segunda-feira, 15 de agosto de 2011

AOS PAIS QUE APRENDERAM COM A(R) DOR AS PERDAS

AOS PAIS QUE APRENDERAM COM A(R) DOR AS PERDAS


Imagem Publicada - a foto colorida da capa do filme AS CHAVES DA CASA (com título em francês: Les Clefs de la Maison), com os atores Kim Rossi Stuart e Andrea Rossi, interpretando os papéis de pai e filho, com os rostos próximos. É a história de um filho com paralisia cerebral (Andrea Rossi), com 15 anos, que faz com que o pai tenha uma grande transformação e mudanças em seus preconceitos e culpabilizações. O pai (Kim Rossi Stuart) tem um encontro dramático com uma mãe de outra pessoa com deficiência, interpretada por Charlotte Rampling, que lhe faz superar suas velhas dores afetivas ligadas ao filho.

Minhas dores já se tornaram minhas velhas companheiras, me ensinam. Já disse, outro dia, que ainda vou escrever sobre as fagulhas e as agulhas das dores. Mas as minhas dores, hoje, são primordialmente físicas. As dores que eu vivencio, hoje, não se comparam as que guardo como pai. E, para os pais que aprenderam a viver e conviver com as suas dores mais recônditas, muitas vezes escondidas ou negadas, é que escrevo nesse chamado, também comercial, Dia dos Pais. Há pais que não ficam, nem ficarão, mesmo no carinho e amor de suas famílias, longe de suas dores...

A dor que nos ensina vem de nossas experiências com nossos filhos. Escolhi dois filmes italianos, que gosto muito, para me lembrar da existência de pais que dificilmente se recuperam quando as perdas os atingem. Temos, provavelmente, muitos pais que, nesse momento, estarão perdendo seus filhos. Principalmente pelo que hoje vem sendo cometido contra a nossa juventude. Em algum lugar, em alguma cena triste ou de pesar, há alguém recebendo a notícia dessa perda inesquecível. O Dia dos Pais não nos exime de perder aqueles que nos homenageam hoje e sempre.

O que me perguntei ao assistir o filme foi: As Chaves da Casa - onde estão as chaves??. Para ter "chaves" de uma casa primeiramente precisamos de ter uma "casa". A que me refiro e penso não é necessariamente do programa Minha Casa, Minha Vida, embora possa parecer título de cinema. É uma casa mais simbólica do que concreta e de concreto. É a casa construída dentro do imaginário e das nossas recordações. Onde podemos guardar/recordar de outro filme, outra história: O Quarto do Filho.

Uma casa do passado onde as minhas, as suas e as perdas afetivas de filhos de alguns pais tem suas sombras, suas nuances e suas claridades possíveis. Lá estão guardadas as dores, na diferença de intensidade de cada um. Já escrevi: nós, pais, somos diversos além de diferentes.

O primeiro filme. "As Chaves da Casa", em uma leitura simplista, pode parecer nos convidar para entrar em um universo sentimental que geralmente chamamos de lar. O filme, porém, nos traz uma abordagem da relação com a deficiência que precisa ser pensada, pois em um momento crucial do mesmo é afirmada mais uma vez a relação errônea entre Doença e Deficiência.

A atriz Charlotte Rampling, mãe de uma moça com paralisia cerebral, que freqüenta o hospital onde se faz a reabilitação, dirige-se a Kim Rossi Stuart, no papel de pai de Paolo, o jovem filho, também com paralisia cerebral e lhe diz que ele “tem sorte, pois a doença o protegerá pelo resto da vida...”, e não foi erro de tradução, pois o italiano usado pelos atores é perfeitamente traduzível para nossa concepção de enfermidade.

As deficiências, de nossos filhos, não são uma proteção eterna. Muito menos são doenças. Há uma relação a ser descoberta com o título dessa película. Acredito que o autor e diretor do filme quis nos levar a pensar primeiro em AUTONOMIA, pois quem tem todas as chaves da casa neste filme é o sujeito com deficiência.

Paolo (Andrea Rossi) é que sabe das chaves, tendo inclusive uma chave para o ladrão. Ele também é o filho que foi "abandonado" pelo pai há muito tempo pois recebeu a culpa da morte de sua mãe. E, sendo um sujeito com uma deficiência, nos imprime também alguns temores, inclusive o de nossa igualdade na fragilidade física.

Eis aí um prato cheio para uma psicanálise das fontes de culpabilização que se imputam aos pais de filhos com deficiência. O jovem Paolo nasce e sua mãe morre no parto. Ficam, então, o pai e o filho, separados por 15 anos, com o futuro para se aproximarem e, dolorosamente, aprenderem a amar um ao Outro. E, somente após seus lutos reconhecidos, poderão descortinar que não há nenhum vácuo, vazio ou ausência na morte. Há também possíveis re-nascimentos afetivos.

São estes re-nascimentos afetivos que podem ajudar a cicatrização de nossas feridas. As mesmas que nos causam mais dores do que as físicas. As que surgem das perdas ou traumas com os nossos filhos. Há aí um exemplo fidedigno na belíssima obra de cinema: O Quarto do Filho (vencedor da Palma de Ouro e o Prémio FIPRESCI na 54ª edição do Festival de Cannes).

Nesse filme de Nanni Moretti, diretor e protagonista, nos mostra o que um pai pode guardar da dor ao perder um filho. Ele interpreta um psicanalista que vive às voltas com seu trabalho analítico com a loucura, as neuroses, as fobias, e as dores dos outros.

Ao ter seu filho morto em um acidente em uma praia, ao tempo em que trabalhava, passa a viver a dor da culpa de não estar ao lado dele. A dor que se mistura com culpa por não ter ''salvo'' o filho. Muitos pais já experimentaram essa amargura. A eles envio minha solidariedade, mas também meu aprendizado de transformação do luto em paixão pela vida.

Uma lição sobre como não cair na mesma situação representada por Nanni Moretti. O seu psicanalista, Gianni, reencontra-se com a crise familiar diante da tragédia. Ele para de trabalhar com os outros e passa ao mais árduo dos trabalhos: a auto-análise crítica e a elaboração de sua perda filial.

Os dois filmes italianos, mantidas as suas diferenças e propósitos, nos trazem nos títulos a presença de nossas vidas "intradomus", ou seja dentro da família, dentro de nossos lares e seus conflitos. Trazem também, como já disse, um outro tipo de "casa ou quarto". Trazem os sótãos e os porões de nossos inconscientes onde se abrigam ou se refugiam nossas dores, as nossas dores de amores perdidos.

E a perda de um filho ou filha pode ser, hoje, a única lembrança de algum pai, em todos os lugares. A estes pais que não superaram as suas perdas, qualquer que sejam seus motivos, envio hoje um abraço doce, forte e caloroso. A eles dedico um pouco de minha lembrança do dia em que perdi meu filho Yuri.

O aprendizado que meu filho me deu, assim como a dor de sua perda, têm em alimentado a resiliência vital. Em busca de uma outra forma de lidar com o que muita gente ainda considera uma "doença", ou seja uma 'deficiência' em um filho, aprendi que nós é que podemos nos adoecer e, até enlouquecer, se não re-conhecemos, para além de quaisquer profissões ou aprendizados, a sabedoria cotidiana de reverenciar nossos mortos. A sabedoria de aprendermos a morrer vivendo intensa e criativamente.

E, COM ARDOR COMEMORAMOS, AMOROSAMENTE, NOSSO DIA... nossos dias... carpem diem...

A TODOS OS PAIS e também às mães, em seus dias de não ficção cinematográfica da dor ou das perdas deixo minha poesia:

NENHUMA MORTE DEVE SER EM VÃO

RÉQUIEM para um filho amado
Te procurei entre as nuvens
pela janela pequena dos meus olhos tristes...
Voando
Te procurei entre as nuvens, última esperanca
de vê-lo voando no tapete branco das nuvens
Mas não se distiguem os anjos das nuvens !
Não se pode ver o branco sobre o branco,
onde não há diferenças ou nuances
Nem mesmo com a dor-vontade de vê-lo agora
FILHO MEU ! filho que partiu como um devir entre as nuvens
Tuas diferenças e teu cândido olhar falante,
para além de todas as falas e palavras ditas,
me ensinou, e ensina ainda, a buscar além das nuvens
a sonhar com um mundo-céu-azul
onde as criancas de todas as cores, como você
e todas as outras tão diferentes, tão diversas,
nos ensinam que
só há um vôo a realizar,
APRENDER E ENSINAR A AMAR TODAS DIFERENÇAS.

PARA YURI, o `TERNO` COM TODA TERNURA E AMOR DO SEU PAI Jorge Márcio Pereira de Andrade.
"O poema acima foi escrito hoje (16/04/2000) ao voltar de viagem,num avião, onde sómente a escrita pode dar conta da minha dor e paixão pela perda de meu filho, Yuri, com 13 anos,e uma pessoa muito especial, para além de ser paralisado cerebral ou pessoa com DEF - Distúrbio de Eficência Física" (www.defnet.org.br abril de 2000)

O MESMO RIO QUE NOS LEVA PODE TRAZER NOVAS ÁGUAS, E NÃO APENAS SEIXOS ROLANDO EM SEU FUNDO...

Filmes citados no texto:
AS CHAVES DA CASA - http://www.adorocinema.com/filmes/chaves-de-casa/
Título original: (Le Chiavi di Casa) Lançamento: 2004 (França, Alemanha, Itália) Direção: Gianni Amelio

Atores: Kim Rossi Stuart, Andrea Rossi, Charlotte Rampling, Alla Faerovich.

Duração: 105 min Gênero: Drama

O QUARTO DO FILHO - http://www.adorocinema.com/filmes/quarto-do-filho/

Título original: (La Stanza del Figlio) Lançamento: 2001 (Itália) Direção: Nanni Moretti

Atores: Nanni Moretti, Laura Morante, Jasmine Trinca, Giuseppe Sanfelice.

Duração: 98 min Gênero: Drama

Leia também no Blog - EXISTEM PAIS LEIA(M) TAMBÉM NOBLOG - EXISTEM PAIS DIFERENTES OU DIVERSOS PAIS?

http://infoativodefnet.blogspot.com/2010/08/existem-pais-diferentes-ou-diversos.html
Postado por Jorge Márcio às 00:42
Marcadores: As Chaves da Casa, Dia dos Pais, Diferença, Dor, Luto, Nanni Moretti, Paralisia Cerebral, Paternidade, Perdas

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