SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA: ESTUDO JUNTO A UM GRUPO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA MENTAL
HAYAKAWA, Lililiana Yukie;
MORI, Nerli Nonato Ribeiro
Resumo: A sexualidade é um tema bastante complexo; quando se trata da sexualidade do deficiente mental (DM) o tema torna-se mais delicado, uma vez que o desenvolvimento sexual do DM não é muito conhecido. Com o objetivo de investigar junto a um grupo de alunos com deficiência mental, conhecimentos sobre sexualidade, iniciamos este estudo junto a onze alunos com idades entre dezenove e trinta e três anos de uma instituição Estadual de Ensino no município de Maringá, Norte do Paraná, através de entrevistas semi-estruturadas. Os dados demonstram que a sexualidade em alguns sujeitos está inativa. Outros têm conhecimentos vagos sobre o funcionamento do corpo humano e do próprio corpo, limitando-se às partes faladas socialmente. Sentimentos como ciúmes e fidelidade parecem não existir. Os “namoros” entre eles são comuns, mesmo sabendo-se que não são os únicos para seus respectivos. Há também aqueles que namoram “sozinhos”, onde só um dos sujeitos tem conhecimento do namoro. As experiências sexuais com parceiros relatadas parecem não ter passado das preliminares, ou seja, não se consumaram. Na maioria dos casos, os alunos não têm conhecimento sobre o funcionamento do próprio corpo e consciência da própria sexualidade.
Introdução
Falar de sexo foi e continua sendo uma tarefa delicada, tanto na escola quanto na família. Quando se trata da sexualidade do deficiente mental (doravante DM), a questão é mais complexa ainda. Como explicam Glat e Cândida (1996), ainda é bastante arraigada a idéia de que a sexualidade do DM é de natureza intrinsecamente problemática ou patológica.
Segundo as autoras, este é um resquício do modelo clínico tradicional, o qual enfatiza a atenção ao déficit e à patologia, uma visão que predominou no atendimento aos portadores de deficiência até recentemente.
Com o pressuposto da normalização, ou seja, preparar a pessoa para viver em comunidade da forma mais normal possível, a situação começou a mudar.
... parece que cada vez mais os profissionais, e, conseqüentemente, as famílias atendidas por estes profissionais, estão deixando de focalizar sua atenção apenas nas deficiências, e passando a olhar a pessoa como um todo. Mais e mais começamos a perceber que antes de serem deficientes, eles são pessoas, com necessidades, interesses e aptidões individuais como qualquer um. (Glat e Cândida, 1996 p. 12. Grifos da autora)
Esta nova forma de conceber a pessoa com deficiência, exige um redirecionamento dos serviços educacionais e terapêuticos. Em termos de sexualidade, o obstáculo mais forte ainda é a noção de que as pessoas com DM não têm necessidades normais, ou como diz Fierro (1995), são eternas crianças.
Porém, Assumpção e Sproviere (1993) afirmam que o desenvolvimento sexual no deficiente mental não é muito conhecido, principalmente pelo fato de que, como apresenta um déficit relativo aos mecanismos de repressão e autocrítica, fruto do déficit cognitivo, suas relações interpessoais se processam de forma alterada, de modo que qualquer manifestação de sua sexualidade é vista e, como tal, catalogada e tratada, no âmbito dos distúrbios de conduta.
Assim, buscando compreender melhor a temática sexualidade e deficiência, a presente pesquisa tem como objetivo investigar junto a um grupo de pessoas com DM os conhecimentos que elas possuem sobre sexualidade e a forma como lidam com ela e levantar informações relativas a sexo, corporalidade, reprodução, prevenção, valores e comportamentos afetivos e sexuais, elaboramos a seguinte pesquisa.
Método
Sujeitos
Participaram do estudo onze indivíduos matriculados em uma Sala de Atendimento Especializado, com idades entre dezenove e trinta e três anos de uma instituição estadual de Ensino no município de Maringá, Norte do Paraná. Do total, cinco são do sexo feminino e seis do masculino. Todos os indivíduos estão diagnosticados como deficientes mentais, segundo avaliação psicoeducacional realizada pelo Núcleo Regional de Ensino do município.
Procedimento
Os dados foram colhidos através de entrevistas semi-estruturadas cujas respostas foram gravadas e posteriormente transcritas e analisadas.
Em nossa pesquisa, elaboramos inicialmente um roteiro de perguntas; no entanto, nem todos os pontos foram vistos com todos, assim como com algumas pessoas, ao conversarmos, o roteiro ficou além do planejado.
As situações para a realização destas entrevistas foram as mais diversas. A entrevistadora optou por participar das atividades diárias dos alunos, a fim de conquistar a confiança dos mesmos. Estas atividades eram: bordado, jogo de memória, ajudar nas tarefas, dentre outras. Entre as mesmas, conversava-se com o sujeito, sem mesmo que, muitas vezes, percebessem que estavam sendo entrevistados. Ora no intervalo de algo (ida ao refeitório, recreio) vinham até a entrevistadora e contavam por iniciativa própria.
Resultados
O número de sujeito dos sexos masculino e feminino foi proporcional (cinco do sexo feminino e seis do sexo masculino).
Iniciamos a conversa pedindo aos sujeitos que falassem as partes do corpo. Observamos que as partes do corpo que citam são as mais aparentes, as mais faladas socialmente: “Braço, olho, cabeça, cabelo, orelha, nariz, pe, mão, joelho” (A1), “ Olho, nariz, boca, pé, perna”(A10), “Cabeça, olho, barriga, costas, perna, braço, pé, mão, orelha também, pescoço”(C7), ficando limitado a isto na maioria dos sujeitos. Quanto a partes mais especificas, há um receio de verbalizarem: “não pode falar mais. É feio!”(A7)
Alguns citam termos chulos/populares para se descreverem às partes genitais, como “tchola”(A1) e “pinto” (A7).
Para as mulheres, quando indagadas se sabiam o que era menstruação, nenhuma sabia por qual motivo isto acontecia. Somente uma aluna tinha vaga idéia “Eu sei que sai sangue né. Parece que é porque descasca, sai um pedaço da parede do útero, dos orvalhos”(A9). Mas quando perguntada como ocorria e qual era a função do útero e dos ovários, não sabia responder.
Para a maioria, os órgãos sexuais têm quase que estritamente funções fisiológicas: mulheres menstruam e homens miccionam.
A todos foi perguntado se sabiam como ficava-se grávida. Alguns respondem corretamente, “tem que transar!”(C9), “tem que transar sem camisinha”(A6), “faz tchaca tchaca na butchaca!”(A1), “É segredo! É feio!”(A8); outros não fazem a mínima noção: “não sei...chupou melancia...comeu melancia!”(A3).
Quanto ao conhecimento sobre métodos contraceptivos, três mulheres se referiram à camisinha, DIU e pílula, pois as mães e demais familiares faziam uso e havia explicado a elas. E, estas três são as que tinham uma comunicação mais aberta com os pais, os quais lhes dão orientações sobre o corpo, comportamentos afetivos, apesar de que as idéias que criaram eram um pouco equivocadas, seja por erro de interpretação, ou por falta de informações precisas e completas.
A camisinha tinha a função especifica de não se pegar doenças. Então, perguntou-se quais doenças: “hv?”(A8), “AIDS!”(A1). Mas, a AIDS, pela fala das dos mesmos sujeitos poderia ser contraída através de beijos.
Vemos também a influencia do meio de comunicação na transmissão de informações sobre a AIDS:
E quem pega AIDS como fica? (Entrevistadora)
Morre! Eu já vi na televisão! Fala assim: tem que usar camisinha senão fica com AIDS!” (A6)
Dos sujeitos em estudo, no inicio da pesquisa cinco tinham namorados, três mulheres e dois homens. Falemos de alguns casos... um triângulo amoroso entre os sujeitos A1, A4 e A8, onde A1 e A8 usavam aliança de compromisso, apesar de estas estarem sempre guardadas no bolso da calca ou na bolsa escolar e A4 parecia não se importar com o fato, apenas dizia que A8 era seu namorado, mesmo este não ficando perto dela. Porém, ela também dizia ser namorada de um dos Gêmeos de um conhecido programa de televisão ; A11 dizia namorar uma conhecida que sempre é mostrada nas colunas sociais de jornais da cidade, sendo capaz de responder todas as perguntas sobre ela, seus hábitos, família, etc.; A2 namorava um garoto de outra sala da educação especial, que ao mesmo tempo que estava com ela, “ficava” com uma outra também.
Dos onze entrevistados, quatro verbalizaram que não eram mais virgens; três do sexo feminino e um masculino. Todos tiveram somente uma experiência. O garoto não quis falar a respeito, restringindo a nos informar que “não era muito bom não!”( A8).As três mulheres informaram que o ato sexual foi realizado de roupa, por cima da calca. “Mas eu não deixei ele ver tudo não. Sou moça direita. Foi de roupa! Só vou tirar a minha roupa o dia que eu casar. Ai eu falo pra ele assim: se quer ver tudo, só casando meu filho!” (A1), “eu fiquei com vergonha, daí eu não tirei a roupa. Foi por cima”(A2). Nenhuma relatou dor ou sangramento nesta primeira experiência, só verbalizaram que não gostaram da experiência também.
Discussão
Os estudos realizados e a análise dos dados colhidos junto ao grupo investigado indicam que a sexualidade existe, como nas outras pessoas, no deficiente mental. Em alguns está mais presente, enquanto que em outros, parece nem se manifestar. Todos parecem estar “treinados” como mandam as boas regras de conduta, como não citar as partes íntimas do corpo. Para aqueles “corajosos”, mesmo com vontade, ficavam olhando para a entrevistadora para verem se realmente poderiam falar ou se seriam repreendidos.
As funções fisiológicas do organismo não são de conhecimento dos entrevistados, em especial nas mulheres; elas ignoram como e porque ocorre a menstruação e a gravidez, por exemplo.
Verificamos também que, alguns dos sujeitos têm conhecimentos errados ou nem têm sobre reprodução, métodos contraceptivos e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
Poucos parecem ter experenciado relações sexuais. E os que responderam afirmativamente, o relato foi incoerente. Como se pode ter uma relação sexual sem se tirar a roupa? Mais especificamente sem se tirar a calça?
Enfim, os conhecimentos sobre corporalidade, reprodução, prevenção, valores e comportamentos afetivos e sexuais na maioria dos sujeitos não são desenvolvidos, muitas vezes repreendidos, talvez pelo fato das pessoas que os cercam terem receios devido à sua deficiência, ou mesmo por não entendimentos de determinadas situações por parte da amostra em estudo.
Referências Bibliográficas
ASSUMPÇÃO Jr, F. B.; SPROVIERE, M. H. Deficiência mental, família e sexualidade. São Paulo: Memnon, 1993.
FIERRO, A. As crianças com atraso mental. In: COLL, C; PALÁCIOS, J; MARCHESI, A. (org.). Desenvolvimento psicológico e educação: necessidades educativas especiais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995, p.232-239.
GLAT, R.; CÂNDIDA, R. Sexualidade e deficiência mental: pesquisando, refletindo e debatendo sobre o tema. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996.
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