sábado, 28 de maio de 2011

A Afetividade e a capacidade simbólica no autismo

Leo Kanner, psiquiatra infantil, foi o primeiro a definir a síndrome do
autismo. Em 1943, publicou o artigo Autistic disturbances of affective contact,
traduzido como Os distúrbios autísticos do contato afetivo, onde descreveu casos
clínicos de onze crianças que tinham em comum um isolamento extremo desde o
início da vida e um desejo obsessivo pela preservação da rotina, denominando-as
de "autistas". Uma das características que mais chamou a atenção do psiquiatra
foi a incapacidade que essas crianças demonstravam em se relacionar
afetivamente e socialmente com outras pessoas. Hobson (2002) acredita que as
crianças diagnosticadas com autismo apresentam dificuldade em reconhecerem e
serem responsivas às emoções dos outros. Elas teriam falhas em demonstrar
reações empáticas às expressões e ações afetivas das outras pessoas devido à falta
de sensibilidade social. Além desta inabilidade em estabelecer conexões sócioafetivas
e da resistência excessiva a mudanças no meio ambiente, os autistas
observados por Kanner também apresentavam severas dificuldades em utilizar a
linguagem com o objetivo de se comunicarem.
Desde a primeira descrição clínica do autismo até os dias de hoje, para
uma criança receber o diagnóstico de transtorno do espectro autista ela deve
apresentar uma tríade de manifestações que correspondem a: prejuízos na
interação social; prejuízo na comunicação pré-verbal e verbal e, no jogo
simbólico, e; comportamentos e interesses restritos e repetitivos (Kanner, 1943;
CID-10, 1993; DSM-IV-TR, 2002). Esta tríade de manifestações foi identificada
no desenvolvimento das crianças estudadas por Kanner (1943) antes dos 30 meses
de idade. Na maioria dos casos, o diagnóstico do autismo é dado até os 3 anos de
idade quando, normalmente, a criança apresenta os sinais patológicos delimitados
pela tríade de manifestações. Por exemplo, estereotipias, dificuldades na atenção
conjunta e na comunicação verbal. No entanto, estudos atuais mostram que sinais
precoces do autismo podem ser observados em uma criança com idade abaixo de
2 anos, antes mesmo do surgimento da linguagem verbal. Estes sinais são
evidenciados quando as crianças apresentam dificuldades no compartilhar os
34
estados sócio-afetivos e no uso da comunicação pré-verbal, o que interfere
diretamente no desenvolvimento das capacidades de atenção conjunta, simbólica e
da vida imaginativa.
Identificar sinais precoces do autismo durante os 2 primeiros anos de vida
permite uma compreensão de como ocorre a trajetória do desenvolvimento das
fases da intersubjetividade primária e secundária das crianças que desenvolvem o
autismo. Provavelmente, a dificuldade destas crianças em estabelecer conexões
sócio-afetivas nestas fases iniciais do desenvolvimento conduz aos prejuízos na
emergência da capacidade de atenção conjunta e, consequentemente, na
capacidade do uso do símbolo.
Desde muito cedo, é possível identificar a dificuldade que a criança que
desenvolve o autismo tem em fazer trocas sócio-afetivas por meio das relações
intersubjetivas e em iniciar a comunicação através da atenção conjunta.
Dificilmente, uma criança autista dirige a atenção de outra pessoa para um objeto
ou evento com o objetivo de se comunicar. Além disso, estas crianças têm desvios
na aquisição dos aspectos convencionais e simbólicos da comunicação. As falhas
simbólicas abrangem uma desordem na aquisição dos gestos, das palavras, da
imitação e do jogo simbólico. A qualidade e a quantidade do uso de gestos são
muito limitadas. As crianças autistas quando querem se comunicar usam,
predominantemente, um contato gestual muito primitivo. Por exemplo, para
atingirem um objetivo desejado elas conduzem, puxam ou manipulam a mão de
outra pessoa até o objeto desejado. Há uma ausência do uso convencional dos
gestos declarativos como o mostrar e o apontar (Wetherby, 2006).
Neste capítulo, primeiramente, serão apresentados estudos que identificam
dificuldades características da fase da intersubjetividade primária da criança que
mais tarde foi diagnosticada com transtorno do espectro autista. Por exemplo, os
estudos realizados a partir de vídeos familiares encontram sinais indicativos de
risco de autismo antes mesmo dos 12 meses de idade (Adrien, Faure, Perrot,
Hameury, Garreau, Barthelemy & Sauvage, 1991; Adrien, Lenoir, Martineau,
Perrot, Hameury, Lamarde & Sauvage, 1993; Osterling & Dawson, 1994;
Baranek, 1999; Maestro, Casella, Milone, Muratori & Palácio-Espasa, 1999;
Werner, Dawson, Osterling & Dinno, 2000; Maestro, Muratori, Barbieri, Casella,
Cattaneo, Cavallaro, Cesari, Milone, Rizzo, Viglione, Stern, & Palácio-Espasa,
35
2001; Maestro, Muratori, Cavallaro, Pei, Stern, Golse & Palácio-Espasa, 2002;
Osterling, Dawson & Munson, 2002; Maestro, Muratori, Cavallaro, Pecini,
Cesari, Paziente, Apicella, Stern, Golse & Palácio-Espasa, 2005; Trevarthen &
Daniel, 2005; Murtori & Maestro, 2006). Em seguida, serão vistos estudos que
identificam dificuldades sócio-afetivas em crianças com transtorno do espectro
autista e suas conseqüências no desenvolvimento da fase da intersubjetividade
secundária, na atenção conjunta e na capacidade simbólica (Snow, Hertzig,
Shapiro, 1987; Yirmiya, Kasari, Sigman & Mundy, 1989; Dawson, Hill, Spencer,
Galpert & Watson, 1990; Kasari, Sigman, Mundy & Yirmiya, 1990; Sigman,
Kasari, Kwon & Yirmiya, 1992; Charman, Baron-Cohen, Swettenham, Cox,
Baird & Drew, 1997). Por fim, serão apresentadas as dificuldades que as crianças
autistas têm na capacidade simbólico e em fazer o uso adequado da linguagem
(Stone, Hoffman, Lewis & Ousley, 1994; Prizant, Schuler, Wetherby & Ryderll,
1997; Stone, Ousley, Yoder, Hogan, Hepburn, 1997; Wetherby, Prizant &
Hutchinson, 1998; Toth, Munson, Meltzoff & Dawson, 2006; Wetherby, 2006).
3.1
Dificuldades sócio-afetivas na fase da intersubjetividade primária
Os estudos de Hobson (2002) evidenciam que a qualidade do contato
interpessoal e das trocas emocionais das crianças autistas com outras pessoas não
existe ou é bastante ruim desde o nascimento. Sabe-se que esses dois fatores –
contato interpessoal e responsividade emocional – são fundamentais para a
formação do pensamento simbólico uma vez que o elemento mais importante das
relações interpessoais é a troca das experiências subjetivas de uma pessoa com as
experiências da outra. Parece que os prejuízos de comunicação no autismo têm
suas raízes na falta do engajamento social dessas crianças com os outros desde a
fase da intersubjetividade primária. Uma criança autista parece se relacionar com
uma pessoa como se ela fosse um objeto ou uma coisa. É nítido que falta a ela o
engajamento pessoa-a-pessoa. A criança dá pouca atenção à presença dos outros e
não se engaja social e afetivamente com eles. Quando solicitada a responder, o faz
brevemente sem deixar de lado a atenção dada ao objeto.
36
Greenspan (2006) diz que existem três problemas centrais ou primários, de
caráter afetivo, que caracterizam o autismo. As crianças autistas teriam
dificuldade em estabelecer proximidade com os pais, problemas em trocar gestos
emocionais de forma contínua e, prejuízos em usar palavras ou símbolos com
intenção emocional. As raízes dessas dificuldades podem ser percebidas desde o
nascimento. Entre 0-3 meses de vida, algumas crianças autistas falham em
sustentar a atenção aos sons e estímulos visuais. Entre 2 -5 meses, elas podem ter
falhas em se engajarem com os outros ou não mantêm o engajamento por muito
tempo. Aos 4-10 meses, não apresentam interações sociais com expressões
emocionais e/ ou gestos. Dos 10-18 meses, as crianças autistas são incapazes de
iniciar e sustentar as interações sociais com trocas de sinais emocionais
acarretando na dificuldade em se comunicarem simbolicamente através de atitudes
emocionais.
Maestro e colaboradores (2001) demonstraram que as crianças autistas
apresentam prejuízos na intersubjetividade primária devido às dificuldades em
compreenderem as reações, intenções e objetivos dos outros além de não
compreenderem os gestos comunicativos. Embora os autores acima falem sobre os
déficits sócio-emocionais na fase da intersubjetividade primária das crianças com
autismo, poucas pesquisas se direcionam à investigação das questões afetivas no
autismo. A pesquisa desenvolvida por Trevarthen & Daniel (2005) pode contribuir
para o entendimento de como as relações intersubjetivas ocorrem entre uma
criança com autismo e seu cuidador em comparação com uma criança com
desenvolvimento típico. Foram analisados, separadamente, os modelos de
interação entre o pai e suas filhas gêmeas, uma com TEA e a outra com DT, com
o objetivo de descrever os padrões de excitação emocional além de outros
aspectos. No entanto, existem muitas outras pesquisas que se preocuparam em
analisar os prejuízos sociais na fase da intersubjetividade primária de crianças que
receberam o diagnóstico de autismo. Estes estudos foram realizados através de
análises de vídeos familiares e serão apresentados a seguir.
As pesquisas realizadas através dos vídeos familiares realizados pelos pais
de crianças que mais tarde receberam o diagnóstico de Transtorno do Espectro
Autista (TEA) permitem o reconhecimento de sinais do autismo no primeiro ano
de vida. Estas filmagens são feitas pelos pais durante as situações do dia-a-dia e
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festas de aniversário antes mesmo que eles suspeitem da ocorrência de qualquer
desvio no desenvolvimento dos seus filhos. Portanto, as filmagens são de
situações espontâneas, sem rigor metodológico e/ ou científico.
No entanto, estes estudos permitem identificar déficits sociais indicativos
do autismo durante o primeiro ano de vida de uma criança que, posteriormente, é
diagnosticada com TEA. Geralmente, os médicos pediatras percebem a presença
de alguns marcadores clássicos do autismo somente a partir dos 18 meses de idade
quando a criança falha na capacidade de atenção compartilhada e nos
comportamentos que a acompanham, por exemplo, o gesto declarativo de mostrar
e apontar e a brincadeira de faz-de-conta. Nestes casos, algumas crianças são
encaminhadas para um programa direcionado à intervenção precoce com o
objetivo de reduzir o atraso no desenvolvimento. Porém, há muitas outras
situações nas quais os médicos esperam a manifestação dos comportamentos da
tríade que caracteriza o autismo e, dependendo do nível do desenvolvimento da
criança, o diagnóstico confiável só é dado por volta dos 2-3 anos de idade.
A importância de estudar e identificar os sinais precoces do autismo é
compreender como se manifestam os desvios do desenvolvimento inicial das
crianças autistas e, assim, promover procedimentos sistemáticos de intervenção
terapêutica precoce que visem a proteção e a prevenção de possíveis experiências
comprometedoras para saúde destas crianças e dos seus familiares. Os estudos
realizados a partir dos vídeos familiares têm demonstrado manifestações precoces
que dizem respeito aos prejuízos sócio-afetivos levando às dificuldades
intersubjetivas primárias.
Um dos primeiros estudos de análises de vídeos realizado por Adrien,
Faure, Perrot, Haumeury, Garreau, Barthelemy & Sauvage (1991), avaliou 12
crianças com idade entre 0-24 meses, sendo 9 diagnosticadas com TEA e 3 com
Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Atípico. As filmagens foram realizadas
pelos pais em situações de lanche, banho, Natal, férias, primeiros passos,
aniversário e outros momentos da vida da criança. O resultado deste estudo
possibilitou a identificação de sinais precoces do autismo manifestados desde o
nascimento até os 24 meses por comportamentos agrupados em 5 diferentes
categorias: desordens da interação social (tendência ao isolamento, falta do
contato ocular, falta de ajustamento postural, mau posicionamento da cabeça),
38
desordens emocionais (déficit nas expressões faciais, ausência de sorrisos,
ansiedade diante de novas situações, maior labilidade emocional),
comportamentos visuais e auditivos (olhar: raro ou tenso/triste/rígido, audição:
lenta ou reação atrasada, hipo ou hiper reação), desordens do tônus e
comportamento motor (hipotonia, agitação das mãos, ausência de movimentos de
proteção) e, comportamentos atípicos (auto-estimulação, comportamento
obsessivo, comportamento estereotipado).
Em outro estudo mais detalhado Adrien, Lenoir, Martineau, Perrot,
Hameury, Lamarde & Sauvage (1993) compararam vídeos de 12 crianças com
TEA e 12 com Desenvolvimento Típico (DT), com idade entre 0-24 meses. Tanto
neste estudo quanto no estudo anteriormente citado, a análise dos vídeos foi feita
com base na escala de avaliação francesa ERC-N. Esta escala consiste em avaliar
33 itens que se agrupam em 6 categorias distintas: socialização, comunicação,
adaptação ao meio ambiente, tato-tonus-mobilidade, reações emocionais e
instintivas e, atenção e percepção. A análise deste estudo demonstrou que entre 0-
12 meses de idade foi possível identificar cinco comportamentos que
diferenciaram as crianças autistas das com DT: interação social empobrecida, falta
de sorriso social, falta de expressões faciais adequadas, hipotonia, atenção
instável/ distração fácil.
Baranek (1999) em sua análise retrospectiva de vídeos familiares
investigou se as funções sensório-motoras iniciais em combinação com sinais
sociais demonstrariam a existência de marcadores precoces do autismo no
desenvolvimento. Neste estudo, foram incluídos três grupos de crianças entre 9-12
meses: 11 crianças com TEA, 10 com Atraso no Desenvolvimento (AD) e, 11
crianças com DT. O estudo confirmou que as medidas das funções sensóriomotoras
em combinação com os indicadores da responsividade social são
marcadores potenciais do desenvolvimento precoce do autismo durante a primeira
infância. Inúmeros déficits sensório-motores, mesmo que sutis, foram encontrados
de forma saliente entre a idade de 9-12 meses nas crianças que mais tarde foram
diagnosticadas com autismo. A manifestação de nove categorias discriminaram os
3 grupos de crianças: orientação visual pobre, maior número de estímulos para
responder ao nome, maior freqüência de objetos na boca, aversão ao toque social,
brincadeira estereotipada com objeto, postura inadequada de partes do corpo,
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olhar pouco para a câmera, fixação visual em objetos, poucas expressões afetivas.
Das nove categorias, quatro discriminaram as crianças autistas dos outros 2
grupos: orientação visual pobre, maior número de estímulos para responder ao
nome, maior freqüência de objetos na boca, aversão ao toque social.
Outro estudo de vídeo familiar comparou 15 crianças com TEA e 15
crianças com DT na tentativa de caracterizar crianças com TEA, antes de 1 ano de
idade. Os pesquisadores Werner, Dawson, Osterling & Dinno (2000) levantaram a
hipótese de que haveria a evidência de prejuízos no desenvolvimento das crianças,
mais tarde diagnosticadas com autismo, nos domínios da atenção social e na
responsividade afetiva. O resultado detectou diferenças no desenvolvimento das
crianças aos 8-10 meses de idade. O achado mais relevante é que as crianças com
TEA se orientavam muito menos aos outros quando chamadas pelo nome. Além
disso, o estudo demonstrou que as crianças com TEA parecem olhar menos para
outras pessoas enquanto sorriem. Dawson e Ostereling (1994), num estudo
anterior, também detectaram a falha no comportamento de orientação para o nome
quando chamado por outro. Osterling, Dawson & Munson (2002), analisaram
vídeos do aniversário do primeiro ano de 20 crianças TEA, 14 crianças com
Retardo Mental (RM) e 20 crianças com DT. O estudo mostrou que crianças com
TEA podem ser distinguidas das crianças com DT e das com RM logo no
primeiro ano de vida. Isto porque as crianças com TEA olharam menos para os
outros e responderam menos ao serem chamadas pelo nome do que aquelas com
RM. Estes estudos demonstraram que as crianças autistas se diferenciam das
outras crianças com algum comprometimento no desenvolvimento uma vez que as
primeiras apresentaram comportamentos e respostas pouco sociais. Mesmo que
estes estudos não tenham pesquisado as habilidades afetivas das crianças autistas,
supõe-se que os prejuízos nos comportamentos sociais se manifestam devido à
falta de conexão e responsividade emocional.
Com o objetivo de elucidar os sintomas precoces dos Transtornos
Invasivos do Desenvolvimento, Maestro, Casella, Milone, Muratori & Palacio-
Espasa (1999) percorreram o caminho do desenvolvimento das competências
sociais, emocionais e cognitivas de 16 crianças autistas e de 10 crianças
diagnosticadas com Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra
Especificação. Foi realizada a análise dos vídeos familiares destas crianças,
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dividida em 5 fases do desenvolvimento de acordo com as idades de 0-6 meses, 6-
12 meses, 12-18 meses, 18-24 meses, 24-36 meses, além da aplicação da escala
ERC-A-III, uma escala para reconhecimento de sintomas precoces do autismo.
Foi observado que, a partir dos 3 meses, há uma diminuição do tom afetivo e de
expressões de alegria, ocorrendo uma indiferença progressiva nas interações
afetivas entre os pais e a criança. Na maioria das seqüências de interação foi
intrigante a aparente habilidade que os adultos têm em tolerar o isolamento social
da criança e a falta de interesse dos pais em compartilhar quaisquer emoções com
a criança. Este comportamento sugere fazer parte de um processo interativo que
pode ser observado precocemente na interação pais e bebê que mais tarde é
diagnosticado com TEA. Além disso, o estudo demonstrou 2 tipos de sinais
precoces em crianças autistas aos 12 meses de idade: dificuldades em se
comunicarem através dos gestos, na imitação e emissões vocais e/ ou verbais
estereotipadas.
Em outro estudo realizado por Maestro, Muratori, Barbieri, Casella,
Cattaneo, Cavallaro, Cesari, Milone, Rizzo, Viglione, Stern, Palácio-Espasa
(2001), os vídeos familiares de 15 crianças com TEA e 15 crianças com DT,
analisados de acordo com 4 estágios do desenvolvimento, 0-6 meses, 6-12 meses,
12-18 meses e, 18-24 meses, foram avaliados de acordo com 3 áreas distintas:
competência social, intersubjetividade e atividade simbólica. Foram encontradas
diferenças significativas entre os 2 grupos. No período de 0-6 meses, as diferenças
se manifestaram na área da intersubjetividade. As crianças autistas apresentaram
dificuldades em compreender as reações/ intenções/ objetivos dos outros e em
compreender o gesto de seguir apontar. No período seguinte, de 6-12 meses, as
dificuldades na área da intersubjetividade também estavam presentes no
desenvolvimento das crianças com TEA, principalmente no desenvolvimento de
gestos comunicativos como o declarativo. Este resultado pode justificar o prejuízo
observado na área da atividade simbólica aparente no desenvolvimento da criança
com TEA na faixa de 18-24 meses. Assim, os pesquisadores acreditam que as
crianças autistas apresentam, primeiramente, dificuldades intersubjetivas que
acarretam os prejuízos simbólicos.
Avaliando a qualidade da atenção através dos vídeos de crianças com TEA
e crianças com DT com idade até 6 meses, Maestro, Muratori, Cavallaro, Pei,
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Stern, Golse, Palácio-Espasa (2002), demonstraram diferenças significativas entre
os 2 grupos. As dificuldades nos comportamentos referentes à orientação e
interesse aos outros confirmaram o fato de que as crianças com TEA preferem se
orientar para estímulos não-sociais. O déficit precoce específico para orientação
da atenção em direção a estímulos sociais pode interferir na expressão da
intersubjetividade primária e, consequentemente, a intersubjetividade secundária
não segue os padrões típicos do desenvolvimento. O estudo sugere que o déficit
na atenção social prejudica diretamente a capacidade do relacionar-se
intersubjetivo nas crianças pequenas que desenvolvem o autismo. Estes resultados
também estão presentes em outra pesquisa desenvolvida por Maestro, Muratori,
Cavallaro, Peini, Cesari, Paziente, Apicella, Stern, Golse, Palácio-Espasa (2005).
Ao comparar o desenvolvimento de comportamentos referentes à atenção social
em crianças com TEA e crianças com DT, nos estágios entre 0-6 meses (T1) e 7-
12 meses (T2), o estudo mostrou que em T1 as crianças com TEA apresentaram
com maior freqüência comportamentos direcionados a estímulos não-sociais do
que as crianças DT. Em T2, ambos os grupos de crianças apresentaram mais
comportamentos direcionados a estímulos não-sociais. Sendo que em T2 as
crianças autistas estavam significativamente mais atraídas pelos objetos do que as
crianças normais. O achado de que há uma diminuição do interesse aos estímulos
sociais a partir dos 6 meses nas crianças típicas explicaria que o interesse por
objetos estaria diretamente relacionado ao surgimento da capacidade de atenção
conjunta. Como descrito por Trevarthen (2001), até metade do primeiro ano de
vida, os bebês estão muito interessados e conectados com suas mães. Por volta
dos seis meses, surge maior interesse pelos objetos e, a criança começa a
apresentar a habilidade de coordenação da atenção e interesse por pessoas e
objetos. Esta habilidade é o que possibilita o desenvolvimento da capacidade da
atenção conjunta. O déficit precoce nas habilidades de atenção social manifestado
no primeiro semestre de vida das crianças que mais tarde são diagnosticadas com
autismo pode dificultar o surgimento da capacidade de atenção conjunta. Esta
capacidade, portanto, poderia ser considerada como um “poscursor” de processos
psicológicos precoces (Maestro e colaboradores, 2005).
As pesquisas apresentadas até o momento se preocuparam em determinar
os comportamentos que estão prejudicados ou ausentes no desenvolvimento das
42
crianças autistas. Mesmo que os estudos não demonstrem claramente os efeitos
destes prejuízos no processo do relacionar-se interpessoal, os resultados
encontrados são fundamentais para gerar questionamentos a respeito de como
promover programas de intervenção ou pesquisas direcionados à elucidação de
comportamentos sócio-afetivos. Muratori & Maestro (2006) sugerem que os
estudos sobre as dificuldades precoces na intersubjetividade e nos
comportamentos sociais das crianças com TEA ajudam a entender a manifestação
posterior da tríade de prejuízos que caracteriza o autismo. No entanto, há a
necessidade de realizar estudos qualitativos direcionados ao entendimento do
primeiro ano de vida destas crianças uma vez que o autismo afeta a maneira como
elas reagem tanto ao contexto físico, dos objetos quanto ao interpessoal, o
contexto social. Deve-se lembrar que o autismo engloba um espectro de condições
as quais interferem no desenvolvimento do relacionar-se intersubjetivo e de ações.
Isso significa falar sobre a importância de investigar estudos que abordem
questões sobre as relações diádicas mãe-bebê. O estudo que será apresentado a
seguir revela a necessidade de buscar categorias de comportamentos interativos ou
categorias de relação ao investigar precocemente o autismo. Quando se faz
referência sobre categorias de relação leva-se em consideração os aspectos sócioafetivos
que contribuem para o funcionamento de um processo interativo
dinâmico.
O estudo de Trevarthen & Daniel (2005) trouxe grandes contribuições
sobre o entendimento de como as relações intersubjetivas se diferenciam entre
uma criança com TEA e uma criança com DT. Nesta pesquisa, foi realizada uma
análise dos vídeos familiares de gêmeas monozigóticas quando tinham 11 meses
de vida. A gêmea A teve o diagnóstico de autismo aos 18 meses de idade
enquanto a gêmea B apresentou desenvolvimento normal. As situações analisadas
correspondiam a interações face-a-face de cada uma das gêmeas com o pai. O
objetivo era descobrir se os comportamentos das gêmeas e do pai em cada díade
poderiam ser diferentes, além do foco na descrição de padrões sincronizados e
coerentes de excitação emocional entre os parceiros. Os modelos de interação
foram categorizados em comportamentos interativos definidos para identificar o
tempo de ocorrência dos estados funcionais de alerta, orientação entre os
parceiros, expressões comunicativas, emoção, contato físico e tensão postural. O
43
tempo no qual ocorreram os comportamentos foi comparado de acordo com o
‘ciclo de interação’ ou ‘ciclo narrativo’ considerando as fases ‘iniciação’,
‘orientação’, ‘ aceleração’, ‘pico de excitação’ e ‘desaceleração’.
Os achados revelaram a presença de modelos de regulação mútua na
interação diádica entre o pai e a gêmea B. Os ciclos das brincadeiras mostraram
regulação temporal coerente, sendo que pai e filha se revezam em deixas
sincrônicas e alternadas. A interação diádica que envolveu a gêmea A não
apresentou nenhuma forma rítmica organizada por regulação mútua. A gêmea B
demonstrou sinais de regulação recíproca na brincadeira com o pai através de
ciclos de atenção, antecipação, troca de estímulos emocionais e de expressões de
satisfação e irritação. Cada comportamento de excitação do pai é marcado por um
comportamento antecipatório da gêmea B. Essa antecipação ocorre via a
comunicação de estados emocionais e promove a regulação mútua. Em contraste,
a gêmea A não demonstrou sinais de antecipação com níveis de estimulação
emocional na interação com o pai. A gêmea autista apresentou pouco contato
ocular, ausência total de regulação mútua, engajamento não coerente de atenção
mútua, ausência de antecipação e, nenhuma emoção nas fases de troca
intersubjetiva. A interação diádica com a gêmea A foi caracterizada por longos
períodos de falta de trocas de experiências quebradas momentaneamente por
expressões de prazer. Estas expressões foram interpretadas como respostas à
estimulações físicas provocadas pelas ações do pai. Seus sorrisos e gargalhadas
eram curtos, parecidos como reações reflexas e, não monitoravam as expressões
dos pais.
Portanto, para a gêmea com autismo as seqüências não funcionavam como
modelos de interação com reciprocidade mútua. E, para a gêmea com DT, as
seqüências eram prazerosas, sincrônicas, com ciclos de expressões recíprocas,
sociais e, funcionavam como eventos intersubjetivos através do compartilhar as
intenções. O estilo de interação do pai se modificava de acordo com a gêmea com
quem interagia. Nas tentativas de se engajar com a gêmea autista, ele não recebeu
reforços para elementos interpessoais relativos ao seu comportamento como
acontecia com a gêmea com DT.
44
Como estas dificuldades sócio-afetivas se manifestam nas fases seguintes
do desenvolvimento das crianças com autismo? Através dos estudos relatados
acima
supõe-se que o desenvolvimento da intersubjetividade secundária estará
bastante comprometido na criança com autismo. A seguir, serão apresentadas
pesquisas que buscam identificar como as trocas afetivas ocorrem nos contextos
de atenção conjunta no caso do autismo e suas implicações para o prejuízo na
capacidade simbólica.
3.2
Dificuldades sócio-afetivas na fase da intersubjetividade secundária
As crianças autistas parecem não demonstrar a capacidade de serem
responsivas aos estados subjetivos dos outros desde a fase da intersubjetividade
primária. Estes déficits sócio-afetivos também se manifestam na fase da
intersubjetividade secundária e parecem desencadear os prejuízos nas habilidades
da atenção conjunta.
No desenvolvimento normal, as habilidades de compartilhar estados sócioafetivos
e a capacidade da atenção conjunta se desenvolvem durante os primeiros
2 anos de vida e estão relacionadas. A emergência dos comportamentos da
capacidade de atenção conjunta se sucede a partir das fases anteriores do
desenvolvimento. As interações diádicas caracterizadas pelas protoconversas,
relações face-a-face entre mãe e bebê, funcionam como precursoras dos
comportamentos comunicativos característicos da atenção conjunta. Como visto
no capítulo anterior, estas fases anteriores do desenvolvimento ocorrem através e
são permeadas por trocas de experiências afetivas e pela regulação da atenção
mútua entre a mãe e o bebê (Trevarthen, 2001). O processo da capacidade da
atenção conjunta se desenvolve porque os cuidadores acompanham o interesse da
criança que se direciona ao objeto. Esse processo se expande e a criança se torna
capaz de coordenar o olhar entre o seu foco de atenção/ objeto, o adulto e de volta
para o objeto, usando gestos de mostrar e apontar. O salto no desenvolvimento das
interações diádicas para as interações triádicas deve envolver um processo
contínuo da regulação da atenção e das trocas afetivas para que os objetos possam
45
ser incluídos nas atividades e brincadeiras. Uma das funções das atividades de
atenção conjunta é para que criança e adulto troquem e compartilhem experiências
a respeito de um objeto ou evento. O processo de referenciação social descrito por
Hobson (1993b) demonstra justamente a habilidade da criança em olhar para o
adulto diante de uma situação desconhecida e usar informações afetivas para guiar
seu comportamento. É através das conexões intersubjetivas, permeadas por trocas
sócio-comunicativas e experiências emocionais, que ocorre o desenvolvimento da
capacidade simbólica.
No caso do autismo, este percurso do desenvolvimento não ocorre como
descrito acima. O maior marcador da síndrome do autismo é a manifestação da
dificuldade nos comportamentos da capacidade da atenção conjunta. Esta
dificuldade é demonstrada principalmente pela falta do uso do gesto declarativo
de mostrar e apontar. Além disto, os déficits nos comportamentos comunicativos
pré-simbólicos/ sócio-afetivos das crianças com TEA se manifestam por: não
apresentarem comportamentos como o olhar social, demonstrarem prejuízos nas
atividades de prestar atenção ao outro, de seguir o apontar, de apresentar um olhar
referencial, de alternar o olhar, não se dirigirem às outras crianças e/ ou pessoas
desconhecidas, falharem na habilidade de imitar ações simples de outra pessoa,
não serem responsivas quando solicitadas a se engajarem nos jogos simbólicos e,
apresentarem dificuldades na comunicação simbólica (Hobson, 2002; Tomasello,
2003). Parece que os prejuízos de comunicação no autismo têm suas raízes na
falta da conexão interpessoal com os outros. A seguir, Kanner (1943) descreve
uma situação na qual Frederick, uma criança autista de seis anos de idade espera
pelo atendimento clínico.
“Ele foi levado ao consultório psiquiátrico pela babá que, logo em seguida,
deixou a sala. Sua expressão facial era tensa, de alguma maneira apreensiva e,
deu a impressão de inteligência. Ele vagou, sem direção, pela sala por alguns
minutos sem demonstrar sinais de consciência dos três adultos que estavam
presentes. Então, ele se sentou no sofá emitindo sons ininteligíveis e, depois se
deitou abruptamente demonstrando um sorriso sonhador... Os objetos o
absorviam facilmente e ele mostrou boa atenção e perseverança em brincar com
eles. Ele parecia considerar as pessoas invasivas e como se não fossem bemvindas,
às quais ele demonstrava pouca atenção. Quando forçado a responder, ele
o fazia brevemente e retornava à sua absorção nas coisas. Quando uma mão era
estendida diante dele, de maneira que ele não pudesse ignorá-la, ele brincava com
a mão como se fosse um objeto” (p. 224, trad.livre)
46
As dificuldades sócio-afetivas das crianças com TEA são bastante severas
e persistentes no desenvolvimento de tal modo a serem percebidas claramente na
fase da intersubjetividade secundária. A seguir serão apresentadas pesquisas que
buscam o entendimento de como as crianças autistas demonstram a afetividade
durante diversas atividades, situações interativas características da atenção
conjunta.
Em uma pesquisa realizada por Snow, Hertzig & Shapiro (1987) foram
filmadas 10 crianças com TEA e 10 crianças com AD com idade entre 2 anos e ½
e 4 anos, em sessões livres de interação social com suas mães, com um psiquiatra
infantil desconhecido da criança e, com uma professora da escola. O objetivo era
de examinar se a freqüência das expressões afetivas das crianças autistas quando
interagiam espontaneamente com cada parceiro se diferenciavam das crianças
com AD, se essa freqüência variava de acordo com quem a criança interagia e,
como era a relação da expressão afetiva com o contexto interativo. Os
comportamentos afetivos analisados foram: sorriso, gargalhada, grito positivo,
franzir a sobrancelha, choro, grito negativo. Além da análise da freqüência destes
comportamentos, eles também foram categorizados de acordo com o contexto
imediato nos quais ocorriam. Foram usadas as categorias: casual/ não-relacionado,
quando não tinham relação com o ambiente físico e social; solitário/ relacionado à
brincadeira, quando era contingente com a brincadeira independente da criança e,
relacionado ao parceiro, quando ocorria durante a interação com o parceiro. Só
foram codificados os intervalos de tempo que ocorriam por 15 segundos nos quais
a face da criança era totalmente visível. Os resultados mostraram que as crianças
autistas apresentam déficits específicos em se expressarem afetivamente. Parece
que estes déficits não correspondem simplesmente a uma imaturidade no
desenvolvimento uma vez que as crianças autistas se diferenciaram
significativamente quando comparadas com o grupo de crianças com AD. As
crianças com TEA apresentaram menos da metade dos escores nos afetos
positivos do que as crianças com AD. Quando os autistas sorriam ou davam
gargalhadas era de uma forma casual, como se fosse para si mesmo, sem estar
relacionado à interação social. Enquanto que as crianças com AD quase nunca
apresentaram o sorriso casual, demonstrando afeto positivo em 97% do tempo das
interações sociais. Embora a diferença da ocorrência dos afetos positivos entre os
47
2 grupos seja notável, é importante pontuar que não é o caso de que as crianças
com TEA são caracterizadas por parecerem afetivamente esvaziados ou que os
afetos por elas expressados são inapropriados e sem relação com o contexto
interpessoal. As crianças autistas deste estudo, ocasionalmente apresentaram
episódios de sorriso e gargalhada relacionados com o comportamento dos seus
parceiros. Em ambos os grupos, raramente ocorreram afetos negativos e, não
houve diferenças de freqüência entre eles que pudesse ser considerada como
significativa. As crianças autistas se diferenciaram do outro grupo pela maneira
como elas se expressavam negativamente diante os 3 parceiros sociais. As
crianças autistas eram significativamente mais negativas com o parceiro
desconhecido. Se este comportamento está relacionado com a atitude deste
parceiro ou pelo fato dele não ser familiar à criança não se sabe. No entanto, é
notável que a criança autista é capaz de distinguir os parceiros de uma maneira
que se manifestam diferentes reações emocionais. Os dados deste estudo sugerem
que as crianças TEA apresentam um prejuízo na expressão espontânea e natural
dos afetos quando estão em situações de interação interpessoal.
Yirmiya, Kasari, Sigman & Mundy (1989) examinaram as expressões
faciais de 18 crianças com TEA, 18 crianças com RM e 18 crianças com DT em
situações de interação social semi-estruturadas. As crianças autistas e as com
retardo mental tinham em média 4 anos e, as crianças com desenvolvimento típico
tinham em média 22 meses. As expressões faciais dos afetos foram analisadas a
partir das filmagens das crianças em interação com um experimentador que
avaliava as habilidades comunicativas pré-lingüísticas das crianças em questão.
Foram apresentados às crianças brinquedos, jogos sociais e atividades de troca de
turno, além de o experimentador apontar para pôsteres pendurados na parede e
solicitar pedidos às crianças. Esses procedimentos fazem parte de uma escala de
acesso à comunicação social inicial, o Early Social Communication Scale (ESCS).
Os afetos foram codificados através do sistema de codificação máxima e
discriminativa do movimento, o Maximally Discriminative Movement Coding
System. Os resultados indicaram que as crianças autistas apresentaram mais
expressões faciais neutras/ esvaziadas do que as crianças com RM. Além disso, as
crianças com TEA demonstraram uma variedade de expressões afetivas ambíguas
que não foram observadas em nenhum dos outros 2 grupos de crianças. Este
48
padrão de comportamento pode estar relacionado com as dificuldades que as
crianças com TEA têm em compartilhar o afeto e/ ou com a dificuldade que os
outro têm em compreender os sinais afetivos destas crianças. Além dos autistas
apresentarem um padrão único de expressão afetiva, parece que eles apresentaram
uma forma única de prestar atenção e interpretar os estímulos afetivos comparados
aos outros sujeitos.
Kasari, Sigman, Mundy & Yirmiya (1990) realizaram uma pesquisa mais
detalhada na qual foi examinado a associação do compartilhar afetos positivos
durante dois contextos comunicativos diferentes: atenção conjunta e situações de
pedido/solicitação. Foram filmadas 18 crianças com TEA, 18 crianças com DT e
18 crianças com RM, com idade entre 3 e 6 anos, em situações semi-estruturadas
de interação com um experimentador. Os procedimentos utilizados para eliciar os
comportamentos comunicativos não-verbais e a análise da atenção e das
expressões faciais das crianças se comparam com a metodologia usada na
pesquisa apresentada anteriormente realizada por Yirmiya e colaboradores (1989).
No entanto, Kasari e colaboradores (1990) tinham o objetivo de determinar se os
comportamentos da atenção conjunta estavam associados com tipos específicos de
manifestações afetivas. Foram comparadas as manifestações afetivas durante as
situações de atenção conjunta das manifestações afetivas durante as situações de
pedido/solicitação. Outro objetivo da pesquisa era determinar se os tipos de afetos
manifestados pelos grupos de crianças eram diferentes nas situações de atenção
conjunta. Se tais diferenças fossem encontradas, seria confirmada a hipótese de
que os déficits das crianças autistas nas habilidades da atenção conjunta estão
associados com os distúrbios afetivos por elas apresentados. Os resultados deste
estudo fornecem a informação da relação e integração que existe entre as
expressões afetivas e os contextos específicos de comunicação. As crianças típicas
quando estavam na presença de brinquedos e de adultos desconhecidos pareciam
compartilhar mais afetos positivos com o adulto quando este indicava o interesse
em compartilhar as experiências do evento ou do brinquedo – atenção conjunta –
do que quando eram solicitadas a ajudá-los com os brinquedos. Quando
comparadas com as crianças típicas, as crianças com TEA apresentaram menores
níveis de afetos positivos durante as cenas de atenção conjunta enquanto que as
crianças com RM apresentaram maiores níveis de afetos positivos durante as
49
situações de pedido e situações de atenção conjunta. Estes resultados confirmam a
hipótese de que os déficits na atenção conjunta das crianças autistas estão
associados com seus prejuízos na capacidade de compartilhar estados afetivos.
Na pesquisa desenvolvida por Dawson, Hill, Spencer, Galpert & Watson
(1990), foi examinado o comportamento social, o afeto e o uso do olhar de 16
crianças autistas e 16 crianças com DT com idade entre 2 anos e 1/2 e 5-6 anos.
Todas as crianças foram filmadas em 3 situações diferentes de interações naturais
com suas mães: durante uma brincadeira livre, uma situação mais estruturada com
demandas comunicativas e, interações face-a-face durante o lanche. O objetivo era
explorar o uso comunicativo do afeto e o uso do contato ocular manifestados pelos
2 grupos de crianças quando estavam em interação com suas mães. Houve o
interesse em saber se as crianças autistas interagiam por menos tempo com suas
mães do que as crianças normais, se a quantidade do tempo de interação variava
de acordo com o contexto interativo e, se as crianças autistas faziam menos
contato ocular com suas mães do que as crianças típicas, além de investigar se o
contato ocular seria afetado pelo contexto comunicativo ou não. A hipótese era
que as crianças com TEA iriam falhar na combinação do uso do contato ocular
mais uma demonstração afetiva. Esta categoria afetiva foi estabelecida com base
na maneira como uma criança típica faz quando alguém se comunica afetivamente
com ela. Uma criança com DT, na maioria das vezes, responde ao comportamento
afetivo de outra pessoa através do contato ocular além de outra expressão afetiva
como, por exemplo, sorrir ou franzir a sobrancelha. Haveria uma diferença
qualitativa na manifestação dos afetos apresentados pelos 2 grupos de crianças em
questão. Outra diferença qualitativa hipotetizada por este estudo foi que as
crianças autistas iriam sorrir menos aos estímulos sociais e aos sorrisos de suas
mães do que as crianças normais. Os resultados demonstraram que durante as 3
situações não houve diferença na freqüência ou na duração do contato ocular à
face da mãe. Durante as interações face-a-face, quando as expressões faciais de
sorrir e franzir a testa foram codificadas, também não houve diferença entre os 2
grupos de crianças no que diz respeito à freqüência ou duração destas expressões.
No entanto, as crianças com TEA combinaram menos as expressões faciais com o
contato ocular do que as crianças com DT. Estes resultados sugerem que o uso
anormal do contato ocular e das expressões emocionais, comumente observado
50
nas crianças típicas, não é de natureza quantitativa. Ao contrário, esta
anormalidade parece ser de natureza qualitativa: frequentemente, as crianças
autistas falham na combinação da expressão emocional com o contato ocular para
representar um simples ato de comunicar intenções. As crianças autistas
expressaram emoções tão frequentemente quanto às crianças típicas, só que elas
não conseguiram comunicar suas emoções aos outros. Além destes achados, a
pesquisa demonstrou que não houve diferença na percentagem de sorrisos
direcionados a eventos sociais versus não-sociais entre as crianças autistas e as
típicas. No entanto, quando foram examinadas as respostas das crianças autistas
aos sorrisos de suas mães ficou evidente que elas sorriam muito menos em
resposta ao sorriso das mães do que as crianças com DT. Finalmente, foi
encontrado que as mães das crianças autistas apresentaram menos sorrisos e
sorriam muito menos em resposta aos sorrisos de seus filhos quando comparadas
às mães das crianças típicas. Estes resultados sugerem que o comportamento
afetivo pouco usual das crianças com TEA pode afetar negativamente o
comportamento dos outros.
Sigman, Kasari, Kwon & Yirmiya (1992) examinaram outras formas de
coordenação intersubjetiva do afeto comparando 3 grupos de crianças com idade
média de 4 anos. Os participantes eram compostos por 30 crianças com TEA, 30
crianças com AD e 30 crianças com DT. As crianças foram filmadas em três
situações diferentes de desconforto quando interagiam com seus pais e
experimentadores. Na primeira situação, o experimentador fingia se machucar
quando brincava com um brinquedo de martelar. A segunda, o experimentador
simulava medo diante um robô monitorado por um controle remoto e, na terceira
cena fingia estar doente demonstrando desconforto. Foram analisadas três
categorias de comportamentos: atenção, comportamentos direcionados ao
brinquedo e ao adulto e expressão emocional. Os resultados deste estudo
mostraram que as crianças autistas, em todas as 3 situações, raramente olharam ou
se relacionaram com o adulto. Quando o adulto fingia se machucar elas não
demonstraram preocupação e continuaram a brincar. Quando o robô se movia em
direção à criança, os pais e experimentadores que estavam próximos faziam
expressões faciais, gestos e vocalizações simulando medo em relação ao
brinquedo. A maioria das crianças não-autistas olhou para o adulto em algum
51
momento, mas menos da metade das crianças com TEA olharam para os adultos e
quando o fizeram foi rapidamente. As crianças com autismo não só demonstraram
menos dúvida em brincar com o robô como brincaram por mais tempo com este
objeto do que as crianças com RM. Parecia que as crianças com TEA eram menos
influenciadas pelas atitudes de medo do que as outras crianças. Enfim, o estudo
encontrou a evidência de que as crianças autistas demonstraram se engajar menos
não só em interações interpessoais, como também diante às atitudes emocionais
de outra pessoa em relação a objetos e eventos.
Um estudo desenvolvido por Charman, Baron-Cohen, Swettenham, Cox,
Baird & Drew (1997) investigou a empatia, o jogo de faz-de-conta, a atenção
conjunta e, a imitação das crianças autistas comparadas com crianças com RM e
crianças típicas. As reações afetivas das crianças com 20 meses de idade foram
filmadas quando o experimentador fingia se machucar. Os resultados mostraram
que nas atividades de teste de empatia, somente 4 de 10 crianças com TEA
olharam para a face de medo do investigador enquanto todas as outras crianças do
experimento olharam para a face do adulto. Estes achados são consistentes com os
estudos anteriores que mostraram os prejuízos na coordenação do afeto e da
atenção em crianças com autismo (Dawson e colaboradores, 1990; Kasari e
colaboradores; 1990; Sigman e colaboradores; 1992). Quando um robô foi
apresentado com o intuito de provocar ansiedade e para observar as habilidades da
atenção conjunta, raramente as crianças com TEA alternaram o olhar entre o
brinquedo e o adulto. As crianças autistas imitaram menos do que as crianças com
AD. Poucas crianças autistas e com AD brincaram de faz-de-conta
espontaneamente. Em todas as áreas observadas, as crianças autistas
demonstraram estar desconectadas com o sentimento dos outros.
Estes estudos mostram que as crianças autistas apresentam uma forma
diferente de se relacionarem intersubjetivamente. Não é o caso de elas não
estabelecerem conexões intersubjetivas com os outros. Os modelos de relação
intersubjetiva que ocorre entre elas e as outras pessoas em relação aos eventos e
situações não são fortemente imbuídos de emoções. A importância de
compreender e comunicar os afetos nas situações de conexões intersubjetivas
pode ser evidenciada quando se leva em consideração o que ocorre nas interações
nas quais a atenção e o afeto não estão integradas como no caso das crianças
52
autistas. Outra questão que merece ser considerada é o fato de que os adultos e/ ou
pessoas que se relacionam com as crianças autistas podem não conseguir
interpretar e compreender a forma de expressão dos afetos destas crianças. Tanto
nas situações clínicas quanto nas pesquisas realizadas têm sido observadas as
limitações na manifestação e compreensão dos afetos apresentadas pelas crianças
com TEA. Estes dados parecem sugerir que tais limitações podem influenciar no
desenvolvimento de habilidades sociais como a aquisição da capacidade simbólica
uma vez que ela também depende das interações sociais para se desenvolver. Esta
capacidade está bastante prejudicada no caso do autismo sendo evidenciada pela
dificuldade que os autistas têm em fazer o uso adequado da linguagem não-verbal
e verbal.
3.3
Dificuldades na capacidade simbólica e no uso da linguagem
Para que uma criança aprenda a usar a linguagem e desenvolva as
capacidades simbólicas é fundamental que ela participe das várias atividades
comunicativas pré-lingüísticas. Estas atividades ocorrem desde a fase da
intersubjetividade primária, se estendem até se tornarem mais elaboradas na fase
da intersubjetividade secundária, até a criança alcançar a capacidade de simbolizar
(Bates, 1976, 1979; Trevarthen, 2001; Hobson, 2002; Tomasello, 2003). Durante
o primeiro ano de vida, uma criança com DT aprende a se comunicar através de
comportamentos comunicativos não-verbais como trocas de olhar, vocalizações e
gestos pré-lingüísticos. Estes comportamentos desempenham funções importantes
para o desenvolvimento. Através dos comportamentos de atenção conjunta, a
criança passa a comunicar aos outros suas experiências afetivas, servem para que
ela estabeleça e mantenha interações sociais e, proporcionam meios da criança
expressar seus desejos e necessidades. Por volta dos 12 meses, a maioria das
crianças com DT apresentam todos os comportamentos da atenção conjunta
incluindo: compartilhar a atenção através da alternância do olhar, seguir a atenção
de outra pessoa e, dirigir a atenção de alguém para seu foco de interesse
(Carpenter, Nagell & Tomasello, 1998). À medida que a criança se desenvolve, os
comportamentos comunicativos não-verbais se tornam complexos e variados
53
permitindo que a criança coordene gestos e sons durante as suas ações até alcançar
a capacidade de simbolizar, usando palavras para se referir aos objetos e/ou
eventos que não estão presentes no contexto – descontextualização (Bates, 1979).
As habilidades de imitação motora também estão associadas com o
desenvolvimento da linguagem e habilidades de comunicação social/ simbólica.
Desde o nascimento, as crianças típicas apresentam a capacidade de imitar
movimentos simples faciais (Trevarthen, 2001). Por volta dos 9 meses, elas
passam a imitar ações com objetos tanto em contextos imediatos quanto em
diferidos. A imitação parece servir a diversas funções do desenvolvimento infantil
como: trocas de experiências sociais, promoção do sentimento de conexão mútua
e, serve como um meio de comunicação entre parceiros sociais. Através da
imitação a criança compreende as ações e intenções dos outros. A imitação não só
assume um papel no desenvolvimento das habilidades sociais, mas também parece
predizer o desenvolvimento da linguagem das crianças. Tanto o jogo simbólico
quanto o jogo funcional são domínios que também estão associados ao
desenvolvimento típico das habilidades da linguagem e da capacidade simbólica.
A brincadeira permite que a criança interaja e se comunique socialmente, além de
promover contextos nos quais o pensamento é construído. (Bates, 1979).
As crianças autistas demonstram uma desordem no desenvolvimento da
capacidade da atenção conjunta e nas habilidades da capacidade simbólica. Isto
inclui déficits no uso e na compreensão de formas não-verbais e verbais da
comunicação, prejuízos nas imitações motoras imediatas e nas imitações diferidas
de ações com objetos e, prejuízos específicos no jogo simbólico (Tomasello,
2003; Wetherby, 2006). Enquanto crianças com DT usam os gestos comunicativos
com a intenção de pedir objetos, solicitar ações e, dirigir a atenção dos outros ao
seu foco de atenção, as crianças autistas raramente se comunicam com a intenção
de compartilhar o seu interesse, sentimento e/ ou atenção com outrem. Elas usam
poucos comportamentos comunicativos não-verbais como o contato ocular e os
gestos de mostrar e apontar. A habilidade de coordenar comportamentos nãoverbais
com vocalizações parece estar prejudicada no caso do autismo. Quando os
gestos comunicativos são usados pelas crianças autistas é muito mais para pedir
um objeto ou solicitar algo do seu interesse do que para indicar algum interesse a
alguém. (Stone, Ousley, Yoder, Hogan & Hepburn, 1997).
54
Em relação à imitação, Wetherby (2006) sugere que a dificuldade dos
autistas em imitar simples movimentos faciais e das mãos e, ação com os objetos
está correlacionada com a dificuldade de engajamento social apresentado por estas
crianças desde as fases precoces do desenvolvimento. Parece que a dificuldade no
jogo simbólico também tem fundamento no prejuízo nas interações sócio-afetivas
manifestadas desde cedo pelas crianças com autismo. Hobson (2002) sugere que o
fato de as crianças autistas não interagirem socialmente com outras pessoas leva a
um empobrecimento da vida imaginativa. Ele diz que ao observar uma criança
autista interagindo com um brinquedo é muito pouco provável que ela atue sobre
esse brinquedo de forma simbólica ou imaginativa. Geralmente, ela usa rituais
repetitivos, comportamentos característicos da síndrome do autismo. Em relação
ao uso da linguagem parece ocorrer o mesmo. A fala ecolálica é um exemplo
deste comportamento repetitivo.
Um estudo realizado por Stone, Ousley, Yoder, Hogan & Hepburn (1997)
examinou as formas, as funções e a complexidade dos comportamentos
comunicativos não-verbais usados pelas crianças autistas. Catorze crianças
autistas e catorze crianças com AD e/ou com Prejuízo de Linguagem (PL), com
idade até três anos e meio, foram encorajadas a participar de 16 situações de
avaliação do comportamento comunicativo não-verbal. Estas situações fazem
parte de um instrumento de avaliação da comunicação pré-lingüística, o
Prelinguistic Communication Assessement (PCA). Oito situações se destinavam à
investigação de como a criança dirigia a atenção do adulto para um evento
interessante ou pouco comum. As outras oito situações eliciavam o
comportamento da criança de fazer um pedido/ solicitação ao adulto. A função da
comunicação era analisada de acordo com 3 categorias previamente descritas:
pedir, comentar, rejeitar. As formas comunicativas foram avaliadas de acordo com
7 categorias gestuais: dar objetos, mostrar objetos, tocar objetos, manipular a mão
do experimentador, alcançar, apontar para objetos tocando-os com o dedo
indicador, apontar para objetos distantes com o dedo indicador. Além das
categorias gestuais da comunicação, foram adicionadas outras 2 categorias
relativas à complexidade da forma comunicativa: vocalização e contato ocular
dirigidos ao experimentador. Estas 2 últimas categorias foram codificadas
independentemente, ou em combinação, com algum outro gesto comunicativo. Os
55
resultados revelaram que as crianças autistas apresentam um padrão diferente de
comunicação não-verbal quando comparadas com as outras crianças. As crianças
com TEA se comunicam com menor freqüência em uma atividade estruturada
para eliciar a comunicação. Quando se comunicam, as crianças autistas solicitam e
pedem menos por objetos ou eventos além de dirigirem menos a atenção do
experimentador para objetos e eventos para demonstrar intenção de compartilhar o
seu interesse quando comparadas com as outras crianças. Enquanto que 1/3 dos
atos comunicativos das crianças com AD e/ou PL se destinavam ao compartilhar o
foco de interesse (comentar) com o adulto, menos de 1% dos atos comunicativos
das crianças com TEA serviam ao propósito de comentar. As formas dos
comportamentos comunicativos não-verbais dos 2 grupos de crianças também
foram distintas. As crianças autistas demonstraram: pouca quantidade do uso de
gestos associados aos comentários, por exemplo, apontar e mostrar objetos,
usaram poucos atos comunicativos envolvendo o contato ocular e, usaram poucos
atos mostrando um alto nível de complexidade (combinação de gestos, contato
ocular e vocalização). No entanto, as crianças com TEA apresentaram taxas mais
altas e boas proporções de atos envolvendo manipulação direta da mão do
examinador a qual era usada para fazer pedidos/ solicitar coisas. A baixa
freqüência no uso de gestos e ações comunicativas, com a intenção de comentar
(gesto declarativo) ou compartilhar o interesse, demonstrada no grupo das
crianças autistas, pode estar associada à natureza social e afetiva destes gestos.
Somente 2 crianças com TEA usaram o gesto de apontar para se comunicarem,
sendo usado com a mesma freqüência tanto para fazer pedido (gesto imperativo)
quanto para fazer um comentário (gesto declarativo). Este estudo demonstrou que
a dificuldade comunicativa no autismo não está somente associada ao pouco uso
de comportamentos não-verbais através do contato ocular, mas também porque as
crianças com TEA apresentaram pouca freqüência do que é considerado um nível
complexo de comportamento comunicativo: combinação de gestos, contato ocular
e vocalização.
Wetherby, Prizant & Hutchinson (1998) examinaram o desenvolvimento
da comunicação, do comportamento social/afetivo e, do comportamento simbólico
de 22 crianças com TEA e 22 crianças com Atraso de Linguagem (AL). A idade
das crianças com TEA variava entre 17 e 60 meses enquanto que a idade das
56
crianças com AL era entre 19 e 66 meses, sendo que todas as crianças
apresentavam o mesmo nível de linguagem expressiva. Para avaliar tais
comportamentos foi utilizada uma escala de comportamentos comunicativos e
simbólicos, o Communication and Symbolic Behavior Scale (CSBS),
desenvolvida por Wetherby e Prizant. Esta escala envolve a avaliação do uso de
comportamentos comunicativos e simbólicos da criança em interação com o
adulto, que participam de procedimentos experimentais estruturados e nãoestruturados.
Os resultados mostraram que as crianças com TEA apresentavam
escores significativamente mais pobres do que as outras crianças. Tais escores
afetaram fortemente os seguintes comportamentos sócio-comunicativos:
alternância do olhar, compartilhar afetos positivos, iniciar a comunicação para
compartilhar atenção, uso de gestos convencionais, uso de gestos distais,
coordenação de gestos e vocalizações, compreensão da linguagem e, quantidade e
complexidade de ações no jogo simbólico. No entanto, apresentaram escores
comparáveis em iniciar a comunicação para regulação do comportamento,
quantidade de consoantes e, mesmo nível de jogo construtivo. Esses achados
confirmam os dados de estudos anteriores de que o uso da comunicação social das
crianças com TEA é caracterizado por pouco efeito comunicativo.
Toth, Munson, Meltzoff & Dawson (2006) desenvolveram uma pesquisa
com o objetivo de investigar as contribuições da capacidade da atenção conjunta,
da imitação e jogo simbólico com brinquedo para o desenvolvimento da
linguagem e das taxas das habilidades comunicativas em crianças com TEA.
Participaram da pesquisa 60 crianças com idade entre 3 e 4 anos, sendo 42
diagnosticadas com autismo e 18 com Transtorno Invasivo do Desenvolvimento
Sem Outra Especificação (TID-SOE). Na primeira sessão, foram aplicados: uma
entrevista de diagnóstico do autismo, o Autism Diagnostic Interview – Revised
(ADI-R); um programa de observação para diagnóstico do autismo, o Autism
Diagnostic Observation Schedule (ADOS) e, escalas do aprendizado precoce, o
Mullen Scales of Early Learning (AGS Edition). Na segunda sessão, foi aplicada a
escala de comunicação social inicial (ESCS) e também procedimentos
experimentais de avaliação da imitação, do jogo funcional e, do jogo simbólico. O
estudo demonstrou que quando as habilidades de atenção conjunta, imitação e
jogo simbólico foram examinadas simultaneamente, com o objetivo de investigar
57
possíveis contribuições para o desenvolvimento da linguagem, a habilidade de
iniciar a atenção conjunta através do gesto protodeclarativo e a habilidade da
imitação imediata estavam fortemente associadas com as habilidades da
linguagem nas crianças autistas de 3-4 anos. Quando avaliada a relação entre estas
três habilidades e as taxas de aquisição das habilidades da linguagem em crianças
autistas, encontrou-se que o jogo simbólico e a imitação diferida estavam
associados com altas taxas de aquisição das habilidades lingüísticas entre as
idades de 4 e 6.5 anos. As crianças que demonstraram melhor desempenho no
jogo simbólico e na imitação diferida aos 4 anos adquiriram habilidades
comunicativas mais rápido do que aquelas que desenvolveram menos estas
habilidades. Estes achados têm grandes implicações para a compreensão da
natureza e curso do desenvolvimento da linguagem no autismo. Enquanto a
capacidade de iniciar a atenção conjunta através do gesto protodeclarativo e a
imitação imediata contribuem para o início do desenvolvimento da habilidade da
linguagem, o jogo simbólico e a imitação diferida contribuem para as taxas do
desenvolvimento das habilidades comunicativas nos anos seguintes do
desenvolvimento. Estes achados sugerem que enquanto as três habilidades devem
ser importantes para o desenvolvimento da linguagem no autismo, o jogo
simbólico e a imitação diferida devem contribuir para que as capacidades
comunicativas se expandam no período pré-escolar. O estudo especula que a
capacidade de atenção conjunta e a imitação imediata são importantes “pontos de
partida” para o aprendizado das trocas sociais e comunicativas nas quais se
desenvolve a linguagem. Sendo este estágio do desenvolvimento considerado
como “ponto de partida” para que a criança comece a aprender a usar a linguagem
de uma maneira comunicativa, habilidades simbólicas se tornam importantes na
continuidade do processo de aquisição de palavras e frases durante os períodos
pré-escolares. As capacidades do jogo simbólico e da imitação diferida envolvem
o compartilhar da atenção, mas também exigem um alto nível de habilidades
cognitivas importantes para a continuidade do desenvolvimento e expansão da
linguagem e da comunicação social. A habilidade da criança em reproduzir ações
a posteriori reflete a capacidade do pensamento simbólico, uma memória do
passado intacta, além da capacidade de compartilhar atitudes através dos objetos.
Logo, a partir das capacidades do jogo simbólico e da imitação diferida a criança
58
não só pode compreender as ações e eventos como também demonstrar o que
compreendeu.
Pode-se perceber a partir das pesquisas apresentadas anteriormente que a
manifestação central do autismo parece ser o déficit na capacidade de atenção
conjunta. Este déficit inclui uma falha em seguir a atenção, o interesse e, os
sentimentos dos outros. Como visto, isto representa uma dificuldade na
capacidade de se comunicar para alcançar objetivos sociais. Este prejuízo é
considerado como marcador da síndrome do autismo uma vez que a habilidade de
se comunicar através de palavras/ fala/ símbolo depende dos comportamentos da
capacidade de compartilhar a atenção. Devido o prejuízo no engajamento sócioafetivo
inicial, as crianças com autismo não desenvolvem a habilidade precursora
da capacidade simbólica, que é a capacidade da atenção conjunta.
Enquanto os déficits na capacidade simbólica, incluindo os prejuízos na
comunicação gestual, na imitação e, no jogo simbólico são característicos de todas
as crianças com TEA, existe muita variabilidade no que se refere ao uso da
fala/comunicação verbal. Algumas crianças com autismo possuem um repertório
restrito de consoantes e poucas estruturas silábicas complexas, enquanto outras
crianças apresentam vocalizações adequadamente complexas. Estudos têm
apontado que embora 50% das crianças autistas adquiram a fala, a grande maioria
destas crianças usa o padrão de fala ecolálica (Stone e colaboradores, 1997;
Wetherby, 2006). A fala ecolálica é um padrão verbal de imitação de frases ou
palavras proferidas por outra pessoa, repetida com entonação similar e parece ser
usado pelos autistas como uma estratégia comunicativa. Ela pode ser imediata, por
exemplo, a criança repete o cumprimento da professora dizendo “Olá, João”,
exatamente como foi dito a ela. Ou a ecolalia pode ser atrasada, como no caso de
uma criança que diz para o pai “está na hora de fazer cócegas em você!”, como
um sinal de que ela quer entreter-se com a brincadeira. Neste caso, ela repete a
frase que escutou dos seus pais em algum momento do passado (Tager-Flusberg,
Paul & Lord, 2005). Prizant, Schuler, Wheterby & Rydell (1997) consideram que
tanto o uso da fala ecolálica quanto o uso do contato gestual primitivo podem
refletir uma estratégia de repetição de um aspecto de uma situação para fazer com
que esta determinada situação ocorra novamente, como no exemplo dado acima.
Ou ainda, a criança pega a chave do carro para pedir para passear ou, repete um
59
pedaço memorizado de uma música como um pedido de escutar tal canção. Estas
estratégias demonstram a dificuldade que as crianças autistas têm em aprender a
usar a comunicação simbólica. Na comunicação simbólica, o símbolo representa e
está separado do seu referente. Repetir ações ou frases é uma comunicação
realizada por índices. Tais repetições representam um índice que está associado
com o objetivo comunicativo (Wetherby, 2006). As crianças autistas que
apresentam a fala ecolálica podem adquirir um largo vocabulário e aspectos mais
avançados da gramática, no entanto, há uma persistência com os problemas
relacionados às regras do uso da comunicação social, que são os aspectos
pragmáticos da linguagem.
Nos anos 70, existia a hipótese de que o prejuízo na linguagem seria a
manifestação central do autismo e os outros desvios seriam conseqüências da
privação comunicativa apresentadas pelas crianças autistas. Estudos comparativos
realizados entre crianças autistas e outras crianças com o Prejuízo Específico de
Linguagem (PEL), o Specific Language Imparment, concluíram que a síndrome
do autismo não poderia ser atribuída somente às dificuldades de linguagem porque
os sintomas manifestados pelas crianças autistas eram mais severos, extensos e
diferentes daqueles observados em crianças com PEL. Deste modo, foi enfatizado
que as condições diagnósticas para os dois casos seriam diferentes. Bishop (2003)
questionou esta divisão pelo fato de que alguns casos pareciam mostrar um
panorama clínico intermediário entre autismo e PEL. Com o objetivo investigar se
haveria uma distinção categórica entre o autismo e o PEL ou se eles estariam em
um continuum de severidade, Bishop traçou um panorama sobre as possíveis
relações existentes entre PEL e as manifestações dos desvios de linguagem no
autismo.
Tradicionalmente, o Prejuízo Específico de Linguagem se define quando
uma criança apresenta uma falha na aquisição da linguagem sem que haja uma
razão conhecida. As habilidades lingüísticas não-verbais se encontram nos limites
normais e, na maioria das crianças, as dificuldades estão nos aspectos estruturais
da linguagem, ou seja, nos aspectos fonológicos e sintáticos. Além disso, as
crianças com PEL fazem uso da linguagem socialmente, não apresentam
dificuldades nos relacionamentos sociais, não se comportam de maneira
estereotipada e ou repetitiva e, não têm dificuldades no repertório imaginativo
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como no caso do autismo. As crianças com PEL só manifestam prejuízo no
funcionamento do domínio da linguagem. Elas até podem apresentar dificuldades
em se comunicarem socialmente devido às limitações nos domínios gramaticais e
lexicais. No entanto, as crianças são responsivas e demonstram intenção de
comunicação.
Ao contrário, cerca de 50% dos autistas, como mencionado, não aprende a
falar e têm problemas severos na compreensão dos sinais comunicativos nãoverbais
e verbais. O déficit da linguagem no autismo é qualitativamente anormal
porque as crianças não usam a linguagem social adequadamente. Existem casos
em que as crianças autistas adquirem a linguagem com atraso e, mesmo assim,
não progridem num discurso simples. As manifestações mais distintivas
observadas no transtorno do espectro autista em comparação com as
manifestações dos PEL estão relacionadas aos prejuízos no uso/pragmática das
habilidades não-verbais da linguagem. Apesar de as manifestações das habilidades
da linguagem no autismo serem heterogêneas, os Prejuízos Pragmáticos da
Linguagem (PPL), o Pragmatic Language Impairement – (PLI), são universais
dentre os indivíduos diagnosticados com TEA (Wetherby, Schuler & Prizant,
1997; Bishop & Nurbury, 2002; Bishop, 2003). É o que acontece nos casos de
crianças com autismo de alto-funcionamento, nos quais a inteligência se encontra
preservada. Muitas destas crianças adquirem a fala e podem conversar num
discurso mais complexo, porém, fazem uso anormal da linguagem. Nos estudos
comparativos dos casos de PEL e autismo de alto-funcionamento, que seriam os
casos intermediários entre PEL e autismo, foi observado que as crianças com
autismo de alto-funcionamento apresentam déficits mais severos nos aspectos
estruturais da linguagem e no uso da linguagem do que as crianças com PEL. E,
apesar de as crianças autistas apresentarem muitos dos mesmos prejuízos
observados no PEL, eles são pouco observados porque os problemas pragmáticos
ou prejuízos no uso da comunicação social são mais severos. As dificuldades
comunicativas das crianças com PEL podem ser descritas como uma imaturidade
ou falta de habilidades comunicativas. No caso das crianças autistas, podem ser
percebidas estranhezas qualitativas em relação ao uso da linguagem. Por exemplo,
estas crianças usam palavras e sentenças com significados próprios de forma que
o ouvinte não pode compreender o significado (Bishop, 2003).
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Bishop & Norbury (2002) conduziram dois estudos para testar a hipótese
de que o termo Prejuízo Pragmático da Linguagem (PPL) poderia ser usado como
uma outra terminologia para designar o autismo ou mesmo o Transtorno Global
do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (TGD-SOE). Foram comparados
os sintomas clínicos e as manifestações das dificuldades da linguagem de crianças
diagnosticadas com PEL, com PPL e, com autismo de alto-funcionamento. A
finalidade do estudo era avaliar se os prejuízos pragmáticos da linguagem se
restringiam somente ao caso do autismo e, se as crianças com PPL encontrariam
critérios diagnósticos para o TEA ou para o TGD-SOE. A conclusão de Bishop &
Norbury (2002) foi que a presença de dificuldades pragmáticas no
desenvolvimento da comunicação de uma criança deve ser motivo de avaliação
clínica para checar possível risco para o diagnóstico do autismo. No entanto, não
foi possível afirmar que todas as crianças com dificuldades com o uso/ pragmática
da linguagem encontraram critérios para o autismo ou TGD-SOE. Logo, o termo
PPL não é sinônimo do termo autismo apesar de todas as crianças diagnosticadas
com TEA apresentarem dificuldades com o uso da linguagem.
Hobson (2002) acredita que a dificuldade na habilidade de conexão afetiva
manifestada pelos autistas conduz ao prejuízo mais relevante do funcionamento
intelectual, que é o da linguagem. Algumas dessas crianças podem adquirir uma
linguagem sofisticada, no entanto, o maior problema não está na maneira como os
autistas compreendem ou reproduzem a gramática, mas em como eles usam a
linguagem e como ajustam a linguagem ao contexto no qual ela é usada. Todas
essas atividades exigem que a criança compreenda que os participantes da cena de
atenção conjunta desempenham um papel e que estes papéis são intercambiáveis
(Tomasello, 2003). Quando uma pessoa ajusta sua atenção ao foco de interesse, à
preocupação, ao desejo, aos sentimentos, à intenção de outra pessoa, quer dizer
que ela está sendo responsiva aos estados subjetivos e ao afeto do outro. Isto
representa a habilidade de assumir o papel do outro, de se colocar no lugar do
outro ou ainda apreciar a perspectiva do outro. Uma pessoa capaz de inverter os
papéis em uma situação de conexão interpessoal compreende a intenção do outro.
A compreensão da intencionalidade surge no contexto da atenção conjunta (Bates
1976, 1979). Parece que as dificuldades no uso da linguagem manifestadas pelas
crianças com autismo podem ser entendidas sobre esta base. Pode ser que a
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deficiência do autista em se conectar afetivamente com o outro prejudique sua
compreensão sobre o que as pessoas pensam, sentem ou pretendem fazer. Faltaria
aos autistas a compreensão da intencionalidade. A dificuldade na conexão
interpessoal parece constituir a raiz das limitações simbólicas e da linguagem no
autismo. Greenspan (2006) sugere que deve-se considerar sinais de TEA quando
as habilidades básicas de estabelecer proximidade com o outro, de fazer trocas de
gestos emocionais de uma forma contínua e, de usar palavras ou símbolos com a
intenção emocional estiverem ausentes no desenvolvimento da criança. As
dificuldades de simbolização no autismo se manifestam muito antes do
aparecimento da fala. A dificuldade das crianças com TEA em estabelecer a
conexão emocional inata com os outros parece fundamentar o prejuízo no
desenvolvimento das capacidades simbólica e lingüística.
Como demonstrado nas pesquisas até o momento, existe um conjunto de
fatores sócio-afetivos que promovem o desenvolvimento típico das capacidades
simbólica e lingüística. Além disto, estes comportamentos sociais e emocionais
também são considerados meios de comunicar intenções, desejos e necessidades
durante as relações interpessoais. Parece que as dificuldades das crianças autistas
nas capacidades simbólica e lingüística se manifestam devido ao prejuízo no
engajamento sócio-afetivo que permeia as relações interpessoais. Os estudos
analisados apontam para categorias/comportamentos tanto quantitativas
(individuais) quanto qualitativas (da relação e afetivas) nas áreas social, da
comunicação e afetiva do desenvolvimento das crianças. Estas categorias são:
contato ocular, sorriso social, toque, atenção ao interesse do outro, gesto apontar
imperativo, gesto apontar declarativo, vocalizações, uso de palavras referenciais,
combinação do uso de gestos, vocalizações e contato ocular, combinação de uma
expressão emocional mais o contato ocular, referenciação social, regulação mútua
(antecipação, reciprocidade, contingência) e, FORMA da sintonia afetiva.


http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0610323_08_cap_03.pdf

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