Silvânia Mendonça Almeida Margarida
Minha voz pode ser aquela
que silenciou. Aceitou todas as obtusões em nome do autismo, das diferenças
sociais, das necessidades especiais. Silenciar uma voz não é brincadeira não. É
revoltante por não ser ouvida nos meios acadêmicos, na educação inclusiva, nos
redutos de frequência diária, nos ambientes sociais. Falar do autismo incomoda,
burla, é chato e todos fingem não escutar. E está tudo bem. A “normalidade” que o diga. Os doutores da
Lei que promulguem e vigem suas normas kelsianas, positivadas. Tem até lei para
o autismo. Política nacional do autismo. Projeto de lei no. 1..631 de 2011. Será que vai sair do papel? Infelizmente, não posso pagar para ver.
Sou muito a favor de que realmente o Estado, AGORA, tenha entendido o que seja o princípio da
dignidade humana e coloque esta política em prática, mas sem cobrar tributos.
Explicar sobre o autismo, que é a diferença da diferença, explanar que
não é fácil interditar um filho autista também é chato. Extremamente caótico
para aquele que não quer acreditar, e, verdadeiramente, não se interessa. Quer
apenas fazer bonito frente aos palcos chaplianos. Fingir que todos escutam que
os Tempos são Modernos. O cinema e o
teatro são mudos e silentes como a minha voz. Todos mudos. E “nós, nós”, diriam, “somos os doutores da lei,
fingindo que entendemos o que é doença mental, deficiência mental, por que não
dizer, loucura? Nós
instruiremos vocês. Procurem nosso escritório e a curatela de seus filhos
ficará em $$$$$$”. “O melhor é a interdição para não prejudicar os
relativamente incapazes, os totalmente incapazes, diria o Código Civil de 2002”.
A exclusão não é a pior humilhação que pais de
autistas podem sofrer. A exclusão também vem de pessoas que não têm o direito
de se referir às doenças mentais, porque, na verdade, não conhecem nada,
nadinha de nada mesmo, não se interessaram, sempre excluíram e demandaram a
exclusão.
A pior exclusão é aquela que
vem silente, assinada num pedaço de papel, com o atestado “vocês, pais, não têm
direito a nada”, NÃO PROCUREM O ESTADO. E dizem: “seus filhos devem ser também interditados
na sua capacidade civil, pois vocês também são incapazes de cuidar dos seus
tutelados. Vocês não falam, não se melindram, não buscam alternativas. E, vocês,
pais, não prejudiquem seus filhos, não podem depreciar seus filhos especiais”.
Calem a boca!
Estudem primeiro sobre o
autismo e doenças mentais, estudem sobre as famílias dos incapacitantes, para depois
dar depoimentos, fazer discursos, etc. Mas com a autoridade de quem é humilde, de quem as sombras não
pairam sobre as dúvidas, com a autoridade de quem realmente é um Mestre.
Pois, como diria João Guimarães Rosa, mestre
não é aquele que ensina, mestre é aquele que de repente aprende.
Retirar todos os direitos de
uma pessoa com necessidades especiais são retirar todos os seus sonhos
familiares, por causa de um punhado de sal.
SIM, sal, mil vezes sim, sal,
salário, trabalho honesto, corpo a corpo, ombro a ombro, confidências a
confidências. Falar de interdição são para pessoas sensíveis, donas das
sutilezas da alma, sendo doutores da lei ou não.
Ora, quanta ironia!
Falar de sal(ário), ou seria erário? São
nos bastidores, nos palcos chaplianos da alma que todas as verdades espirituais
são ditas e interditadas.
Falar de interdição e
prejuízos aos incapazes também são nos palcos da vida. Mas bem à vista. E todos batem palmas. E mais palmas. E todos
eles ficam felizes e comentam: “todos deveriam saber sobre o Direito de Família”.
Todos deveriam, pelo menos, ler a Lei Maior, nos seus artigos 1º e 5º. que se
traduzem em direitos fundamentais. Os direitos fundamentais devem ser lidos e
revistos, sempre, frente à dignidade da pessoa humana.
A interdição do incapaz pode
também ser a interdição do autista para a vida, para a tentativa, a tentativa
de viver a sua vida civil, das almas dos
pais do autista que participam desta vida: busca do mercado de mercado de
trabalho, ações afirmativas, discriminações positivas e outros parâmetros
saudáveis de inclusão. A sociedade, assim como o Poder Público, são totalmente responsáveis por uma exclusão civil.
Para se falar em curatela,
em inclusão, em proteção de bens materiais, primeiro é necessário agir, mostrar
atitudes benéficas em favor do próximo, incluir o autista, incluir todos os
incapazes. E assim, quem julga que tem a autoridade para falar em interdição, deveria
rever seus processos passados e olhar nos seus autos e saber o que é exclusão e
as consequências funestas que ela traz. E quantas autoridades intelectuais
estão por aí, dentre professores, advogados, médicos, sociólogos, antropólogos,
administradores, empresários que falam em interdição e direitos dos doentes
mentais, sendo que na prática são os primeiros a excluir sumariamente.
Autistas são pérolas que são
colocadas no nosso caminho todos os dias. Devemos aproveitar a chance de ter a
convivência amigável, a sua interdição pode ser bem-vinda, mas sem exclusão,
sem mesquinharia, sempre com o pensamento de um rei: the king is not wrong. Como
sujeito de direitos, a pessoa com necessidade especial merece respeito e deve –
e pode – participar de uma inclusão social, que se pretende, cada vez mais,
ampla, geral e irrestrita.
Minha voz pode ser aquela
que silenciou. Aceitou todas as obtusões em nome do autismo, das diferenças
sociais, das necessidades especiais. Meu filho a u t i s t a está em processo de
interdição. O processo também corre silente, sem ser prolixo e bem ético. Muito ético.
Minha voz e a minha escrita
nunca se calarão frente aos melindres dos palcos holidianos. Frente às
autoridades que dizem tudo saber, fazem discursos, dão conselhos, mas na “hora do vamos ver” como diria
o povo da minha terra, pegam o óleo de peroba, se lustram e vão falar de sucessão,
prejuízos interditórios etc.
No entanto, nada sabem da
alma humana. Nada sabem do autista e suas reais necessidades. Negam a
conhecê-la. E, quando a conhecem, a refutam.
Hipócritas!
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