quinta-feira, 21 de maio de 2015

ESPAÇOS DE INCLUSÃO Apresentação



Marta Gil*
"A deficiência é uma dentre todas as possibilidades do ser humano e daí dever ser considerada, mesmo se as suas causas e conseqüências se modificam, como um fato natural que nós mostramos e de que falamos, do mesmo modo que o fazemos em relação a todas as outras potencialidades humanas" (UNESCO, 1977).
"Nós não devemos deixar que as incapacidades das pessoas nos impossibilitem de reconhecer as suas habilidades. As características mais importantes das crianças e jovens com deficiência são as suas habilidades" (Hallahan e Kauffman, 1994).
"Uma criança deficiente não é respeitada se for abandonada à sua deficiência, do mesmo modo que não é respeitada se se negar a realidade da sua deficiência. É respeitada se a sua identidade, a sua originalidade, da qual a deficiência também faz parte, for favorecida e quase provocada, isto é, se ela for levada a desenvolver-se. Tal é a atitude realista ativa, em situação e em relação. Se for ao contrário, temos o realismo inerte" (Canevaro, 1984).
Vivemos um momento histórico caracterizado por mudanças, turbulências e crises, mas também pelo surgimento de oportunidades.
Esta situação pode ser constatada na área da Deficiência, entre outras. Basta olhar à nossa volta: há mais pessoas com deficiência nas ruas e locais públicos; elas aparecem com mais freqüência no noticiário, inclusive no esportivo: nas últimas Paraolimpíadas, conquistaram muito mais medalhas (inclusive de ouro e prata) que os nossos atletas brasileiros ditos "normais"... Elas se destacam na música (podemos citar o reggae d' "A Tribo de Jah", por exemplo), ganham as passarelas, como modelos fotográficos, como Mara Gabrilli e Ranulfo, e também escrevem livros, como Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva. O Pirata, que ganhou este apelido por ter uma prótese na perna, continua surfando e ensinando portadores de deficiência a surfar; a Equiperneta, composta por jovens com diferentes tipos de deficiência física, foi praticar esportes radicais no Nepal, há uns dois anos, façanha que foi mostrada na televisão.
Estes exemplos (e muitos outros mais) indicam que há um processo social em curso, denominado "inclusão" pelos estudiosos: de um lado, a sociedade começa a perceber a existência de pessoas portadoras de deficiência e a se organizar, para acolhê-las e, de outro, as próprias pessoas com deficiência começam a se mostrar, a reivindicar seus espaços, a exercer seu papel de cidadãs.
Como todo processo social, este também é complexo e acontece de forma gradual. Afinal, para que a inclusão aconteça é preciso modificar séculos de história, de preconceitos muito arraigados, de ambos os lados - e isso não acontece de um dia para o outro.
A inclusão ocorre nas escolas, nas lanchonetes, nos shopping centers, no trabalho, nas igrejas - enfim, em todos os espaços de interação humana. Nesta série do Salto para o Futuro/TV Escola, vamos focalizar principalmente o que está acontecendo nas escolas, com a Educação Especial, que passa a se chamar Educação Inclusiva. É nosso propósito apresentar material para reflexão dos que estão envolvidos com o processo pedagógico.
Como pensar em incluir e, mais ainda, como exercer a inclusão, se não conhecemos estas pessoas, se não temos informações sobre elas - enfim, se elas ainda não existem para nós? Estes e outros temas serão debatidos nos cinco programas da série Espaços de inclusão, que será apresentada no programa Salto para o Futuro, da TV Escola, de 22 a 26 de abril de 2002.
Temas que serão abordados na série Espaços de Inclusão
PGM 1: O QUE É INCLUSÃO SOCIAL?
Este termo "inclusão social" tem sido bastante veiculado e discutido, em substituição ao conceito utilizado anteriormente, de "integração social", em muitos países, não apenas no Brasil. Porém, há várias acepções deste termo, que introduz um novo paradigma em nossa sociedade e assinala outra etapa no processo de conquista dos direitos por parte das PPD - Pessoas Portadoras de Deficiência e de simpatizantes desta causa. Neste programa, abordaremos este conceito, através de perguntas "provocadoras" e mantendo, sempre que possível, o foco sobre a situação nas escolas: O que significa inclusão? Quem são, realmente, as pessoas portadoras de deficiência? Por que elas estavam "invisíveis", até há pouco tempo?
PGM 2: DEFICIÊNCIA MENTAL E INCLUSÃO SOCIAL
Este programa focaliza a realidade das pessoas com deficiência mental, que representam de 40 a 50% do segmento das PPD. Dada a grande ênfase que nossa cultura coloca sobre o desempenho e as habilidades cognitivas, percebidas até mesmo em ditados populares como "O homem que lê vale mais", as pessoas com este tipo de deficiência recebem a carga mais expressiva de atitudes e sentimentos discriminatórios e são consideradas "eternas crianças". Este programa focalizará sua atuação em diversos ambientes sociais: na escola, no trabalho, em atividades de lazer e tendo direito à expressão de sua sexualidade.
PGM 3: DEFICIÊNCIA VISUAL E INCLUSÃO SOCIAL
A incidência de deficiência visual corresponde a aproximadamente 20 a 30% dos casos de deficiência. Infelizmente, estes números têm apresentado tendência a aumentar, em decorrência do aumento da violência, nas cidades de médio e grande porte. Este programa mostrará portadores de deficiência visual parcial ou total desempenhando tarefas profissionais, aprendendo o alfabeto Braille e tendo acesso a museus.
PGM 4: DEFICIÊNCIA FÍSICA E INCLUSÃO SOCIAL
Embora as pessoas utilizem o termo "deficiência física" de forma genérica, para designar todos os tipos de deficiência, para os que atuam na área ele indica pessoas com comprometimentos motores e/ou de locomoção, em braços e/ou pernas. Este tipo de deficiência também tem aumentado, em grande parte como conseqüência da violência urbana e da prática de esportes radicais. Este programa mostrará alternativas de adaptações arquitetônicas que proporcionam autonomia, situações de inclusão em salas de aula e no trabalho.
PGM 5: DEFICIÊNCIA AUDITIVA E INCLUSÃO SOCIAL
A situação das pessoas com deficiência auditiva é, freqüentemente, minimizada tanto por familiares quanto por medidas do Poder Público, que traduzem esta percepção na frase: "Ora, mas ele/a é apenas surdo/a", sem se dar conta do que esta deficiência afeta a capacidade de compreensão e de comunicação destas pessoas. Assim, os estudos e as iniciativas voltadas para a compreensão e o atendimento deste segmento das PPD são em menor número. Este programa vai mostrar a pessoa surda em diversos ambientes de aprendizagem e exercendo o lazer.
PGM 1: O que é inclusão social?
Marta Gil*
Começando a conversa: quem são as PPD - Pessoas Portadoras de Deficiência?
Há muitas maneiras de conceituar quem pode ser classificado como portador de deficiência; estes conceitos mudaram, ao longo da História, assim como as palavras utilizadas para exprimi-los. Termos como: retardado, doentinho, aleijado, surdo-mudo, surdinho, mudinho, excepcional, mongolóide, débil mental e outros não são mais aceitos, atualmente, pois carregam muitos preconceitos. E todos nós sabemos o quanto as palavras são poderosas...
Atualmente, os termos adequados são: Pessoa Portadora de Deficiência, Pessoa com Deficiência ou Pessoa com Necessidades Especiais. Estes termos sinalizam que, em primeiro lugar, referimo-nos a uma PESSOA que, dentre outros atributos e características, tem uma deficiência, mas ela não É esta deficiência. O que importa, em primeiro lugar, é a pessoa.
Estes termos também despertam controvérsias; cada um deles tem defensores, com argumentos próprios. Acreditamos que o fundamental é referir-se a estas pessoas ou conversar com elas de forma natural e respeitosa.
Em termos gerais, podemos definir que "Pessoa Portadora de Deficiência" é a que apresenta, em comparação com a maioria das pessoas, significativas diferenças físicas, sensoriais ou intelectuais, decorrentes de fatores inatos e/ou adquiridos, de caráter permanente e que acarretam dificuldades em sua interação com o meio físico e social.
No Brasil, o Decreto n. 3.298 de 20 de dezembro de 1999 considera pessoa portadora de deficiência a que se enquadra em uma das seguintes categorias:
Deficiência Física: "Alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções";
Deficiência Auditiva: "Perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando em graus e níveis" que vão de 25 decibéis (surdez leve) à anacusia (surdez profunda);
Deficiência Visual: "Acuidade visual igual ou menor que 20/200 no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20 (tabela de Snellen), ou ocorrência simultânea de ambas as situações";
Deficiência Mental: "Funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, oriundo do período de desenvolvimento, concomitante com limitações associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capacidade do indivíduo em responder adequadamente às demandas da sociedade";
Deficiência Múltipla: "É a associação, no mesmo indivíduo, de duas ou mais deficiências primárias (mental/visual/auditiva/física), com comprometimentos que acarretam conseqüências no seu desenvolvimento global e na sua capacidade adaptativa".
Uma das possibilidades de ocorrência de deficiência múltipla é a surdocegueira, na qual a pessoa tem uma perda substancial de visão e audição, de tal forma que a combinação das duas causa muita dificuldade no dia-a-dia, demandando o emprego de metodologias próprias para comunicação e aprendizagem.
No outro extremo da escala das habilidades intelectuais estão as pessoas que são consideradas superdotadas ou com altas habilidades, que se caracterizam por um notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados:
o    Alta capacidade intelectual geral;
o    Aptidão acadêmica específica;
o    Pensamento criativo ou produtivo;
o    Capacidade de liderança;
o    Talento especial para artes;
o    Capacidade psicomotora.
Além destes quatro tipos de deficiência anteriormente citados, há um outro grupo de comportamentos e atitudes que se diferencia do padrão considerado normal e que recebe o nome de condutas típicas. Estas podem ser definidas como manifestações de comportamento típicas de portadores de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos, que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuízos no relacionamento social, em grau que requeira atendimento educacional especializado.
Vale a pena mencionar, ainda que brevemente, o autismo, que é uma síndrome definida por alterações presentes, em geral, por volta do 3º ano de vida e que se caracteriza pela presença de desvios nas relações interpessoais, linguagem/comunicação, jogos e comportamentos.
Dentre os sinais mais característicos do autismo, podemos citar:
o    Tendência ao isolamento;
o    Movimentos repetitivos, aparentemente sem função e sem objetivo (esteriotipia);
o    Dificuldade no relacionamento com outras pessoas (não mantém diálogo, mantém o olhar distante, rejeita contatos físicos);
o    Faz uso de seu nome quando se refere a si próprio;
o    Repete palavras ou frases constantemente (ecolalia);
o    Ausência de noção de perigo;
o    Permanência em situação de fantasia desvinculada da realidade;
o    Hiperatividade intensa e permanente;
o    Necessidade de manter rotinas obsessivas de comportamento, apresentando reação de pânico quando há alguma interferência.
A série Espaços de Inclusão trata da problemática referente aos portadores de deficiências física, mental, auditiva e visual.
Gradações
É fácil perceber que, qualquer que seja o tipo de deficiência, ele apresenta gradações: há pessoas com comprometimentos maiores, que exigem equipamentos como cadeira de rodas, e há outras cujas limitações são menores; algumas conseguem aprender a ler e escrever, mas outras não. A Organização Mundial da Saúde define estes graus usando as seguintes classificações:
Desvantagem (handicap): "No domínio da saúde, a desvantagem representa um impedimento sofrido por um dado indivíduo, resultante de uma deficiência ou de uma incapacidade, que lhe limita ou lhe impede o desempenho de uma atividade considerada normal para ele, levando em conta a idade, o sexo e os fatores sócio-culturais" (OMS, 1980, p. 37).
A situação de desvantagem só se determina em relação a outros, sendo por isso um fenômeno social. Caracteriza-se por uma discordância entre o nível de desempenho do indivíduo e as expectativas que o seu grupo social tem em relação a ele. A situação de desvantagem expressa, pois, o conjunto de atitudes e respostas dos que não sofrem de desvantagens.
Deficiência: "No domínio da saúde, deficiência representa qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica". Dizer que um indivíduo "tem uma deficiência" não implica, portanto, que ele tenha uma doença nem que tenha de ser encarado como "doente".
Incapacidade: No campo da saúde, indica uma desvantagem individual, resultante da desvantagem ou da deficiência, que limita ou impede o cumprimento ou desempenho de um papel social, dependendo da idade, sexo e fatores sociais e culturais.
A incapacidade, estabelecendo a conexão entre a deficiência e a desvantagem, representa um desvio da norma relativamente ao comportamento ou atividade habitualmente esperados do indivíduo. A incapacidade não é um desvio do órgão ou do mecanismo, mas sim um "desvio" em termos de atuação global do indivíduo e pode ser temporária ou permanente, reversível ou irreversível, progressiva ou regressiva.
Estes conceitos da OMS são seguidos por praticamente todas as organizações internacionais que abordam a problemática da Deficiência: UNESCO, International Rehabilitation, OIT, ONU e outras.
Trazendo estes conceitos para o contexto da inclusão dos alunos com deficiências, podemos perceber que os aspectos que adquirem maior relevância neste cenário são as desvantagens funcionais que eles apresentam. Nem sempre a comunidade escolar está preparada para lidar com elas e não sabe o que fazer. Isso cria um desconforto na interação social, fazendo com que muitos evitem as crianças com deficiência ou façam piadinhas de mau gosto.
Estas atitudes mostram a existência de preconceitos e de estigma.
Deficiência: verdades e mitos
Verdades
o    Deficiência não é doença;
o    Algumas crianças portadoras de deficiências podem necessitar de escolas especiais;
o    As adaptações são recursos necessários para facilitar a integração dos educandos com necessidades especiais nas escolas;
o    Síndromes de origem genética não são contagiosas;
o    Deficiente mental não é louco.
Mitos
o    Todo surdo é mudo;
o    Todo cego tem tendência à música;
o    Deficiência é sempre fruto de herança familiar;
o    Existem remédios milagrosos que curam as deficiências;
o    As pessoas com necessidades especiais são eternas crianças;
o    Todo deficiente mental é dependente.
O que fazer, se suspeitar da ocorrência de deficiência?
o    Entre em contato com a família, para verificar se estes comportamentos estão presentes também em casa e se já foi tomada alguma providência;
o    Recomende que a criança seja encaminhada a serviços especializados, para fins de avaliação.
Por que temos preconceitos?
É normal ter preconceito.
O preconceito faz parte da natureza humana, desde o início dos tempos. O homem desconfia e tem medo de tudo o que é diferente dele mesmo. O "outro" inspira receio, temor, insegurança; daí para adotar atitudes defensivas e de ataque é um passo.
Esses sentimentos eram importantes no tempo das cavernas, quando os homens eram poucos e lutavam bravamente para sobreviver em um ambiente hostil. Infelizmente, persistem até hoje, nas lutas entre católicos e protestantes, árabes e judeus, muçulmanos e cristãos, brancos e negros... A lista dos pontos de divergência é grande mas, no fundo, o ponto essencial reside na diferença entre Eu e o Outro.
A rotina das relações sociais nos leva, mais ou menos conscientemente, a "classificar" as pessoas de acordo com uma escala de valores a priori, como resultante da nossa educação e das nossas referências culturais (do lugar que ocupamos na "escala social"). Os critérios dessa "classificação" são variados: a qualidade da expressão, o modo de olhar, a maneira de comer, a forma de andar, a forma de vestir, o senso de humor etc.
Muitas vezes, a segregação começa a partir da colocação de "rótulos" ou de "etiquetas" nas pessoas com deficiência, do tipo "não vai aprender a ler", "não pode fazer tal movimento" e outros. Estas "etiquetas" têm conseqüências sobre a forma como estas pessoas são aceitas pela sociedade e não permitem que a própria pessoa se exprima e mostre do que é capaz. A ênfase recai sobre a INcapacidade, sobre a Deficiência e não sobre a Eficiência, a Capacidade, a Possibilidade.
"O normal e o estigmatizado não são pessoas concretas e sim, perspectivas que são geradas em situações sociais. Assim, nenhuma diferença é em si mesma vantajosa ou desvantajosa, pois a mesma característica pode mudar sua significação, dependendo dos olhares que se lançam sobre elas" (Proposta Curricular de Santa Catarina - 1998).
Felizmente, esta postura começa a ser alterada e os profissionais, principalmente na área da Educação, estão voltando o diagnóstico e a atuação para as possibilidades e os recursos que a pessoa portadora de deficiência tem.
E, deste ponto de vista, a heterogeneidade, característica presente em qualquer grupo humano, passa a ser vista como fator imprescindível para as interações na sala de aula.
A partir do reconhecimento e da aceitação de nossos preconceitos e desconfianças, estamos aptos a mudar nosso comportamento e a aceitar que o objeto destes sentimentos é uma pessoa como nós, ou seja, começaremos a identificar os pontos comuns entre nós e não mais a acentuar as diferenças. Poderemos, então, identificar o que nos une e constatar que nossa essência é a mesma: somos seres humanos, cuja diversidade indica riqueza de situações e possibilidade de intercâmbio de vivências e de aprendizagem.
Os diferentes ritmos, comportamentos, experiências, trajetórias pessoais, contextos familiares, valores e níveis de conhecimento de cada criança (e do professor) imprimem ao cotidiano escolar a possibilidade de troca de repertórios, de visão de mundo, bem como os confrontos e a ajuda mútua, e a conseqüente ampliação das capacidades individuais.
Por que as pessoas portadoras de deficiência são "invisíveis"?
Às vezes, até parece que as pessoas com deficiência não existem, são fantasmas... Elas não são muito vistas nas ruas, ou na televisão, ou na política... Como se explica isso?
Na verdade, desde que o mundo é mundo sempre houve pessoas com deficiência. Mas, nem sempre estas pessoas foram consideradas da mesma maneira.
No passado, a sociedade freqüentemente colocou obstáculos à integração das pessoas deficientes. Receios, medos, superstições, frustrações, exclusões, separações estão, lamentavelmente, presentes desde os tempos da antiga Grécia, em Esparta, onde essas pessoas eram jogadas do alto de montanhas, ou em Atenas, onde elas eram abandonadas nas florestas.
Adotando esta atitude de "longe dos olhos, longe do pensamento", Platão chegou mesmo a ponto de afirmar, quando dizia como deveria ser a sociedade ideal:
"As mulheres dos nossos militares são pertença da comunidade, assim como os seus filhos, e nenhum pai conhecerá o seu filho e nenhuma criança os seus pais. Funcionários preparados tomarão conta dos filhos dos bons pais, colocando-os em certas enfermarias de educação, mas os filhos dos inferiores, ou dos melhores, quando surjam deficientes ou deformados, serão postos fora, num lugar misterioso e desconhecido, onde deverão permanecer."
Na Idade Média, eram freqüentes os apedrejamentos ou a morte nas fogueiras da Inquisição das pessoas com deficiência, pois eram consideradas como possuídas pelo demônio.
No séc. XIX e princípios do séc. XX a esterilização foi usada como método para evitar a reprodução desses "seres imperfeitos". O nazismo promoveu a aniquilação pura e simples das pessoas com deficiência, porque não correspondiam à "pureza" da raça ariana.
Paralelamente a estas atitudes extremas de aniquilamento, outras atitudes eram adotadas, como o isolamento destas pessoas em grandes asilos (como na Inglaterra), além de comportamentos marcados por rejeição, vergonha e medo.
Foi apenas a partir da Revolução Francesa e das suas bandeiras de liberdade, igualdade e fraternidade que estas pessoas passaram a ser objeto de assistência (mas ainda não de educação) e entregues aos cuidados de organizações caritativas e religiosas.
Após a 2a Guerra Mundial, os direitos humanos começaram a ser valorizados; surgem os conceitos de igualdade de oportunidades, direito à diferença, justiça social e solidariedade nas novas concepções jurídico-políticas, filosóficas e sociais de organizações como a ONU - Organização das Nações Unidas, a UNESCO, a OMS - Organização Mundial de Saúde, a OIT - Organização Internacional do Trabalho e outras. As pessoas com deficiência passaram a ser consideradas como possuidoras dos mesmos direitos e deveres dos outros cidadãos e, entre eles, o direito à participação na vida social e à sua conseqüente integração escolar e profissional.
Segundo a UNESCO (1977, p. 5-6), pode-se dividir a história da humanidade em cinco fases, de acordo com o modo como os deficientes foram tratados e considerados:
1. Fase filantrópica - em que as pessoas com deficiência são consideradas doentes e portadoras de incapacidades permanentes inerentes à sua natureza. Portanto, precisavam ficar isoladas para tratamento e cuidados de saúde;
2. Fase da "assistência pública" - em que o mesmo estatuto de "doentes" e "inválidos" implica a institucionalização da ajuda e da assistência social;
3. Fase dos direitos fundamentais, iguais para todas as pessoas, quaisquer que sejam as suas limitações ou incapacidades. É a época dos direitos e liberdades individuais e universais de que ninguém pode ser privado, como é o caso do direito à educação;
4. Fase da igualdade de oportunidades - época em que o desenvolvimento econômico e cultural acarreta a massificação da escola e, ao mesmo tempo, faz surgir o grande contingente de crianças e jovens que, não tendo um rendimento escolar adequado aos objetivos da instituição escolar, passam a engrossar o grupo das crianças e jovens deficientes mentais ou com dificuldades de aprendizagem;
5. Fase do direito à integração - se na fase anterior se "promovia" o aumento das "deficiências", uma vez que a ignorância das diferenças, o não respeito pelas diferenças individuais mascarado como defesa dos direitos de "igualdade" agravava essas diferenças, agora é o conceito de "norma" ou de "normalidade" que passa a ser posto em questão.
Mas, como diz ainda a UNESCO, estas fases só aparentemente se sucedem de forma cronológica. Na verdade, o que acontece é que estas diferentes atitudes e concepções face às pessoas com deficiência se sobrepõem, mesmo nos nossos dias.
Atitudes que contribuem para a integração da pessoa com necessidades especiais
o    Acesso ao conhecimento e à informação;
o    Convivência, que estimula o relacionamento;
o    rompimento de padrões de comportamentos estabelecidos.
Estratégias para facilitar mudança de atitudes
o    Filmes mostrando como pessoas com necessidades especiais podem viver integradas em sua comunidade;
o    Palestras com pessoas com necessidades especiais relatando suas experiências;
o    Palestras com profissionais acerca da problemática das deficiências;
o    Livros e folhetos informativos sobre a deficiência.
Quando você encontrar uma pessoa com deficiência
Segundo o CEDIPOD - Centro de Documentação e Informação do Portador de Deficiência e a CORDE- Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, aqui vão algumas dicas de comportamento.
Muitas pessoas não deficientes ficam confusas quando encontram uma pessoa com deficiência. Isso é natural. Todos nós podemos nos sentir desconfortáveis diante do "diferente".
Esse desconforto diminui e até desaparece quando há convivência entre pessoas deficientes e não deficientes.
Não faça de conta que a deficiência não existe. Se você se relacionar com uma pessoa deficiente como se ela não tivesse uma deficiência, você vai estar ignorando uma característica muito importante dela. Dessa forma, você não estará se relacionando com ela, mas com outra pessoa, uma que você inventou, que não é real.
Aceite a deficiência. Ela existe e você precisa levá-la na sua devida consideração.
Não subestime as possibilidades, nem superestime as dificuldades e vice-versa.
As pessoas com deficiência têm o direito, podem e querem tomar suas próprias decisões e assumir a responsabilidade por suas escolhas.
Ter uma deficiência não faz com que uma pessoa seja melhor ou pior do que uma pessoa não deficiente.
Provavelmente, por causa da deficiência, essa pessoa pode ter dificuldade para realizar algumas atividades e, por outro lado, poderá ter extrema habilidade para fazer outras coisas. Exatamente como todo mundo.
A maioria das pessoas com deficiência não se importa de responder perguntas, principalmente aquelas feitas por crianças, a respeito da sua deficiência e como ela transforma a realização de algumas tarefas. Mas, se você não tem muita intimidade com a pessoa, evite fazer perguntas íntimas.
Quando quiser alguma informação de uma pessoa deficiente, dirija-se diretamente a ela e não a seus acompanhantes ou intérpretes.
Sempre que quiser ajudar, ofereça ajuda. Espere sua oferta ser aceita, antes de ajudar. Pergunte a forma mais adequada para fazê-lo.
Mas não se ofenda se seu oferecimento for recusado, pois nem sempre as pessoas com deficiência precisam de auxílio. Às vezes, uma determinada atividade pode ser mais bem desenvolvida sem assistência.
Se você não se sentir confortável ou seguro para fazer alguma coisa solicitada por uma pessoa deficiente, sinta-se livre para recusar. Neste caso, seria conveniente procurar outra pessoa que possa ajudar.
As pessoas com deficiência são pessoas como você. Têm os mesmos direitos, os mesmos sentimentos, os mesmos receios, os mesmos sonhos.
Você não deve ter receio de fazer ou dizer alguma coisa errada. Aja com naturalidade e tudo vai dar certo.
Se ocorrer alguma situação embaraçosa, uma boa dose de delicadeza, sinceridade e bom-humor nunca falha.
Como a PPD tem sido vista pela Educação
Em termos educativos, o conceito de Deficiência tem evoluído ao longo dos tempos, acompanhando as concepções de desenvolvimento e de aprendizagem.
Durante a primeira metade do séc. XX, os conceitos de "deficiência" / "diminuição" / handicap /inadaptação incluíam as características de inatismo e de determinismo, implicando a concepção de que "uma vez deficiente, deficiente para sempre".
Esta compreensão impulsionou muitos estudos, que tinham por objetivo organizar em diferentes categorias todos os possíveis distúrbios que pudessem ser detectados.
Esta fase de categorização e etiquetagem, que via a "deficiência" ou o "distúrbio" como uma característica inerente à criança, trouxe consigo duas conseqüências fundamentais:
o    A necessidade de uma "detecção precisa" da deficiência, com o conseqüente desenvolvimento dos Testes de Inteligência e outras técnicas de diagnóstico quantitativo;
o    A generalização da idéia de que, sendo as "deficiências" irrecuperáveis, as crianças por elas afetadas deveriam ser "colocadas" num sistema educacional à parte (escolas especiais).
De acordo com esta compreensão da Deficiência, os efeitos das deficiências físicas e sensoriais eram deterministicamente atribuídos ao próprio indivíduo e as dificuldades sentidas por este tipo de alunos na escola eram concebidas em termos de deficiência mental; crianças ou jovens com marcadas dificuldades físicas, sensoriais, mentais, comportamentais ou de comunicação eram considerados como qualitativamente diferentes dos outros alunos, com características consideradas inalteráveis e permanentes e, como tal, fazia sentido a existência de um sistema educacional separado do ensino regular.
Nos anos 40 e 50 surgem profundas e importantes alterações com o fortalecimento das correntes "ambientalistas" e "comportamentalistas". Questionando amplamente a "constitucionalidade" e a "incurabilidade" dos distúrbios, os partidários destas teorias afirmavam que a "deficiência" podia ser "provocada" pela "ausência de estimulação adequada ou por processos de aprendizagem incorretos".
Ao assim pensar, os adeptos destas correntes não só acabaram por incluir os conceitos de "adaptação social" e de aprendizagem na definição de "atraso mental", por exemplo, como permitiram consideráveis avanços na compreensão de que "todas as crianças são educáveis" e deram um profundo golpe nas concepções da "incurabilidade" das deficiências.
Entretanto, a partir dos anos 60 e principalmente da década de 70, em decorrência da contribuição de muitas disciplinas e ramos da ciência, uma grande "revolução" se deu no conceito de "deficiência" aplicado às crianças e jovens em idade escolar. Tal alteração tem por base uma mudança de perspectiva, colocando no centro do problema não a deficiência do indivíduo, mas as suas necessidades particulares, para procurar o meio ambiente no qual se poderá desenvolver melhor.
Assim, durante a década de 70, por todo o mundo ocidental, um amplo movimento de alargamento da escolaridade obrigatória a todas as crianças faz com que os diferentes países prestassem uma atenção particular à organização dos seus serviços de educação especial, chamando a si a responsabilidade de garantirem também às crianças com deficiências um processo educativo adaptado às suas necessidades individuais.
Marco relevante nesta nova abordagem da deficiência, tendente a modificar não só o sistema das classificações, mas também, e sobretudo, a prática da "integração" foi o "Warnock Report", um relatório britânico publicado em 1978 e realizado por uma comissão dirigida por Mary Warnock, encarregada de elaborar propostas para a melhoria da educação de jovens com deficiências. É o "Warnock Report" que introduz, pela primeira vez, o conceito de "aluno com necessidades educativas especiais".
Este conceito é bastante amplo e enfatiza aspectos instrumentais e funcionais, ou seja: o que fazer para receber e tratar este aluno no ambiente escolar comum, da melhor forma possível?
De acordo com este conceito e efeitos da sua educação, as crianças e jovens com dificuldades especiais, ou com necessidades educativas especiais (NEE), são aquelas que requerem educação especial e serviços específicos de apoio para a realização total do seu potencial humano. Eles podem ser muito diferentes dos outros por terem atraso mental, dificuldades de aprendizagem, desordens emocionais ou comportamentais, incapacidades físicas, problemas de comunicação, autismo, lesões cerebrais, deficiência auditiva, deficiência visual, ou mesmo dotes e talentos especiais, no caso dos superdotados. São exatamente estas diferenças que devem ser levadas em conta, para que eles possam freqüentar a escola comum.
Segundo alguns estudiosos, entre os quais Hallahn e Kauffman, esta definição de crianças e jovens com necessidades especiais mostra algo muito importante, que merece destaque:
Estas pessoas apresentam uma extraordinária diversidade de características, o que impede a generalização de medidas para tratá-los como se fossem um grupo homogêneo.
A partir de meados da década de 70 e claramente assumida nos anos 80, surge uma filosofia de "integração" educativa como opção principal da grande maioria dos países, defendendo-se que o ensino das crianças e jovens com dificuldades especiais deve ser feito, pelo menos tanto quanto possível, no âmbito da escola regular.
Por que incluir crianças com deficiência na escola regular?
Em muitos países do mundo ocidental, os professores vêm fazendo esta pergunta, às vezes em voz alta, às vezes consigo mesmos, em diversas ocasiões.
Para muitos, a integração escolar de alunos com deficiência é uma provocação ao profissionalismo do professor. A lógica da inclusão (veja-se a Declaração de Salamanca) constitui a essência do ideal democrático.
Os benefícios da inclusão de alunos com necessidades educativas especiais na escola regular são evidentes (apesar das dificuldades) e TODOS os autores desta integração "lucram" com ela.
Vários estudos comparativos realizados principalmente nos EUA e nos países escandinavos, onde este movimento existe há mais tempo, revelam a seguinte situação:
Benefícios para os alunos com deficiências
o    Eles encontram modelos positivos nos colegas;
o    Contam com assistência por parte dos colegas;
o    A criança cresce e aprende a viver em ambientes integrados;
Benefícios para os alunos que não são deficientes
o    A melhor forma de aprenderem a lidar com as diferenças individuais;
o    Oportunidade para praticar e partilhar as aprendizagens;
o    Diminuição da ansiedade face aos fracassos ou insucessos.
Benefícios para todos os alunos
o    Compreensão e aceitação dos outros;
o    Reconhecimento das necessidades e competências dos colegas;
o    Respeito por todas as pessoas;
o    Construção de uma sociedade solidária;
o    Desenvolvimento de apoio e assistência mútua;
o    Desenvolvimento de projetos de amizade;
o    Preparação para uma comunidade de suporte e apoio.
A caminho da inclusão
Segundo Steinemann: "Integração significa o (re)-estabelecer de formas comuns de vida, de aprendizagem e de trabalho entre pessoas deficientes e não-deficientes. Integração significa ser participante, ser considerado, "fazer parte de", ser levado a sério e ser encorajado. A integração requer a promoção das qualidades próprias de um indivíduo, sem estigmatização e sem segregação. Realizar pedagogicamente a integração significa, seja no jardim de infância, na escola ou no trabalho, que todas as crianças e adultos (deficientes ou não) brinquem/aprendam/trabalhem de acordo com o seu nível próprio de desenvolvimento em cooperação com os outros" (Steinemann, 1994).
As palavras "integrado" e "integração" derivam do latim "integrare" que vem do adjetivo "integer", que originalmente significa intacto, não tocado, sem mácula, são, virgem, inteiro, completo.
Portanto, a palavra "integração", neste sentido, deve ser interpretada como alguma coisa de original e natural, sendo a "segregação" (o estado de não-integração) algo anormal, construído, artificial.
Mas o mais interessante da história da palavra integração é que o termo latino "integer" (intacto) parece ter derivado em duas direções nas línguas modernas. Enquanto que em uma delas está muito próximo do seu sentido original (aparecendo em termos como "integridade", "íntegro", "integral"), a outra direção vai mais no sentido de "compor", "fazer um conjunto", "juntar as partes separadas no sentido de reconstruir uma totalidade".
Quando se aborda o tema da educação de crianças e jovens com dificuldades especiais, nomeadamente devidas às suas deficiências físicas, mentais ou sensoriais, parece ser mais no segundo sentido acima indicado que se utiliza o termo "integração", querendo significar a colocação de pessoas com deficiência juntamente com pessoas não-deficientes no mesmo lugar.
Neste contexto, a integração escolar pode ser vista como um "fim" em si, como uma forma de "associação" entre o grupo de alunos "especiais" e a escola regular ou então como um "processo" de "estruturação organizacional", de modificação da própria escola regular no sentido de atender a todas as diferenças.
Segundo Romeu K. Sassaki: "(...) a integração social, afinal de contas, tem consistido no esforço de inserir na sociedade pessoas com deficiência que alcançaram um nível de competência compatível com os padrões sociais vigentes. A integração tinha e tem o mérito de inserir o portador de deficiência na sociedade, sim, mas desde que ele esteja de alguma forma capacitado a superar as barreiras físicas, programáticas e atitudinais nela existentes. Sob a ótica dos dias de hoje, a integração constitui um esforço unilateral tão somente da pessoa com deficiência e seus aliados (a família, a instituição especializada e algumas pessoas da comunidade que abracem a causa da inserção social), sendo que estes tentam torná-la mais aceitável no seio da sociedade."1
Continuando, Sassaki mostra que a prática da integração social vem ocorrendo, desde a década de 80, de 3 formas:
1. Pela inserção pura e simples daquelas pessoas com deficiência que conseguiram ou conseguem, por méritos pessoais e profissionais próprios, utilizar os espaços físicos e sociais, bem como seus programas e serviços, sem nenhuma modificação por parte da sociedade, ou seja, da escola comum, da empresa comum, do clube comum, etc.;
2. Pela inserção daqueles portadores de deficiência que necessitavam ou necessitam de alguma adaptação específica no espaço físico comum ou no procedimento da atividade comum, a fim de poderem, só então, estudar, trabalhar, ter lazer, enfim, conviver com pessoas não-deficientes;
3. Pela inserção de pessoas com deficiência em ambientes separados dentro dos sistemas gerais. Por exemplo: escola especial junto à comunidade; classe especial numa escola comum; setor separado dentro de uma empresa comum; horário exclusivo para pessoas deficientes num clube comum, etc. Esta forma de integração, mesmo com todos os méritos, não deixa de ser segregativa.
Embora estas formas representem um avanço em relação às atitudes do passado, de segregação, ainda não respondem plenamente aos anseios e direitos das PPD, pois elas pouco exigem da sociedade em termos de modificação de comportamentos, leis, adaptações arquitetônicas e outras. O esforço da integração fica quase que exclusivamente sobre os ombros das PPD.
O ano de 1981 foi designado, pela ONU - Organização das Nações Unidas, de Ano Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiência e assinalou um marco fundamental na luta pelos direitos das PPD no mundo todo. Na esteira do conceito de integração vieram outros, como os de autonomia, independência, empowerment e equiparação de oportunidades, que podem ser considerados passos em direção ao conceito atualmente vigente, de inclusão social.
Vamos recorrer novamente à autoridade de Romeu Sassaki 2 para definir, brevemente, estas palavras.
Autonomia é a condição de domínio no ambiente físico e social, preservando ao máximo a privacidade e a dignidade da pessoa que a exerce. Ter maior ou menor autonomia significa que a pessoa com deficiência tem maior ou menor controle nos ambientes que ela freqüenta; rampas facilitam a autonomia no espaço físico, por exemplo.
Independência é a faculdade de decidir sem depender de outras pessoas, como familiares ou profissionais especializados. Uma pessoa com deficiência pode ser mais ou menos independente em decorrência da quantidade e da qualidade de informações a que tiver acesso, mas também de sua autodeterminação e/ou prontidão para tomar decisões em uma determinada situação.
Empowerment significa o processo pelo qual uma pessoa ou um grupo de pessoas usa o seu poder pessoal, inerente à sua condição, para fazer escolhas e tomar decisões, assumindo assim o controle de sua(s) vida(s). Neste sentido, independência e empowerment são conceitos interdependentes. Não se outorga este poder às pessoas; o poder pessoal está em cada ser humano desde o seu nascimento.
O termo equiparação de oportunidades é definido pela Disabled Peoples' International (1981) como "o processo mediante o qual os sistemas gerais da sociedade, tais como o meio físico, a habitação e o transporte, os serviços sociais e de saúde, as oportunidades de educação e trabalho, e a vida cultural e social, incluídas as instalações esportivas e de recreação, são feitos acessíveis para todos. Isto inclui a remoção das barreiras que impedem a plena participação das pessoas deficientes em todas estas áreas, permitindo-lhes assim alcançar uma qualidade de vida igual à de outras pessoas".
Nesta definição está implícito o princípio da igualdade de direitos: "O princípio de direitos iguais implica que as necessidades de cada um e de todos são de igual importância e que essas necessidades devem ser utilizadas como base para o planejamento das comunidades e que todos os recursos precisam ser empregados de tal modo que garantam que cada pessoa tenha oportunidade igual de participação."
A igualdade de oportunidades em educação é na verdade essencial dada a importância da educação na transmissão de atitudes, conhecimentos e competências que a sociedade como um todo encara como importantes para todas as crianças e jovens.
Como bem enfatiza Sassaki: "É fundamental equipararmos as oportunidades para que todas as pessoas, incluindo portadoras de deficiência, possam ter acesso a todos os serviços, bens, ambientes construídos e ambientes naturais, em busca da realização de seus sonhos e objetivos."
Na seqüência destes movimentos e conquistas é elaborado o conceito de inclusão social, processo que funciona em mão dupla: a sociedade e os segmentos até então excluídos (inclusive o das PPD) buscam equacionar soluções e alternativas, para garantir a equiparação de oportunidades e de direitos. Os valores que norteiam este processo são:
o    A aceitação e a valorização da diversidade;
o    O exercício da cooperação entre diferentes;
o    A aprendizagem da multiplicidade.
De acordo com estudiosos deste processo social, o momento atual caracteriza-se pela transição da fase da integração para a da inclusão, que pressupõe um novo paradigma, um novo modelo de sociedade.
Momentos de transição, como este, despertam debates e dúvidas; surgem várias opções e alternativas, cada uma com seus defensores. É difícil adotar novos conceitos e modificar padrões de comportamento já consolidados. Além disso, estamos tratando de seres humanos, que merecem ser tratados com respeito e delicadeza.
No campo da Educação, vemos surgir diversas posições: a mais radical, que defende que todos os alunos devem ser educados apenas na escola regular (Escola para Todos) até a idéia de que a diversidade de características, verificada no grupo de alunos com necessidades educativas especiais, implica a existência e manutenção de um contínuo de serviços e uma diversidade de opções. Essas opções podem ir da inclusão na classe regular até a colocação em instituições residenciais especializadas, passando pelas salas de apoio e classes especiais na escola regular ou pelo recurso a escolas especiais.
Se se trata de uma questão de direitos cívicos, um dos principais direitos de qualquer minoria é o seu direito de escolha e, conforme prevê a legislação, os pais ou tutores destes alunos têm liberdade de escolher o que acham melhor para os seus educandos. Nesse sentido, é importante que haja diferentes alternativas, para que possam escolher a que melhor se ajusta ao seu caso.
Desta forma, os educadores e profissionais da educação devem preservar a oferta de diferentes tipos de serviços de forma que, sempre que possível, seja garantida a possibilidade de escolha. Alguns autores propõem um contínuo de serviços organizados em cascata e numa ordem progressiva de pequenos "saltos" no sentido da maior proximidade entre os alunos com dificuldades especiais na escola e os seus colegas não deficientes.
Não se trata simplesmente de transferir os alunos da escola especial para a escola regular, mas sim de remodelar e modificar a escola regular para que esta possa atender a uma mais ampla variedade de alunos.
Não podemos nos esquecer de que as interações sociais não acontecem automaticamente; num grupo social, as pessoas tendem a escolher os parceiros com interesses e valores semelhantes, evitando as diferenças. O fato de estarem na mesma sala não faz com que as crianças imediatamente comecem a interagir com colegas que têm alguma diferença.
Além das mudanças arquitetônicas, que são necessárias em quase todos os edifícios escolares para acolher a criança com deficiência, a escola regular tem normalmente uma estrutura curricular, a organização dos horários, os padrões de socialização e todo um conjunto de normas e regulamentos verdadeiramente segregadores dos alunos com deficiências, estando mais voltada para o acumular de conhecimentos e para a criação de elites qualificadas.
Portanto, entre as alternativas possíveis e os níveis de integração desejados interpõe-se a necessidade de desenvolver um conjunto de métodos e estratégias educativas (em nível curricular) de importância fundamental para o sucesso da integração dos alunos com deficiências na escola.
Alguns tipos de alunos (com deficiências sensoriais ou graves problemas de comunicação, por exemplo) requerem o uso de equipamentos ou materiais específicos e não utilizados pela generalidade dos alunos da escola. Assim sendo, a escola deve se adaptar e modificar, no sentido de atender às necessidades de uma grande variedade e diversidade de alunos.
Para que uma criança "especial" possa ser "incluída" numa situação em que todos a sintam "mais normal" e em que a sua auto-estima seja aumentada, em que se desenvolvam relações interpessoais e interações com seus colegas (com ou sem dificuldades especiais) é necessário desenvolver estratégias adequadas e devidamente planejadas, como a pesquisa desenvolvida por McNamara e Moreton, em 1993 evidencia. Os seguintes aspectos devem ser levados em conta:
o    A planificação e o desenvolvimento de arranjos no ambiente físico e no ambiente social;
o    A escolha dos materiais e equipamentos da sala de aula;
o    A disposição e a adequação do espaço disponível para os alunos ("densidade social" e "densidade espacial");
o    A revisão do papel do professor como iniciador das interações sociais ou como mero gestor dessas interações;
o    A maior ou menor estruturação das atividades propostas na sala de aula.
Concluindo...
Resumindo o caminho percorrido até aqui, podemos dizer que uma das principais lições que podemos tirar é que não há um formato padronizado para a integração de alunos diferentes/deficientes na escola regular. Cada um dos aspectos da integração - definição, motivos, objetivos, níveis, dificuldades, vantagens e desvantagens etc. - apresenta uma enorme diversidade e, como diz o documento publicado pela Comissão Européia, em 1996:
"Deve reconhecer-se que a integração dos alunos com necessidades educativas especiais implica muito mais do que colocar simplesmente o aluno numa escola regular. Trata-se de um processo em que o aluno tem oportunidades para se desenvolver e progredir em termos educativos para uma autonomia econômica e social. A integração é igualmente um processo em que as próprias escolas necessitam de mudar e de se desenvolver com o objetivo de proporcionar um ensino de elevado nível a todos os alunos e o máximo de acesso aos que têm necessidades educativas especiais"
Segundo a Declaração de Salamanca:
"As escolas devem ajustar-se a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, lingüísticas ou outras. Neste conceito devem incluir-se crianças com deficiência ou superdotadas, crianças da rua ou crianças que trabalham, crianças de populações imigradas ou nômades, crianças de minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos desfavorecidos ou marginais."
Declaração de Salamanca: UNESCO, 1994.
Assim, principalmente na área pedagógica, não parece correto ter-se como ponto de referência as deficiências ou incapacidades (atitude infelizmente ainda freqüente nas nossas escolas) mas sim compreender que o que é importante é o ser humano. Tal como a ergonomia já faz no domínio do trabalho - com a adaptação do posto de trabalho à pessoa, às suas habilidades e características individuais - no campo da pedagogia teremos de evitar que a deficiência se coloque entre o professor e o aluno, impedindo-nos de ver a pessoa que está por detrás dessa deficiência.
Talvez seja este o momento de se passar da idéia de que "todos devem ter as mesmas oportunidades" para a noção de que "todos deveriam ter oportunidades diferentes" para desenvolver as suas potencialidades e satisfazer as suas necessidades, dadas as nossas diferenças individuais. Fica aí o pensamento para reflexão...
Ao iniciarmos um novo século e um novo milênio, está na hora de abandonarmos etiquetas e rótulos e de olharmos além deles.
Os professores e o processo de inclusão
Estudos indicam que a atitude do professor é um dos fatores que mais contribui para o sucesso de qualquer medida de integração da criança com deficiência. De fato, como o comprovam as práticas do dia-a-dia nas nossas escolas, não basta determinar legalmente a integração para que ela aconteça.
A integração é, em última instância, um processo de fornecer aos alunos com deficiência uma educação com o máximo de qualidade e de eficácia, no sentido da satisfação das suas necessidades individuais. Ora, este objetivo depende fundamentalmente do papel do professor, nomeadamente de variáveis como a sua vontade em levar a cabo as tarefas de ensino destes alunos e a sua formação ou preparação pedagógica para o fazer.
Estratégias para a integração/inclusão
Gostaríamos de sugerir estratégias que estão sendo utilizadas para a integração de crianças e jovens com deficiência na escola regular, em outros países. Algumas ainda estão em fase de experimentação. Esperamos que possam trazer idéias aplicáveis em suas escolas.
Equipe de pré-classificação
Trata-se de equipes compostas por uma variedade de profissionais, especialmente professores de ensino regular e professores de ensino especial, que trabalham em conjunto com o professor da classe no sentido de elaborar, recomendar e desenvolver estratégias para ensinar as crianças ou jovens com deficiência dessa classe.
O principal objetivo destas equipes é o de influenciar o professor da classe regular, para que ele assuma a responsabilidade pela educação de todos os seus alunos, tentando todas as estratégias de ensino necessárias e possíveis, antes de enviar qualquer aluno para um programa de ensino especial.
Apoio consultivo
Trata-se de um professor especializado ou com experiência no ensino especial que colabora com o professor da classe regular, no sentido de descobrir e implementar estratégias de ensino eficazes para os casos de alunos com deficiência.
Neste modelo, as relações entre o professor do ensino especial e o professor da classe regular baseiam-se nos princípios da mutualidade - ou seja, da partilha de responsabilidades entre os dois profissionais pela escolha e implementação das estratégias adotadas - e da reciprocidade - o que significa que qualquer um dos dois profissionais tem idêntica autoridade, igualdade no acesso à informação e as mesmas oportunidades para participarem na identificação, discussão, tomada de decisão e implementação das medidas adotadas.
Ensino cooperativo
Trata-se de uma estratégia em que o professor da classe regular e o professor do ensino especial trabalham em conjunto, dentro da sala de aula regular composta por alunos com deficiência e por alunos ditos normais. Neste modelo existem, pelo menos, três formas diferentes de organização:
1. Atividades complementares - enquanto o professor do ensino regular assume, por exemplo, as atividades da área acadêmica (conteúdos acadêmicos), o professor do ensino especial ensina alguns alunos a identificar as idéias principais de um texto, a fazer resumos - enfim, a dominar técnicas de estudo;
2. Atividades de apoio à aprendizagem - os dois professores ensinam os conteúdos acadêmicos, mas enquanto o professor do ensino regular é responsável pelo núcleo central do conteúdo, pela matéria essencial, o professor do ensino especial encarrega-se de dar apoio suplementar a qualquer aluno que dele necessite, individualmente ou em pequenos grupos;
3. Ensino em equipe - o professor da classe regular e o professor do ensino especial planificam e ensinam em conjunto todos os conteúdos a todos os alunos, responsabilizando-se cada um deles por uma determinada parte do currículo ou por diferentes aspectos das matérias de ensino.
O sucesso do "ensino cooperativo" depende de dois fatores fundamentais:
o    Necessidade de bastante tempo nos horários dos professores para fazerem o planejamento em conjunto;
o    Compatibilidade entre os estilos de trabalho e personalidades dos dois professores.
Aprendizagem Cooperativa
Trata-se de uma estratégia em que o professor da classe regular coloca os alunos em grupos de trabalho, organizando-os na base da heterogeneidade das suas habilidades (por exemplo, juntando alunos com dificuldades especiais numa determinada área com alunos mais habilidosos no assunto em estudo).
De acordo com os dados de investigação conhecidos, as estratégias de aprendizagem cooperativa levam a uma melhoria significativa das atitudes por parte dos alunos não-deficientes face aos seus colegas com dificuldades especiais ou mesmo com deficiências graves, ao mesmo tempo em que permite a estes um aumento significativo da sua auto-estima e das suas atitudes em face de si mesmos.
Ensino por colegas
Trata-se de um método baseado na noção de que os alunos podem efetivamente ensinar os seus colegas. Neste método, o papel de aluno ou de professor pode ser atribuído a qualquer aluno, com deficiência ou não, e alternadamente, conforme as matérias em estudo ou as atividades a desenvolver. No entanto, quando um aluno com deficiência assume o papel de mestre (professor), o aprendiz (aluno) é geralmente um aluno mais novo e menos desenvolvido, ainda que sem dificuldades especiais em relação ao seu nível de desenvolvimento.
Participação parcial
Trata-se de uma estratégia em que os alunos com dificuldades especiais, quando freqüentam uma sala de aula regular, se envolvem em algumas atividades com os seus colegas sem deficiência, embora numa reduzida dimensão. Neste tipo de estratégia, o professor faz algumas adaptações nas atividades a desenvolver, no sentido de facilitar o mais possível a participação dos alunos com mais dificuldades, alterando as regras do "jogo", modificando a forma de apresentação ou de organização da tarefa a fazer ou, mesmo, dando alguma ajuda individual aos alunos com dificuldades nas partes mais difíceis da atividade em causa.
Materiais curriculares específicos para a mudança de atitudes
Trata-se de uma estratégia em que o professor organiza alguns materiais (como, por exemplo, marionetes) ou desenvolve atividades de simulação em que os alunos ditos normais representam o papel de alunos com deficiência, para levar os alunos sem deficiência a modificar as suas atitudes face aos seus colegas com dificuldades especiais.
NOTAS:
* Socióloga. Gerente da Rede SACI - Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação (www.saci.org.br). Consultora desta série.
    1. Sassaki, Romeu. K. Inclusão - construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997, p. 34.
    2. Sassaki, op. cit.. pág. 36 a 41..
PGM 2: Deficiência mental e inclusão social
Marta Gil*
"Uma criança com necessidades educacionais especiais, antes de ser alguém impedido por uma deficiência, é alguém capaz de aprender."
(Prof. Dr. Hugo Otto Beyer
Universidade Federal doRio Grande do Sul)
Apresentando a deficiência mental
Segundo as estimativas da Organização Mundial de Saúde, válidas para países do Terceiro Mundo, em tempos de paz, as pessoas com deficiência mental correspondem a, aproximadamente, 50% do total das PPD - Pessoas Portadoras de Deficiência.
A definição de deficiência mental que é mais aceita, atualmente, é a da American Association of Mental Retardation, datada de 1992:
Deficiência mental é um funcionamento intelectual significativamente abaixo da média, coexistindo com limitações relativas a duas ou mais das seguintes áreas de habilidades adaptativas: comunicação, autocuidado, habilidades sociais, participação familiar e comunitária, autonomia, saúde e segurança, funcionalidade acadêmica, de lazer e de trabalho. Manifesta-se antes dos 18 anos de idade.
Lendo com atenção esta definição, podemos concluir que deficiência mental é uma condição diferente da doença mental, embora esta confusão seja feita freqüentemente pelas pessoas. A doença mental caracteriza-se por distúrbios de ordem emocional, psicoses e outros.
Ao longo dos séculos, a pessoa com deficiência mental era, muitas vezes, discriminada e segregada, pois era considerada como "detentora de poderes sobrenaturais", "fruto de tragédia familiar", "sangue ruim", "depositária do mal" e outros rótulos, todos muito negativos.
Até o século XVIII, a própria ciência confundia deficiência mental com doença e, portanto, procurava tratamentos que trouxessem uma "cura" para esta condição. A partir do século XIX surgiu a abordagem educacional, que leva em conta as possibilidades e potencialidades da pessoa portadora de deficiência mental. Curiosamente, esta abordagem foi uma iniciativa de médicos...
Aos poucos, educadores, psicólogos e pedagogos se envolveram com esta questão e a compreensão sobre este tipo de deficiência vem aumentando. Infelizmente, vários "mitos" 1 e conceitos errados ainda persistem, como:
o    Toda pessoa com deficiência mental é doente;
o    Pessoas com deficiência mental morrem cedo, devido a "graves" e "incontornáveis" problemas de saúde;
o    Pessoas com deficiência mental precisam usar remédios controlados;
o    Pessoas com deficiência mental são agressivas e perigosas, ou dóceis e cordatas;
o    Pessoas com deficiência mental são, em geral, incompetentes;
o    Existe um "culpado" pela condição de deficiência;
o    O meio ambiente pouco pode fazer pelas pessoas com deficiência;
o    Pessoas com deficiência mental só estão "bem" com seus "iguais";
o    Para o aluno com deficiência mental, a escola é apenas um lugar para exercer alguma ocupação fora de casa.
Como identificar a deficiência mental?
A deficiência mental pode ser identificada precocemente (às vezes, ainda durante a gestação); porém, é bastante comum que a suspeita surja na escola, quando se espera mais da criança e de sua capacidade de aprendizagem.
Nestes casos, é de fundamental importância confirmar este diagnóstico, antes de enviar a criança para a sala especial e de começar a tratá-la de forma pejorativa ou discriminatória. O diagnóstico de deficiência mental deve ser feito por uma equipe de profissionais especializados (médico e psicólogo) e confirmado por um pedagogo. Além dos testes específicos, estes profissionais devem levar em conta o momento de vida que a criança atravessa e verificar o ambiente sociocultural em que ela vive.
Se for confirmada a condição de deficiência mental, após todos estes procedimentos, a criança tem direito a receber apoio especializado e sua família deve ser orientada, a fim de favorecer sua aprendizagem e seu desenvolvimento.
Que sinais podem ser observados?
É importante tornar a enfatizar que o diagnóstico de deficiência mental só pode ser feito por especialistas, após a realização de exames. Há casos, que assumem aspectos trágicos, de pessoas que passam pela vida carregando este "rótulo", sem que sejam realmente portadoras de deficiência mental.
Porém, ao observar que a criança apresenta um comportamento diferente do de outras crianças - como dificuldades em estabelecer relações de aprendizagem no seu cotidiano (na sala de aula e em outros espaços, como no pátio, na aula de Educação Física, nos passeios) - tal fato deve ser relatado ao especialista e o professor e a família devem buscar orientação junto aos serviços especializados de sua comunidade.
Estas dificuldades são um sinal de alerta, que nos informa que algo talvez não vá bem.
Alertamos, ainda, que há uma variedade e uma complexidade de situações abrangidas pelo conceito "deficiência mental". Assim, os sinais acima mencionados não esgotam o assunto.
A escala da deficiência mental
O grau de comprometimento intelectual das pessoas com deficiência mental pode ser distribuído em uma escala.
Em uma ponta estão as crianças que:
o    Desenvolvem habilidades sociais e de comunicação de forma eficiente e funcional;
o    Têm um prejuízo mínimo nas áreas sensório-motoras;
o    Podem ter comportamentos similares aos das crianças de sua idade, não deficientes;
o    Representam, aproximadamente, 85% dos portadores de deficiência mental.
o    No centro da escala estão as crianças que:
o    Têm nível de comprometimento intelectual mais acentuado;
o    Podem adquirir habilidades sociais e de comunicação;
o    Precisam de apoio e de acompanhamento mais constantes;
o    Representam, aproximadamente, 10% dos portadores de deficiência mental.
o    Na outra ponta da escala estão as crianças
o    Com rebaixamento intelectual significativo;
o    Este rebaixamento está, freqüentemente, associado a outros comprometimentos;
o    Nos primeiros anos de vida adquirem pouca (ou nenhuma) fala comunicativa;
o    Seu desenvolvimento sensório-motor também é bastante comprometido
o    Precisam de estimulação multissensorial;
o    Precisam de um ambiente estruturado, com apoio e acompanhamento constantes.
Concluindo: a maioria das crianças com deficiência mental apresenta baixo comprometimento cognitivo e, portanto, pode se beneficiar muito do processo de aprendizagem.
Assim, se a criança com deficiência mental for corretamente estimulada, desde cedo e se o ambiente educacional for receptivo e lançar mão de recursos educacionais adequados, ela poderá absorver conhecimentos.
Segundo a Profa. Lígia A. Amaral2:
"Se a deficiência for leve, a criança é capaz de atingir uma estrutura cognitiva que lhe possibilite realizar operações lógicas de nível concreto, com apoio em objetos. Portanto, consegue operar mentalmente e abstrair, tal como a criança que não é deficiente. Piaget se refere à estrutura cognitiva da criança como uma 'construção mental inacabada'. No caso da deficiência leve, a estrutura cognitiva não chega ao estágio das operações formais, ou seja, não chega à construção final - quarto e último estágio das estruturas do conhecimento. Daí a expressão 'construção mental inacabada'.
Se a criança com deficiência mental leve é capaz de operar mentalmente, embora numa idade posterior à das crianças não deficientes, ela é também capaz de ser alfabetizada e de ter acesso a outros conhecimentos das sucessivas seriações escolares.
Progressivamente, práticas inovadoras e integradas têm confirmado que, devidamente 'trabalhadas', as crianças com deficiência mental leve podem surpreender."
A experiência de professores tem demonstrado que, ao buscar recursos educacionais que concretizem os conceitos expostos, toda a classe se beneficia, não apenas o aluno portador de deficiência.
Retomando a idéia de que a "educação não é uma fórmula de escola, mas sim uma obra de vida", como dizia Freinet, lembramos que Educação é um processo abrangente e complexo, que ultrapassa a escolarização e que tem, por objetivo final, preparar a pessoa para a vida na família, na escola, no trabalho, no mundo....
É importante que o professor e toda a comunidade escolar (diretor, funcionários, alunos) se lembrem de que todo aluno pode, a seu modo e respeitando seu tempo, beneficiar-se de programas educacionais, desde que tenha oportunidades adequadas para desenvolver sua potencialidade.
Como tratar pessoas com deficiência mental 3
o    Aja naturalmente ao dirigir-se a uma pessoa com deficiência mental;
o    Trate-a com respeito e consideração, de acordo com sua idade;
o    Não a ignore. Cumprimente e despeça-se dela normalmente, como faria com qualquer pessoa;
o    Dê atenção a ela, converse e vai ver como pode ser agradável;
o    Não superproteja. Deixe que ela faça ou tente fazer sozinha tudo o que puder. Ajude apenas quando for realmente necessário;
o    Não subestime sua inteligência. As pessoas com deficiência mental levam mais tempo para aprender, mas podem adquirir muitas habilidades intelectuais e sociais.
É possível prevenir a deficiência mental?
Após a Ciência ter superado a noção de que a deficiência mental é uma doença, estudos têm sido realizados para conhecer os fatores de risco que podem vir a determinar esta condição. Esta mentalidade de prevenção está se instalando gradualmente em todas as áreas da Deficiência, além da mental. Isso é muito importante, porque a Organização Mundial de Saúde estima que aproximadamente 30% dos casos de deficiência poderiam ser evitados, se medidas adequadas de prevenção fossem adotadas.
A origem da condição de deficiência mental é complexa, pois envolve múltiplos fatores. Assim sendo, conhecê-los e identificá-los é fundamental, para que programas de prevenção possam ser estabelecidos. Porém, é importante lembrar que:
o    Muitas pessoas expostas a condições de risco não apresentam deficiência mental;
o    Muitas vezes, ainda não é possível identificar qual foi o fator causal da deficiência, infelizmente.
o    Recorrendo mais uma vez à autoridade da Organização Mundial de Saúde, aprendemos que a prevenção pode acontecer em três níveis:
o    Prevenção primária: medidas que podem ser tomadas antes de o fato acontecer;
o    Prevenção secundária: medidas que reduzem a duração dos problemas já existentes ou revertem seus efeitos;
o    Prevenção terciária: medidas voltadas para possibilitar o desenvolvimento da potencialidade da pessoa com deficiência mental, diminuindo defasagens causadas por esta condição.
A seguir, vamos enumerar algumas medidas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde4, em relação a estes níveis de prevenção:
Prevenção primária
As medidas de prevenção primária visam diminuir a incidência de doenças e causas prováveis de deficiência; seu público-alvo é a população em geral. Elas são de responsabilidade do Poder Público, nas esferas municipal, estadual e federal. Compete aos governantes implantar programas preventivos, que estão garantidos no ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente e outros dispositivos legais, fazer campanhas, distribuir material de divulgação e tomar outras medidas semelhantes.
Medidas pré-natais
o    Condições adequadas de saneamento básico;
o    Cuidados especiais em regiões de risco radiativo;
o    Planejamento familiar;
o    Aconselhamento genético pré-natal;
o    Acompanhamento da gestação (saúde e nutrição materna);
o    Diagnóstico pré-natal.
Medidas perinatais 5
o    Atendimento médico - hospitalar de qualidade na situação de parto;
o    Atendimento de qualidade ao recém-nascido;
o    PKU (teste do pezinho).
Medidas pós-natais
o    Condições de saneamento básico;
o    Serviços de puericultura adequados (incluindo campanhas de vacinação);
o    Prevenção de acidentes domésticos.
Prevenção secundária
Este nível de prevenção se refere às medidas que visam reduzir a duração dos problemas existentes ou os seus efeitos. Dirigem-se às pessoas que já apresentam uma deficiência ou manifestam problemas que, se não forem tratados adequadamente, podem resultar em deficiência.
Neste nível de prevenção são oferecidos programas voltados para conter a evolução de doenças que podem causar deficiência mental ou programas de estimulação que visam minimizar as conseqüências de uma situação de deficiência. Podemos citar, como exemplo: diagnóstico precoce, estimulação essencial, orientação de dietas para crianças com fenilcetonúria, leis que determinem a obrigatoriedade de rótulos nos alimentos, alertando para a presença de glúten e seus derivados e outros.
Prevenção terciária
Este nível de prevenção está voltado para as pessoas que já possuem a deficiência mental e visa garantir o pleno desenvolvimento de suas potencialidades, como indivíduos. São exemplos destas medidas: atendimento clínico, atendimento pedagógico (pré-escolar, escolar, preparação para o trabalho etc.).
Apesar de todos os esforços de profissionais e familiares, infelizmente ainda é pouco o que se oferece à maior parte das pessoas com deficiência mental. Segundo alguns estudos, mais da metade dos portadores de deficiência mental não recebem atendimento algum, o que é um índice muito preocupante.
Educação Especial
"A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada, com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho." (Constituição Federal, 19, Capítulo III, art. 205.)
Podemos concluir que, se a Constituição assegura que a educação é um direito de todos, a pessoa portadora de deficiência mental está aí incluída. Esta conclusão é reforçada pelo artigo 208, inciso III, que enfatiza:
"(...) o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino".
Segundo a Profa. Lígia Assumpção Amaral 6 "Compreende-se que, no contexto da Educação Especial, o termo 'educacional' se refere a todo espaço institucional voltado para o desenvolvimento e a aprendizagem do indivíduo. Esse espaço é comprometido com os múltiplos e interdependentes aspectos do desenvolvimento - cognitivo, afetivo, socioemocional - tendo como referência as diferenças individuais e as possibilidades socioeducacionais de seus sujeitos.
Acredita-se que toda criança deve ter o direito de estar inserida em um programa educacional, independente de suas possibilidades de aprendizagem acadêmica, até porque o sentido aqui atribuído ao processo educacional ultrapassa, e muito, os limites impostos a um programa restrito à educação formal, acadêmica.
Todo espaço educacional pressupõe a convivência entre os pares. A possibilidade de conviver, trocar e vivenciar situações do cotidiano é um objetivo implícito no processo de aprendizagem, bem como no desenvolvimento humano."
Direitos iguais/oportunidades diferenciadas
Como assegurar o direito à educação para pessoas que são diferentes?
O Prof. Marcos Mazzota, estudioso desta área, nos ensina que assegurar oportunidades iguais não significa garantir tratamento igual para todos; é preciso oferecer meios adequados às características e necessidades de cada pessoa, para que ela possa desenvolver sua potencialidade. Assim, a escola deve oferecer oportunidades educacionais diversificadas, para assegurar a igualdade de oportunidades de acesso à educação.
Temos presenciado, nos últimos anos, um debate sobre a questão da inclusão das pessoas com deficiência, com ênfase em sua inclusão no ambiente escolar. Os professores, em especial, têm-se deparado com esta questão, que fica mais aguda no caso de alunos com deficiência mental.
Esta questão é realmente complexa e merece ser tratada com cuidado.
Os professores, em geral, fazem perguntas e observações como estas:
o    Como posso receber um aluno com deficiência mental na minha sala, onde há 30 (ou mais) alunos?
o    Não tenho habilitação em deficiência mental.
o    Como os outros colegas vão recebê-lo?
Não pretendemos dar "receitas prontas" ou "soluções mágicas" para estas perguntas, pois não existem. Elas merecem nossa reflexão, pois refletem uma situação que vem mudando ao longo da História. Como o professor faz parte da sociedade e da época em que vive, ele também partilha as opiniões vigentes. Vale a pena, pois, tentar descobrir o que está na raiz destas perguntas.
Preconceito e discriminação
As pessoas com deficiência, especialmente mental, foram perseguidas, maltratadas, segregadas e discriminadas, durante séculos.
A partir do século XIX, esta situação começa a mudar; médicos e educadores interessam-se por estas pessoas e percebem que elas têm capacidade de aprendizagem. Passam, então, a desenvolver métodos educacionais. As atitudes preconceituosas começam a ser revistas.
Para a Cooperativa de Vida Independente de Estocolmo (Suécia), entidade formada por pessoas portadoras de deficiência: " (...) uma das razões pelas quais as pessoas deficientes estão expostas à discriminação é que os diferentes são freqüentemente declarados doentes. Este modelo médico da deficiência nos designa o papel desamparado e passivo de pacientes, no qual somos considerados dependentes do cuidado de outras pessoas, incapazes de trabalhar, isentos dos deveres normais, levando vidas inúteis, como está evidenciado na palavra ainda comum ' inválido' [sem valor, em latim]."7
Integração social
Gradualmente, este conceito tem sido modificado; posteriormente, surgiu o conceito de "integração social", para derrubar a prática de exclusão social a que as pessoas portadoras de deficiência estavam submetidas, em relação a qualquer atividade.
O movimento pela integração social surgiu por volta do final da década de 60 e procurava inserir as pessoas com deficiência no trabalho, na escola, no lazer. A década de 80 impulsionou este movimento; a ONU - Organização das Nações Unidas - decretou 1981 como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes; a luta pelos direitos ganhou força.
Em conseqüência das conquistas e da experiência acumuladas neste processo, estudiosos e organizações compostas por pessoas com deficiência começaram a perceber que a prática da integração social era insuficiente para acabar com a discriminação e para garantir a verdadeira participação, com oportunidades iguais.
Isto porque a integração social representa o esforço de inserir o portador de deficiência na sociedade, SE ele estiver capacitado a superar as barreiras existentes. Assim, o esforço era feito apenas por parte do deficiente, sua família e profissionais especializados - a sociedade permanece do mesmo jeito, alterando pouco (ou nada) suas atitudes, espaços físicos e práticas sociais.
É a partir destas constatações que surgem outros conceitos e movimentos, que falam de autonomia, independência, empowerment e equiparação de oportunidades, que foram objeto de normas e resoluções internacionais, como as Normas sobre o Programa Mundial de Ação Relativo às Pessoas com Deficiência (ONU, 1982), a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência (ONU, 1993), entre outros.
De forma geral, podemos dizer que estes conceitos, que apontam para a inclusão social, consideram que a sociedade deve ser modificada para atender às necessidades de todos os seus membros. O desenvolvimento das pessoas com deficiência deve ocorrer no processo de inclusão e não como um pré-requisito para que estas pessoas possam fazer parte da sociedade, como se elas precisassem "pagar ingresso para integrar a comunidade", como diz o Dr. Antonio S. Clemente Filho.
Educação e inclusão no Brasil
Voltando para a questão da Educação no Brasil, podemos constatar que a inclusão de pessoas com deficiência na educação geral está sendo implementada no Brasil há pouco tempo, mas já há discussões e uma significativa produção intelectual sobre este tema, que é bastante desafiador para os educadores.
É consenso que temos um longo caminho a percorrer, por parte da sociedade e da própria pessoa com deficiência, e, principalmente, da portadora de deficiência mental, para que ela possa ser considerada socialmente incluída, ou seja, possa assumir-se como indivíduo, que conhece e aceita suas potencialidades e limites.
Para trilhar este caminho, o ideal é começar o mais cedo possível, no momento em que as relações iniciais são estabelecidas entre a criança e a família e, posteriormente, na escola e na vizinhança. Ora, para construir relações e vivências de caráter inclusivo, é preciso que a diversidade seja aceita, como parte integrante da natureza humana. Até gêmeos são diferentes...
A Profa. Maria Teresa Mantoan 8 nos adverte que:
"A inclusão causa uma mudança de perspectiva educacional, pois não se limita a ajudar somente os alunos que apresentam dificuldades na escola, mas apóia a todos: professores, alunos, pessoal administrativo, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral."
Assim, é importante que a diversidade seja aceita com naturalidade e tranqüilidade, desde o momento em que a deficiência é detectada; se a família agir desta forma, a tendência é que "contaminará" as pessoas ao redor.
Como a escola pode se preparar para incluir o aluno portador de deficiência
o    Sensibilizando e capacitando toda a comunidade escolar;
o    Reorganizando seus recursos materiais e físicos;
o    Sensibilizando os pais de alunos deficientes e não deficientes, sobre a questão da inclusão;
o    Envolvendo entidades e órgãos da comunidade no processo da inclusão.
Vale a pena enfatizar a importância da comunicação entre a escola e a família da criança portadora de deficiência. Para isso, reproduzimos as palavras de Maria Salomé Soares Dallan, mãe de uma criança surda e aluna do curso de Pedagogia da PUC/Pontifícia Universidade Católica de Campinas, SP:
"Hoje, na tentativa de assegurar a permanência de algumas crianças com necessidades especiais no ensino regular, percebo mais fortemente a importância de um trabalho junto às mães da população de baixa renda, uma vez que pobreza, infelizmente, está associada à falta de escolaridade e de acesso a determinadas informações, visando ao esclarecimento acerca da deficiência de seus filhos. Em meu dia-a-dia, tenho encontrado desde mães que acham que o problema de seu filho não tem solução, àquelas que acham que seu filho não tem problema algum, o que é muito mais grave. Os pais que não aceitam a deficiência de seu filho e nem acreditam em sua capacidade para superar as limitações, impedem que este tenha acesso à estimulação e ao atendimento educacional especializado."9
Benefícios da educação inclusiva para todos os estudantes 10
Estudantes com deficiência:
o    Desenvolvem a apreciação pela diversidade individual;
o    Adquirem experiência direta com a variação natural das capacidades humanas;
o    Demonstram crescente responsabilidade e melhorada aprendizagem através do ensino entre os alunos;
o    Estão mais bem preparados para a vida adulta em uma sociedade diversificada, através da educação em salas de aula diversificadas;
o    Freqüentemente experenciam apoio acadêmico adicional da parte do pessoal de Educação Especial;
o    Podem participar como aprendizes sob condições instrucionais diversificadas (aprendizado cooperativo, uso de tecnologia baseada em centros de aprendizagem etc.).
Estudantes sem deficiência:
o    Têm acesso a uma gama mais ampla de modelos de papel social, atividades de aprendizagem e redes sociais;
o    Desenvolvem, em escala crescente, o conforto, a confiança e a compreensão da diversidade individual deles e de outras pessoas;
o    Demonstram crescente responsabilidade e crescente aprendizagem, através do ensino entre os alunos;
o    Estão mais bem preparados para a vida adulta em uma sociedade diversificada, através da educação em salas de aula diversificadas;
o    Recebem apoio instrucional adicional, por parte dos profissionais da Educação Especial;
o    Beneficiam-se da aprendizagem sob condições instrucionais diversificadas.
Analisando os benefícios que a Educação Inclusiva pode trazer para todos os envolvidos, portadores ou não de deficiência, podemos concluir que eles apontam para as seguintes práticas, que são benéficas para todos:
o    Aprendizado cooperativo;
o    Instrução baseada em projeto/atividade;
o    A Educação deve reconhecer e ensinar pessoas de várias culturas, com inteligências múltiplas e envolvendo diferentes estilos de aprendizagem;
o    A Educação deve contribuir para a construção do "senso de comunidade" nas salas de aula e nas escolas como um todo.
Sugestões para adaptar salas comuns para receber alunos com deficiência
o    Todos os estudantes, não importa se tiverem deficiência ou não, irão beneficiar-se de aulas que se basearem menos em livros e mais em experiências e vivências, que forem mais cooperativas e mais multissensoriais.
o    Se for necessário adaptar o espaço físico da sala para receber alunos com deficiência, estas adaptações devem ser feitas com o máximo de boa vontade e hospitalidade. Na maioria das vezes, estas adaptações também irão beneficiar os alunos não deficientes. A deficiência não deve ser apontada de uma forma constrangedora, não deve ser enfatizada nem ignorada.
Para estudantes com deficiência mental, medidas como estas podem ser proveitosas:
o    Adotar o sistema de "companheiro", ou seja, envolver os colegas com o processo de aprendizagem do aluno portador de deficiência mental;
o    Formar grupos cooperativos de aprendizagem;
o    Contar histórias e utilizar materiais para ensinar conceitos abstratos;
o    Preparar versões simplificadas do material didático;
o    O professor deve evitar o "discurso do não", que enfatiza o que o aluno não pode, não sabe, não faz. É importante fazer um investimento pedagógico nas possibilidades de aprendizagem do aluno.
A deficiência mental e as novas tecnologias
Ao ingressarem na escola, seja regular ou especial, as crianças com deficiência mental freqüentemente vivem situações que reforçam uma postura de passividade diante do ambiente. Assim, ao invés de serem educadas para exercitar a independência e a autonomia, na medida de suas possibilidades, desenvolvem atitudes de dependência e submissão.
É exatamente pelas dificuldades e atrasos que estes alunos apresentam em seu desenvolvimento global que é necessário oferecer-lhes um ambiente de aprendizagem onde sua criatividade e iniciativa possam ser estimuladas e valorizadas, permitindo maior interação com as pessoas que os rodeiam e seu meio ambiente.
Dentre os recursos educacionais à disposição, gostaríamos de destacar o computador, que está se tornando, cada vez mais, um instrumento presente no nosso quotidiano.
Segundo o Prof. Fausto José Villanova, que leciona Música e Informática para alunos deficientes auditivos, visuais, mentais e físicos no Instituto N. S. de Lourdes, na cidade do Rio de Janeiro11, "A Informática, hoje tão presente em, nossas vidas, é extremamente necessária aos portadores de necessidades educacionais especiais. (...)É necessário que a comunidade escolar, o corpo docente, a família e os próprios alunos tenham consciência da importância de sua participação efetiva nesta nova área, que engloba a educação, a tecnologia e o mercado de trabalho".
O Prof. Fausto divide a utilização da Informática nas seguintes modalidades:
1. Informática educativa
Ela visa desenvolver o raciocínio lógico, a percepção, a coordenação motora, a noção de lateralidade, o reconhecimento de espaço, noções de conhecimentos gerais, estímulos visuais e auditivos, estímulos competitivos e cooperativos, aquisição de conhecimentos e outras habilidades.
O ideal é que o aluno tenha acesso à Informática desde a pré-escola, através de jogos educativos. O computador também pode atuar no reforço escolar.
2. Informática musical
Utilizando um software para visualizar as freqüências sonoras, o aluno consegue distinguir sons graves, médios e agudos, facilitando a aprendizagem de um instrumento musical.
3. Informática de parceria
Nesta modalidade, a família tem acesso às aulas de seus filhos, havendo uma troca entre os softwares educativos usados em sala de aula e os utilizados em casa, permitindo que a família reveja os conteúdos ministrados em sala de aula.
4. Informática participativa
Visa estimular a navegação na Internet, estimulando o aluno a participar de fóruns e debates.
5. Informática integradora social
Permite aos alunos atuar de forma produtiva, criativa e eficiente na realização de trabalhos, utilizando o computador. Assim, a pessoa com deficiência pode provar sua capacidade de realização, muitas vezes posta em dúvida, devido a preconceitos.
6. Informática de comunicação
Vários softwares são desenvolvidos, no Brasil e em outros países, visando facilitar a aprendizagem e a comunicação de pessoas com paralisia cerebral, deficiência visual ou outras necessidades especiais.
7. Informática terapêutica
Esta modalidade beneficia especialmente alunos com deficiência física e auditiva, que utilizam o computador como uma "prótese" de comunicação. Esse processo acontece em função da interação terapeuta/paciente/computador.
8. Informática profissionalizante escolar
Tendo o professor como orientador, o aluno pode atuar como monitor no laboratório de informática ou como auxiliar de outros professores no preparo de aulas e testes.
Importa ressaltar que já há experiências sobre a utilização da Informática com alunos portadores de deficiência mental, com resultados positivos, como os obtidos pela equipe do NIED - Núcleo de Informática aplicada à Educação, da UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas.12
A transição da escola para o trabalho
"Toda sociedade que exclui pessoas do trabalho por qualquer motivo - sua deficiência ou sua cor ou seu gênero - está destruindo a esperança e ignorando talentos. Se fizermos isso, colocaremos em risco o futuro."
Robert White, 1994.
Constatamos que, gradualmente, o mercado de trabalho está mais receptivo às pessoas com deficiência. Porém, ainda há muito a ser conquistado, especialmente quando tratamos com pessoas portadoras de deficiência mental. Em geral, a carga de preconceitos e discriminação que recebem é maior que a recebida por portadores de deficiência física, auditiva ou visual.
Além disso, a família também contribui para esta situação, pois tem uma forte tendência a proteger o filho dos preconceitos sociais, tratando-o como uma "eterna criança", tentando prolongar a infância e adiando a passagem para a vida adulta. Às vezes, os profissionais das escolas e das oficinas também adotam este comportamento.
Ao assim fazerem, eles estão prejudicando o portador de deficiência mental e não o ajudando, pois ele não conquistará a autonomia possível desta forma; ao contrário, será sempre dependente dos que o rodeiam.
Ao atingir a adolescência, é fundamental que a escola e a instituição busquem alternativas de propostas pedagógicas de atividades adequadas a sua idade cronológica e que possibilitem conquistar a maior autonomia possível e independência em relação ao seu meio ambiente.
Há diversas modalidades de trabalho para a pessoa com deficiência mental: em empresas, desempenhando trabalhos de cunho repetitivo, na equipe de jardinagem, limpeza, como office boy interno; em oficinas ocupacionais, na área rural ou em iniciativas familiares.
O fundamental é que a dignidade da pessoa seja preservada, ou seja, o trabalho que ela executa deve ser remunerado, o ambiente deve ter condições adequadas de salubridade e o tratamento deve ser respeitoso.
Na área do trabalho o "discurso do não" também deve ser evitado: podemos testar possibilidades de trabalho, testar recursos atuais, como a informática, antes de decidir se determinado trabalho pode ou não ser desempenhado por portadores de deficiência mental. Como exemplo, podemos citar o Zoológico do Rio de Janeiro, que contratou jovens com deficiência mental leve para trabalhar na cozinha, preparando alimentos para os animais. Cada espécie animal precisa que o alimento seja cortado sempre do mesmo jeito. Muitos profissionais não deixariam que portadores de deficiência mental usassem facas, mas a experiência tem demonstrado que eles são cuidadosos e não sofreram acidentes.
Assim, a escola deve estar atenta à modernização e à diversidade, adotando uma atitude positiva, com o compromisso de valorizar a potencialidade individual e preparando seus alunos para a vida adulta.
NOTAS:
* Socióloga. Gerente da Rede SACI - Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação (www.saci.org.br). Consultora desta série.
    1. Fonte: Cadernos da TV Escola - Educação Especial. Deficiência mental. Brasília, SEF/MEC, 1998, p. 9.
    2. Op. Cit., p. 37.
    3. Folheto "Quando você encontrar uma pessoa deficiente...", publicado pelo CEDIPOD- Centro de Documentação e Informação do Portador de Deficiência.
    4. In Cadernos da TV Escola, op. cit., p. 11 e 12.
    5. Estas medidas correspondem ao momento do parto.
    6. Cadernos da TV Escola. Deficiência mental e deficiência física. Brasília, MEC/Secretaria de Educação a distância, 1998, p. 13.
    7. STIL. Independent living: a Swedish definition. In: RATZKA, Adolf. Tools for power. Estocolmo: Independent Living Committee of Disabled Peoples' International, 1990, p. 30.
    8. MANTOAN, Maria Teresa Egler. A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo, Memnon/SENAC, 1997, p. 145.
    9. Dallan, Maria Salomé Soares. Fazendo do problema um desafio. In: Revista Integração, v. 13, p. 51, 2001.
    10. Fonte: Programa da ONU em Deficiências Severas, 1994.
    11. "As diversas utilidades da informática, sua importância e influência no desenvolvimento, na educação, terapia, comunicação, integração e socialização dos portadores de necessidades especiais", Revista Integração, v. 13, n. 23/2001, p. 20-23.
    12. VALENTE, José Armando. (org.). Liberando a mente: computadores na educação especial. Campinas: UNICAMP, 1991. E também: Computadores e conhecimento: repensando a educação. Campinas: UNICAMP, 1993.
PGM 3: Deficiência visual e inclusão social
Marta Gil*
Braille
Markiano Charam Filho1
Da França para o mundo
Palavras tocadas
Seis pontos amigos
Parece um bordado
Bordado da vida
Nem todos entendem
Mas ele está aí.
Deficiência visual: alguns conceitos
Se quisermos utilizar poucas palavras, podemos definir deficiência visual como a perda total ou parcial da capacidade de enxergar.
Explicando melhor: os graus de visão abrangem uma ampla escala de situações, que vão desde a cegueira total até a visão perfeita, também total. A expressão "deficiência visual" se refere à escala que vai da cegueira (ausência total de visão) até a visão subnormal.
Chama-se visão subnormal (ou baixa visão, como preferem alguns especialistas) à alteração da capacidade funcional decorrente de fatores como rebaixamento significativo da acuidade visual, redução importante do campo visual e da sensibilidade aos contrastes e limitação de outras capacidades visuais.
"Traduzindo" a definição acima, podemos dizer que a visão subnormal é a incapacidade de enxergar com clareza suficiente para contar os dedos da mão a uma distância de 3 metros, à luz do dia; em outras palavras, a pessoa conserva resíduos de visão, não sendo totalmente cega.
Usando auxílios ópticos2 como óculos, lupas etc., a pessoa com baixa visão distingue vultos, a claridade ou objetos a pouca distância. A visão se apresenta embaçada, diminuída, restrita em seu campo visual ou prejudicada de algum modo.
Até recentemente, não se levava em conta a existência destes resíduos visuais; a pessoa era tratada como se fosse cega, aprendendo a ler e escrever em Braille3, a movimentar-se com o auxílio de bengala etc. Hoje em dia oftalmologistas, terapeutas e educadores trabalham no sentido de aproveitar este resíduo visual nas atividades educacionais, na vida cotidiana e no lazer.
Estão sendo desenvolvidas técnicas para trabalhar o resíduo visual, assim que a deficiência é constatada. Isso melhora significativamente a qualidade de vida da pessoa, embora não elimine a deficiência.
Em termos quantitativos, sabemos que a maioria das pessoas com deficiência visual possui algum grau residual de visão: poucas são totalmente cegas. Infelizmente, muitas das que têm algum grau de visão são consideradas cegas e tratadas como tal; dessa forma, perdem os benefícios que o uso da visão residual poderia trazer a seu processo de desenvolvimento e à sua qualidade de vida.
Entre os dois extremos da capacidade visual estão situadas patologias como miopia, estrabismo, astigmatismo, ambliopia, hipermetropia, que não constituem necessariamente deficiência visual, mas que devem ser identificadas e tratadas o mais rapidamente possível, pois podem interferir negativamente no processo de desenvolvimento e na aprendizagem da criança.
Que sinais podem ser observados?
o    Irritação constante nos olhos;
o    Aproximação do papel junto ao rosto, quando escreve e lê;
o    Dificuldade para copiar bem da lousa a distância;
o    Olhos franzidos para ler o que está escrito na lousa;
o    Cabeça inclinada para ler ou escrever, como se procurasse um ângulo melhor para enxergar;
o    Tropeços freqüentes por não enxergar pequenos obstáculos no chão;
o    Nistagmo (olho trêmulo);
o    Estrabismo (vesgo);
o    Dificuldade de enxergar em ambientes muito claros.
O que o professor pode fazer?
- Orientar os pais para que os mesmos procurem um médico especialista em visão (oftalmologista);
- Aplicar o Teste de Acuidade Visual no início do ano letivo, preferencialmente nas primeiras séries do Ensino Fundamental;
- Não usar colírio ou outros medicamentos sem recomendação médica.
A importância da visão
A visão é o meio mais importante de relacionamento com o mundo exterior. Ela capta registros próximos ou distantes e permite organizar, no nível cerebral, as informações trazidas pelos outros órgãos dos sentidos. Calcula-se que 80% dos nossos conhecimentos chegam até nós pelos olhos, que podem ser considerados a nossa "janela para o mundo".
Estudos recentes revelam que enxergar não é uma habilidade inata, ou seja, ao nascer ainda não sabemos enxergar; precisamos aprender a ver. Não é um processo consciente. Embora nem pensemos nisso, estamos ensinando um bebê a enxergar, ao carregá-lo no colo e ir mostrando: Olha o gatinho; Onde está o seu irmão?
O desenvolvimento das funções visuais ocorre nos primeiros anos de vida. Graças a testes de acuidade visual recentemente desenvolvidos, hoje é possível fazer a avaliação funcional da visão de um recém-nascido, ainda no berçário.
O que significa perder a visão?
A cegueira (ou perda total da visão) pode ser adquirida ou congênita (existente desde o nascimento).
O impacto da deficiência visual (congênita ou adquirida) sobre o desenvolvimento individual e psicológico varia muito, de pessoa para pessoa. Depende da idade em que ocorre, do grau da deficiência, da dinâmica geral da família, das intervenções que foram tentadas, da personalidade da pessoa - enfim, de muitos fatores. Quando a pessoa perde a visão mais tarde na vida, guarda memórias visuais: ela se lembra de cores, rostos, paisagens, objetos e isso é útil para sua readaptação.
Além da perda do sentido da visão, a cegueira adquirida também traz outras perdas: emocionais, das habilidades básicas (mobilidade, execução das atividades diárias), da atividade profissional, da comunicação e da personalidade como um todo. É uma experiência traumática, que deve ser acompanhada por terapeutas, que tratem da pessoa e da família.
Quando a deficiência visual acontece na infância, pode trazer prejuízos ao desenvolvimento neuropsicomotor, com repercussões educacionais, emocionais e sociais, que podem continuar ao longo da vida, se não houver um tratamento adequado, o mais cedo possível.
Causas dos problemas da visão
As causas mais freqüentes de cegueira e baixa visão são:
o    Retinopatia da prematuridade - causada pela imaturidade da retina, em decorrência de parto prematuro ou de excesso de oxigênio na incubadora;
o    Catarata congênita - em conseqüência de rubéola ou de outras infecções durante a gestação;
o    Glaucoma congênito - pode ser hereditário ou causado por infecções.
A cegueira e a baixa visão também podem resultar de doenças como diabetes, descolamento de retina ou traumatismos oculares.
Os especialistas estimam que os casos de deficiência visual poderiam ser reduzidos em até 30%, se fossem adotadas medidas preventivas eficientes nas áreas de educação e saúde e se houvesse mais informação disponível para a população.
Saber cuidar de si: caminhos para a autonomia
Durante muitos anos, uma pessoa cega que falasse bem, tivesse desempenho acadêmico satisfatório e bom nível de informação e verbalização era muito valorizada pela sociedade. Nada mais se esperava dela, em termos de autonomia e de independência. Assim, a educação de uma criança portadora de deficiência visual se voltava basicamente para os aspectos intelectuais.
Analisando essa valorização de apenas uma parte da potencialidade total da pessoa, percebemos que a expectativa quanto às possibilidades de uma pessoa com deficiência visual era baixa: o preconceito impedia que a pessoa fosse considerada capaz de executar todas as atividades que fazem parte do nosso dia-a-dia: andar com independência, cuidar-se e vestir-se de modo adequado, alimentar-se, interagir socialmente, competir no mercado de trabalho, casar-se - enfim, exercer seu papel de cidadão.
Felizmente, esta compreensão está mudando, gradualmente. Muitos serviços de atendimento às crianças portadoras de deficiência visual já incorporam a seus programas um trabalho voltado para as atividades de vida diária e para a orientação e mobilidade.
Desde cedo, as crianças que enxergam vão aprendendo a lidar com as mais diversas situações, observando o ambiente a seu redor e relacionando-se com as pessoas. É preciso possibilitar essa mesma relação com o meio à criança que não enxerga ou enxerga pouco.
A independência alcançada graças a um bom programa de Atividades da Vida Diária vai muito além das necessidades pessoais básicas, como higiene, alimentação, hábitos à mesa e etiqueta, cuidados com a casa e atividades sociais. Significa desenvolvimento de autoconfiança e valorização das próprias capacidades, agir com naturalidade e eficiência no universo social. Ao assumir esta postura de dignidade e autonomia, a pessoa com deficiência visual contribui para conscientizar a sociedade em relação à sua potencialidade.
Há crianças que, além da deficiência visual, apresentam outros comprometimentos - da fala, da audição etc. Por isso, o primeiro passo em qualquer atendimento consiste em fazer uma avaliação global, por uma equipe multidisciplinar, para decidir qual é o melhor caminho a seguir, na estimulação.
A partir do diagnóstico, é elaborado um programa de Educação Precoce, que inclui atividades lúdicas, de acordo com a idade da criança. A participação da família é fundamental para o bom desempenho da criança.
Orientação e mobilidade
A deficiência visual, em qualquer grau, compromete a capacidade da pessoa de se orientar e de se movimentar no espaço, com segurança e independência.
Na idade pré-escolar, quando a criança está desenvolvendo sua capacidade de socialização, isso prejudica (ou até mesmo impede) o conhecimento do mundo ao seu redor e seu relacionamento com outras pessoas. É uma fase em que ela gosta de ter amigos, brincar e compartilhar os brinquedos. Se não puder desempenhar estes papéis, ficará insatisfeita e isolada, e isso trará prejuízos à sua aprendizagem.
Para alguns autores, a limitação na orientação e na mobilidade pode ser considerada o efeito mais grave da cegueira.
Nos programas de estimulação precoce há técnicas especializadas para desenvolver o sentido de orientação usando o tato, a audição e o olfato, para que a criança possa se relacionar com os objetos significativos que estão ao seu redor.
O treinamento da orientação e da mobilidade permite que a pessoa se movimente e se oriente com segurança na escola, em casa, no trânsito, de acordo com sua idade.
O papel da família
Embora não seja fácil, a família precisa entender que o portador de deficiência é, antes de mais nada e acima de tudo, uma pessoa total, evitando focalizar a atenção na sua condição visual. Assim, ela deve oferecer condições para seu crescimento como indivíduo, tornando-o capaz de ser feliz e produtivo dentro de sua realidade, de sua potencialidade e seus limites.
O depoimento da Profa. Rosana Glat é esclarecedor: "De fato, a minha experiência de 20 anos lidando com pessoas portadoras de deficiência e suas famílias tem mostrado que os indivíduos mais integrados socialmente, isto é, que levam uma vida mais 'normalizada', são aqueles que são tratados de maneira mais natural, mais 'normal' por suas famílias, que estão, enfim, mais integrados na constelação familiar. Isto é válido não apenas para os casos de deficiências congênitas, mas também para os que por doença ou acidente vieram a se tornar deficientes na idade adulta. Canejo (1996), em recente estudo com pessoas portadoras de cegueira adquirida, constatou que os sujeitos que pareciam ter maior grau de integração social eram justamente aqueles que tinham um bom esquema de suporte familiar." 4
A primeira atitude consiste em acreditar na potencialidade da criança, considerando-a capaz de estudar, de ser independente, de trabalhar, praticar esportes e tantas outras coisas que seus amigos fazem.
Para muitos portadores de deficiência, a maior dificuldade está na falta de oportunidades.
O professor e o desenvolvimento da criança portadora de deficiência visual
Para entender o que acontece com o processo de desenvolvimento da criança com deficiência visual, o professor deve considerar, entre outros fatores:
o    A idade em que a deficiência aconteceu;
o    Associação (ou não) com outras deficiências;
o    Aspectos hereditários;
o    Aspectos ambientais;
o    Tratamento recebido.
A criança portadora de deficiência visual (com cegueira ou com baixa visão) deve ser avaliada por profissionais da área da saúde e da educação, num trabalho conjunto.
É errado achar que uma criança com deficiência visual também tenha deficiência mental, por sua eventual dificuldade ou atraso em realizar algumas tarefas.
A escola e a sociedade
Ao abrir suas portas para receber os que enxergam e os que não enxergam, a escola se torna um espaço de inclusão, promovendo trocas enriquecedoras entre toda a equipe escolar, os alunos e suas famílias.
A fonte de informações mais importante para o professor é o próprio aluno e sua família. É fundamental saber como ele é, como percebe, fala e sente. O deficiente visual percebe a realidade que está a sua volta por meio de seu corpo, na sua maneira própria de ter contato com o mundo que o cerca.
Para conhecer o deficiente visual, seus interesses e habilidades, o professor deve prestar atenção ao referencial perceptual que ele revela. A partir daí, o professor pode oferecer-lhe oportunidades para entrar em contato com novos objetos, pessoas e situações, facilitando seu processo de aprendizagem.
Para a Profa. Elcie Masini, estudiosa da temática da deficiência visual:
"Aprender é aqui entendido como a capacidade humana de receber, colaborar, organizar novas informações e, a partir desse conhecimento transformado, agir de forma diferente do que se fazia antes. Aprende-se numa relação com o outro ser humano e/ou com as coisas a seu redor." 5
A escola pode adotar diversas medidas, para capacitar os professores e a comunidade escolar para lidar com a deficiência visual, como:
o    Promover reuniões para discutir as dificuldades encontradas;
o    Convidar especialistas para fazer palestras a professores e alunos;
o    Ter material bibliográfico de apoio;
o    Exibir vídeos sobre o assunto;
o    Convidar pais de crianças com deficiência ou professores que já tiveram esta experiência para dar depoimentos.
Mãos: os "olhos" dos deficientes visuais
As informações chegam até as pessoas com deficiência visual por dois canais principais: pela linguagem e pela exploração tátil, que envolve especialmente as mãos.
Como as mãos são os "olhos" das pessoas com deficiência visual, seu uso como instrumento de percepção deve ser intensamente estimulado, incentivado e aprimorado.
Desde o nascimento, é preciso despertar na criança cega o desejo de conhecer e aprender. Os pais devem estimular e conversar mais com um bebê portador de deficiência do que se conversa, geralmente, com os não deficientes.
Durante toda a vida da pessoa com deficiência visual, as mãos serão um instrumento privilegiado de conhecimento. Mas, nos primeiros anos de vida, enquanto a linguagem ainda está se desenvolvendo, elas têm uma função ainda mais importante.
Educação pré-escolar
Nesta etapa da vida - 4 a 6 anos - a aprendizagem se dá pelas vivências corporais no espaço e no tempo; daí a importância de brincadeiras e jogos que estimulem a imaginação, de atividades lúdicas e recreativas. A criança desta faixa etária gosta de ouvir histórias e de ter amiguinhos; as atividades em grupo são muito importantes.
Estas atividades, jogos e brincadeiras ajudam a conhecer a potencialidade de cada um, a desenvolver o raciocínio, a usar os gestos para exprimir idéias, pensamentos e emoções. Elas permitem que a criança entre em contato com o seu próprio corpo e com suas possibilidades de movimentação, desenvolvendo assim sua consciência corporal e seu autoconhecimento.
A adequação e a adaptação das atividades para incluir a criança com deficiência visual serão feitas de acordo com a organização do cotidiano da escola. Para isso, é indispensável que o professor de apoio e o professor da classe comum trabalhem em conjunto.
Defasagens no processo de desenvolvimento
Nesta faixa etária (4 a 6 anos), é natural que a criança com deficiência visual severa, ou com cegueira, apresente defasagens no seu processo de desenvolvimento, em relação às crianças que enxergam.
Em geral, ela começa a compensar as discrepâncias a partir dos 6 ou 7 anos, com o estabelecimento da linguagem conceptual.
O Ensino Fundamental
Entre 7 e 11 anos, a principal atividade da criança, com ou sem deficiência, é estudar.
A aprendizagem das técnicas de leitura e escrita depende do desenvolvimento simbólico e conceitual do aluno, de sua maturidade mental, psicomotora e emocional. Esse processo não acontece de forma espontânea: é resultado da orientação e do estímulo oferecidos pelo professor, que escolhe um método e um processo de alfabetização.
Logo de início, o aluno com deficiência visual apresenta uma desvantagem básica: a perda (ou a redução) da visão. Falando de modo genérico, podemos destacar algumas características de seu processo de desenvolvimento, nesta faixa etária:
o    Ele precisa de mais tempo para assimilar alguns conceitos, especialmente os abstratos;
o    Ele precisa ter estimulação contínua;
o    Ele tem dificuldade de interação, de apreensão, de exploração e domínio do meio físico;
o    Ele desenvolve mais lentamente a consciência corporal.
É importante que o professor e a família levem em conta as inevitáveis diferenças em relação à criança que enxerga, evitando fazer comparações.
A experiência e o aprendizado da criança portadora de deficiência visual dependem muito de seus outros órgãos dos sentidos. A falta de estímulos e de experiências que mobilizam os outros sentidos pode prejudicar a compreensão das relações espaciais e temporais e a aquisição de conceitos necessários ao processo de alfabetização.
Braille ou tipos ampliados?
A criança com baixa visão deve utilizar auxílios ópticos adequados e materiais pedagógicos adaptados, como textos com letras ampliadas. Ela também deve sentar-se na melhor posição possível na sala de aula, de onde tenha o melhor ângulo de visão da lousa.
Não há uma única regra que seja boa para todos os alunos: tudo depende do grau de visão e do tipo de patologia de cada um. Alguns terão maior facilidade com o sistema Braille e outros, com os tipos ampliados, que são letras de tamanho maior que o comum e com mais espaço entre uma linha e outra.
É preciso saber que a criança cega demora mais para conceber a idéia da leitura e da escrita. A criança que enxerga se habitua a ver letras, rótulos, palavras, a manusear livros e material impresso desde cedo; já a criança deficiente visual não tem esta mesma oportunidade. Ela geralmente só entra em contato com o mundo das letras no período escolar, o que retarda seu processo de alfabetização.
O aprendizado da leitura e da escrita em Braille requer um elevado desenvolvimento das habilidades motoras finas, além de flexibilidade nos punhos e agilidade nos dedos.
Se tiver um aluno cego em sua sala, o professor deve tomar alguns cuidados:
o    Ler o que está escrito na lousa;
o    Sempre que possível, passar a mesma lição para ele que foi dada para a classe;
o    Buscar o apoio do professor especializado, que ensinará à criança o sistema Braille e acompanhará o processo de aprendizagem;
o    Os estudantes e professores devem ter o cuidado de não criarem baixas expectativas, apenas com base na deficiência visual;
o    A mobilização de recursos pedagógicos para o aluno com deficiência deve ser considerada um direito dele;
o    O apoio ao aluno com deficiência deve ser considerado de responsabilidade de todos;
o    Disponibilizar com antecedência os textos e livros para o curso, considerando que a transcrição deste para formatos alternativos (por exemplo, a transcrição de textos para áudio, Braille ou disquete) demanda tempo adicional;
o    Se possível, o material de estudo deverá ser fornecido sob a forma de textos ampliados, textos em Braille, textos e aulas gravadas em áudio ou em disquete, de acordo com as necessidades do aluno e a possibilidade da escola. O aluno poderá ainda precisar utilizar auxiliares ópticos e equipamento informático adaptado, assim como apoio para trabalho de laboratório e do pessoal da biblioteca;
o    Durante as aulas, é útil identificar os conteúdos de uma figura e descrever a imagem e a sua posição relativa a itens importantes;
o    Substituir os gráficos, fluxogramas e tabelas por outras questões ou utilizar gráficos simples em relevo;
o    Transcrever em Braille as provas e outros materiais;
o    Possibilitar usar formas alternativas nas provas: o aluno pode ler o que escreveu em Braille; fazer gravação em fita cassete ou escrever com tipos ampliados;
o    Ampliar o tempo disponível para a realização das provas;
o    Evitar dar um exame diferente, pois isso pode ser considerado discriminatório e dificulta a avaliação comparativa com os outros estudantes;
o    Ajudar só na medida do necessário;
o    O professor deve ter um comportamento o mais natural possível, não devendo super proteger o aluno, ou pelo contrário, ignorá-lo.
Como o aluno deficiente visual aprende Matemática?
O aluno com deficiência visual tem as mesmas condições para aprender Matemática que uma criança não deficiente. Porém, é preciso que o professor adapte as representações gráficas e os recursos didáticos que vai utilizar.
É importante ressaltar que, ao adaptar recursos didáticos para facilitar o aprendizado de alunos com deficiência, o professor acaba beneficiando todos os alunos, pois recorre a materiais concretos, que são bons para a compreensão dos conceitos.
Para ensinar Matemática, o instrumento mais utilizado é o ábaco - ou sorobã - que é de origem japonesa. Seu manuseio é fácil e pode ajudar até mesmo os alunos que enxergam, pois ele concretiza as operações matemáticas.
Outra técnica complementar que pode ser utilizada com bons resultados é o cálculo mental, que deve ser estimulado desde o início da aprendizagem e que será útil, posteriormente, quando o aluno estudar álgebra.
A Informática na educação
A área da Informática traz recursos valiosos para o processo de ensino - aprendizagem: softwares que ampliam o tamanho das letras ou o próprio texto (circuitos fechados de televisão) e softwares com sintetizadores de voz, que lêem o que está na tela do computador.
Há impressoras especiais, que imprimem em Braille, para uso individual ou para produzir livros, em grande escala.
A informática tem-se revelado fundamental para a educação, para a comunicação entre as pessoas e para a sua profissionalização.
Como tratar pessoas com deficiência visual
o    Nem sempre as pessoas cegas ou com deficiência visual precisam de ajuda. Mas, se encontrar alguma que pareça estar em dificuldades, identifique-se. Faça-a perceber que você está falando com ela e ofereça seu auxílio. Nunca ajude sem perguntar antes como deve fazê-lo;
o    Caso sua ajuda como guia seja aceita, coloque a mão da pessoa no seu cotovelo dobrado. Ela irá acompanhar o movimento do seu corpo enquanto você vai andando;
o    É bom avisar antecipadamente a existência de degraus, pisos escorregadios, buracos e obstáculos em geral durante o trajeto;
o    Num corredor estreito, onde só passa uma pessoa, coloque o seu braço para trás, de modo que a pessoa cega possa continuar a seguir você;
o    Para ajudar uma pessoa cega a sentar-se, você deve guiá-la até a cadeira e colocar a mão dela sobre o encosto da cadeira, informando se esta tem braço ou não. Deixe que a pessoa se sente sozinha;
o    Ao explicar direções para uma pessoa cega, seja o mais claro e específico possível; de preferência, indique a distância em metros;
o    Algumas pessoas, sem perceber, falam em tom de voz mais alto quando conversam com pessoas cegas. A menos que a pessoa tenha também uma deficiência auditiva que justifique isso, não faz nenhum sentido gritar. Fale em tom de voz normal;
o    Por mais tentador que seja acariciar um cão-guia, lembre-se de que esses cães têm a responsabilidade de guiar um dono que não enxerga. O cão nunca deve ser distraído do seu dever de guia;
o    As pessoas cegas ou com visão subnormal são como você, só que não enxergam. Trate-as com o mesmo respeito e consideração com que você trata todas as pessoas;
o    No convívio social ou profissional, não exclua as pessoas com deficiência visual das atividades normais. Deixe que elas decidam como podem ou querem participar;
o    Proporcione às pessoas cegas ou com deficiência visual a mesma chance que você tem de ter sucesso;
o    Fique à vontade para usar palavras como "veja" e "olhe". As pessoas cegas as usam com naturalidade;
o    Quando for embora, comunique isto sempre ao deficiente visual.
NOTAS:
* Socióloga. Gerente da Rede SACI - Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação (www.saci.org.br). Consultora desta série.
    1. Corpo, Alma & Cia., Projeto Arte sem Limites, São Paulo, 1997, p. 61.
    2. "Recursos ou auxílios ópticos para visão subnormal são lentes especiais ou dispositivos formados por um conjunto de lentes, geralmente de alto poder, que se utilizam do princípio da magnificação da imagem, para que possa ser reconhecida e discriminada pelo portador de baixa visão. Os auxílios ópticos estão divididos em dois tipos, de acordo com sua finalidade: recursos ópticos para perto e recursos ópticos para longe."
    1. Braga, Ana Paula. "Recursos ópticos para visão subnormal - seu uso pela criança e adolescente". Revista Con-tato, São Paulo, Laramara, agosto de 1997, p. 12.
    1. Braille: sistema de escrita e de impressão para deficientes visuais, no qual as letras do alfabeto são feitas de pontos em relevo, que as pessoas reconhecem pelo toque das pontas dos dedos. O sistema foi inventado por Louis Braille, em 1829.
    2. GLAT, Rosana. O papel da família na integração do portador de deficiência. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 2, 1996, n.4.
    3. MASINI, Elcie F. Salzano. "Conversas sobre deficiência visual". Revista Con-tato. São Paulo, Laramara, n. 3, p. 24, 1993.
PGM 4: Deficiência física e inclusão social
Marta Gil*
Bem-vindo à Holanda
Freqüentemente me pedem para descrever a experiência de dar à luz uma criança com deficiência.
Seria como...
Ter um bebê é como planejar uma fabulosa viagem de férias PARA A ITÁLIA.
Você compra montes de guias e faz planos maravilhosos ! O Coliseu. O Davi de Michelangelo. As gôndolas em Veneza. Você pode até aprender algumas frases em italiano. É tudo muito excitante.
Após meses de antecipação, finalmente chega o grande dia! Você arruma as malas e embarca. Algumas horas depois, você aterrissa. O comissário de bordo chega e diz: Bem-vindo à Holanda!
Holanda ?? diz você. O que quer dizer com Holanda?? Eu escolhi a Itália ! Eu devia ter chegado à Itália. Toda a minha vida eu quis conhecer a Itália !
Mas houve uma mudança no plano de vôo. Eles aterrissaram na Holanda e é lá que você deve ficar.
O mais importante é que eles não levaram você para um lugar horrível e desagradável, com sujeira, fome e doença. É apenas um lugar diferente.
Você precisa sair e comprar outros guias. Deve aprender uma nova língua. E irá encontrar pessoas que jamais imaginara.
É apenas um lugar diferente. É mais baixo e menos ensolarado que a Itália. Mas, após alguns minutos, você pode respirar fundo e olhar ao redor. Começa a notar que a Holanda tem moinhos de vento, tulipas e até Rembrandts e Van Goghs.
Mas, todos os que você conhece estão ocupados indo e vindo da Itália, comentando a temporada maravilhosa que passaram lá. E por toda a sua vida você dirá: Sim, era onde eu deveria estar. Era tudo o que eu havia planejado.
A dor que isso causa nunca, nunca irá embora. Porque a perda desse sonho é uma perda extremamente significativa.
Porém, se você passar toda a vida remoendo o fato de não ter chegado à Itália, nunca estará livre para apreciar as coisas belas e muito especiais existentes na Holanda. (Emily Perl Knisley, 1987)
Definição
A deficiência física pode ser definida como uma desvantagem, resultante de um comprometimento ou de uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho motor de uma determinada pessoa, ocasionando alterações ortopédicas e/ou neurológicas.
Ou, dito de outra forma:
A deficiência física abrange uma variedade de condições não sensoriais que afetam o indivíduo em termos de mobilidade, de coordenação motora geral ou da fala, como decorrência de lesões neurológicas, neuromusculares e ortopédicas, ou ainda, de más-formações congênitas ou adquiridas.
Assim, são considerados portadores de deficiência física os indivíduos que apresentam comprometimento da capacidade motora, nos padrões considerados normais para a espécie humana.
É importante salientar que a deficiência física não tem nada a ver com deficiência mental; a deficiência física afeta as funções motoras e não a parte cognitiva da pessoa. Na maioria dos casos, a inteligência fica preservada.
Que sinais podem ser observados, nas pessoas com deficiência física?
o    Movimentação sem coordenação ou atitudes desajeitadas de todo o corpo ou parte dele;
o    Anda de forma não coordenada, pisa na ponta dos pés ou manca;
o    Pés tortos ou qualquer deformidade corporal;
o    Pernas em tesoura (uma estendida sobre a outra);
o    Dificuldade em controlar os movimentos, desequilíbrios e quedas constantes;
o    Dor óssea, articular ou muscular;
o    Segura o lápis com muita ou pouca força;
o    Dificuldade para realizar encaixe e atividades que exijam coordenação motora fina.
O que fazer?
Se o professor perceber algo de diferente na movimentação da criança, ele deve:
o    Orientar os pais para que procurem profissionais especializados na área (ortopedista, fisiatra e fisioterapeuta);
o    Providenciar as adaptações necessárias, visando ao conforto e à independência da criança.
Causas da deficiência física
A deficiência física pode ter várias causas e várias formas de manifestação.
Podemos agrupá-las em:
Causas pré-natais: problemas durante a gestação (remédios tomados pela mãe, tentativas de aborto malsucedidas, perdas de sangue durante a gestação, crises maternas de hipertensão, problemas genéticos e outras);
Causas perinatais: problema respiratório na hora do nascimento, prematuridade, bebê que entra em sofrimento na hora do nascimento por ter passado da hora, cordão umbilical enrolado no pescoço e outras;
Causas pós-natais: parada cardíaca, infecção hospitalar, meningite ou outra doença infecto-contagiosa ou quando o sangue do bebê não combina com o da mãe (se esta for Rh negativo), traumatismo craniano ocasionado por uma queda muito forte e outras.
No caso de jovens e adultos, a deficiência física pode ocorrer após uma lesão medular, aneurisma, acidente vascular cerebral ou outros problemas.
É importante destacar o papel que a violência tem, como causa de deficiência física: a violência urbana, que tem sido tão focalizada pela mídia, acidentes no trânsito ou de trabalho estão se tornando as principais causas da deficiência física.
No verão, a incidência de casos de deficiência física aumenta, principalmente entre os rapazes, que praticam esportes radicais, sem tomar as devidas medidas de segurança.
Uma das doenças que já foi a maior causa de deficiência física no Brasil é a paralisia infantil (poliomielite), que atualmente está erradicada, graças às campanhas de vacinação e à tomada de consciência dos pais, que compreenderam a importância desta vacina.
Medidas de prevenção
o    Fazer acompanhamento médico pré-natal;
o    Infra-estrutura adequada nos berçários, para atender recém-nascidos (UTI para bebês com risco de vida, aparelhagem moderna, assepsia para evitar infecção hospitalar);
o    Pessoal treinado no resgate de vítimas de acidentes de trânsito;
o    Conscientização dos riscos da hipertensão e da diabetes;
o    Adotar medidas de segurança no trânsito, no ambiente de trabalho e na prática de esportes.
Tipos de deficiência física
Hemiplegia: quando a metade esquerda ou direita do corpo fica paralisada, em decorrência da lesão de células nervosas do cérebro que comandam o movimento desta parte do corpo;
Paraplegia: paralisia dos membros inferiores (pernas);
Tetraplegia: paralisia dos membros superiores (braços) e dos inferiores (pernas).
Hemiplégicos, paraplégicos e tetraplégicos sofrem lesões no sistema nervoso (no cérebro ou na medula espinhal)1, que alteram o controle neurológico sobre os músculos, afetando os movimentos do corpo. Se a lesão afetar a área da linguagem, a pessoa pode não falar ou falar com dificuldade.
As pessoas amputadas também são incluídas no grupo das portadoras de deficiência física, tanto as que nasceram sem um membro, perderam-no em um acidente ou precisaram tirá-lo por motivo de saúde, como um problema circulatório ou de gangrena.
As pessoas com paralisia cerebral pertencem a esta categoria de deficiência física. A paralisia cerebral é um distúrbio do movimento e/ou da postura que ocorre em conseqüência de uma lesão que pode ter ocorrido no cérebro durante a gestação, na hora do parto ou logo após o nascimento, devido a uma interrupção no fornecimento de oxigênio para o cérebro. Esta denominação - "paralisia cerebral" - nos leva a acreditar que estas pessoas têm suas funções cognitivas afetadas, o que nem sempre é verdade. A lesão afeta, em graus variados, a fala, a coordenação motora ou a locomoção. Por falta de informações, as pessoas acham que, porque a fala ficou alterada, estas pessoas têm também uma deficiência mental.
Há outros tipos de deficiência física, como a esclerose múltipla (uma doença degenerativa que ataca o sistema nervoso, provocando enrijecimento dos membros e dificuldades de locomoção), espinha bífida (ocasionada pela má formação da coluna vertebral e da medula espinhal, durante a formação do feto), poliomielite, que está considerada erradicada, aqui no Brasil, distrofia muscular, que abrange um grupo de disfunções musculares com alguns sintomas em comum, resultantes de falhas no desenvolvimento de fibras musculares e outras.
O desenvolvimento muscular
Uma vez constatada a deficiência física, a criança deve ser encaminhada para um programa de estimulação; alguns profissionais usam o termo "estimulação precoce" e, outros, "estimulação essencial".
É muito importante começar a estimular o bebê o mais cedo possível, com o objetivo de desenvolver suas capacidades e sua independência nas atividades quotidianas, de acordo com a fase de desenvolvimento que ele está.
O tônus dos músculos, isto é, sua elasticidade e sua capacidade de se contrair e de se esticar, obedecendo às ordens que o cérebro dá, é o que permite nossos movimentos. À medida que os músculos são exercitados, o tônus muscular vai se fortalecendo.
Para que o desenvolvimento motor do bebê aconteça, é preciso que o tônus muscular se fortaleça, juntamente com o desenvolvimento do sistema nervoso. Algumas crianças com deficiência física são hipotônicas: seus músculos são flácidos, "moles".
Em alguns casos de paralisia cerebral, acontece o oposto: os músculos ficam muito rígidos, causando espasticidade.
O ser humano obedece um padrão de desenvolvimento motor, de acordo com sua idade. Este padrão não é igual para todos; há crianças que têm um desenvolvimento mais rápido, enquanto outras são mais "preguiçosas". A criança com algum tipo de deficiência física tem mais dificuldade de seguir estas etapas; daí a necessidade de fazer exercícios de estimulação e de usar equipamentos e aparelhos, que são de grande ajuda no seu dia-a-dia.
Há diversos tipos de aparelhos e adaptações para o deficiente físico. Alguns são muito caros; neste caso, os portadores de deficiência física ou profissionais habilidosos vêem-se levados a usar a criatividade e fazer improvisações, utilizando materiais disponíveis. O fundamental é que funcionem e garantam autonomia à pessoa que os utiliza.
O papel da família
Segundo a psicóloga Rosana Glat: "A influência da família no processo de integração social do deficiente é uma questão que deve ser analisada levando-se em consideração dois ângulos: a facilitação ou impedimento que a família traz para a integração da pessoa portadora de deficiência na comunidade e a integração da pessoa com deficiência na própria família.
Estes dois aspectos são, sem dúvida, interdependentes: quanto mais integrada em sua família uma pessoa com deficiência for, mais esta família vai tender a tratá-la de maneira natural ou "normal" deixando que, na medida de suas possibilidades, participe e usufrua dos recursos e serviços gerais da sua comunidade; conseqüentemente, mais integrada na vida social esta pessoa será. Paralelamente, quanto mais ela estiver participando das atividades da comunidade e levando uma vida "normal" equivalente à de outras pessoas da sua faixa etária, mais ela será vista pelos membros de sua família como "igual aos demais". 2
Entrando na escola
É muito importante que a criança com deficiência física freqüente a escola, onde ela pode desenvolver seu potencial intelectual e interagir com outras crianças.
A família desempenha um papel fundamental no processo de adaptação da criança à escola: ela deve conversar com a professora e com a equipe escolar, orientando sobre como tratar a criança, seus limites e potencialidades.
Pode ser necessário adaptar a carteira, verificar qual é a melhor posição em relação à lousa e se o banheiro tem condições de ser utilizado. É importante consultar a criança sobre suas necessidades, com naturalidade.
Pequenas adaptações podem fazer muita diferença: por exemplo, se a criança não consegue segurar o papel para escrever, este pode ser preso na carteira com fita crepe.
Como a criança com deficiência física em geral escreve mais lentamente, a professora pode esperar mais tempo para apagar a lousa ou estimular o trabalho cooperativo, no qual os colegas colaboram sem, porém, fazer as tarefas pela criança com deficiência. Outra alternativa possível é a professora preparar fichas com o texto escrito na lousa, que a criança possa levar para casa.
Na fase inicial de aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo, as diferenças entre crianças com deficiência física e crianças não deficientes é pequena, em geral. O desenvolvimento intelectual é bastante semelhante, principalmente se a criança teve uma estimulação adequada; ela vai precisar de auxílio para se locomover e para manusear o material escolar. Esta constatação é verdadeira também para as etapas posteriores do processo de aprendizagem.
Segundo Maria Christina B. T. Maciel 3:
"É muito importante para uma criança portadora de deficiência física aprender, desde pequena, a não se autolimitar. Ela precisa ter em mente que não é doente e que, apesar destas limitações, pode ter uma boa convivência na sociedade.
A sociedade, por sua vez, precisa aprender a conviver com as diferenças individuais de cada um. O professor e toda a equipe escolar devem criar uma relação de confiança com o aluno, descartando a hipótese de ele vir a ter medo ou vergonha de não aprender imediatamente o que está sendo ensinado.
Na verdade, a diferença de ritmo pode acontecer com qualquer criança, portadora ou não de necessidades especiais. Assim, é fundamental criar uma relação de confiança com todos os alunos."
A escola é muito importante para qualquer criança, mas é ainda mais importante para a criança com deficiência. É na escola que a criança aprende a confiar em si mesma, percebendo que é capaz de realizar a maioria das atividades, embora levando um pouco mais de tempo.
Sugestões para adaptar o ambiente escolar aos portadores de deficiência física
A Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação sugere:
o    O acesso físico é a preocupação fundamental no que diz respeito a estes estudantes, devido a dificuldades de locomoção ou ao uso de cadeira de rodas. Isto implica a existência de percursos em que o aluno se possa movimentar mais facilmente de uma aula para as outras, ou seja, em que não tenha de se defrontar com barreiras arquitetônicas;
o    Estes estudantes podem eventualmente atrasar-se, ao ir de uma sala para outra, principalmente quando as aulas não são todas no mesmo complexo. Pode também haver a necessidade de fazer alguns ajustes que permitam ao aluno freqüentar aulas laboratoriais;
o    As aulas em laboratórios podem requerer algumas adaptações do material e local de trabalho (altura do balcão, mesa, cadeiras, entre outros). Se puder proporcionar estas modificações, trabalhe diretamente com o aluno para criar um local o mais acessível possível, promovendo a participação dele em todas as tarefas;
o    Na elaboração de viagens de estudo, o aluno deverá assistir à seleção dos locais a visitar e à seleção dos meios de transporte;
o    Sempre que houver muita gente (em corredores, bares, restaurantes) e estiver ajudando um colega em cadeira de rodas, avance a cadeira com prudência; o aluno poder-se-á sentir incomodado se esbarrar em outras pessoas.
" A praça é do povo..."
Embora a escola seja um espaço fundamental para todas as pessoas, portadoras ou não de deficiência, ela não é o único; a vida também acontece em outros espaços, igualmente ricos em oportunidades de convivência e outros tipos de aprendizagem.
Para a pessoa com deficiência física, o acesso a estes outros lugares é, muitas vezes, problemático, pois nem sempre eles foram construídos levando em conta suas necessidades. No caso de edifícios de uso público, há uma legislação determinando que eles sejam adaptados. Infelizmente, nem sempre estas leis são cumpridas. É hora, então, de municiar-se com informações e reivindicar seus direitos de cidadão.
As adaptações arquitetônicas facilitam o acesso de muitas pessoas:
o    Pessoas com deficiência física
o    Idosos
o    Gestantes
o    Mães com carrinho de bebê
o    Pessoas que quebraram a perna
o    Obesos
o    Cardíacos
Portanto, vale a pena investir em adaptações arquitetônicas que, muitas vezes, são de baixo custo (fazer uma rampa, por exemplo) e vão beneficiar muitas pessoas. Mas, para conseguir isso, é preciso sair e ser visto pelos demais. Muitas vezes, as pessoas não providenciam estas facilidades em seus estabelecimentos porque não pensaram no assunto e não perceberam que o portador de deficiência também é um consumidor.
Se as cidades fossem planejadas para atender às necessidades de todas as pessoas, incluindo os grupos acima enumerados, elas seriam assim:
o    Os edifícios teriam os elevadores, sanitários e corredores acessíveis e utilizáveis por portadores de deficiência;
o    Os deficientes físicos poderiam participar de eventos políticos, sociais e culturais;
o    Os meios de transporte seriam adaptados;
o    As cabinas telefônicas permitiriam sua utilização por pessoas em cadeira de rodas.
No dia em que estas mudanças ocorrerem, a cidade realmente será do povo, como sonhava o poeta, há muitos anos atrás...
Além da escola, o mundo!
O portador de deficiência física é, em primeiro lugar, uma pessoa, com sonhos, desejos, receios...
Embora a escola ocupe um lugar importante em sua vida, como na de outras crianças, não é o único espaço de convivência e de aprendizagem. E, à medida que ele entra na adolescência, também quer ter uma "turma", paquerar, se vestir da mesma forma. Estes desejos são naturais e saudáveis.
Aqui vai um depoimento de um jovem portador de deficiência física e de como ele viveu esta situação.
" Meus pais perceberam que eu andava triste, mais quieto que o normal, e nem sempre aceitava convites para ir às festas. Um dia, consegui me abrir com eles e falar de meus medos e preocupações. (...)
Minha mão tomou providências: começou a convidar meus amigos para freqüentar minha casa, às vezes organizava festinhas e sempre nos deixava à vontade. Ela procurava fazer com que a turma me visse como um rapaz igual aos outros, para que eu também me sentisse igual aos outros.
(...) Porém, persistiam as dúvidas quanto a uma namorada. Será que eu precisaria namorar uma menina também com deficiência física? Será que um dia eu poderia me casar? E ter filhos?
(...) Aos poucos, fui descobrindo que desejos e manifestações sexuais surgem naturalmente em todas as pessoas, sejam ou não portadoras de deficiência física. E que a necessidade de satisfazer estes impulsos é igualmente natural. Fiquei sabendo que nada impede os deficientes físicos de gerar filhos, criá-los e educá-los.
Descobri que, quanto maior fosse meu círculo de amizades, maior seria minha participação em atividades para jovens e, conseqüentemente, maiores seriam minhas chances em relação ao amor.
Comecei a participar de festas, a ir passear no shopping, freqüentar barzinhos e lanchonetes. Às vezes meu pai não podia me levar e então aprendi a sair de ônibus, com um amigo. Quase morri de medo na primeira vez!" 4
Dicas para se relacionar com pessoas com deficiência física
o    Para uma pessoa sentada em cadeira de rodas, é incômodo ficar olhando para cima por muito tempo. Portanto, se a conversa for demorar mais do que alguns minutos, se for possível sente-se, para que você e ela fiquem com os olhos no mesmo nível;
o    A cadeira de rodas (assim como bengalas e muletas) é parte do espaço corporal da pessoa, quase uma extensão do seu corpo. Agarrar ou apoiar-se na cadeira de rodas é como agarrar ou apoiar-se numa pessoa sentada numa cadeira comum. Isso muitas vezes é simpático, se vocês forem amigos, mas não deve ser feito se vocês não se conhecem;
o    Nunca movimente a cadeira de rodas sem antes pedir permissão para a pessoa;
o    Empurrar uma pessoa em cadeira de rodas não é como empurrar um carrinho de supermercado. Quando estiver empurrando uma pessoa sentada numa cadeira de rodas, e parar para conversar com alguém, lembre-se de virar a cadeira de frente, para que a pessoa também possa participar da conversa;
o    Ao empurrar uma pessoa em cadeira de rodas, faça-o com cuidado. Preste atenção para não bater nas pessoas que caminham na frente. Para subir degraus, incline a cadeira para trás, levante as rodinhas da frente e apoie-as sobre o degrau. Para descer um degrau, é mais seguro fazê-lo de marcha à ré, sempre apoiando para que a descida seja sem solavancos. Para subir ou descer mais de um degrau em seqüência, será melhor pedir a ajuda de mais uma pessoa;
o    Se você estiver acompanhando uma pessoa deficiente que anda devagar, com auxílio ou não de aparelhos ou bengalas, procure acompanhar o passo dela;
o    Mantenha as muletas ou bengalas sempre próximas à pessoa deficiente;
o    Se achar que ela está em dificuldades, ofereça ajuda. Caso seja aceita, pergunte como deve fazê-lo. As pessoas têm suas técnicas pessoais para subir escadas, por exemplo e, às vezes, uma tentativa de ajuda inadequada pode até mesmo atrapalhar. Outras vezes, a ajuda é essencial. Pergunte e saberá como agir. Não se ofenda se a ajuda for recusada;
o    Se você presenciar um tombo de uma pessoa com deficiência, ofereça ajuda imediatamente. Mas nunca ajude sem perguntar se e como deve fazê-lo;
o    Esteja atento para a existência de barreiras arquitetônicas quando for escolher uma casa, restaurante, teatro ou qualquer outro local que queira visitar com uma pessoa com deficiência física;
o    Pessoas com paralisia cerebral podem ter dificuldades para andar, podem fazer movimentos involuntários com pernas e braços e podem apresentar expressões estranhas no rosto. Não se intimide com isso. São pessoas comuns como você. Geralmente, têm inteligência normal ou, às vezes, até acima da média;
o    Quando conversar com um estudante em cadeira de rodas lembre-se de que uma pessoa sentada tem um ângulo de visão diferente. Se quiser mostrar-lhe qualquer coisa, abaixe-se para que ela efetivamente a veja;
o    Se a pessoa tiver dificuldade na fala e você não compreender imediatamente o que ela está dizendo, peça para que repita. Pessoas com dificuldades desse tipo não se incomodam de repetir quantas vezes seja necessário para que se façam entender;
o    Não se acanhe em usar palavras como "andar" e "correr". As pessoas com deficiência física empregam naturalmente essas mesmas palavras;
o    Trate a pessoa com deficiência física com a mesma consideração e respeito que você usa com as demais pessoas.
NOTAS:
* Socióloga. Gerente da Rede SACI - Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação (www.saci.org.br). Consultora desta série.
    1. A medula espinhal fica dentro da coluna e dela partem as terminações nervosas que vão para os braços e pernas. Se há uma lesão na parte superior, os quatro membros podem ficar sem movimentação. Se a lesão ocorrer em uma área mais baixa, somente a perna perde o movimento.
    2. Glat, Rosana. O papel da família na integração do portador de deficiência. In: Revista Brasileira de Educação Especial, v. 2, n. 4, p. 111, 1996.
    3. Deficiência física, In: Cadernos da TV Escola, p. 83.
    4. Maria Christina B. T. Maciel, op. cit., p. 86 e 87.

PGM 5: Deficiência auditiva
Marta Gil*
Arco da flecha
Suely Barbosa
O arqueiro
Retesa
O arco.
Dentro do arco
O limite
Que salta
Para o infinito.
Quem pode ser considerado surdo?
Se houver um problema em uma das partes do ouvido, a audição ficará prejudicada, em maior ou menor grau. Há diferentes tipos de perda auditiva, conforme o local da perda (se foi no ouvido médio, no interno etc.). Conseqüentemente, a conduta médica também será diferente, conforme o caso.
"Surdo é o indivíduo que tem a perda total ou parcial, congênita ou adquirida, da capacidade de compreender a fala através do ouvido. De acordo com o grau de perda auditiva, avaliada em decibéis (dB), a surdez manifesta-se como leve (perda entre 20 e 40 dB), moderada (entre 40 e 70 dB), severa (entre 70 e 90 dB) e profunda (acima de 90 dB de perda) - impede o indivíduo de ouvir a voz humana e de adquirir, espontaneamente, o código da modalidade oral da língua, mesmo com o uso de prótese auditiva."1
Os graus de deficiência auditiva são caracterizados de diferentes formas, por diferentes autores.
O que importa, aqui, é enfatizar que a escala da audição tem diferentes graus; portanto, há pessoas que escutam muito pouco, sendo incapazes de ouvir um avião passando; outras conseguem ouvir a voz humana, mas não conseguem discriminá-la.
Pelo menos uma em cada mil crianças nasce profundamente surda. Muitas pessoas desenvolvem problemas auditivos ao longo da vida, por causa de acidentes ou doenças.
A deficiência auditiva traz muitas limitações para o desenvolvimento do indivíduo. Considerando que a audição é essencial para a aquisição da linguagem falada, sua deficiência influi no relacionamento com os outros e cria lacunas nos processos psicológicos de integração de experiências, afetando o equilíbrio e a capacidade normal de desenvolvimento do indivíduo.
Identificação da surdez
Quando é possível detectar que uma criança tem perda auditiva?
O ideal seria avaliar a capacidade auditiva do bebê ainda na maternidade.
Há alguns sinais que podem ser observados logo nas primeiras semanas após o nascimento, se o pediatra e os familiares estiverem atentos às reações:
o    O bebê não acorda ou não se assusta com um barulho forte e súbito;
o    O bebê não pára de chorar, quando a mãe usa apenas a voz para acalmá-lo;
o    O bebê não procura a origem do barulho, virando a cabeça na direção da fonte sonora, isso já numa fase posterior do desenvolvimento;
o    O bebê é exageradamente quieto.
Quando a criança tem mais de 1 ano
Alguns sinais podem ser observados, quando a criança tem mais de 1 ano de idade:
o    As primeiras palavras aparecem tarde (3 a 4 anos);
o    Não responde ao ser chamada em voz normal;
o    Quando de costas, não se volta para a pessoa que lhe dirige a palavra;
Apresenta:
o    Excesso de comunicação gestual e pouca emissão de palavras;
o    Fala extremamente alta ou baixa;
o    Cabeça virada para ouvir melhor;
o    Olhar dirigido para os lábios de quem fala e não para os olhos;
o    Troca e omissão de fonemas na fala e na escrita.
É mais fácil descobrir uma perda de audição de nível severo ou profundo do que uma perda leve ou moderada.
Avaliação audiológica
Quando há suspeita de perda de audição, deve-se procurar um médico, para que ele faça exames específicos, para avaliar a situação do bebê ou da pessoa.
A avaliação audiológica, para constatar se realmente houve perda de audição, pode ser feita de mais de uma forma, dependendo da idade da criança.
O aparelho de amplificação sonora individual
Em alguns casos, o exame audiométrico indica a possibilidade de usar um aparelho de amplificação sonora individual (A.A.S.I.). Este é um equipamento pequeno, usado junto ao ouvido da criança, que amplia a intensidade dos sons e os traz para um nível confortável para quem precisa usá-lo. Atualmente, ele possui um nível bastante alto de sofisticação, ampliando o som de maneira cada vez mais seletiva, isto é, os sons da fala têm "prioridade" sobre os ruídos ambientais, nos momentos de comunicação.
Os benefícios advindos do uso do aparelho auditivo não são percebidos de imediato; é necessário um período de aprendizagem e de adequação auditiva que, às vezes, desanima a criança e seus familiares.
Os pais precisam entender o que esse aparelho pode representar para o filho, os benefícios que pode trazer e suas limitações. Ele costuma gerar expectativas, como se fosse capaz de realizar milagres. Muitos pais imaginam que, usando o aparelho, seu filho deixará de ser surdo e se transformará em ouvinte.
O desenvolvimento auditivo na criança com perda auditiva não acontece logo após a colocação e o uso do aparelho. Ele vai se dar com o passar do tempo. Mas os pais e os profissionais não podem desanimar.
Não é suficiente usar o aparelho auditivo durante algumas horas por dia. Deve-se colocá-lo ao acordar e retirá-lo para dormir (com exceção do banho). O aparelho é tão importante quanto comer.
Causas da deficiência auditiva
A deficiência auditiva pode ser congênita ou adquirida.
As principais causas da deficiência congênita são: hereditariedade, viroses maternas (rubéola, sarampo), doenças tóxicas da gestante (sífilis, citomegalovírus, toxoplasmose), ingestão de medicamentos ototóxicos (que lesam o nervo auditivo) durante a gravidez.
A deficiência auditiva pode ser adquirida, quando existe uma predisposição genética (otosclerose), quando ocorre meningite, ingestão de remédios ototóxicos, exposição a sons impactantes (explosão) ou viroses, por exemplo.
Outra forma de classificar as causas potenciais da deficiência auditiva ou a ela associadas é a seguinte:
Causas pré-natais: a criança adquire a surdez através da mãe (no período de gestação), devido à presença destes fatores, entre outros:
o    Desordens genéticas ou hereditárias;
o    Causas relativas à consangüinidade;
o    Causas relativas ao fator Rh;
o    Causas relativas a doenças infecto-contagiosas, como a rubéola;
o    Sífilis, citomegalovírus, toxoplasmose, herpes;
o    Ingestão de remédios ototóxicos
o    Ingestão de drogas, alcoolismo materno;
o    Desnutrição/subnutrição/carências alimentares;
o    Pressão alta, diabetes;
o    Exposição à radiação.
Causas perinatais: a criança fica surda, em decorrência de problemas no parto:
o    Pré-maturidade, pós-maturidade, anóxia, fórceps;
o    Infecção hospitalar.
Causas pós-natais: a criança fica surda, em decorrência de problemas após seu nascimento:
o    Meningite;
o    Remédios ototóxicos, em excesso ou sem orientação médica;
o    Sífilis adquirida;
o    Sarampo, caxumba;
o    Exposição contínua a ruídos ou sons muito altos;
o    Traumatismos cranianos.
Devemos salientar que, atualmente, sabemos que são várias e diferenciadas as causas que originam a surdez, embora o conhecimento científico atual seja ainda insuficiente para identificar todas elas.
O diagnóstico médico permite, em muitos casos, que se identifique a causa mais provável da perda auditiva, mas infelizmente nem sempre isso é possível. A ocorrência de gestações e partos com histórico complicado, bem como a manifestação de doenças maternas no período próximo ao nascimento da criança podem inviabilizar a identificação dessa causa.
Por isso mesmo, em cerca de 50% dos casos, a origem da deficiência auditiva é atribuída a 'causas desconhecidas'. Quando se consegue descobrir a causa, o mais freqüente é que ela se deva a doenças hereditárias, rubéola materna e meningite.
Surdocegueira
Vale a pena mencionar a surdocegueira, que é uma deficiência múltipla. Ela caracteriza-se pela perda parcial ou total da visão e da audição, de tal forma que a combinação das duas deficiências causa extrema dificuldade na conquista de metas educacionais, vocacionais, de lazer e sociais.
Mas, apesar das dificuldades, é possível educar a criança portadora desta deficiência, através de métodos especializados.
Que sinais podem ser observados na surdocegueira?
o    Déficit de audição e visão;
o    Atraso significativo no desenvolvimento global (motor e cognitivo);
o    Ausência de fala;
o    Dificuldade em estabelecer relações com outro;
o    Tendência ao isolamento pela falta de comunicação;
o    Comportamentos estereotipados ou autistas;
o    Utilização do choro, gemidos e movimentos corporais como formas de comunicação.
Quando a família percebe a surdez
É freqüente que os pais confirmem a existência da surdez por volta de 1 ou 2 anos de idade da criança.
Isso implica uma dificuldade maior na transmissão de significados simbólicos às experiências do bebê. Um exemplo: o bebê chora, e a mãe procura acalmá-lo conversando com ele - sem que ela saiba, sua voz não chega até ele para tranqüilizá-lo, acalmá-lo e marcar a presença materna. Somente ao vê-la ele pode se assegurar de sua proximidade.
À medida que se repetem experiências desse tipo, o bebê pode desenvolver sentimentos de insegurança e abandono, o que mais tarde pode ter como conseqüência uma auto-estima rebaixada.
Por outro lado, quando descobre a surdez do filho, a grande maioria das mães passa a usar menos a voz para se comunicar com ele ou até deixam de utilizar a palavra. Todos caem no silêncio.
As atitudes maternas de desânimo ou de superproteção podem ser compreensíveis, mas não incentivam o desenvolvimento da criança.
Os pais (e, principalmente, a mãe, pois ela tem contato mais intenso e freqüente com o bebê) devem compreender que há muitas formas de comunicação com o bebê, além da linguagem oral: toques, sorrisos, carinhos. Todas essas linguagens devem ser utilizadas no trato com o bebê, inclusive a oral. Deve-se falar sempre de frente, para que a criança possa ir percebendo que esta forma de comunicação também existe.
O diagnóstico precoce
É de grande importância que a surdez seja diagnosticada o mais cedo possível. Assim que é constatada, é possível começar seu atendimento, que inclui o trabalho não só com a criança, mas também com os pais.
No trabalho de estimulação precoce, o primeiro aspecto a ser lembrado é que a criança surda, em seus primeiros meses de vida, é um bebê com necessidades peculiares, pois a ausência da audição, interferindo na aquisição da linguagem e na maneira de conhecer o mundo, deixará marcas para o resto da vida.
Principalmente nos casos em que se pode suspeitar desse tipo de quadro - como nascimento de alto risco, casos de surdez hereditária na família, casamentos consangüíneos, ocorrência de rubéola na gravidez ou um quadro de meningite após o nascimento - é fundamental que o bebê seja encaminhado para avaliação médica o quanto antes.
Como evitar/prevenir a perda auditiva em crianças?
Quando pensamos sobre a surdez e as limitações que lhe são associadas, é natural que procuremos conhecer as causas que a provocam e os meios de evitá-las.
O estudo das causas da deficiência auditiva demonstra a importância da prevenção primária na área da saúde uma vez que, segundo dados da Organização Mundial de Saúde - OMS, 1,5% da população dos países em desenvolvimento têm problemas relativos à audição.
A prevenção primária refere-se às ações que antecedem o problema da surdez, evitando sua ocorrência e deve ser realizada por meio de:
o    Campanhas de vacinação das jovens contra a rubéola;
o    Acompanhamento à gestante (pré-natal);
o    Campanhas de vacinação infantil contra: sarampo, meningite, caxumba etc.;
o    Não dar remédio sem receita médica; se for antibiótico, verificar se contém aminoglicosídeo, substância que geralmente prejudica a audição de forma irreversível;
o    Palestras e orientações às mães.
Já a prevenção secundária refere-se às ações que atenuam as conseqüências da surdez e são realizadas tanto na área da Saúde, como na área da Educação:
o    Na área da Saúde, por meio do diagnóstico, da protetização precoce da criança (colocação do aparelho auditivo) e do atendimento fonoaudiológico;
o    Na área da Educação, por meio do atendimento na Educação Infantil, principalmente através do Programa de Estimulação Precoce (para crianças de zero a três anos).
A prevenção terciária refere-se às ações que limitam as conseqüências do problema da surdez e melhoram o nível de desempenho da pessoa como, por exemplo, aquelas que compõem o atendimento realizado pela Educação Especial.
Depois do diagnóstico, o que fazer?
É fundamental que a surdez seja diagnosticada o mais cedo possível. Quando a perda auditiva é detectada precocemente, a preocupação inicial do profissional (médico, psicólogo ou fonoaudiólogo) deve ser a de fornecer informações aos pais, para que eles saibam o que fazer e, principalmente, possam acolher este filho e aprender a lidar com esta situação inesperada.
A estimulação precoce realizada no ambiente doméstico, aliada ao trabalho educacional de profissionais, permitirá que a criança adquira condições de se comunicar da melhor forma possível, situando-se melhor na sociedade.
Após o médico fazer o diagnóstico de que a criança tem uma perda auditiva e de que grau, a família deve tomar as seguintes medidas:
o    Iniciar o tratamento fonoaudiológico integrado, feito pelo fonoaudiólogo e a equipe que for considerada necessária;
o    Utilizar o aparelho auditivo, se for adequado para o caso.
Infelizmente, nem sempre essa avaliação é feita precocemente; na maior parte das vezes, a criança fica sem atendimento até o momento de ir para a escola. Quanto mais tempo passa, maiores são as dificuldades de desenvolvimento - tanto no campo da linguagem quanto nos níveis social, psíquico e cognitivo.
Inicialmente, a criança não precisa utilizar a linguagem oral para comunicar-se com sua família; o fundamental é utilizar a sensibilidade, que se traduz em um toque, uma expressão de felicidade. Os pais devem compreender que, ao invés de ficarem desesperados, podem e devem participar da educação de sua criança e que o futuro dela vai depender de sua atuação em parceria com profissionais, como fonoaudiólogo e otorrinolaringologista.
O processo de desenvolvimento da criança surda
Durante muito tempo e ainda mesmo em nossos dias, a deficiência auditiva tem sido confundida com a deficiência mental; seus portadores são chamados erroneamente de "mudos" ou "surdos-mudos". Sabemos, hoje, que a surdez não afeta o desenvolvimento cognitivo das pessoas e que estas pessoas não são mudas, isto é, elas emitem sons; muitas vezes não falam, por medo que caçoem delas, por não ouvirem, por não terem recebido treinamento para falar ou outro motivo.
Saber em que momento se instalou a surdez é fundamental para planejar as necessidades de estimulação da criança, seja qual for a idade. Mas também são necessárias outras informações, tais como:
o    Se a surdez foi detectada nos primeiros anos de vida e em que fase isso aconteceu;
o    Se aconteceu antes ou depois do nascimento ou durante o parto;
o    Qual o grau da perda auditiva - leve, moderada, severa ou profunda;
o    Se recebeu atendimento especializado (e se foi indicada a utilização de aparelho de amplificação sonora individual);
o    Como a audição foi estimulada, desde o início;
o    Qual a reação da família e que tipo de assistência ela recebeu nesse momento;
o    Se a surdez está ou não associada a outra deficiência ou a problemas de saúde.
O profissional precisa conhecer a história de cada pessoa - época em que ocorreu a surdez e qual foi o grau da perda, tipo de atendimento reabilitacional recebido, oral ou oral com sinais/gestos, estimulação feita para a aquisição da linguagem, aproveitamento dos resíduos auditivos e outras informações mais, para poder prestar o melhor atendimento possível, tanto na área da Educação quanto na de Saúde.
Assim, o grau e o tipo da perda de audição, assim como a idade em que esta ocorreu, vão determinar importantes diferenças em relação ao tipo de atendimento que o aluno irá receber. Quanto maior for a perda auditiva, maiores serão os problemas lingüísticos e maior será o tempo em que o aluno precisará receber atendimento especializado.
Existe uma diferença significativa no desenvolvimento da linguagem e da comunicação de crianças que sofrem perda auditiva antes dos 2 anos de idade, em comparação com as que ficam surdas após terem adquirido a linguagem (por exemplo, no caso de surdez causada por meningite, depois dos 4 anos de idade). As maiores já tiveram a oportunidade de estruturar a memória auditiva e um sistema lingüístico próprio.
"Embora não se possa afirmar que a surdez afete o desenvolvimento intelectual dos indivíduos, provoca neles, sem dúvida, dificuldades de conceituação, pela ausência do código lingüístico normalmente usado no contexto social dos ouvintes. O pensamento, em decorrência, se organiza de forma bem distinta da usual dos ouvintes, da mesma idade, devido à privação da audição ou por experiências frustrantes vividas pelos surdos desde o contexto sócio-familiar."
Que língua ensinar para a criança surda?
Esta é uma pergunta difícil e polêmica. As respostas são várias e dependem da postura assumida pelo profissional, das expectativas da família, da natureza da criança, do grau de deficiência auditiva e dos recursos existentes no lugar onde que ela mora.
A educação da criança surda em fase de socialização, nos seus primeiros anos de vida, precisa se adequar a suas características pessoais. A observação de suas respostas aos primeiros atendimentos escolares e clínicos (estimulação auditiva, sociabilização etc.), servirá para indicar o caminho a seguir: optar pelo ensino especializado (escola e classe especial), ou pelo ensino comum.
Cada criança deve receber atendimento de acordo com sua realidade, para poder vivenciar e explorar ao máximo suas potencialidades.
Algumas crianças surdas têm possibilidade de adquirir e desenvolver a linguagem oral, utilizando a fala para se comunicar. Outras, por características pessoais e também em decorrência do ambiente familiar em que cresceram, apresentam linguagem oral mínima, que deve ser complementada com outras formas de comunicação (escrita e por sinais).
A construção da linguagem oral no indivíduo com surdez profunda é uma tarefa longa e bastante complexa, envolvendo aquisições como: tomar conhecimento do mundo sonoro, aprender a utilizar todas as vias perceptivas que podem complementar a audição, perceber e conservar a necessidade de comunicação e de expressão, compreender a linguagem e aprender a expressar-se.
Na abordagem oralista, ainda hoje adotada por algumas instituições, a comunicação se baseia na fala; não se aceita a utilização dos gestos ou sinais para representar ou indicar coisas, objetos etc. No oralismo, os resíduos de audição servem como parâmetros para a aquisição da fala e da linguagem, sendo associados à leitura da expressão facial.
O bilingüismo é a abordagem mais recente e defende a idéia de que ambas as línguas - de sinais (LSB - Língua de Sinais Brasileira) e a oral (português) sejam ensinadas e usadas sem que uma interfira/prejudique a outra, em situações diferentes.
Entre os mais jovens, e particularmente entre aqueles que apresentam perdas auditivas severas e profundas, existe um movimento para que assumam a própria surdez. Lutam por seus direitos e buscam divulgar a Língua de Sinais Brasileira, mostrando que se trata de uma língua com regras próprias, como a Língua Portuguesa.
Os que adotam essa linha valorizam sua fala, levando em conta que é uma fala diferente e valorizam também seu direito de usar recursos variados para se comunicar, na busca de uma melhor participação social. Rejeitam o termo 'deficiente', que embute um conceito de déficit, e defendem uma atitude na qual seja dado valor ao indivíduo e não à deficiência da qual ele é portador.
A educação dos surdos no Brasil
Até a década de 60, como na maioria dos países, o Brasil seguia a orientação dominante, considerando como melhor alternativa, para o ensino de crianças surdas, o atendimento em separado, já que seus problemas lingüísticos as diferenciavam das crianças ouvintes.
Assim, apareceram muitas escolas especiais para surdos, onde os portadores de deficiência auditiva eram educados, predominantemente, sob o aspecto da reabilitação oral.
A partir dos anos 80, seguindo a tendência mundial de integração, adotou-se nova orientação no campo da educação dos surdos: a meta que as escolas passaram a se colocar ultrapassava o campo clínico/terapêutico, englobando o campo pedagógico e lingüístico, numa perspectiva integracionista que encontrou respaldo filosófico, legal e político-educacional na Constituição da República Federativa do Brasil (1988) que garante, em seu artigo 208, inciso III, "o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino"; na Convenção sobre os Direitos da Criança (1989); na Declaração de Salamanca, resultante da "Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade" (1994); na Política Nacional de Educação Especial (1994); no Plano Decenal de Educação para Todos (1994).
Assim, a integração do aluno surdo ao sistema regular de ensino, entendida como um processo resultante da evolução histórica da Educação Especial, calcada nos direitos humanos, constitui uma tendência que vem se acentuando nestes últimos anos, no Brasil e em outros países.
Considerando que a meta atual da educação dos portadores de deficiência auditiva passou a enfocar também o aspecto acadêmico e lingüístico, as diretrizes que têm sido traçadas conduzem às seguintes conclusões:
o    A educação dos surdos deve desenvolver-se, preferencialmente, na rede regular de ensino;
o    O conteúdo programático a ser desenvolvido é o mesmo do ensino regular;
o    A orientação educacional permite o acesso, pelo aluno, a duas línguas: a Língua de Sinais Brasileira e a Língua Portuguesa;
o    A reabilitação é parte do aprendizado de Língua Portuguesa, em sua modalidade oral, própria, principalmente, para o caso de alunos que iniciaram sua educação na faixa etária de zero a seis anos;
o    A aprendizagem da modalidade oral e principalmente da modalidade escrita do Português constitui tarefa cotidiana dos professores da classe especial, da sala de recursos e de classe comum do ensino regular.
Sabe-se que a integração do portador de deficiência auditiva no sistema regular de ensino representa um processo individual (para o aluno) e acarreta uma reorganização institucional (para a escola).
Em se tratando do aluno, faz-se necessário estabelecer, para cada caso, o momento oportuno para que ele comece a freqüentar a classe comum do ensino regular, se esta for a sua opção.
Aprendendo a conviver na escola
O principal objetivo da educação infantil é favorecer o desenvolvimento físico, motor, emocional, cognitivo e social de todas as crianças - ouvintes ou surdas. A escola promove experiências e conhecimentos, por meio de jogos e brincadeiras, bem como do convívio com outras crianças e outros adultos, fora do ambiente doméstico.
A socialização, que se inicia antes dos 3 anos, vai se consolidando entre os 4 e os 6 anos de idade. Para que possa expressar seus desejos e suas necessidades, utilizando gestos e/ou sons, a criança surda deve ser exposta a uma linguagem compreensível para ela, contribuindo assim para sua socialização.
O desafio do trabalho precoce com a criança surda está em criar situações de comunicação que favoreçam sua expressão e sua interação contínua com as pessoas, utilizando-se do olhar, dos gestos, dos sinais, da linguagem oral etc.
A escola, comum ou especializada, deve preparar a criança surda para a vida em sociedade, oferecendo-lhe condições de aprender um código de comunicação que permita seu ingresso na realidade sociocultural, com efetiva participação na sociedade.
O trabalho de linguagem, tanto em Língua Portuguesa (oral) quanto na Língua de Sinais Brasileira (LSB), é desenvolvido de forma a dar à criança surda um instrumento lingüístico que a torne capaz de se comunicar.
Os principais recursos utilizados nesse trabalho são atividades de imitação, jogos, desenho, dramatizações, brincadeiras de faz-de-conta, histórias infantis etc. Tais atividades possibilitam, ao mesmo tempo, a aquisição de linguagem e a aprendizagem de conceitos e regras de um código de comunicação, aspectos importantíssimos para o processo de integração escolar.
A criança surda adquire sua linguagem ao relacionar a experiência que está vivendo com a verbalização e/ou os sinais que ela observa em outra pessoa (colega, pais, professores etc.), bem como ao relacionar o que está sendo falado pelo outro com suas próprias experiências e também ao comunicar seus pensamentos e experiências de forma oral, escrita ou com sinais.
Qualquer situação comum, especialmente as que se vinculam às idéias e aos interesses da criança surda, pode ser útil para estimular e desenvolver seu processo de comunicação. Por exemplo: se ela gosta de carros, de motos, ou de bonecas, seu brinquedo predileto pode servir de motivação para que aprenda seus nomes, reproduza o ruído que fazem, experimente sentir as vibrações quando os veículos passam pela rua, observe as cores das diferentes motos ou reproduza com suas bonecas o cuidado materno, dando nome aos sentimentos - 'eu gosto', 'eu choro', 'eu estou triste', 'eu estou alegre' etc.
É através da repetição das palavras e da vivência que as crianças aprendem a compreender uma língua e a usá-la. Isto vale para crianças ouvintes e para as com perda auditiva. Mas as crianças com perda auditiva precisam de mais estímulos, de mais repetições e de mais vivências. A partir do momento em que a criança surda percebe que cada objeto tem um nome, o progresso torna-se mais rápido.
A inclusão da criança surda na escola
Quando recebe em sua classe (de ouvintes) um aluno surdo, é freqüente que a primeira reação do professor seja: Como vou falar com esse aluno? Não sou especialista! Como posso ensiná-lo?
Não se pode 'jogar' a criança surda em uma escola ou em uma classe comum, alegando a necessidade de 'inseri-la' na escola regular; essa atitude mostra que não há um reconhecimento da necessidade da criança surda de ter um atendimento cuidadoso, para que desenvolva suas habilidades comunicativas.
Na proposta atual, mais inclusiva, a criança com surdez participa do sistema educacional, não está fora dele. É esperado que ela, bem como os professores e toda a escola, conte com dispositivos que auxiliem seu pleno desenvolvimento escolar, sem sacrifícios.
No entanto, a inclusão na escola comum, principalmente no Ensino Fundamental, não é a única realidade para todos os portadores de deficiência. Deve constituir um processo gradativo, que respeite as diferentes necessidades e interesses de cada um.
A inclusão da criança com surdez em classe comum da escola regular terá mais chances de sucesso se for gradativa e resultar de um estudo de cada caso, individualmente.
Inicialmente, é necessário verificar se a criança surda está preparada para freqüentar uma classe comum, na qual as diferenças, principalmente as que se referem à linguagem, serão evidenciadas pela comparação com os colegas ouvintes.
Para isso, o aluno, sua família e seus professores precisam dispor de dados - parecer médico, resultados das avaliações audiológicas periódicas, informações da fonoaudióloga e da família etc. - que permitam entender melhor o que a falta de audição pode acarretar e que tipo de reação a criança terá no ambiente escolar.
Como condição para participar de uma classe comum, o aluno surdo precisa ter adquirido um nível de linguagem suficiente para permitir um diálogo, mesmo que simples, com professores e colegas, além de contar com um bom vocabulário e com certo domínio de leitura e escrita. Com esse domínio da linguagem, ele pode expressar seus pensamentos e sentimentos, e consegue ainda compreender os conceitos utilizados nas diferentes disciplinas.
A escola comum, por sua vez, também precisa dispor de recursos que tornem viável o processo de inclusão, como por exemplo:
o    Assessoria em relação à língua de sinais, se a criança tiver linguagem oral restrita e às estratégias adequadas para propiciar o diálogo, na linguagem oral e/ou escrita;
o    Material concreto e visual que sirva de apoio para garantir a assimilação de conceitos novos;
o    Contato com professores que tenham vivenciado situações semelhantes;
o    Orientação de professores da Educação Especial - itinerantes ou de salas de recursos. Podem ser feitas reuniões para trocar experiências e esclarecer dúvidas.
O que caracteriza o aluno (surdo ou não) é sua capacidade de aprendizagem e não a deficiência que apresenta. Existe um sujeito com potencial, no qual se deve investir.
"O obstáculo sensorial auditivo cria situações comunicativas específicas para o surdo, porém não o impede de adquirir uma linguagem, nem o desenvolvimento de sua capacidade de representação. Este processo envolve mecanismos mentais diferentes daqueles da pessoa ouvinte e, por isso, tornam-se responsáveis pela construção de esquemas de pensamento e estratégias intelectuais que dependem da natureza do desenvolvimento lingüístico-cognitivo que lhes é próprio".2
Tanto no ensino comum quanto no especializado, o aluno precisa se sentir envolvido no processo de aprendizagem, participar de fato e ser capaz de fazer escolhas com responsabilidade, programando-se para o futuro.
O conteúdo curricular a ser desenvolvido para o aluno surdo é exatamente o mesmo trabalhado com os alunos ouvintes, com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). São necessárias adaptações curriculares para atender à especificidade da clientela, seja na escola especial ou na regular. O uso de materiais variados (jornais, revistas, propagandas, noticiários de TV, computadores etc.) contribui para motivar os alunos, mantê-los atualizados em relação aos acontecimentos do mundo e dar-lhes uma visão ampla dos acontecimentos.
Todos os alunos serão beneficiados se o professor proporcionar atividades a partir de centros de interesse, integrando diferentes disciplinas.
Na visão inclusiva, a criança com perda auditiva deve ser acolhida a partir de uma proposta globalizadora, que valorize a escolaridade, os hábitos e as atitudes preparatórios para a vida adulta e que possibilite a ela se tornar responsável pelo próprio processo escolar e consciente de seus direitos, que são os mesmos dos ouvintes.
Os educadores devem considerar, além da metodologia, as necessidades específicas dos alunos, com o objetivo de favorecer sua adaptação e sua integração.
O papel do professor
Compete ao professor:
- Desenvolver o processo ensino-aprendizagem com o aluno surdo, adotando a mesma proposta curricular do ensino regular, com adaptações que possibilitem:
o    O acesso ao currículo, utilizando sistemas de comunicação alternativos, como a Língua Brasileira de Sinais, a mímica, o desenho, a expressão corporal;
o    A utilização de técnicas, procedimentos e instrumentos de avaliação compatíveis com as necessidades do aluno surdo, sem alterar os objetivos da avaliação e o seu conteúdo, como, por exemplo, maior valorização do conteúdo em detrimento da forma da mensagem expressa;
o    A supressão de atividades que não possam ser alcançadas pelo aluno surdo devido à sua deficiência, substituindo-as por outras mais acessíveis, significativas e básicas. Por exemplo: O "ditado" cujo objetivo para os alunos ouvintes é verificar a ortografia das palavras, para o surdo transforma-se em "teste de leitura labial". Porém, não se justifica a eliminação de conteúdos curriculares.
Sugestões de apoio ao aluno com deficiência auditiva
o    Os alunos com deficiências auditivas devem ficar sempre na primeira fila na sala de aula. Se possível, o aluno deve utilizar um recurso acústico (Prótese Auditiva e/ou Sistema de FM), para amplificar o som da sala;
o    Há alunos que conseguem ler os movimentos dos lábios. Assim, o professor e os colegas devem falar o mais claramente possível, evitando voltar-se de costas enquanto fala. É extremamente difícil para estes alunos anotarem nas aulas, durante a exposição oral da matéria, principalmente aqueles que fazem leitura labial enquanto o professor fala;
o    É sempre útil fornecer uma cópia dos textos com antecedência, assim como uma lista da terminologia técnica utilizada na disciplina, para o aluno tomar conhecimento das palavras e do conteúdo da aula a ser lecionada. Pode também justificar-se a utilização de um intérprete (uso de linguagem sinais);
o    Este estudante poderá necessitar de tempo extra para responder aos testes;
o    O professor deve falar com naturalidade e clareza, não exagerando no tom de voz;
o    O professor deve evitar estar em frente à janela ou outras fontes de luz, pois o reflexo pode obstruir a visão;
o    Quando falar, não bloqueie a área à volta da boca;
o    Quando utilizar o quadro ou outros materiais de apoio audiovisual, primeiro exponha os materiais e só depois explique ou vice-versa (ex.: escreva o exercício no quadro ou no caderno e explique depois e não simultaneamente);
o    Repita as questões ou comentários durante as discussões ou conversas e indique (por gestos) quem está a falar, para uma melhor compreensão por parte do aluno;
o    Escreva no quadro ou no caderno do aluno datas e informações importantes, para assegurar que foram entendidas;
o    Durante os exames, o aluno deverá ocupar um lugar na fila da frente para melhor ouvir esclarecimentos do docente. Um pequeno toque no ombro do aluno poderá ser um bom sistema para lhe chamar a atenção, antes de fazer um esclarecimento.
Como tratar pessoas surdas
o    Não é correto dizer que alguém é surdo-mudo. Muitas pessoas surdas não falam porque não aprenderam a falar. Muitas fazem a leitura labial, outras não;
o    Quando quiser falar com uma pessoa surda, se ela não estiver prestando atenção em você, acene para ela ou toque em seu braço levemente;
o    Quando estiver conversando com uma pessoa surda, fale de maneira clara, pronunciando bem as palavras, mas não exagere. Use a sua velocidade normal, a não ser que lhe peçam para falar mais devagar;
o    Use um tom normal de voz, a não ser que lhe peçam para falar mais alto. Gritar nunca adianta;
o    Fale diretamente com a pessoa, não de lado ou atrás dela. Faça com que a sua boca esteja bem visível. Gesticular ou segurar algo em frente à boca torna impossível a leitura labial. Usar bigode também atrapalha;
o    Se você souber alguma linguagem de sinais, tente usá-la. Se a pessoa surda tiver dificuldade em entender, avisará. De modo geral, suas tentativas serão apreciadas e estimuladas;
o    Seja expressivo ao falar. Como as pessoas surdas não podem ouvir mudanças sutis de tom de voz que indicam sentimentos de alegria, tristeza, sarcasmo ou seriedade, as expressões faciais, os gestos e o movimento do seu corpo serão excelentes indicações do que você quer dizer;
o    Enquanto estiver conversando, mantenha sempre contato visual, se você desviar o olhar, a pessoa surda pode achar que a conversa terminou;
o    Nem sempre a pessoa surda tem uma boa dicção. Se tiver dificuldade para compreender o que ela está dizendo, não se acanhe em pedir para que repita. Geralmente, as pessoas surdas não se incomodam de repetir para que sejam entendidas;
o    Se for necessário, comunique-se através de bilhetes. O importante é se comunicar. O método não é tão importante;
o    Quando a pessoa surda estiver acompanhada de um intérprete, dirija-se à pessoa surda, não ao intérprete.
NOTAS:
* Socióloga. Gerente da Rede SACI - Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação (www.saci.org.br). Consultora desta série.
1 Carvalho, Rosita Edler. "Integração, inclusão e modalidades da Educação Especial - mitos e fatos". Revista Integração, v. 2, n. 18, 1997, p. 23.
2 Carla Verônica Machado Marques, "Visualidade e surdez: a revelação do pensamento plástico", In: Espaço, INES, Rio de Janeiro, dez./1999, p. 38.
Bibliografia
AQUINO, Júlio (org.) Diferenças e preconceitos na escola: Alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus Editorial, 1998.
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Revistas
o    Revista Integração
o    Editada pelo Ministério da Educação e do Desporto
o    Secretaria de Educação Especial
o    Cadernos da TV Escola
o    Editados pelo Ministério da Educação
o    Secretaria de Educação a Distância
o    Revista da FENEIS
o    Editada pela Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos
o    Revista Brasileira de Educação Especial
o    Editada pela Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial
o    Revista Con-Tato
o    Editada por Laramara - Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual
o    Revista Benjamin Constant
o    Editada pelo Instituto Benjamin Constant
o    Jornal SuperAção
o    Editado pelo Centro de Vida Independente do Rio de Janeiro
o    Revista Distúrbios da Comunicação
o    Editada pela Faculdade de Fonoaudiologia PUC/SP.
Sites
o    www.saci.org.br
o    www.mec.gov.br
o    www.mec.gov.br/seed/tvescola/cadernos/default.shtm
o    www.defnet.org.br
o    www.entreamigos.com.br
o    www.feneis.com.br
o    www.terravista.pt/copacabana/
o    www.niee.ufrgs.br/~lucila
o    http://penta.ufrgs.br:80/edu/telelab/edusurdos
o    www.ibcnet.org.br
o    www.fundacaodorina.org.br
o    www.apae.org.br
o    www.aacd.org.br
o    www.mj.gov.br/corde/webcorde.htm
NOTAS:
* Socióloga. Gerente da Rede SACI - Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação (www.saci.org.br). Consultora desta série.

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