silvânia mendonça almeida margarida
Quem são os fritadores de bolinhos? Quem
são? Como se fritam bolinhos? Bolinhos de queijo, de carne, de mandioca,
tapioca, arroz, feijão, bacalhau, batata e carne. Bolinhos doces, gordura
quentinha, passar bolinho no açúcar e na canela. Há também os gostosos e famosos bolinhos de
chuva. Para tomar junto com café quentinho, feito na hora, chá que não seja
inglês, leite quente com chocolate ou suco de laranja. Bolinhos das mais
variadas espécies precisam de um fritador. Alguém não tinhoso, que tem o
conhecimento sobre o açúcar e o sal. Nem demais e nem de menos. Que saiba
enrolar bolinhos, passar no ovo, na farinha, na canela e saber a hora de jogá-los
na panela. Fritando e cantando, vão saindo bolinhos das mais variadas espécies
e sabores. Não é preciso fazer nenhum curso para se fritar bolinhos. Tem que
ter jeito e apreço. Bondade e vontade em oferecê-los. O cheiro vindo da
cozinha...Traz abiscoitado o jogo do chocolate com o gosto da felicidade...
Ninguém pensa em ir embora...vai para casa só ao anoitecer..
Ah...
Não se pode duvidar, na temperatura alta da fritura, ela crepita! E adolesce! E
gargalha! E depois cora... As mais arrogantes até se abrasam, permaneçam de
olho nelas. Então, do nada, um bolinho nasce! E logo depois vem
outro bolinho, e mais outro, e mais outro, e mais outro. É uma invasão de
bolinhos... Depois de tanto dançar, eles adquirem o estilo da escumadeira dadivosa
em direção a um repouso gostoso, o abraço acolhedor do papel toalha que deve
estar organizado no prato cor de mel, sobre uma travessa para aspirar todo o exagero
de óleo, naquele fechar delicioso dos olhos.Mas voltando ao assunto inicial, quem são os
fritadores de bolinhos? Somos todos nós, basta querer.Transportando
essa sabedoria para o cuidado com o autista, a minha experiência como gestora
de bolinhos da minha cozinha, do meu lar, me mostrou que crianças e
adolescentes autistas são sensíveis à fritura
dos bolinhos, sim. E gostam de bolinhos de chuva, de qualquer espécie. Gostam
de passar o açúcar e a canela, deliciando-se com cada novo sabor.
É
muito fácil explicar. Cada vez que um sorriso nasce no rosto sereno do autista
é um bolinho estralando na cozinha. E como se pode fazer o autista gargalhar,
crescer e corar como os gostosos bolinhos?Simples,
acreditando nele. Transmitindo-lhe confiança, amor e esperança.As
gargalhadas dos autistas-bolinhos não são sem causas aparentes, como dizem por
aí psicólogos e terapeutas. Médicos e psicólogos convivem meia hora por mês
com nossos filhos, dizem que autistas
riem sem ter motivo. Nossa, atravessam a vida falando tal bobagem.
Os
autistas-bolinhos têm apenas uma risada cristalina e envolvente. Envolvem-se
com a inocência, com a vida bem vivida, sem mistérios e sem segredos. Amam e
desejam serem notados, por isto saem por aí dando risadas e procurando sempre a
luminosidade (Sol ou Luz). A escola é o seu lugar. O seu logro para a
felicidade. E esta felicidade pode estar tanto na escola como no seu lar, na
sala ou na cozinha, bem longe do fogão é claro.
O autista tem sua própria forma de
ver o mundo e se expressa de uma maneira diferente. Só através de muito estudo
e contato direto e constante com os pais e com professores que também sabem dar
risadas inusitadas, sabendo controlar o seu potencial de zelo e investimento no
lazer e nas brincadeiras. Com certeza, os autistas participam e assim inicia-se o entendimento de como as
coisas funcionam.
E podem muito mais:•
Os autistas se desenvolvem melhor em instituições
educacionais especializadas, em que professores têm experiência com autismo;
•
Programas comportamentais podem reduzir a irritabilidade, os
acessos de agressividade, os medos e os rituais, assim como promover um
desenvolvimento mais apropriado;
•
Medicamentos que agem sobre o psiquismo não controlam os principais
sintomas do autismo e devem ser evitados.
Certa
vez, cheguei a uma escola para recitar com meu filho e a professora foi logo
dizendo que aluno autista não sabe ouvir, porque ele não gosta de poesia,
porque ele não gosta de nada. Para encurtar a ladainha, eu disse que mesmo
assim queria tentar e o resultado não poderia ter sido melhor. Essa é a receita
da verdadeira aprendizagem e da confiança em meu filho autista. A confiança nos
filhos dos meus amigos.Então,
além de ensinar o senso estético, as escolas e os professores precisam
urgentemente compreender que o autismo ajuda a construir uma pessoa. Graças ao
exercício de ler e recitar sobre o autismo, vencem-se medos mais remotos. O autismo ajuda
as pessoas a construir história, uma história todinha feita de palavra,
estereotipias e luzes.O que falta é gente
bem treinada para o exercício vital de mediar os ventos. Gente que se não
entrega aos deslumbramentos das primeiras descobertas,
algo como a poesia enseja nas pessoas. Algo como ir
para a cozinha e ver bolinhos
estralarem.
O
crescimento dos autistas-bolinhos é como algo transparente e bem vívido. Mesmo que a gente conheça todas as teorias, domine todas
as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, que seja apenas outra alma humana, nos dizeres de Carl Young.
“ Compreender uma crença
significa ter consciência de que algo
seja verdadeiro ou falso. Significa também a compreensão de que existem
crenças falsas, isto é compreender que alguém possa sustentar como verdade algo que não seja
verdade, que alguém possa estar errado,
acreditando que esteja certo. Aos quatro anos a criança começa a perceber que a
realidade contrasta com as aparências. Compreender a mente capaz de representações
equivale compreender que existem diversas maneiras de saber como..., de ver como..., de sentir como...,e também
de saber que..., de ver que..., de sentir que... “o sabor da vida, o saber da
escola, o crescer da alma”. Conviver com o autismo é saber que as crenças
existem, é ser capaz de compreender a
natureza do autismo e das pessoas que
não falam. É saber que as crenças residem nas pessoas quando gostam de bolinhos, E logo depois vem outro bolinho, vem uma nova
experiência com o autista, e mais outro, e mais outro, e mais outro. É uma
invasão de bolinhos... ou de autistas
que são capazes de ser felizes. Na vida tudo passa. Com o crescimento, as crianças autistas intuem que as pessoas se diferenciam
das coisas por possuírem uma mente. As suas orientações subjetivas organizam
seus preceitos e começam a perceber os familiares e os amigos. Continuam todo
este processo de conhecimento na escola e em espaços sociais.
Afinal, quem são os
fritadores de bolinhos para nós e para os autistas?São aqueles que os
amam de verdade, com alegria, com crescimento, corando a cada atitude sua. Na chuva e no sol, no pátio de um ambiente de
aprendizagem ou fora dele.
Afinal, o objetivo sempre é o mesmo. Somos formadores de opinião e de
alegria. Temos que acreditar que o cotidiano escolar é um espaço
significativo de formação para a alegria do autista. É importante que a estágio
pedagógico seja reflexivo, coligando os problemas para, em seguida, resolvê-los.
Acima de tudo, que seja uma prática coletiva, construída por grupos de
professores ou por todo o corpo docente de determinada escola que realmente
seja inclusiva e aceite o autista como aluno-aprendiz-pupilo. Sendo assim,
tem-se uma rica construção de conhecimentos em que todos se sentem responsáveis
por esta luta. Dessa forma, acreditamos que contribuições desse porte têm
grande valor para a discussão e prática da formação contínua, pois possibilita
formações que têm como aprendizado recursivo a ação-reflexão-ação enquanto linha
basilar direcionada para materializar um modelo construtivista de formação
profissional do educador e da aprendizagem do autista.Todos nós somos fritadores de bolinhos e de conhecimento,
quando se lida com o autismo.Não é no lar e na escola que existem cozinhas que fazem
bolinhos de chuva? É só fritar o
conhecimento pequenino daqueles que precisam tanto de nós. E vários bolinhos
surgirão para adoçar nossa sabedoria e nossa vida como pais de autistas. Basta
querer!
Bh, 16 de julho 2012.
Silvania querida,
ResponderExcluirAdorei a comparação...como os autistas, os bolinhos nas suas diversas formas e sabores, são simples e nos trazem grandes alegrias, pois a partir do nosso trabalho os vemos crescer, tomarem novos contornos que vão para além de uma simples mistura de ingredientes...os vemos se transformar naquilo que realmente são e para o que foram criados: para nos ensinar a construir, a crescer, a acreditar, a amar...por isso querida que continuemos na fritura dos nossos bolinhos, pois eles nutrem sobretudo nossa alma.bj grande
Obrigada pelo comentário Arlete. Beijo no Thiago. Felicidade sempre. Silvania
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