Prof. Dr. Saulo César da Silva
Docente da Faculdade Sumaré
Docente do Centro Universitário Álvares Penteado
Integrante do Grupo de Pesquisas ILCAE1 – PUC-SP
saulocesar@uol.com.br
Resumo
O processo de inclusão das pessoas com necessidades especiais, de uma forma geral, apresenta avanços significativos no Brasil. No entanto, quando se faz um recorte desse contexto para o Ensino Superior público ou privado, pode-se observar que há pouca discussão sobre essa temática. O objetivo deste artigo é propor uma reflexão a respeito de algumas iniciativas que visam a incluir o aluno com necessidades no Ensino Superior brasileiro, comentando-se alguns aspectos legais nas quatro últimas legislaturas. Para isso, faz-se um breve retrospecto histórico
destacando-se o processo de privatização do Ensino Superior no Governo FHC, chegando-se até às oportunidades de acesso ao Ensino Superior das camadas sociais menos favorecidas, criadas pelo governo Lula.
Palavras-Chave: inclusão; Ensino Superior; privatização; FHC - Fernando Henrique Cardoso; legislação educacional; Lula.
Introdução
As políticas públicas para a educação inclusiva no Brasil têm obtido avanços
significativos neste início de século. Para exemplificar esse novo cenário, pode-se citar como referência diversas pesquisas sobre este tema que apontam nessa direção.
Informações apresentadas pelo Ministério da Educação (MEC)2 mostram que o Censo
Escolar da Educação Básica de 2008 apresentou um crescimento importante nas matriculas da educação especial nas classes comuns do ensino regular.
Na avaliação do MEC, o crescimento das matriculas ultrapassou os 46,8% do total de
alunos com deficiência em 2007, chegando a 54% no ano de 2008. Estão em classes comuns 375.772 estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
Estudos apontam para uma tendência da solidificação de uma cultura inclusiva, ou seja, a de escola para todos, no cenário educacional brasileiro, exigindo-se a construção de um novo referencial que englobe os sistemas regular e especial de ensino. A esse respeito, Melo et al. (2009) afirmam que a democratização do ensino, na ótica da inclusão, e sua ampliação para todos, exige a adequação da escola à recepção de todos os alunos e não o inverso.
Sabe-se que pelo fato de ser essa uma nova cultura, ainda em processo, muitos pontos
permanecem obscuros, sem respostas e passíveis de questionamentos pelos professores e
pesquisadores.
Partindo-se dessa perspectiva, propõe-se uma reflexão relacionada às tendências de
inclusão no Ensino Superior, pois, se por um lado houve avanços importantes nos processos inclusivos nos ensinos fundamental e médio, as discussões a respeito da inclusão de pessoas com necessidades especiais no Ensino Superior brasileiro ainda são incipientes. Portanto, não há exagero em se afirmar que essa temática está restrita, ainda, aos círculos acadêmicos e governamentais, pois não ganhou espaço significativo nas mídias ou nos diversos fóruns que informam (e formam) os diferentes contextos sociais.
O Ensino Superior a caminho de uma formação cidadã
Para se desenvolver uma linha de raciocínio a respeito do processo de inclusão das
pessoas com necessidades especiais no Ensino Superior, é preciso, primeiramente, fazer uma síntese crítica desse sistema nos últimos anos do século passado.
O Brasil apresenta, atualmente, um índice de destaque no processo de privatização do
Ensino Superior. Uma análise comparativa entre o número total de matrículas entre os anos de 1960 e 2000 revela que o país se tornou o 7º colocado no ranking mundial nesse quesito.
Evolução do número total de matrícula - em porcentagem
Fonte: Desigualdade e inclusão no Ensino Superior: um estudo comparado em cinco países da América Latina. Série Ensaios y Investigaciones ,
nº 10. Buenos Aires, 2005.
Com a expansão acentuada das Instituições Privadas de Ensino Superior, iniciada a partir da década de 1980 e firmada nos anos de 1990, boa parte da população que não tinha acesso às Universidades Públicas, pôde ingressar no Ensino Superior. Houve um aumento significativo na oferta de vagas oferecidas por essas instituições, embora com uma qualidade de ensino questionável e com o pagamento de altas taxas de mensalidades.
Um marco fundamental nessa tendência de privatização está relacionado com a visão
neoliberal que desobriga o Estado de se responsabilizar pela formação do cidadão. Esse papel é transferido para a iniciativa privada que, regida pela lógica de mercado, distorce a relação aluno/universidade, tornando-a uma relação apenas mercantilista. Durante a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, compreendida entre os anos de 1995 e 2002, houve a consolidação desse novo modelo, no qual privatizar era o lema para inúmeras ações governamentais. Naquele momento, questionavam-se as políticas públicas para o Ensino Superior que, segundo análises do então governo, encareciam o orçamento da União, tornando-se onerosas e improdutivas.
No seu primeiro ano de governo, o então Ministro da Educação Paulo Renato Souza
empenhou-se na aprovação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação que, segundo Cunha, 2002, foi aprovada com uma série de problemas redacionais no tocante à educação superior. De acordo com esse autor, pouco ou quase nada se fala sobre questões tão importantes quanto o Conselho Nacional de Educação (composição, atribuições etc.) ou avaliação universitária.
Após a era FHC, as políticas para o Ensino Superior ganharam novos contornos. O
Governo Popular, que assumiu o poder a partir de 1º de janeiro de 2003, passou a implementar novas diretrizes para a educação brasileira. No âmbito do Ensino Superior foram aplicadas, por exemplo, as Políticas de Ações Afirmativas (PAA) que têm por objetivo reparar injustiças históricas, oferecendo oportunidades para minorias que foram marginalizadas durante séculos
(Moehlecke, 2004).
Nesse contexto, destaca-se o Projeto de Lei 3627/2004 que regulamenta a reserva de
cinquenta por cento do total de vagas nas Universidades Federais para alunos que cursaram integralmente o ensino médio em escolas públicas. Dentro desse percentual, é reservada uma quantia mínima de vagas para o aluno que se autodeclarar negro ou indígena.
Esse projeto tem gerado controvérsias nos mais diferentes níveis e ainda não se firmou como passaporte seguro para a inclusão universitária. Mas não se pode negar que é um avanço significativo para a realidade brasileira, marcada pelo preconceito e pela exclusão.
No caso específico da inclusão de pessoas com necessidades especiais, há carência, ainda, de uma legislação específica que regularize o sistema educacional de Ensino Superior como um todo. No entanto, alguns avanços importantes podem ser identificados nesses seis últimos anos.
Por exemplo, cabe destacar a Lei Federal nº 10.436, aprovada em maio de 2005, que, entre outros pontos relevantes, regulamenta em seu capítulo II a difusão da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) e da Língua Portuguesa para o acesso dos surdos à educação. Para destacar esse ganho substancial no processo inclusivo no Ensino Superior, pode-se destacar o art. 8º dessa mesma lei, o qual afirma que as instituições de ensino da educação básica e superior, públicas e
privadas, deverão garantir às pessoas surdas acessibilidade à comunicação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação.
Assim, tanto as Instituições de Ensino Superior públicas quanto as privadas passaram a ser responsáveis pelo acesso da comunidade surda à educação. Nota-se, portanto, que há a responsabilização do Estado e da iniciativa privada na formação do aluno surdo.
Por outro lado, a inclusão do deficiente visual nas universidades tem sido implementada por ações isoladas de algumas instituições, majoritariamente públicas, de Ensino Superior. Pode-se destacar, por exemplo, ações inclusivas no vestibular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pioneira nesse processo, que desde 2003 aplica provas adaptadas para candidatos com deficiência visual.
Outra iniciativa pouco divulgada é desenvolvida pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) que oferece um Centro de Apoio ao Deficiente Visual (CADV) onde o aluno
encontra diferentes tecnologias de acessibilidade como livros digitalizados e softwares leitores de textos. Desataca-se ainda a oferta de um curso de Pedagogia a distância pela Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC), no qual são matriculados 31 alunos cegos ou de baixa visão que se utilizam das tecnologias de acessibilidade voltadas para o ensino-aprendizagem
(FONTANA, acesso em 2009).
Recentemente, o Ministério da Educação publicou a Portaria Normativa ME nº 14, de 24
de abril de 2007, que tem o objetivo de regulamentar o processo de acessibilidade para a Educação Superior. O Art. 1º desse documento cria o Programa Incluir que objetiva fomentar a implantação e consolidação de núcleos de acessibilidade com o intuito de promover ações para garantir o acesso pleno das pessoas com deficiência. Isso se constituiria, portanto, em uma política de inclusão que tornaria possível o acesso ao ambiente físico, aos portais e endereços (sites) eletrônicos, aos processos seletivos, às práticas educativas, às comunicações e avaliações,
respondendo concretamente às diferentes formas de exclusão.
Conclusão
Ao final deste artigo, pode-se constatar que as conquistas e direitos das pessoas com
necessidades especiais, no contexto da Educação Superior, têm se ampliado. Embora esta seja uma perspectiva positiva, ainda se configura longe do ideal, pois existe a necessidade da ampliação desse debate para que outros segmentos sociais possam participar, dando sua contribuição.
Deve-se ressaltar, ainda, o importante papel que a atual gestão do Ministério da Educação tem desempenhado no caminho inclusivo, pois se sabe que não é tarefa fácil romper com um paradigma construído sobre uma cultura tradicional e historicamente preconceituosa, na qual o direito a uma educação de qualidade sempre foi de poucos.
Portanto, vivenciamos uma verdadeira transformação paradigmática que tem no seu bojo
a máxima: escola para todos. Isso nos autoriza a responder à indagação norteada pelo título deste trabalho, fazendo-nos acreditar que a inclusão no Ensino Superior é uma realidade que se consolida a cada dia.
Notas
1. Inclusão Linguística em Cenário de Atividades Educacionais
2. MEC - http://www.fomezero.gov.br/noticias/censo-constata-crescimento-das-matriculasde-
estudantes-com-deficiencia-em-classes-comuns/?searchterm=None Acesso em
12/11/2009.
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Fonte: Revista Sumaré da Faculdade Sumaré de São Paulo.
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