estão na escola. Na cabeça deles há uma mistura entre bagunça e espaço para liberdade. O professor tem uma proposta, sendo em grande parte de sua responsabilidade, garantir que ela aconteça, uma vez que sabe onde quer chegar, sabe o que quer e está comprometido com o trabalho; assim não basta ensinar, deve estar atento para que o ensinado seja aprendido (só há ensino, quando há aprendizagem).
Uma classe é um conjunto de pessoas diferentes; neste ponto entra a necessidade da clareza, para poder assumir um certo grau de firmeza quando for preciso. “Não se trata do fim justifica o meio”, mas de usar o meio preciso, coerente com o fim, numa visão de totalidade. Não se perde a ternura quando se sabe porque se endurece. Vale lembrar a frase de Santo Agostinho “Odeie o pecado, mas ame o pecador”.
Essas considerações são apenas indicações de início de trabalho. Efetivamente o grande desafio é a construção da proposta educacional no seu cotidiano de sala de aula; aí sim é que teremos que possibilitar a superação de uma participação passiva e alienada por uma participação ativa e coletiva; entendemos que sem um clima de trabalho, por melhores que sejam as intenções, nada se fará de significativo. Trata-se de lutar contra aquilo que impede a efetivação da educação libertadora. É necessário uma tomada de posição do educador diante do ato educativo: assumir uma postura pedagógica fundamentada. Trata-se realmente de defender um tipo de educação educativa. Construção da participação coletiva e ativa supera a pseudo-educação do repressor, supera também os limites da sala de aula e se abre para um compromisso de transformação da sociedade.
Pela proposta não queremos formar populistas de belos discursos e práticas fascistas. Desejamos contribuir na formação de pessoas competentes em conhecimentos, inseridas e comprometidas com a realidade, humanizadas, capazes de gerar uma sociedade nova.
A nova sociedade é sonho, utopia e horizonte, mas plenamente realizável. É sociedade onde o saber, o poder, o possuir e o viver sejam plenamente socializados. No caso da criança especial, precisamos de salas de aula, devidamente preparadas, ostentadas na vontade positiva da proposta educacional positiva.
Beatriz reafirmou:
- Um fator importante, para evolução dos nossos filhos autistas, é a harmonia no lar, um tanto difícil nos dias conturbados de hoje. Um mínimo sinal de desajuste é logo captado por estas crianças e, quando isto acontece caem em profunda depressão. A depressão pode também ser em conseqüência da enorme dificuldade que tem o autista para se comunicar, gerando uma tristeza profunda e, por fim, a desistência de aprender.
Dizer que espero que um dia meu filho vá para uma escola inclusiva, seria falso de minha parte. Não pretendo que ele seja inserido neste tipo de escola. Já esteve com seis anos, idade escolar. Fez Não sabe analisar uma garatuja. Não sabe ler, seu olhar é vago e sem domínio de si. Como exigir que a sociedade o aceite? Passaram 10 anos e nada mudou. No bucólico vinte de outubro passado, fez vinte anos. Nada mudou.
Apesar de toda esta nossa discussão, nunca cobrarei de médicos: rótulos e diagnósticos, nunca cobrarei da sociedade a tão sonhada inclusão social, nunca cobrarei de uma escola que seus profissionais sejam amorosos e especializados em determinadas nuances do autismo, mas cobrarei da minha família e de minhas filhas: entendimento. Cobrarei de mim mesma o desenvolvimento do meu filho André Luís Rian.
A sua vida escolar já foi iniciada. A escolinha do bairro nunca coube em sua vida. Esteve sempre ultrapassada. Tocar rodinhas dos carrinhos de brinquedo já não dá mais. Mirabolar os pequenos helicópteros está desgastante. Os carrinhos de brinquedo estão pequenos demais para a nova passagem que pretendo iniciar com Rian. Irá determinadamente para uma escola especial, do outro lado da cidade, em um especial, que o deixará em casa por volta das 7h da noite.

Preciso confiar, Marina, e continuar seja no preço que for para sonhar e pagar.

Duas décadas já se passaram e até hoje o desenvolvimento é precário. Afinal, autismo é um jeito de ser e de viver. Quem não sabe disto, que o saiba agora. A sociedade pode ajudar sim. Incluindo e não desiludindo pais que atravessam a vida na esperança da cura excepcional. Ela não existe, pois autismo é jeito de ser.

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