sábado, 4 de agosto de 2012

O céu não recebe crianças autistas?



Pedro José Ritter descobriu que tinha a vocação sacerdotal e se enclausurou num seminário católico por quase uma década. Numa carteira escolar privilegiada, ouvindo as melhores cátedras religiosas, aprendeu o ofício de rezar e conduzir almas ao Reino dos Céus. Por quase uma década estudou Filosofia, Teologia e entre noviciado e diaconato foi preparado para vestir a batina, e ser consagrado pelos clérigos da igreja. Maria Silvani Maldaner, moradora de Bom Princípio, no Rio Grande do Sul, preparou cuidadosamente seu filho adolescente de 13 anos para receber a eucaristia juntamente com outras 34 crianças na pequena paróquia Nossa Senhora da Purificação. Por quatro meses ela treinou o garoto para receber a hóstia das mãos de Pedro Jose Ritter. Seu filho é autista em grau elevado. 

Maria Silvani Maldaner é mãe zelosa e mulher religiosa, devota de Nossa Senhora. Crê na vida eterna e entende que o Senhor a abençoou com um filho especial, o jovem que se negou a receber a hóstia num ensaio para a Eucaristia. Seria a primeira comunhão do garoto, que pela lógica da igreja, participaria do banquete do Senhor, estaria celebrando sua entrada nas hostes do sagrado e do divino. Trata-se de um ritual dedicado às crianças que testemunham pela primeira vez o pão repartido, a tradicional passagem do pão e do vinho para o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo. O pequeno adolescente autista, trancado em sua doença, privado de se comunicar com o mundo como as demais crianças, frustrou o pároco. Pedro José Ritter não o perdoou e tomou uma decisão polêmica, privando-o da benção, do Sacramento.
Maria Silvani Maldaner, o filho autista e o marido: decepção
A cidade de Bom Princípio está em polvorosa, indignada. Incrédulos, os moradores não entendem a decisão ‘teológica’ do padre severo e rigoroso. O religioso talvez tenha razão em exigir os cumprimentos dos ritos da cerimônia, a aceitação da hóstia para poder consagrar o jovem com a Eucaristia. Mas por que a igreja precisa de regras canônicas numa situação especial? Por que, caro Pedro José Ritter, negar a Eucaristia a um adolescente autista e fechar as portas da Casa do Senhor a um ser puro, que veio privado da socialização tão comum aos jovens de sua idade?

Quando seminarista, o padre Pedro Ritter foi informado que o Senhor abençoava as crianças e pedia que eles viessem até Ele. Está em Mateus (19:13-15) e especialmente em Lucas, dois evangelhos canônicos muito citados pelo religioso em suas pregações, que Jesus repreendeu os sacerdotes que não deixavam as crianças se aproximarem Dele.“Trouxeram-lhe também criancinhas, para que ele as tocasse. Vendo isto, os discípulos as repreendiam. Jesus, porém, chamou-as e disse: Deixai vir a mim as criancinhas e não as impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se parecem com elas. Em verdade vos declaro: quem não receber o Reino de Deus como uma criancinha, nele não entrará.” (Lucas 18,15-17).


Pedro José Ritter não deve ser preconceituoso como querem os familiares do adolescente autista. Mas age com um rigor que não cabe mais nos tempos atuais. Negar a benção a um autista é criar uma regra na seleção das almas, é achar que o Senhor tenha soprado nos ouvidos dos sacerdotes (no episódio citado nos livros de Lucas e Mateus) que podiam abrir a passagem para as crianças, deixando longe dele os autistas, os surdos-mudos, os que usam óculos de grau, os obesos, enfim, os imperfeitos sob os olhos de uma igreja caolha. 

O padre Pedro Ritter talvez não saiba que crianças autistas, embora dotadas da dificuldade de se comunicar e de dar respostas rápidas a algumas perguntas que o mundo lhes fazem, não podem ser privadas de pertencer à igreja, de receber as bênçãos que os ‘normais’ têm direito.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Divulgue este blog sobre o autismo

Divulgue este blog sobre o autismo

Oficinas e Materiais