segunda-feira, 7 de junho de 2010

o BRASIL NÃO TEM ESTRUTURA

O psiquiatra Estevão Vadasz é coordenador do Projeto Autismo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, centro de referência no país. Também é o psiquiatra responsável pela Associação de Amigos do Autista (AMA), de São Paulo. Há 30 anos trabalha com autismo e em entrevista feita por telefone à Gazeta do Povo, fala sobre o transtorno, os desafios que são enfrentados hoje e os avanços que ainda são necessários no Brasil.

Qual é o retrato do autismo no Brasil?
Pela avaliação da Organização Mundial da Saúde temos no Brasil um milhão de pessoas com autismo. A cada 150 meninos que nascem um deles tem autismo. É mais comum em meninos, a cada quatro, uma menina desenvolve o problema. No caso dos Aspergers, são nove meninos para uma menina. Não há cura, não sabemos a causa. Há grande expectativa para que se confirme a hipótese de que é um componente genético importante. Infelizmente, quando o caso é muito grave, é comum que pais deixem os filhos com autismo dentro de casa, trancados em um cômodo e amarrados. Além de não saberem como lidar com aquela criança ou adulto, os pais têm vergonha de sair de casa com ela, não vão a shoppings, restaurantes. Isso é um problema cultural do Brasil. Falta civilidade, falta mudar nossa mente.

Como tem sido a evolução no tratamento?
Tivemos uma evolução enorme, especialmente nos últimos dez anos. Há 30 anos pensava-se que o autismo era uma doença ou síndrome causada pela baixa qualidade na relação entre a mãe e os filhos. Ou seja, acreditava-se que as causas do autismo eram psicológicas e que a mãe era a responsável pela doença do filho. Hoje sabemos que se trata de um transtorno biológico do desenvolvimento do sistema neurológico. Houve melhora na qualidade do diagnostico, a imprensa dissemina informação e então os pais se tornam mais conscientes e mais precocemente tomam providências.

Quem é o profissional adequado para fazer a primeira avaliação da criança?
Ainda há divergências a respeito do diagnóstico?
Quem faz o diagnóstico é o psiquiatra infantil. Já o tratamento deve ser feito por uma equipe multidisciplinar. Pode ser formada por neuropediatra, psicólogo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, fisioterapeuta e musicoterapeuta. No Brasil há divergência, fora não. Aqui os pais passam por uma via-crúcis, cinco, seis profissionais.

Existe estrutura para atender todos os que sofrem desse mal no Brasil?
É impossível atender a toda a demanda com a estrutura que temos. No Hospital das Clínicas temos o centro que é uma referência para autismo no Brasil, é o único e não damos conta de atender todo mundo que nos procura.
Precisaríamos de dezenas de outros centros de atendimento, ao menos um em
cada capital. Política pública não existe nenhuma. Nem no nível nacional, no estadual ou municipal. Nos Estados Unidos eles investem U$ 30 bilhões por ano em pesquisa, treinamento, residências especiais, tratamento, escolas. Aqui temos programa de inclusão nas escolas, mas não há preparo para isso. A intenção é boa, mas o treinamento é zero. Nós pagamos o equivalente aos suecos, mas não recebemos nada em troca. Além de políticas públicas, falta mobilização e autoridades sanitárias para identificar mais o problema além de investimento com valores substanciais para atender a todos.

Como vê o futuro da luta contra o autismo no Brasil?
Teremos pelo menos meio século sombrio. Ao menos nas próximas décadas.
Levam-se muitos anos para se formar pessoal, para qualificar pessoas. Especialmente nas dimensões continentais que nós temos. Mas o autismo não é prioridade da saúde no Brasil. Se você perguntar ao ministro da saúde o que é autismo e o que precisa ser feito, ele não saberia responder.

Nos Estados Unidos, estudos dizem que o número de divórcios entre pais de autistas chega a 80%, como vê essa questão no Brasil?
É verdade. Os pais fogem de casa quando descobrem e as mães ficam sozinhas. Eles têm medo porque não tem cura, é para sempre, pede grande investimento e muita dedicação. Uma clínica em São Paulo custa em média R$ 3 mil por mês. Mas em muitos casos nem adianta, por que o custo não garante qualidade. Então a mãe fica em uma situação crítica, tem que atender o filho que pede 24 horas de assistência e tem que trabalhar.
Na Suécia é tudo muito bem preparado, eles têm definidos programas pedagógicos assistenciais.

Então para se ter a chance de conseguir real assistência é preciso se mudar para a Suécia?
Sim, vão para a Suécia, lá todos são muito bem assistidos, o governo cuida, todo mundo sabe o que é autismo e aceita muito bem.

Como podem agir aqueles que não têm condições de deixar o país?
Esses têm de lutar, exercitar a cidadania, mobiliar a comunidade e o poder público. Correr atrás da evolução, por que se formos esperar pelo governo isso nunca vai acontecer. Mas estamos trabalhando, fazendo pesquisas, inclusive com células-tronco. O fato é que essas crianças deveriam ser acompanhadas em unidades básicas de saúde desde o nascimento e avaliadas pelos primeiros anos. Aí seria detectado precocemente se é necessário algum profissional.
Ainda temos muitos anos para preparar o pessoal da rede básica de saúde para que eles possam ter esse diagnóstico precoce, para um bom prognostico. Os pais devem procurar ajuda independente do poder público.
Não podem ficar esperando um governante ou administrador público. Se o filho tem atraso do desenvolvimento, atraso de linguagem, deve procurar ajuda. Pesquise na internet, na mídia, informação é que não falta.

Publicado em 18/01/2009

Retirado de http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=848075&ti=Brasil-nao-tem-estrutura-para-atender-pacientes às 15:40 09/02/2009

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