segunda-feira, 23 de julho de 2012

DIAGNÓSTICO / SUSPEITA PRECOCE DO AUTISMO INFANTIL


Médico do André Luís Rian em BH.

Dr. Walter Camargos Jr.
1. INTRODUÇÃO
Inicialmente acho interessante contextualizar o presente tema na minha trajetória profissional. No início da década de 90 eu me contentava com diagnósticos firmados aos 7 anos e no fim dessa década eu ficava feliz quando crianças de 4 anos chegavam para avaliação diagnóstica. Neste período eu trabalhei num hospital psiquiátrico infantil em Belo Horizonte e tive uma única oportunidade de atender um bebê com suspeita de autismo, que não aderiu aos tratamentos necessários. Desde o início da década de 90 trabalho em um hospital público de pediatria como consultor em psiquiatria infantil onde tive várias oportunidades de examinar a acompanhar bebês com sinais de autismo em gravidades diferentes. Essa questão produziu uma repercussão muito interessante entre os diversos profissionais do hospital sobre essa possibilidade / realidade ainda não revelada à eles. Isso me marcou muito pelo interesse e surpresa dos profissionais com essa possibilidade (suspeita de diagnóstico de autismo em bebês), e baseado na informação de FOMBONNE (2003), de que aproximadamente 60% das pessoas diagnosticadas como tendo autismo já apresentavam sinais quando bebês, decidir fazer um projeto de vídeo sobre esse tema. Esse vídeo foi editado em setembro/2009 e está no site da Fundação hospitalar do Estado de Minas Gerais disponível para os interessados.

2. AS EXIGÊNCIAS PARA QUEM EXAMINA BEBÊS
Pesquisando no pubmed com os descritores “infant e autistic disorder” (idade até 23 meses + espectro autista) com os seguintes limitadores: humanos, pesquisas clínicas, revisões, bebês de até 23 meses de idade, publicações dos últimos 5 anos encontrei 83 artigos, versus 68 para os descritores “infant e S. Down” com os mesmos limitadores. Isso me leva a pensar que pouco se sabe ainda sobre esse tema e o que parece é que muito pouco se sabe / estuda sobre bebês com transtornos do desenvolvimento.
É rizível pensar que os sinais e possivelmente os sintomas   do autismo em bebês seja diferente do que encontramos em pessoas de mais idade já que o transtorno é o mesmo. Então porque é tão difícil pensar / imaginar / identificar tais questões. A resposta está na inflexibilidade psíquica e clínica de quem examina o bebê já que espera encontrar o mesmo quadro que está acostumado a identificar nos de mais idade. Porém o bebê tem uma estrutura psíquica e física completamente diferente / imatura e é justamente  porisso que precisamos “fazer uma ajuste” dos sinais para essa estrutura que encontramos no bebê: ao invés de vermos um bebê correndo de um lado para outro veremos um bebê que não fica quieto no colo da mãe, dorme pouco de dia e de noite. Ao invés de encontrarmos as queixas obsessivas típicas: se mudar de caminho para ir na escola ele dá birra, encontraremos, se perguntarmos, afirmações do tipo: ele só aceita uma determinada posição para ficar no colo, ele tem um ritual para mamar, dormir, etc. Quando o examinador ajusta “seu olhar” para esse contexto do desenvolvimento a identificação dos sinais fica possível.
Outra flexibilidade que o examinador precisa desenvolver é a capacidade de identificar os sinais parciais e de menos consistência, e os intermitentes e infreqüentes ao invés de só valorizar a presença e/ou ausência dos sinais desviantes do padrão do desenvolvimento. Ou seja o examinador precisa modificar a formatação binária da lógica: sim / não, bonito / feio, preto / branco, etc. Essa qualidade vai propiciar ao examinador identificar as diversas gradações sintomáticas na população afetada por transtorno do desenvolvimento onde as respostas, normais, esperadas serão menos freqüentes, menos duradouras, ocorrem em situações selecionadas pelas crianças, e dependem de significativos esforços e estratégias por parte dos adultos, mesmo os pais.
Diante da freqüente exposição do conceito desenvolvimento, até agora, o leitor deve concluir que o Autismo Infantil é um transtorno do desenvolvimento, pela lógica médica atual. Isso quer dizer que qualquer pessoa afetada pelo autismo infantil terá atrasos no desenvolvimento, independente do nível de inteligência.
Outro item importante para o examinador é ter em mente que o autismo infantil é um transtorno do comportamento, um fenótipo comportamental, e que isso não está relacionado nem a uma causa orgânica nem uma causa psíquica específica. Assim sendo uma pessoa pode ser acometida de autismo mais outros diagnósticos médicos como S. Down, epilepsia, catarata, hipertensão arterial, etc.

3. QUADRO CLÍNICO DE BEBÊS QUE FORAM DIAGNOSTICADOS COMO AUTISTAS AOS 3 ANOS DE IDADE
Segundo YIRMYA e OZONOFF (2007), a história inicial do autismo infantil tem três possibilidades:
  • A criança apresenta um desenvolvimento normal e depois regride com a perda  das habilidades;
  • A criança já apresenta um atraso no desenvolvimento e regride;
  • A criança apresenta um atraso no desenvolvimento e evolui adquirindo habilidades de forma progressiva.
A evolução no formato de regressão plena é a mais falada nas entrevistas de
Famílias, assim como documentários e apresentada nos livros textos, mas lembrando Fombonne não é a mais freqüente. Essa informação equivocada pode ser secundária ao “enorme” tempo de latência entre o início dos sinais e o diagnóstico, causando modificação mnésica nos pais. Outra questão é que a percepção real só ocorre quando há experiência prévia do assunto (presença de filhos mais velhos e/ou trabalhar com bebês), quando o transtorno autista é muito importante fato que gera significativo atraso no desenvolvimento, quando ocorre  concomitância de outras doenças médicas e quando há atraso na linguagem (que é inegável no 3. ano de vida – aos 2 anos de idade). Outro fator que prejudica a percepção é o estado psíquico especial em que as mães ficam nas primeiras semanas / meses do puerpério em que tem dificuldades de articular as percepções pessoal e da dupla com o bebê com a razão. Retomando a afirmação de FOMBONNE (2003), de que tais sinais já estão presentes na maioria dos bebês (60% dos casos) que terão posteriormente o diagnóstico de autismo e conjugando-a com a informação de que não é comum a história de distócia de parto (problemas no parto) dessa população, podemos pensar que esse concepto / bebê / pessoa já “funcionava” como autista durante a gravidez, ou parte dela. Como também sabemos que o relacionamento diádico mãe-bebê-mãe-.... já ocorre durante a gravidez é também esperado que para uma mãe normal, isso (o isolamento do bebê / a falta de retorno de sua busca de interação com o bebê) seja um fator de estranheza e desequilíbrio psíquico, até um fator gerador de sintomas durante a gravidez.
Do ponto de vista prático, talvez o mais fácil para capacitar as pessoas a identificar sinais de risco seja a capacidade de perceber as características normais e mais comuns dos bebês, que não são encontrados de forma consistente nos bebês com suspeita de autismo:
  • Alegria;
  • curiosidade;
  • prazer no contato físico com outros – o aconchego;
  • busca pela “atenção” das outras pessoas;
  • busca pelo olhar das outras pessoas;
  • alternância alegria / irritação e acordado / dormindo.
Pelos critérios de diagnóstico médico atuais (Classificação Internacional de
Doenças 10 edição e o Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais., 4ª edição, respectivamente CID-10 e  DSM-IV) há necessidade da presença de sinais e sintomas em três áreas com início até os 36 meses. Mesmo diante de um quadro altamente suspeito, convencionou-se que o diagnóstico própriamente dito só seja realizado aos 36 meses. Até lá a criança deve ser qualificada como suspeita ou de risco. Esses critérios podem ser encontrados facilmente, razão pela qual não vou descrevê-los aqui, somente nomeando que há três domínios de prejuízo: interação social, comunicação e comportamento – restrito, repetitivo e estereotipado[4].
Como já falado a maioria dos sinais encontrados em pessoas de mais idade
também são encontrados em bebês e da mesma forma os transtornos da área de interação interpessoal são os mais importantes – nucleares. Os prejuízos responsáveis pela interação com a mãe e outra pessoa geram uma, enorme, cascata de incapacidades que são refletidos nas outras duas áreas como, por exemplo, o comprometimento da  comunicação verbal e não verbal.
O prejuízo dessa área já pode ser visto em nenês de dias através da forma mecânica e sem o namoro com a mãe ao mamar, sem a busca do olhar para a mãe nos diversos contatos de alimentação e higiene pessoal do bebê. É menos freqüente e consistente a busca da criança ao contato visual com a mãe e menos trocas comunicativas aos encontros com a mãe e outros. O aconchego físico pode ser rejeitado com a demonstração de sentir-se melhor no berço sozinho. Pode haver pouco sono noturno e diurno, e alterações na alimentação (muita ou não chorar para alimentar). O bebê pode não reagir a voz da mãe e de pessoas próximas, e também não reagir a um barulho próximo O bebê não reconhece o nome, fato comum a partir dos 6 meses, assim como não demonstrar alegria ao retorno da mãe. O levantar as mãos para ser retirado do berço e para pegar a mamadeira também pode inexistir  - a partir de 9 meses. Pode não demonstrar alegria com mudanças da mímica facial e corporal e nem emissão de sons às brincadeiras usuais de beijos, cócegas, música, etc. Por volta de um ano aoinda não aponta o que quer – comunicação protoimperativa e muito menos para partilhar interesses – comunicação protodeclarativa (mais importante). A fala expressiva também estará prejudicada e com 1 ano de idade ainda não falará palavras soltas. Outros sinais podem estar presentes, e estarão, com mais idade. O uso de questionários de triagem como o M-CHAT são muito importantes (vide anexo) e são feitos aos 18 meses. Os itens críticos que estão abaixo discriminados quando positivados exigem uma avaliação especializada pois há risco do quadro apresentado ser realmente autismo:
  • Interessa-se pelas outras crianças;
  • Aponta para mostrar algo de seu interesse;
  • Alguma vez lhe trouxe objetos (brinquedos) para lhe mostrar alguma coisa;
  • Imita o adulto (ex. faz uma careta e ela imita);
  • Responde/olha quando o(a) chamam pelo nome;
  • Se apontar para um brinquedo do outro lado da sala, a criança acompanha com o olhar.
Apesar disso o sinal mais fácil para todos, familiares e profissionais, é a resposta
ao nome. O não reconhecimento do som do nome representa uma falha na individuação da pessoa com tudo o que esse conceito significa.
Para os que tem muita intimidade com o assunto e com os critérios diagnósticos do DSM-IV, esse mesmo instrumento dito de baixa especificidade positiva na maioria dos quadros positivados pelo M-CHAT.
Interessante artigo de KLEINMAN ET AL (2008) mostra que aproximadamente 90% das crianças diagnosticadas como autista aos dois anos de idade mantêm tal diagnóstico posteriormente. YIRMYA E OZONOFF (2007) afirmam que as crianças diagnosticadas, com aproximadamente 2 anos, por Transtorno Invasivo do Desenvolvimento - SOE tem até  30% de chances de ter o diagnóstico modificado posteriormente. Tais artigos demonstram a importância / consistência do diagnóstico nesta idade.
Esse esforço visa buscarmos reverter a situação atual, tão claramente apresentada por SILVBERG (2003) que reporta que a latência média para o diagnóstico é de 1,8 meses para o autismo de baixo funcionamento[5] e de 5 anos para os afetados de alto funcionamento.

4. CONCLUSÃO
A suspeição da maioria dos quadros do atualmente denominado espectro autista pode ser realizada já nos primeiros meses na maioria dos casos. Como tais quadros são passíveis de melhoras clínicas significativas precisamos que essas informações circulem nos ambientes onde haja profissionais que atendem a clientela dessa idade, mesmo que sejam profissionais de outras áreas fora da saúde como creches, etc.
O conhecimento na área do Autismo Infantil também tem crescido muito em nosso Estado e País, mas muito caminho ainda há para ser percorrido e não podemos esquecer que essas pessoas com autismo são cidadãos brasileiros como nós!

[5] Autismo de baixo funcionamento é o termo utilizado para a associação de retardo mental profundo ou grave enquanto de alto funcionamento ou não há retardo mental ou é em grau leve

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