quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O status marginalizado do autista em Belo Horizonte


 


Primeiramente, é preciso fazer um esforço para reconhecer a natureza, acomplexidade, a diversidade e a amplitude das manifestações dentro doespectro autista. A falta desse conhecimento tem resultado emsubdiagnóstico, tratamento inadequado, isolamento/exclusão e profunda deterioração da qualidade de vida do autista e de seus familiares. No contexto atual, a PBH não reconhece o autismo como deficiência mental e assim o autista não recebe a mesma atenção. As crianças autistas não têm acesso aos mesmos padrões de tratamento e benefícios que costumam se aplicar aos deficientes. No entanto, há exemplos de outras cidades e estados brasileiros em que o autismo é reconhecido como deficiência mental, e isso tem resultado em um tratamento mais humanitário da situação. O problema em BH não parece ser tanto de falta de sensibilidade, mas sim de pura falta de conhecimento e disposição para adquiri-lo. São 2 milhões de autistas no Brasil, um número maior que o número de portadores de câncer ou de outras deficiências, e a PBH não faz idéia do número de autistas na cidade.
A criança autista depende fortemente de um diagnóstico que, embora difícil de realizar, seja suficientemente precoce para que se dê partida em um processo intensivo de terapias que têm como objetivo realizar o seu potencial de desenvolvimento individual. O período crítico de desenvolvimento parece ser o entorno dos 3 anos de idade, e a partir daí a taxa de desenvolvimento decai até atingir um platô por volta dos 12 anos. Um pré-diagnóstico já deveria ser suficiente para iniciar as intervenções. Diagnósticos mais precisos costumam ser fechados apenas a partir dos 5 anos de idade. Assim, se a PBH depender dos resultados de seu “workshop” genérico para começar a implementar medidas práticas de atenção ao autismo, um número enorme de crianças (e suas famílias) serão condenadas definitivamente ao ostracismo. Há uma série de medidas práticas mais simples que podem ser colocadas em prática com mais rapidez, paralelamente ao debate.
O custo dessas intervenções é alto, mesmo em comparação com outras deficiências, o que também pode ajudar a explicar a falta de iniciativa da PBH. Mesmo as famílias de classe média têm dificuldade em cobrir esses custos. Os planos de saúde cobrem uma quantidade limitada de sessões de terapia, que têm um alto valor individual se forem pagas em particular. Essas famílias também dependem da rede pública para complementar seus esforços. Aconteceu com minha família, mas optamos por desistir do tratamento em um centro de saúde pela péssima qualidade do atendimento.

Inclusão no ensino regular: Unidades Municipais de Ensino Infantil (UMEIs)
Nossa filha estuda na (nova) UMEI Zilah Spósito, que tem estrutura exemplar e equipe comprometida com a inclusão. Mas isso é uma exceção? Sei que há várias outras unidades em construção na cidade, e se todas seguirem o mesmo padrão será um bom avanço.
Houve atraso maior do que 1 ano na conclusão da obra. O projeto original previa início das aulas no 1º semestre de 2010. Na verdade, ainda há trabalhadores cuidando de detalhes externos. As atividades só começaram em março deste ano, mas a Regional Norte chegou a pressionar a escola para que as aulas começassem mesmo várias semanas antes de que as obras internas fossem concluídas, em profundo desrespeito aos funcionários e crianças.
A UMEI Zilah Spósito conta com 3 salas para cada faixa de idade, com 3 professoras “titulares” mas apenas 2 professoras auxiliares, quando a legislação preconiza uma auxiliar para cada sala. A escola está atualmente trabalhando com apenas 2 alunos de inclusão, e ainda assim teve dificuldade para contratar as 2 auxiliares exclusivas previstas em lei. A princípio, dependia-se de uma avaliação técnica, já que, pelas regras da PBH, crianças autistas não têm direito garantido ao auxiliar. (Conhecemos casos de famílias que, sem informação, têm filhos autistas estudando em UMEIs sem o auxiliar exclusivo.) A Regional Norte demorou a destacar os avaliadores para a tarefa, e, creio, a escola recebeu autorização para resolver informalmente a questão, contratando recentemente auxiliares na própria comunidade. As auxiliares são pessoas dedicadas, mas não têm preparo pedagógico. Mesmo a professora “titular” não pode fazer muito mais do que evitar que nossa filha se coloque em situação de risco.
Outro problema com a UMEI Zilah Spósito é a incompreensível ausência de uma linha de telefone fixo e a falta de previsão de instalação de uma, ou mesmo de uma sinalização de que a PBH tem a intenção de fazê-lo algum dia. Imagine-se a situação de um pai de criança especial que não tem como comunicar-se com a escola a quem confia seu filho.
Ao contrário do que a lei preconiza (ver resoluções CNE/CEB Nº 02/2001 eNº 04/2009, e decreto Nº 6571, de 17 de setembro de 2008), a PBH não faz adaptação de material e de estratégias pedagógicas para incluir o aluno especial no processo de ensino. Tememos que, se não formos agressivos o suficiente em nossas reinvindicações, nossa filha não será alfabetizada na rede pública, mesmo que tenha este potencial. No contexto atual, o aluno de inclusão está no ensino regular apenas para fins de socialização, o que, além de pouco, é francamente contrário ao que está previsto em lei.

Lazer e reabilitação
Faltam espaços públicos com opções de lazer mais estruturado e educativos, de boa qualidade e melhor distribuídos ao longo da cidade. A melhor estratégia de atuação sobre a criança autista é submetê-la ao maior número e diversidade possível de experiências sensoriais, e BH, em nosso conhecimento de algumas outras capitais do país, é um dos piores exemplos nessa questão.
Faltam centros públicos de reabilitação que possam ser utilizados pelos usuários da saúde pública municipal, com preferência para crianças especiais. Nesse contexto, o status marginalizado do autismo é mais um problema. Sabemos existir um centro de equoterapia, mas a demanda é altíssima. Existe consenso científico de que crianças autistas encontram enorme benefício nesse tipo de terapia, superior ao que existe para outras doenças e deficiências. No entanto, os autistas são posicionados no fim da fila de espera. Em geral, sequer são direcionadas para ela.
Faltam políticas públicas para autistas adolescentes e adultos, como preparação e inserção no mercado de trabalho (para os que têm esse potencial), atividades de reabilitação e casas de repouso que possam abrigar autistas.
Atenção à saúde
Há um número muito limitado de equipes de saúde de natureza multidisciplinar voltada para as terapias de intervenção precoce de que a criança autista depende para realizar seu potencial. Essas equipes em geral são formadas porprofissionais sem experiência com autismo. As técnicas utilizadas às vezes são controversas entre os especialistas, e nem sempre são as mais adequadas para cada criança. O atendimento é mal distribuído pela cidade, o que significa que as crianças podem ter que se deslocar por distâncias mais longas, mesmo dentro da própria regional. Agravando o problema, os autistas não têm acesso ao “passe livre” do transporte coletivo, o que leva muitas famílias a desistirem das terapias.
A freqüência oferecida para as terapias está terrivelmente abaixo da mínima necessária para o autista. Sessões de terapia ocupacional e fonoaudiologia em geral acontecem quinzenalmente, quando a freqüência ideal é 3 vezes por semana. A justificativa do “pouco é melhor do que nada” é particularmente cruel para o autista, e há pesquisadores que defendem que prejudicam mais do que ajudam.
Pediatras costumam não ter preparo para fazer a identificação precoce de sinais de alerta que deveriam levar à avaliação neurológica mais detalhada. É comum atribuírem atrasos de desenvolvimento a fatores como excesso de zelo dos pais ou à disfuncionalidade das famílias, ou mesmo negarem a existência desses atrasos sob o argumento genérico, desqualificante e oportunista de que as observações dos pais são exageradas.
Há má distribuição dos recursos de tratamento ao longo da cidade. Os CERSAMIs não podem ser acessados por usuários de certas regionais. A maior parte dos pais de autistas não recebem encaminhamento para ou mesmo fica sabendo da existência do Ambulatório dos Transtornos de Desenvolvimento do Hospital Infantil João Paulo II, onde poderiam ser atendidas pelo psiquiatra infantil Dr. Walter Camargos Jr., dos mais experientes brasileiros em autismo.Parece haver informação privilegiada e orientação para que o acesso à informação seja dado apenas em casos muito específicos.
 (Des)informação
Falta informação para os pais de crianças autistas: sobre a síndrome, sobre as terapias, sobre as expectativas que lhes são lícitas manter e sobre as enormes incertezas envolvidas tanto no tratamento quanto no futuro do autista em idade adulta.
Pais de autistas em BH sentem-se terrivelmente isolados. Não conhecem casos similares em seus centros de saúde ou nas escolas. Não têm com quem trocar experiências e receber apoio mútuo. Não contam com profissionais qualificados e interessados nesses centros com quem conversar a respeito. Recebem apenas um diagnóstico que não entendem e um encaminhamento para terapia que não sabem para que serve. Enquanto na rede particular de saúde discute-se um problema de sobrediagnóstico, na rede pública em BH parece haver um sério problema de subdiagnóstico de autismo, com crianças sendo tratadas de forma inadequada.
Há falta de orientação adequada da assistência social para eventuais benefícios a que a criança autista se qualifica. O descaso é tão grande que é fácil supor que haja um esforço coordenado de desinformação para evitar que famílias necessitadas tenham acesso a esses benefícios. De todo modo, no contexto atual, o autista não tem acesso a vários desses benefícios, como, por exemplo, o já referido “passe livre” do transporte coletivo.

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