CRISTIANE SEGATTO
Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo “Conheça a vida selvagem: tenha filhos”. Sempre me divirto quando vejo esse adesivo colado no vidro de algum carro. Essa frase é a mais pura verdade. A maternidade nos aproxima das fêmeas de todas as espécies. Em nenhuma outra fase da vida percebemos tão claramente o papel animalesco que a natureza nos reserva.Viramos leoas que se desdobram para cuidar da cria, alimentá-la, protegê-la e – principalmente – amamentá-la.
Sim. Não importa se a mulher é uma executiva empertigada, uma intelectual inatingível, uma operária calejada. Quando o filho nasce, ela vira um peito. Ou melhor: dois. Nada do que a mulher fez na vida ou ainda pretende fazer tem importância diante da função especialíssima de ser a única fonte de alimento de um ser que acabou de chegar. Um ser que vai crescer, ajudar a povoar o mundo e tocar em frente a grande aventura do Homo sapiens.
Quando eu amamentava a Bia (hoje uma moça de 10 anos) eu me sentia um par de peitos. Nas primeiras semanas, ela mamava a cada hora e meia. Eu vivia para isso. Minha função nesse mundo – de manhã, de noite, de madrugada – era amamentar. E, claro, trocar fralda, embalar, acalmar o choro, dar banho, lavar roupa etc, etc, etc. Quando ela mamava e dormia, eu ganhava uns 90 minutos de folga. Aí não sabia o que fazer com eles. Tomar uma ducha? Almoçar? Colocar as pernas para cima?
Eu era tão “sem noção” que três dias antes da Bia nascer fui à livraria comprar Guerra e Paz. Achava que a licença-maternidade fosse uma espécie de período sabático, o momento ideal para ler aquelas 1.349 páginas que faziam tanta falta na minha cultura geral. Tolinha. Só fui conseguir preencher essa lacuna quando ela completou três anos.
Os primeiros tempos da maternidade foram, sem dúvida, a fase mais selvagem da minha vida. Acordava cheia de energia, pulava da cama e, quando a Bia deixava, tomava um banho revigorante. Às 7 horas tomava um café da manhã reforçado enquanto assistia ao Bom Dia Brasil. Depois passava o dia inteiro em função da cria. Decidi que nos primeiros meses não pediria ajuda a mãe, sogra ou babá. Queria ser mãe em tempo integral. Queria ter liberdade para errar, acertar, aprender.
Naquele inverno de 2000, meus dias eram amamentar. Nos intervalos, corria para o tanque (que ficava no quintal, ao ar livre) e lavava na mão, com sabão neutro, a montanha de roupinhas frágeis de bebê. O vento gelado batia no meu rosto, mas eu tinha uma disposição para cuidar das coisas da minha filha que só a natureza pode explicar. Meu gasto calórico devia ser brutal. Almoçava pratos gigantescos e, ainda assim, só emagrecia. No Spa da Selva, perdi rapidamente mais de 10 quilos.
À noite, a pilha acabava. Às 22 horas, estava exausta. Dormia profundamente e mal conseguia abrir os olhos durante a mamada da meia-noite. Eu e o pai da Bia desenvolvemos uma técnica animal. Eu levantava um pouco o tronco e recostava no travesseiro. Ele segurava a Bia e acoplava a boca dela no meu peito. Ela mamava, eu dormia. Ele ficava com ela no colo por um tempo e depois a devolvia no berço. Nessa hora eu já estava no melhor do sono. Às quatro da manhã, me sentia recuperada. Pronta para a maratona de mamadas e afazeres de mais um dia. Pronta para sobreviver na selva e garantir a sobrevivência da minha cria.
Com o tempo, as obrigações mudam. Mas a vida selvagem dura pelo menos até a criança completar três anos. Aos poucos fui recuperando várias liberdades que haviam sido confiscadas pela maternidade. Hoje, com uma filha de dez anos, estou praticamente alforriada. Aproveito para respirar profundamente. Afinal, há quem diga que a verdadeira vida selvagem começa quando o filho chega à adolescência. Será mesmo? Que venha a nova selva, então. No lugar da leoa incansável, ela vai encontrar a leoa maleável. Muito mais do que era a moça que pariu aos 30 anos. A natureza é mesmo sábia.
Por tudo isso (e muito mais), sempre me considerei uma mãe dedicada. Eu me achava uma ótima mãe até conhecer a mãe do Idryss Jordan. Perto do que ela faz pelo filho, o que fiz pela minha é uma espécie de passeio no parque, com direito a pipoca e algodão doce. Vida selvagem não é a minha. É a dela. Posso ser uma mãe dedicada. Ela é mãe coragem.
Idryss Jordan tem 11 anos. É autista. Não é um daqueles autistas portadores da síndrome de Asperger (que falam, avançam nos estudos e podem até chegar ao mestrado, como eu contei numa reportagem publicada em ÉPOCA há dois anos). Idryss é um autista de baixo rendimento. Não fala, usa fralda, precisa ser vestido, trocado, alimentado e cuidado 24 horas por dia. Muitas vezes se debate e se torna agres Saiba mais
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Aos 39 anos, Keli Mello, a mãe coragem, já precisou consertar os dentes da frente. Eles foram quebrados pelo filho. Se você acha que a criança que tem em casa lhe dá trabalho demais, espere até conhecer a história de Keli, uma gaúcha de Três de Maio que vive há duas décadas em São Paulo. Não sei de onde ela tira energia para enfrentar o que enfrenta. Por sorte (ou por destino), Keli é casada com Silvio Jerônimo de Teves, um pai coragem.
A dedicação e o amor incondicional que esse casal oferece ao filho fazem qualquer um se arrepender de algum dia ter dito que criança dá trabalho demais. Quem tem um filho saudável não sabe o que é trabalho. Keli e Silvio vivem para o filho (e para a filha Hyandra, de 5 anos, que não tem a doença). Não podem trabalhar fora de casa. Quando o autismo do filho se manifestou, Keli abandonou o trabalho de auxiliar de fisioterapia.
Virou artesã. No período em que Idryss está na escola, Keli faz panos de prato e toalhas. Silvio prepara o almoço e o jantar. Idryss não aceita comida esquentada. Se ela não for fresquinha, ele percebe e não come. Depois de cuidar da alimentação da família, Silvio sai para entregar as encomendas do artesanato que Keli produz. São movidos pelo amor e acreditam que o garoto é capaz de senti-lo e retribuí-lo. “Autista não é robô. Ele sabe amar. Se peço um beijo, Idryss me dá o rosto”, diz Keli.
Nos momentos de grande agitação – quando Idryss se morde e pode agredir quem estiver perto – a única coisa que o acalma é o metrô. Isso mesmo. Ele tem fixação pelo metrô. Quando não consegue controlar o garoto, o que Keli faz? Pega o metrô na estação Tucuruvi e vai até o Jabaquara. Depois volta até o Tucuruvi. Se precisar, vai novamente ao Jabaquara e retorna ao Tucuruvi.
Cruza São Paulo de norte a sul (são 23 estações em cada trecho) para acalmar Idryss. Na bolsa, leva o almoço do garoto acondicionado num pote plástico. Quando ele fica menos agitado, saltam na estação Parada Inglesa. Keli procura duas cadeiras vazias na beira dos trilhos, com vista privilegiada para o trem. Abre o pote, retira uma colher da bolsa e alimenta Idryss. A plataforma do metrô é sua sala de jantar.
Conheci essa família há alguns dias quando fazia uma reportagem sobre o trabalho da dentista Adriana Gledys Zink. Ela será publicada amanhã (10/07) na edição impressa de Época. As famílias dos autistas enfrentam todo tipo de desassistência. Não encontram vagas em escolas preparadas para lidar com o problema, não encontram atendimento médico adequado e, como é de se imaginar, não encontrar dentistas dispostos a atender autistas. Quando essas crianças precisam de tratamento odontológico (mesmo que seja uma simples limpeza) costumam ser internadas num hospital para receber anestesia geral.
“Mesmo quem pode pagar, não encontra dentistas dispostos a cuidar de autistas. Eles sequer vêem o paciente. Simplesmente informam que não os atendem”, diz Adriana. Ela decidiu tentar fazer diferente. Depois de se especializar em pacientes especiais na Associação Paulista dos Cirurgiões Dentistas (APCD), frequentar reuniões de famílias autistas e estudar os métodos de aprendizagem disponíveis, ela criou algumas técnicas que lhe permitem se aproximar desses pacientes. Na maior parte dos casos, ela consegue cuidar dos dentes dessas crianças (e também de adultos) no consultório, sem anestesia geral.
O processo é longo. Exige extrema dedicação das famílias e da dentista. Às vezes, ela precisa de quatro sessões (ou mais) só para conseguir levar a criança até a cadeira. Quando isso não é possível e o procedimento necessário é simples (uma limpeza, por exemplo), atende a criança no chão. O entusiasmo de Adriana surpreendeu a família de Idryss. “Essa dentista não existe. Acho que estou sonhando. Ela senta no chão com meu filho, tenta de tudo e não olha no relógio para ver se a sessão acabou”, diz Keli.
Se você quiser conhecer um pouco mais sobre o trabalho especialíssimo que Adriana e o marido (o dentista Marcelo Diniz de Pinho) realizam, acesse o blog. Para ver Adriana em ação e conhecer Keli e Idryss, assista a esse vídeo: http://www.youtube.com/user/zinkpinho#p/a/u/1/ou7PVTWnfoA
Keli, Idryss e Adriana me deram uma lição de vida. Agradeço todos os dias por ter uma profissão que me permite encontrar gente tão especial. Saio de cada reportagem melhor do que entrei. Graças à enorme generosidade dessa gente que confia em mim e divide tanto comigo. Muito obrigada a todos – mães e pais coragem, entrevistados e leitores. Saio de férias hoje. Essa coluna volta no dia 06 de agosto. Espero voltar com as baterias recarregadas e os sentidos bem calibrados para mais um semestre de intensa troca com vocês. Até lá.
(Marilice Costi | RS / Porto Alegre | 16/03/2011 20:26
MÃES
"Oi, li o teu artigo sobre Keli. E sei o que é cuidar de gêmeos, de filho com transtornos mentais e ser mãe de quatro filhos. Edito a revista O CUIDADOR porque inicialmente queria cuidar de mães com filhos com problemas mentais. Depois, somos apenas algumas dentro do universo de cuidadores que se desgastam no cuidar. Decidi que ia cuidar de qualquer cuidador: do institucional ao familiar. Então, trabalho enlouquecidamente, na revista O CUIDADOR, que é Orgulho de ser e está com seu portal www.ocuidador.com.br Recebo informações de muitos cuidadores, informo e o autismo é uma de minhas próximas matérias. Você tem e-mail dos pais desse menino? Obrigada por escrever um texto tão lindo. Somos realmente corajosas. Minha última ação foi escrever para a Presidente Dilma e repicar para o governador e prefeito de nossa Porto Alegre. Há tanto a fazer! Escrevi o livro Como controlar os lobos? proteção para nossos filhos com problemas mentais... Porque os lobos estão em todos os lugares. Não basta apenas ser mãe. È preciso compartilhar com a sociedade. Não somos eternas. Abraço carinhoso e parabéns pelo teu texto, está brilhante. www.sanaarte.com.br www.marilicecosti.blogspot.com"
Sãozita | AC / Feijó | 11/01/2011 18:01
Mãe Coragem?
Mães coragem somos todas,cada dia é um dia e cada dia é uma luta,uns mais outros menos,mas nós queremos acima de tudo ter um filho perfeito,o filho nasce perfeito ate ao dia que algo de drastico acontece e muda toda uma vida e acaba com todos os sonhos,mas a vida continua e temos de partir para outra, continuar a acreditar e a sonhar,a lutar,acreditando que podemos mudar as coisas e concretizar os sonhos e não é que vamos conseguindo,olhamos para trás,vemos tantas coisas lindas,tantas dificuldades,tantos obstaculoes,mas o maior deitou tudo de rastos,tudo se desmoronou,olhamos em volta e vemos pessoas que nem sabem o que é lutar e brigam por coisas sem nexo,sem pés nem cabeça e penso,estas pessoas se tivessem a minha vida matavam-se. Mas eu embora triste luto e vejo as coisas pela positiva,embora sejamuito dificil continuar e tenha de fazer opções que nos vão privar demuto mais coisas,mas é melhor para meu filho e agora estou 24 horas com ele,nem assim me sinto mãe coragem,apenas uma mãe que quer para o seu filho o melhor,aquele filho que desejou quando estava grávida que nascesse perfeito,hoje não é perfeito,mas é um Guerreiro com muita corageme quer ficar bom,quer voltar a caminhar como o fazia,mas olho em volta e vejo que realmente tem situações bem piores que a nossa,muito mais dificeis. As mães apenas fazem o melhor pelos seus filhos,o que sempre desejaram desde a gravidez. Os exemplos que assito dão-me muita força para continuar. Força para todas as pessoas.Sãozita
Renata | SP / Jacareí | 04/11/2010 13:03
Mais uma bela história
Mais um belo texto e uma bela história contada pela Cristiane. Não pude deixar de comentar a coluna desta vez (venho acompanhando há algum tempo e sou uma grande admiradora). Também sou mãe e ainda estou "em plena selva", mas nada se compara realmente à história da Keli e seu filho.
fonte: Revista Epoca
Sou Eliene carvalho tenho uma filha q se chama Ana Amelia e tem paralizia cerebral qdo descobrie q ela excepcional ela tinha 2 meses, td erro medico, mas meu destino ja foi traçado para ser mãe de uma menina especial q é amada e querida filha, no começo deu tanto trabalho q Deus pe perdoe desejei até q ela morre-se, eu não conseguia acreditar q uma filha q tanto desejei seria uma criança q me maltrata-se tanto o meu coração não por ela mas sim pelo meu coração sofria tanto por isso q meus olhos não tinha mas lagrimas so quem chorava era o meu coração, hoje graças a Deus aprendi a amla do jeuto q ela veio pq ela foi quem me aprendizou com aquele jeito puro e inocente, q procuro nas pessoas nomais e não acho, agradeço a meu Deus todos dia de ter colocada ela em meu caminho, hoje ela esta com 27 anos, tb foi rejeitada pelo pai q nos abandonou por ela se excepcional mas cada um so da o q tem aprendi tanto com ela q hoje tenho 3 filhos adotivos q são minha vida, ela so me ensinou como é bom ter filhos e ser amada por eles, se volta-se o tempo eu teria 1000 Ana Amelia da vida te amo filha.
ResponderExcluirSua história de vida é linda!
ResponderExcluirEliene, parabéns!