Herdeiros de uma sociedade onde o brincar é radicalmente diferenciado do trabalhar sob o aspecto da seriedade e da dificuldade, fomos arrebatados por uma série de preconceitos que nos impedem de explorar a brincadeira como recurso indispensável ao aprender.
Quando SAMPLES (1990:24) refere-se ao brinquedo, evidencia tal experiência por parte da criança como sendo essencial ao seu crescimento físico e psíquico e totalmente desvinculado ao que os adultos consideram como certo ou errado dentro do processo de aprendizagem. Segundo o autor : “brincadeira” foi-se ampliando até abranger a idéia de “ trabalho alegre”.
Pesquisas recentes destacam o papel do jogo na formação completa da criança. Inúmeras bibliografias são oferecidas a respeito do assunto, entretanto, com algumas exceções, ainda não existem reflexões aprofundadas sobre os resultados efetivados desses recursos dentro da sala de aula.
As escolas, bem como os professores do futuro, não serão iguais aos atuais. A emergência de mudanças no mundo nos leva a tal conclusão. As escolas deverão estabelecer novos perfis , transformando muitas de suas idéias e aprendendo a viver com as incertezas que a realidade lhes impõe.
Uma dessas grandes incertezas vivenciadas pela escola atualmente é a inclusão de crianças com necessidades especiais junto à classe ditas “normais”. São grandes as dúvidas e receios por parte dos profissionais em educação. Percebe-se a enorme confusão até mesmo na conceitualização e diferenciação de termos como necessidade educativa especial , necessidade especial e dificuldade de aprendizagem. A palavra inclusão é muito falada, mas pouco compreendida. As diferentes formas de desenvolvimento do processo inclusivo ainda são fatores desconhecidos pela maioria dos professores que tentam trabalhar da melhor maneira possível, mas totalmente desamparados em termos de referenciais não só dentro da escola como também fora dela.
A idéia de desenvolver jogos e brinquedos para pessoas com necessidades especiais não é nova. Nem foi nossa intenção desenvolver um trabalho inédito. Entretanto, sentimos urgência em investigar o verdadeiro significado dos materiais lúdicos juntos a esses alunos, bem como sua capacidade de diminuir as diferenças existentes dentro dos grupos observados. Pode o brinquedo e o jogo serem facilitadores do processo inclusivo? Terão estes recursos possibilidades concretas de aceitação entre as crianças especiais, as crianças “normais” e professores dentro da sala de aula? Podem ser significativos enquanto causadores de novas experiências no convívio , no aprendizado e no desenvolvimento de valores éticos como o respeito às diferenças, espírito de equipe, criatividade, responsabilidade e imaginação? Qual o papel do professor no processo de desenvolvimento dos jogos? Possibilitarão o desenvolvimento da auto - imagem desses alunos e de seus colegas?
São tantas as perguntas e outras tantas as possibilidades de resposta. É importante que se conheça os jogos e os brinquedos, suas alternativas de exploração e suas especificidades, assim como o histórico social das crianças especiais com as quais se esteja trabalhando ,a fim de realizar uma pesquisa eficiente e que propicie resultados confiáveis que possam estabelecer novos rumos do trabalho pedagógico com alunos incluídos. Este artigo propõe-se a discutir e analisar essas questões que foram referenciais para todo o trabalho desenvolvido no projeto de pesquisa. Para tanto é imprencindível que se percorra um caminho histórico sobre a condição da deficiência na sociedade, bem como sobre o desenvolvimento da ludicidade no processo educativo que se deu paralelamente a essa evolução.
HISTÓRICO DA DEFICIÊNCIA : ALGUNS CONCEITOS
A compreensão sócio - histórica da deficiência em âmbito mundial sugere o entendimento de como alguns conceitos foram evoluindo até hoje , servindo de referência para a análise do processo inclusivo sob os diferentes pontos de vista expressos na atualidade por diversos pesquisadores e autores.
Inicialmente têm-se o entendimento de JOVER (1999) sobre a Educação Especial como uma forma de ensino composta por uma série de recursos e serviços educacionais especiais estruturados com a finalidade de apoio, acréscimo e em alguns casos, substituição de serviços educacionais comuns, garantindo uma educação formal de crianças com necessidades especiais.
CARVALHO (1998,p.119),entende por deficiência:
(...) qualquer perda de função psicológica, fisiológica ou anatômica. Tem como características: anormalidades temporárias ou permanentes em membros, órgãos ou outra estrutura do corpo, inclusive os sistemas próprios da função mental. São exemplos a perda das funções biológicas visuais, auditivas, motoras, decorrentes das mais variadas causas.
A deficiência pode ser sub-dividida em real ou primária, que são as reconhecíveis biologicamente e também tidas como necessidades especiais , e as secundárias, produtos de preconceito e estereótipos sociais. Tais deficiências são circunstanciais e derivam ou de deficiências reais ou mesmo , sem a existência de uma deficiência primária.
A criança com deficiência é reconhecida por apresentar transtornos na aprendizagem, manifestações de conduta, problemas emocionais produzidas pela interação entre suas características e as dificuldades impostas pelo meio físico e social.
Esse grupo, embora bastante heterogêneo, após 1978 passou a ser reconhecido pela expressão Necessidades Educativas Especiais.
(...) o que significa um aluno com Necessidades Educativas Especiais? Em linhas gerais , isso quer dizer que o mesmo apresenta algum problema de aprendizagem ao longo de sua escolarização, que exige uma atenção mais específica e maiores recursos educacionais do que os necessários para os colegas de sua idade. Aparecem portanto, nesta definição, duas noções estreitamente relacionadas ao problemas de aprendizagem e os recursos educacionais. Ao falar de problemas de aprendizagem e evitar a terminologia da deficiência , a ênfase situa-se na escola, na resposta educacional. (MARTIN & MARCHESI, in COLL et alii, 1995, p.11)
As Necessidades Especiais podem ser compreendidas como toda a privação de um indivíduo, decorrente da ausência de condições orgânicas e psicológicas , estruturais ou funcionais que se apresentam no dia a dia.
Para SASSAKI (1997,16):
O termo Necessidades Especiais não deve ser tomado como sinônimo de deficiências (sejam visuais, auditivas, físicas, mentais ou múltiplas).(...) Podem resultar de condições atípicas tais como: autismo, dificuldades de aprendizagem, insuficiências orgânicas, superdotação, problemas de conduta, distúrbios e déficit de atenção com hiperatividade, distúrbio obsessivo compulsivo, síndrome de Tourette, distúrbios emocionais, transtornos mentais.
Historicamente a condição da deficiência produziu diferentes relações e as mais variadas conceitualizações, que foram sendo modificadas de acordo com os modelos econômicos, religiosos e sociais que algumas sociedades desenvolveram para poder florescer em sua época. Para cada período, percebe-se claramente estas alterações e quanto ainda hoje a questão corporal em nossa sociedade é influenciada por estereótipos produzidos no passado.
Nas sociedades primitivas, pela sua própria constituição baseada no nomadismo, era exigido de seus integrantes as condições para uma sobrevivência individual bem maior do que nas sociedades subseqüentes. As pessoas que não se enquadravam no padrão social considerado “normal”, seja em decorrência de problemas na sua concepção ou nascimento, seja fatores externos como guerras, acidentes naturais, entre outros, eram consideradas empecilhos ou “peso morto” , sendo por isso geralmente abandonadas ou relegadas ao isolamento, sem que isso fosse considerado errado pelas demais pessoas. Acontecia uma espécie de seleção natural onde apenas os mais fortes sobreviviam e se estabeleciam.
As concepções da sociedade grega são distintas entre os espartanos e os atenienses. Esparta cria uma sociedade voltada para a guerra e o culto ao corpo e à sua força e com isso era perfeitamente aceitável o descarte de pessoas fora dos padrões vigentes para a época.
Se, ao nascer a criança apresentasse qualquer característica que pudesse diferenciá-la dos padrões ideais, era eliminada com o objetivo de aprimorar a qualidade da sociedade espartana, que valorizava a beleza e a força física da figura feminina, visava desenvolver nas mulheres as personagens principais na geração de seus futuros guerreiros.
Outra concepção é a de que a mente desenvolvida para a retórica ,a argumentação e a reflexão é superior ao trabalho físico que devia ser realizado pelos escravos, ou seja , pelos responsáveis pela manutenção da elite grega. Para Aristóteles “o ócio é uma necessidade tanto para adquirir virtude como para realizar atividades políticas.”.
A dicotomia corpo-mente tão evidenciada no período greco-romano passa a repercutir sob o âmbito da teologia no período feudal, repercutindo profundamente até mesmo em sua terminologia que passa de corpo /mente para corpo/alma. Os indivíduos considerados anormais ganham o direito à vida, mas são estigmatizados ,visto que o modelo moral do cristianismo/catolicismo vê as diferenças como sinônimos de pecado.
Nesta divisão a alma é a parte considerada digna, merecendo atenções e cuidados, por sua vez, o corpo ora é considerado o “templo da alma”, ora é visto como “oficina do diabo”, o que provoca conflitos profundos e difíceis de serem superados. A medida que a Idade Média avança ,a relação da diferença física com o pecado começa a intensificar-se, entretanto , é necessário que se perceba que esta relação surge muito antes ,em sociedades como a judaica que já coloca no Antigo Testamento referências a esse respeito. A Bíblia no Novo Testamento também refere-se aos cegos , surdos, aleijados e leprosos como pessoas que tenham cometido algum pecado e por esse motivo sofriam tais “penalidades” físicas. Portanto é compreensível que a Igreja Católica tenha manipulado a sociedade medieval neste sentido. Tanto que os castigos impostos ao corpo tais como as flajelações, a fogueira e as torturas da Santa Inquisição representavam a purificação dos pecadores, intensificando a idéia de que o corpo era o reflexo de tudo o que a alma cometia de errado.
Com o início da Idade Moderna e a ascensão da burguesia, o Capitalismo se afirma como forma de produção mundial , onde o trabalho passa de artesanal para manufaturado e posteriormente para maquinofaturado, sendo o ritmo de produção ditado pela máquina. Portanto surgem novos padrões que entram em conflito com os impostos pela Igreja. Estes ideários, principalmente representados pelo liberalismo e pela afirmação crescente do pensamento científico, reforçam as bases para que se dê a Revolução Francesa e a implantação dos pilares desta revolução social pela indústria automotiva de Henry Ford, aos poucos traz aos deficientes físicos uma oportunidade de trabalho, onde podem exercer certas funções de acordo com suas limitações físicas. Entretanto, essas atividades não beneficiavam o homem como um todo ,pois forçavam os trabalhadores a produzirem de forma seriada, em grande quantidade e sempre da mesma maneira, isto é, sem que necessitassem usar toda a sua capacidade mental e física.
Atualmente o capital é tido como o novo “Deus” da humanidade e produzir para o capital consiste na melhor forma de atuar dentro da sociedade.
Vive-se hoje em uma realidade que dá mais ênfase à questão do mercado – competitivo e discriminatório - do que à problemas sociais. Isso esclarece a segregação e exclusão de uma parcela significativa da população mundial representada pelos idosos, desempregados, negros, mulheres, deficientes, etc. que são considerados em muitos casos um “peso para o sistema”.
É em meio a este contexto que algumas alterações no tratamento de pessoas portadoras de deficiência começam a acontecer. De conceitos e versões grosseiras sobre deficiência e seus “tratamentos” no passado, lentamente a moblilização social passa a oferecer novas concepções, que geram outras atitudes e valores éticos, o que pode produzir novas relações com portadores de necessidades especiais.
Segundo SASSAKI (1997,27):
Os conceitos são fundamentais para o entendimento das práticas sociais. Eles moldam nossas ações. E nos permitem analisar nossos programas, serviços e políticas sociais, pois os conceitos acompanham a evolução de certos valores éticos, como aqueles em torno da pessoa portadora de deficiência .(...) Os conceitos Inclusivistas surgiram a partir do que hoje poderíamos chamar de Pré-Inclusivistas.
O Modelo Médico da Deficiência surge como um desses conceitos e trata o deficiente como um doente que necessita ser curado ou tratado constantemente por outras pessoas o que o caracterizará como uma pessoa “inválida”, incapaz de exercer sua cidadania através de seu trabalho e sua participação dentro da sociedade. Esse conceito mantém sua forte influência até mesmo entre os defensores dos direitos dos deficientes . Também é responsável pela não aceitação da própria sociedade em alterar suas estruturas e atitudes visando a inclusão de pessoas portadoras de deficiência para que estes tenham condições de desenvolver-se em termos pessoais, profissionais e educacionais.
Outro conceito é o da Integração Social que começa a surgir com o intuito de vencer a exclusão contra os portadores de deficiência. No final da década de 60 surge o princípio da Normalização que defende a idéia de que todo portador de deficiência tem o direito de experienciar um estilo de vida tido como normal ou comum a sua própria cultura. Por volta dos anos 80 desenvolve-se outro princípio, o de Mainstreaming que procura integrar os alunos deficientes em várias classes comuns sem que ele pertença a nenhuma destas. Esses dois princípios foram importantes para a obtenção de novas experiências e conhecimentos de integração.
Neste sentido, o modelo de integração social nada mais é do que a busca de uma inserção do deficiente a uma sociedade que lhe exige certas capacidades para a sua sobrevivência.
SASSAKI (1997,34), considera que a integração:
(...) tem consistido no esforço de inserir na sociedade pessoas com deficiência que alcançaram um nível de competência compatível com os padrões sociais vigentes.(...) desde que ele esteja de alguma forma capacitado a superar as barreiras físicas , programáticas e atitudinais nela existentes.
A integração social não toma a sociedade como responsável principal neste processo, pois é o portador da deficiência que deverá adequar-se à estrutura oferecida, ou seja, deverá moldar-se aos mais diversos procedimentos e papéis sociais que lhe forem exigidos, para que possa ser aceito.
No que se refere à Inclusão parte-se da premissa de uma mudança na sociedade como primeira etapa para que o portador de necessidades especiais, seja aluno ou não, possa construir seu desenvolvimento e desempenhar o seu papel de cidadão. O conceito de Inclusão defende a idéia de que todas as crianças podem aprender e fazer parte de uma vida escolar e comunitária. Há uma valorização das singuralidades e uma visão positiva em relação a estas como oportunizadoras de novas aprendizagens.
Criar uma realidade inclusiva resulta na mudança de toda a sociedade para que esta possa atender as necessidades de cada indivíduo.
A inclusão é para SASSAKI (1997,41):
(...) um processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui , então, um processo bilateral no qual as pessoas ainda excluídas e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos.
Relacionando o processo inclusivo à instituição “ESCOLA” podemos definir que ela será Inclusiva quando procurar educar todos os alunos em salas de aula regulares, isto significa permitir a educação e a freqüência de todos na escola regular ,bem como oferecer a todos uma série de desafios e oportunidades que sejam adequadas às suas habilidades e necessidades.
O primeiro passo para a escola ser inclusiva é o reconhecimento e a aceitação das diferenças individuais, pois as necessidades educativas especiais pressupõe outras estratégias de ensino-aprendizagem que não as usadas rotineiramente com a maioria dos alunos.
Sobre a Escola Inclusiva STAIMBACK (1999, XII) afirma:
(...) Ela é um lugar do qual todos fazem parte, em que todos são aceitos, onde todos ajudam e são ajudados por seus colegas e por outros membros da comunidade escolar, para que as suas necessidades educacionais sejam satisfeitas (STAIMBACK,1999,XII)
Segundo a UNESCO (1994.P.61,apud Revista Integração):
O princípio fundamental da escola inclusiva é o de que as crianças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas necessidades de seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos por meio de currículo apropriado , modificações organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com a comunidade.
A escola Inclusiva se adapta para que todas as crianças, deficientes ou não tenham as mesmas oportunidades de aprendizagem. Incluir é respeitar e aceitar a individualidade, as diferenças de cada um e aprender com elas. Porém, aceitar e respeitar não é suficiente. É necessário criar condições para que a inclusão aconteça para todos. Dentro desse processo existem inúmeras formas de trabalho junto aos alunos especiais. A proposta desta pesquisa foi buscar nos jogos e brinquedos a estimulação de relações interpessoais mais dinâmicas e livres de preconceitos entre alunos – alunos, professores – alunos e funcionários – alunos. A partir da proposta inclusiva, apresentamos um histórico sobre os jogos, as concepções de alguns autores a respeito destes recursos e a análise feita pelas pesquisadoras em função do significado efetivo do jogo dentro do ambiente inclusivo.
JOGO E BRINQUEDO: HISTÓRICO, CONCEPÇÕES E ALGUMAS CONCLUSÕES.
Os aspectos formativos do jogo foram inseridos tardiamente no universo escolar, visto que sempre foi considerado como uma tarefa desvinculada do trabalho, sendo este o objetivo principal da escola. Entretanto sabe-se que o jogo tem um papel importante nas relações entre brinquedo e trabalho na escola, pois torna concreta a idéia do aprender divertindo-se.
Desde a antiguidade o jogo tem um sentido social, muitas vezes vinculado ao aspecto religioso, tendo a simulação lúdica como forma de expressão cultural. Os jogos poderiam destacar-se no teatro, na mímica, na dança e eram efetuados geralmente por escravos que eram assistidos por expectadores.
Para os gregos, romanos e astecas o jogo era tido como um espetáculo, um ato oferecido aos deuses como presente.
Com o surgimento do cristianismo o jogo passa a ter uma conotação repressiva e controladora, pois tudo era considerado como pecado empobrecendo os ideais lúdicos do jogo e do brinquedo.
Para KISHIMOTO (1999, P. 28):
Durante a Idade Média o jogo foi considerado “não sério” por sua associação ao jogo do azar, bastante divulgado na época. (...) O Renascimento vê a brincadeira como uma conduta livre que favorece o desenvolvimento da inteligência e facilita o estudo.
É uma nova forma de perceber o jogo e a criança passa a ser dotada de valor positivo, de uma natureza boa que se expressa espontaneamente por meio do jogo, perspectiva que irá fixar-se com o romantismo.
Através da consciência poética do mundo, esta fase da história humana passa a reconhecer na criança uma natureza semelhante à alma do poeta e a considerar o jogo sua forma de expressão, onde a imitação e a brincadeira são dotadas de espontaneidade e liberdade.
No século XVIII passa-se a observar as brincadeiras infantis e a capacidade imitativa da criança, onde o conhecimento desta torna-se via de acesso às origens humanas criando-se uma equivalência entre povos primitivos e a infância para se entender a mesma como a idade do imaginário, da poesia, de forma semelhante aos povos do tempo mitológico. Esta teoria é denominada Recapitulação.
Surgem, neste período, novas intenções pedagógicas onde o jogo se expande como elemento do processo educacional por meio dos princípios inovadores, sugeridos por Rosseau, Pestalozzi e especialmente Froebel.
Em tempos atuais os estudiosos do assunto tentam equilibrar jogo e educação, para que o contexto formativo não seja superado pelo lúdico, sem que este perca suas características de liberdade, prazer e diversão.
Para que se possa entender o papel do brinquedo como fator de desenvolvimento da criança é necessário que se acompanhe sua autogênese desde os primeiros meses do bebê, visto que é nesse período que desperta a necessidade de convivência com a fantasia para que possa reestruturar suas relações com o mundo.
(...)o brinquedo oferece ao bebê uma longa série de experiências da etapa do desenvolvimento a que me referi e a todas as posteriores. O brinquedo possui muitas das características dos objetos reais, mas pelo seu tamanho, pelo fato de que a criança exerce domínio sobre ele, pois o adulto outorga-lhe a qualidade a algo próprio e permitido, transforma-se no instrumento para o domínio de situações penosas, difíceis, traumáticas, que se engendram na relação com os objetos reais. Além disso, o brinquedo é substituível e permite que a criança repita, à vontade, situações prazenteiras e dolorosas que, entretanto, ela por si mesma não pode reproduzir no mundo real.(ABERASTURY, 1992 p.15).
Quando a criança passa a exercer papel social dentro da escola, muitas de suas experiências são novamente vivenciadas dentro das brincadeiras. A observação realizada identificou os objetivos educacionais, bem como, a relação das crianças entre si durante os jogos e brincadeiras.
Em cada brinquedo sempre se esconde uma relação educativa. Ao fazer seu próprio brinquedo, a criança aprende a trabalhar e a transformar elementos fornecidos pela natureza ou materiais já elaborados, constituindo um novo objeto, seu instrumento para brincar. Outras vezes, ela se aproveita de artigos nem de longe concebidos como brinquedo, adaptando-se às suas necessidades e experiências lúdicas.(OLIVEIRA, 1984 p.48).
Para a criança, a brincadeira é a melhor maneira de se comunicar, um meio para perguntar e explicar, um instrumento que ela tem para se relacionar com outra criança.
Para MARINHO (1992), a presença do amor e da agressão nas brincadeiras infantis correspondem às tentativas de descoberta do EU da criança. Portanto, o amor e a agressão são componentes estruturantes na formação da sua personalidade.
Além de ser um espaço de conhecimento sobre o mundo externo, é na brincadeira que a criança também pode conviver com seus sentimentos internos. A presença da agressividade, portanto, não deve ser censurada; pelo contrário, é importante que seja preservado esse espaço para que a criança possa expressar seus sentimentos em momentos em que não está realmente zangada, pois embora possa haver conflitos entre o amor e o ódio, ela sabe que esse espaço é o da brincadeira e que pode terminar o jogo no momento que quiser.
Enquanto o adulto interpreta o brinquedo como uma fuga dos problemas e da rotina desgastantes do dia a dia, onde ele relaxa e esquece das obrigações, a criança utiliza o brinquedo para experimentar o mundo, saciar a curiosidade, aprender a vencer seus medos, enfim, desenvolver-se criativamente para enfrentar novas situações que a interessem. A criança está aprendendo a viver no mundo dos adultos, age “como se fosse” o objetivo da brincadeira.
A brincadeira é um espaço de aprendizagem onde a criança atua além do seu comportamento cotidiano e das crianças de sua idade. Na brincadeira, ela age como se fosse maior do que é, realizando simbolicamente o que mais tarde realizará na vida real.
A riqueza do brinquedo decorre de sua capacidade de instigar a imaginação infantil. E não, como muitos acreditam, da possibilidade de imitação de gestos, informações, atitudes e crenças vinculadas na situação de brinquedo.(OLIVEIRA, 1984 p.67).
O brinquedo ajuda a criança a descobrir-se como ser único e que merece atenção. O brinquedo também participa de seus momentos mais dolorosos. Serve como catalisador de um sentimento de raiva, frustração ou perda. Os sentimentos negativos não são bem compreendidos pelas crianças, exceto quando brincam, pois ali, na brincadeira não precisam sentir-se culpadas pelo medo ou raiva que guardam consigo.
O brinquedo as ajuda a elaborar papéis que terão de exercer no futuro. É uma invasão ao mundo dos adultos, mas com aspecto desinteressado que só a imaginação pode oferecer.
O brinquedo é instrumento que lhes possibilita a expressão criativa de seus sentimentos em relação ao mundo que as rodeia e que ainda não compreendem.
Segundo BETTELHEIM (1988),o brincar da criança não está somente apoiado no presente, mas paralelamente responde questões do passado e tenta projetar-se no futuro. Se uma menina brinca com bonecas, pode estar não só resolvendo conflitos atuais como também antencipando um futuro papel a ser vivido no futuro. O brincar de boneca sugere a representação de sentimentos às vezes, antagônicos, como o amor pela mãe e o ciúmes de um irmão. Através dessa expressão lúdica a criança poderá extravasar seu conflito de forma saudável, sem sentir-se culpada por demonstrar seus sentimentos negativos.
A atividade lúdica infantil inclui também brincadeiras que não têm qualquer técnica em particular, sendo simples exercícios. Pode-se notar que, desde quando são bem pequenas, ainda bebês, as crianças se dedicam a jogos de repetir ações como sacudir um chocalho, balançar objetos pendentes sobre o berço ou jogá-los no chão repetidas vezes. O movimento repetido exerce profundo fascínio nesta fase. Afirma-se com isso que os jogos de exercício são a primeira forma de brincadeira da criança.
Através dos jogos de regras, a criança cria condições de superar as próprias limitações, visto que a repetição provoca a segurança de que aprendeu o exercício, logo depois passa a explorar novo exercício até conseguir dominá-lo e novamente expandir sua capacidade.
Os jogos como “faz-de-conta” abrem espaço, progressivamente, para os jogos com regras. O jogo com regras é, por isso, a atividade do ser socializado, sendo muito difícil para uma criança de três ou quatro anos participar de um deles.
O jogo é uma ação livre, sentida como fictícia e situada fora da vida comum, capaz não obstante, de absorver totalmente o jogador, ação despojada de qualquer utilidade que se realiza num tempo e num espaço estritamente definidos; desenvolve-se com ordem, segundo regras estabelecidas e suscita, na vida, relações de grupo que, saborosamente, se rodeiam de mistério ou que acentuam mediante o disfarce o quão estranhos são ao mundo habitual.(LEBOVICI E DIATKINE, p.14).
Para VYGOTSKY (1984),o brincar é definido pela situação imaginária criada pela criança, e que tende a suprir necessidades que mudam conforme a idade. Com o crescimento surgem novas necessidades que poderão ser satisfeitas através da capacidade imaginária da criança.
Vygotsky entende a brincadeira como uma atividade movida pela imaginação, atividade consciente, que se desenvolve conforme seu crescimento. Isto significa que as crianças muito pequenas ainda não possuem tal capacidade. Vygotsky dá importância à ação e ao significado no brincar. Segundo ele, uma criança com menos de três anos não consegue envolver-se em uma situação imaginária, pois é só brincando que ela pode começar a compreender o objeto não da forma que ele é, mas como gostaria que fosse. É na brincadeira que o objeto perde sua característica real e passa a ter o significado que lhe dão.
Já na idade escolar torna-se uma atividade mais limitada que possui um papel específico e tem um significado diferente, do dado por uma criança menor. É visto com isso, que o brinquedo cria relações do imaginário com o real.
A criança só desenvolve a consciência de se EU a partir da consciência que tem do OUTRO e também a partir da linguagem, que lhe propicia subsídios para interagir com o mundo que deseja descobrir.
A consciência não está dada desde o início e não surge espontaneamente da natureza: a consciência é gerada pela sociedade, nela se produz. Portanto, é possível formular uma teoria materialista da criatividade, contanto que se leve em conta que é a ação criativa social o ponto de partida, e que a imaginação é produto do meio e não de mentes prima pela aprendizagem essas aquisições se encontram unidas a todos os problemas relativos à construção sensório-motora e mental .(NEGRINE, 1994, p.32 –33)
Para Wallon (NEGRINE, 1994,p. 29- 30) :
O jogo para as crianças é expansão , e nesse sentido, se opõe à atividade “séria” que é o trabalho. (...) A compreensão infantil é tão somente uma simulação que vai do outro a si mesmo, e de si mesmo ao outro. A imitação como instrumento dessa fusão representa uma ambivalência que explica certos contrastes nos quais o jogo encontra alimento.
Segundo BROUGÈRE (1998, 114 ) são duas as concepções que estão presentes na recreação escolar:
Na primeira, reconhece-se um valor educativo ao jogo, sob a reserva de não deixá-lo à espontaneidade da criança na outra consiste em conceber este momento de liberdade concedida à criança como um momento educativo enquanto tal e sem qualquer intervenção adulta, especialmente nos níveis físico e social:
Ao estudar o brinquedo e os materiais pedagógicos, enquanto estruturadores do conhecimento e do saber, pode-se chegar a diversas conclusões. Brinquedos, jogos e materiais pedagógicos não trazem em seu contexto um conhecimento pronto e definido, trazem ao contrário, um conhecimento potencial que pode ou não ser descoberto pelo aluno. Todo o material pedagógico não deve ser contemplado como algo igual para todos. É , na verdade , um recurso dinâmico que altera-se em função do simbolismo e da imaginação de quem o utiliza.
O aspecto interpessoal do material lúdico pode ser positivo, desencadeando novas relações sociais entre as pessoas, ou negativo, podendo causar estagnação entre relações de outro grupo social.
Cada material pedagógico carrega consigo uma carga histórica não só dos que o utilizam (professor- aluno) como também da cultura de uma determinada época.
Chegamos, enfim, a algumas conclusões sobre o uso de jogos e brinquedos em sala de aula com alunos incluídos, partindo de atividades em oficinas pedagógicas com turmas comuns.
· AUMENTO CONSIDERÁVEL DA ORALIDADE DOS ALUNOS:
· A escola orienta suas atividades na forma de trabalho e seriedade que ela própria corporifica (...) O trabalho resulta em respostas “certas”, “corretas”. (...) Em minha vida,
· Influenciados pelas dinâmicas de grupo onde eram introduzidos os jogos, muitos foram os casos de crianças que elevaram consideravelmente seu vocabulário e suas manifestações orais junto aos colegas, não apenas em casos de crianças incluídas, mas também aquelas crianças que geralmente pouco se manifestam dentro da sala de aula.
· A timidez de um aluno - que muitas vezes é reforçada pelo professor como em atitudes de chamar sua atenção frente aos colegas da classe - durante as aplicações dos jogos foi reduzida em grande parcela, pois através do jogo a criança não se sente constrangida e nem ameaçada, afinal ela está simplesmente participando de uma brincadeira com seus colegas e não há motivo algum para se envergonhar.
· MAIOR CAPACIDADE DE CONCENTRAÇÃO:
· Uma das principais características do jogo e do brinquedo é a grande aceitação em sala de aula em relação a outros recursos metodológicos como: livros ,quadro-negro, folhas mimeografadas, etc.
· Isso se deve ao simples fato de que o jogo e o brinquedo, como todo material concreto, é facilmente assimilado pela criança.
· Sendo assim, percebemos que a partir de um jogo, o tema no qual o professor deseja trabalhar, será melhor aceito pelos alunos, já que a concentração dos mesmos estará diretamente voltada ao assunto em questão. Procuramos, portanto, adequar os jogos aos conteúdos que estavam sendo apresentados aos alunos, servindo também como atividades de fixação.
· MAIOR COOPERAÇÃO ENTRE COLEGAS:
· que geralmente percebe-se entre colegas é sentimento de competição e rivalidade, isto se explica pelo fato de vivermos em um mundo competitivo, onde somos educados, desde crianças, para sempre sermos os melhores e os mais fortes.
· No entanto, com a aplicação dos jogos houve mais interação entre os colegas e um maior sentimento de união.
Sendo a característica metodológica principal dessa pesquisa o fato de não retirarmos os alunos com necessidades especiais da sala de aula para levá-los para as salas de recursos, observamos o surgimento de reações polêmicas e de resistência por parte de alguns profissionais da área de Educação. O objetivo principal desse projeto de pesquisa é investigar o significado do jogo e do brinquedo como alternativa válida ou não dentro do processo inclusivo. Houve portanto, muitas resistências em várias escolas ,o que percebemos nas avaliações realizadas.
Os jogos foram explorados de diversas formas em várias ocasiões, de acordo com a realidade percebida pelas pesquisadoras. Isto significa que um jogo pôde Ter suas regras modificadas quando necessário para atendermos aos interesse de um ou outro grupo. Tomamos o cuidado também de adequarmos nossos jogos a cada necessidade especial, para evitar constrangimento às crianças que, por exemplo, tivessem uma limitação que as impedisse de jogar.
Sabe-se que cada indivíduo, seja portador ou não de alguma necessidade especial, possui alguma dificuldade que se destaca em relação ao outro.
Por esta razão, nossa pesquisa conclui que a melhor forma de trabalhar com o aluno incluído é dentro da sala de aula, com toda a turma, pois é através de um jogo adaptado às necessidades especiais deste aluno, que ele terá chances de se destacar frente aos demais ,ser respeitado e visto como alguém capaz de participar e, porque não dizer, de superar suas dificuldades. As crianças incluídas tiveram uma sensível valorização de sua auto-estima e seus atos passaram a Ter maior consideração perante seus colegas. Não notamos em nenhum momento, qualquer comportamento discriminatório por parte das crianças tidas como “normais” aos colegas especiais.
Fica claro que este é um longo caminho a ser percorrido e que transformar a sala de aula em um local aberto à ludicidade é uma tarefa bastante árdua, em vista da própria formação docente, das condições estruturais das instituições e da visão equivocada de que brinquedo é tudo menos coisa séria. É necessário que o jogo deixe de ser visto apenas como um recurso de emergência no final de uma aula conturbada para ocupar o seu papel principal: ser o eixo do processo inclusivo.
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