quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A COMUNICAÇÃO AUTÍSTICA DE RIAN


A comunicação tem um sentido muito mais profundo, pois é responsável pela própria vida do homem. Pela comunicação se estabelecem relações interpessoais e grupais, mediante as quais são enriquecidos as pessoas e os grupos. Dessa maneira integra o homem no seu grupo social, estimula a participação ativa no grupo, nos enriquece e nos personaliza.

Portando, comunicação implica em IGUALDADE (tornar comum uma informação). Sob este ângulo, a importância semântica que palavras, gestos, símbolos e sinais adquirem no contexto sócio-político-cultural é marcante.
A comunicação, como processo, possibilita às pessoas compartilharem de experiências, idéias e sentimentos. Quando se relacionam como seres interdependentes, os interlocutores influenciam-se mutuamente e, juntos, modificam a realidade onde estão inseridos.

Eu, Silvania, estudava muito, mas, sentia-se ainda surpresa, ante ocorrências inusitadas na vida do meu filho André Luís Rian.

Certa vez, três únicas vezes, aos cinco anos, Rian se comunicou, ou melhor, falou. Não sabia afirmar se havia sentido para ele aquelas palavras. A surpresa, claro, foi imensa. Perto de uma televisão, atento a um jogo de futebol, disse duas vezes a palavra gol, gol. Numa outra situação, Rian perguntou de modo claro e objetivo: O que é isto? E finalmente pediu para ir no "arro",(carro) "passiá" (passear). Não mais emitiu nenhuma palavra.

A vida prosseguia e a comunicação de Rian também. Ele se comunicava com olhares, gestos, choros e gritos. Suas dores eram uma comunicação e seu riso gaiofeiro outro tipo de expressão.

Não adiantava lamentar o seu silêncio. Adiantava olhar ao redor. Enxergar, vamos dizer assim, uma voz que fala conosco através dos gestos e das estereotipias. Uma voz que fala das dependências do amor, como estou fazendo agora. Ou então que lhe fala dos livros que lemos, sem nunca ter lido, pois é exemplo.

Somos velhos amigos, eu e o silêncio de Rian. Ele fala de muitas coisas, pois o seu silêncio se comunica. Ele me fala em resposta dos contos, da história do Chapeuzinho Vermelho, escutada com os olhos em imagem de livro infantil, das princesas encantadas, dos reis, dos magos, das bruxas, dos castelos encantados, dos castelos de areia, dos sonhos infantis de Rian.

Rian é, por assim dizer, um silêncio em voz. Diz muitas coisas, diz muitas curiosidades. Diz a sua idade.

Para que contar mil histórias, se elas não brotam de dentro da gente?
Para que fechar os olhos e imaginar uma cena que sabemos nunca acontecerá? Com certeza, além eternidade.

É uma coisa natural, tornou-se natural o convívio desta situação, tornou-se estrutural sem ser antigo.

O ´´caso´´ das crianças especiais, não somente o de André Rian, não aparece na escuridão, não nasce da aurora, entrecortada pelas trevas da noite. Surge da luz minúscula, em pequenos fragmentos da comunicação lógica e do entendimento degradeado. Fala baixinho no ouvido de quem as ama (as crianças especiais) como se perdesse no infinito.

Anos de experiências e lutas. Como alguém, após intensa busca em deserto, que procura a Lua, e quando a encontra, olha e se pergunta: Por que a Lua desaparece quando queremos admirar seu brilho? Por que as estrelas não contam os caminhos e não falam baixinho com os mais velhos? E não falam com Rian e com as crianças especiais. E por fim, onde se encontra a comunicação?
O mistério existe e todos estão encantados. Por quê? Por que a Lua, as estrelas e os caminhos somem?

Seria por acaso, para dizer tão somente que existem assim e são assim. Todos são encantados e felizes. Há uma história que fala de coisas. Todo mundo conhece. As pessoas vão lembrar que encontraram com Rian e os caminhos por toda a vida. E quando ´´crescerem´´ vão contar a mesma história que não sabem explicar.
Por que as crianças especiais são assim? Qual é a inspiração? Inspiração é aquela descoberta que a gente faz de repente, que não vem de fora, não; não é uma coisa misteriosa que existe na nossa cabeça, pois a idéia já estava em nós. E a inspiração nos diz que a história de Rian é diferente. Diferente porque precisa muito existir, aprender e inovar para crescer.

Uma visita a um lugar mágico, a rara oportunidade de ser sutil, de ir além das aparências, de encontrar-se e encontrar artistas sem vozes, onde o silêncio diz mais do que mil palavras. Uma aula sobre a vida com o verdadeiro mestre chamado sofrimento. Num tempo, quando alguém não tem palavras para dominar e exprimir o verdadeiro sentimento que domina, um mundo fantástico que vai além de qualquer emoção.

O encontro com o sofrimento só tem valor quando flutuamos na sua aprendizagem. Quando queremos dizer para nós mesmos que o processo de reflexão faz bem para os sentidos e para a alma. Não era para ser assim: não interrompam este silêncio, ele é grande ensinamento e passa a ser um sonho, quando aprendemos a superar. Ninguém é especial porque quer, todos estão especiais porque precisam contar seus processos antepassados; viviam em fogueiras e se cerceavam nas cavernas mais profundas da obsolência e do esquecimento. E somente alguém muito especial, poderá entender os meandros e os limites da minha palavra e da minha comunicação.

Belo Horizonte, 23 de janeiro de 2009.

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