domingo, 26 de agosto de 2012

Entrevista com Dra. Temple Grandin



Descrição
A Dra. Temple Grandin encontra-se em uma posição única
Contéudo




A Dra. Temple Grandin encontra-se em uma posição única para dar a pais e parentes um insight do autismo, porque ela mesma tem autismo. Foi diagnosticada na idade de 2 anos e sua vida tem sido cheia de situações novas e desafios. Ela dá palestras sobre autismo pelo mundo afora, aparecendo em vários programas de televisão dos EUA. Seu primeiro livro, "Uma Menina Estranha", já era considerado um clássico nesse campo e deve ser lido por todos aqueles envolvidos com crianças autistas. Seu segundo livro, "Thinking in Pictures", estava começando a receber muita atenção, e logo se tornará outro clássico. Stephen Edelson conheceu Temple Grandin no começo dos anos 1980, quando ambos eram estudantes de graduação na Univerisdade de Illinois, em Champaign-Urbana. Temos a honra de apresentar a entrevista com Temple Grandin (TG), realizada em 1° de fevereiro de 1996 pelo Dr. Stephen Edelson (SE).

SE: Qual sua lembrança mais antiga, e qual era sua idade?

TG: Estava em um programa de verão; tinha apenas cerca de três anos. Posso lembrar das brincadeiras em torno de uma piscininha de plástico. De quando tinha 3 anos e meio, também lembro alguma coisa. Posso lembrar da frustração de não conseguir falar. Eu sabia o que queria dizer, mas não conseguia botar as palavras para fora; assim, apenas gritava. Posso lembrar disso claramente.

Posso lembrar de uma vez em que estava em uma sessão de fonoterapia na creche. A professora usava uma varinha, um apontador de quadro-negro, para mandar os alunos fazerem alguma coisa e eu gritava cada vez que ela me apontava. Gritava porque tinham me ensinado, em casa, que nunca se deve apontar um objeto para uma pessoa porque ele pode furar seu olho. Eu não conseguia dizer à professora que tinha aprendido a não apontar coisas para as pessoas.

Também posso lembrar de alguém tocando piano, de marchas em torno do piano e lembro, o que acho que é minha memória mais antiga, de quando fui levada a um hospital para um teste de audição. Não lembro nada do teste, mas lembro que passei a noite no hospital. Eles me deixaram dormir em uma pequena cama com todo tipo de bichos de pelúcia e bonecas.

SE: Quando um pai lhe diz que seu filho foi recentemente diagnosticado com autismo, o que a senhora usualmente lhe diz?

TG: Bem, em primeiro lugar, quero saber a idade da criança.

SE: Vamos dizer que a criança tenha menos de 5 anos de idade.

TG: Acredito muito em intervenção precoce. Temos que fazer as crianças autistas relacionarem-se com o mundo. Não se pode permitir que se desliguem. Posso lembrar quando eu desligava; simplesmente, sentava e balançava e deixava a areia escorrer pelos meus dedos. Era capaz de deixar o mundo de fora. Se deixarmos a criança fazer isso, ela não vai se desenvolver. Cada método de intervenção precoce tem sua própria base teórica, mas tenho observado que os bons professores fazem as mesmas coisas, independentemente da teoria. Quando era criancinha, esperava-se de mim que me sentasse à mesa e mostrasse boas maneiras. Pesquisas começam a mostrar que uma criança deveria estar ocupada pelo menos 20 horas por semana. Não penso que importa tanto o programa que se escolhe, desde que mantenha a criança ligada com o terapeuta, professor ou com os pais por pelo menos 20 horas semanais.

Também acredito em um tratamento integrado para o autismo. Um dos meus problemas sensoriais era a sensibilidade auditiva: certos ruídos, como a campainha da escola, feriam meus ouvidos. Parecia uma broca de dentista atravessando meus ouvidos. Era extremamente sensível ao toque, a anágua parecia uma lixa raspando minha pele. Não há meio de uma criança participar de uma aula se sua roupa de baixo parece feita de lixa. Há outros sérios problemas sensoriais, como os problemas visuais que Donna Williams descreve. Quero enfatizar que os problemas sensoriais são diferentes de pessoa para pessoa. Há crianças que têm vários problemas auditivos. Outras têm problemas visuais. Outras terão uma mistura de ambos, enquanto há quem, como o tipo clássico de Rain Man, tenha apenas uma ligeira sensibilidade auditiva. Eu simplesmente não tenho como enfatizar o suficiente a variedade dos problemas.

Algumas crianças podem precisar de um enfoque comportamental, enquanto outras crianças podem necessitar um enfoque sensorial. Autismo é uma desordem extremamente variável, quero enfatizar este ponto. Um método de tratamento ou de ensino que funcionará para uma criança pode não servir para outra. O denominador comum para todas as crianças é que a intervenção precoce funciona, e isso parece melhorar o prognóstico.

SE: Que conselho a senhora daria para pais que acabaram de receber o diagnóstico de autismo para seu filho de idade entre 5 e 10 anos?

TG: Crianças entre os 5 e 10 anos são sempre mais variadas. Vão de um desempenho muito alto, capazes de fazer trabalhos de escola normais, até uma não-verbal com todos os tipos de problemas neurológicos. Para algumas crianças, pergunto se o diagnóstico principal mais apropriado seria autismo. Tenho visto, em encontros sobre autismo, crianças com dificuldade para andar com diagnóstico de autismo. Muitos, não todos, desses casos me parecem ter alguma coisa muito diferente de autismo. Precisa-se olhar para cada caso e fazer o que for apropriado.

SE: A senhora foi uma das primeiras pessoas na área a destacar a importância dos problemas sensoriais no autismo. O que pensa, atualmente, sobre esse assunto?

TG: Acredito na necessidade de conscientizar as pessoas para os problemas sensoriais do autismo, e esses são problemas variáveis. Podem ir de uma leve sensibilidade auditiva até casos em que as pessoas não conseguem ver e ouvir ao mesmo tempo. Os sentidos se misturam, deixando-as incapazes de perceber os limites do próprio corpo. Estes casos pedem uma abordagem diferente de crianças altamente verbais que conseguem fazer a lição de casa normalmente. De fato, essas pessoas precisam de uma aproximação muito gentil. Donna Williams escreveu sobre uma abordagem mono-canal, em que ela ouve, ou enxerga alguma coisa; não consegue fazer as duas coisas simultaneamente. Fui uma criança que era tirada do autismo se dissessem: “Agora, venha, presta atenção!” Mas não se pode fazer isso com crianças com problemas sensoriais mais severos. Nesses casos, deve-se questionar se há uma razão biológica para o comportamento, ou apenas uma causa comportamental. Se o som machuca os ouvidos da criança, não há como impedi-la de ter medo do sinal da escola.

SE: Muitas pessoas enviaram perguntas para a senhora. A mãe de uma criança de cinco anos e meio com TGD (transtorno global do desenvolvimento) pede conselhos. Seu filho freqüenta uma classe de maternal com outros 22 colegas e está começando a ficar agressivo. A mãe diz que ele escolhe uma criança em particular e a prende pelo pescoço.

TG: Não tenho informações suficientes para recomendar algo mais definido. Desde que TGD e autismo são diagnósticos estritamente comportamentais, não são diagnósticos absolutos como síndrome de Down. Há uma grande variação de crianças com o rótulo TGD. Das conversas com os pais, parece haver dois tipos de crianças que acabam por receber esse diagnóstico. Há os casos muito suaves, em que a criança é verbal e tem apenas alguns leves traços autistas. O outro tipo de criança com TGD tem uma desordem neurológica. É não-verbal e tem problemas sensoriais autistas. O rótulo TGD é usado porque é delicado e interessa às pessoas. Há dois tipos muito diferentes de rótulos TGD, que são como laranjas e maçãs.

Desde que a criança volta sua agressividade especificamente a uma criança em particular, precisamos compreender por que isso está acontecendo. Será que a outra criança a está importunando? De qualquer forma, é necessário intervir para acabar com esse comportamento.

SE: Poderia ser o tom de voz da outra criança?

TG: Pode ser possível. Algumas crianças autistas não suportam o som de certas vozes. Há professores que me contam de crianças que têm problemas com suas vozes ou de outras pessoas. Este problema costuma estar relacionado a vozes femininas muito agudas. Mas isto não é válido em todos os casos.

Acho que é preciso ser um detetive muito bom para determinar o que está causando a agressão. Talvez a criança apenas esteja sendo malvada. Infelizmente, há muitos comportamentalistas que ignoram os problemas sensoriais. Por exemplo, vamos dizer que a criança mostra medo de entrar na quadra de esportes. Sei de muitos casos assim. A criança tem medo porque a campainha do painel fere seus ouvidos; daí, fica de olho no relógio e se encolhe quando ele está prestes a tocar. Ninguém vai querer entrar numa sala onde um som dói como a broca de um dentista atravessando seu nervo. Luzes fluorescentes podem incomodar; alguns ventiladores podem produzir ruídos que a deixa maluca. Uma vez, precisei fazer uma operação e, no quarto, havia um ventilador. Eu absolutamente poderia ficar ali. O ventilador tinha um rolamento quebrado e guinchava. Eu usava o banheiro no escuro. Não podia suportar o barulho.

Há casos em que as crianças fazem coisas apenas por mau comportamento. Este problema precisa ser tratado comportamentalmente. Mas isto quando se tem um bom observador que compreende o que causa o comportamento, assim você pode usar a intervenção correta. Infelizmente, não posso dar a essa mãe um conselho específico porque não há informação suficiente.

SE: Outra questão: Uma professora trabalha há dois anos com uma garota de nove anos com TGD. A menina é supersensível ao toque, em especial quando está sendo redirecionada para atividades desafiadoras, como cortar, contar e ginástica. Ela reage, dizendo: “Não me toque, machuca!” Entretanto, pode ser redirecionada da mesma forma enquanto lê, e aí não há resposta negativa.

TG: Em outras palavras, sua sensibilidade ao toque muda conforme o que ela faz. Um problema é que há muitos ecos num ginásio de esportes. Quando era pequena, eu tinha problemas para comer numa cafeteria. As cadeiras balançavam, havia muito barulho. Uma vez que há ginásios muito barulhentos, os sons provavelmente deixam seu sistema nervoso excitado, seus sentidos ficam à flor da pele. Em contraste, o lugar onde ela lê e faz contas é um lugar silencioso que ajuda seus sistema nervoso a se acalmar. Seria uma boa idéia fazer alguns exercícios táteis para reduzir a sensibilidade. Um bom exercício é a pressão bem forte, como rolar em tapetes e deitar-se debaixo de um colchão. Atividades físicas também ajudam e escovação é muito efetivo para acalmar o sistema nervoso.
(continua abaixo...)

Se for reproduzir, por favor dê o crédito: Traduzido/transcrito por Argemiro Garcia em 16.10.07
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SE: O que parecia lhe ajudar mais quando estava crescendo?

TG: Havia uma variedade de coisas. As pessoas estão sempre procurando pela pílula mágica que vai mudar tudo de uma vez. Não há uma pílula mágica. Tive muita sorte por receber intervenção precoce com professores muito bons, desde os dois anos e meio. Não posso enfatizar o suficiente a importância de bons professores. Um bom professor vale seu peso em ouro. Alguns professores têm aptidão para lidar com crianças autistas. Outros, não. Se você achar um bom professor, segure-o bem firme. Minha mãe me ensinou a ler. Eu estava no caminho certo na terceira série, e fui muito bem por cerca de três anos.

A sétima e oitava séries (Junior High School) foram, para mim, uma grande confusão e, então, veio a puberdade. Meus ataques de ansiedade vieram durante a adolescência e todo o nervosismo começou. Esse período foi terrível. Tive um bom professor de Ciências que me interessou no assunto. Depois disso tive empregadores que ajudaram bastante. Houve muitas pessoas que me ajudaram.

Comecei a tomar anti-depressivos com treze anos. Não estaria aqui sem anti-depressivos. Sei de vários adultos autistas que se beneficiam com Prozac. Só quero fazer um alerta sobre os anti-depressivos, explicar como funcionam.

Isto se aplica tanto aos novos medicamentos, Prozac e seus clones, como aos velhos anti-depressivos tricíclicos. São drogas que agem em dois circuitos do cérebro. O primeiro circuito acalma a ansiedade e o nervosismo e o segundo é excitatório. Vou chamá-lo de “circuito anti-depressão”. Afinal, eles são chamados de anti-depressivos porque eliminam a depressão. Para pessoas que estão em depressão, uma dose grande vai tirá-la “para fora”. Uma vez que pessoas autistas não estão verdadeiramente deprimidas, uma dose muito grande de anti-depressivos pode causar irritabilidade, agitação e excitamento. Se a pessoa toma uma overdose do remédio, pode ainda ficar agressiva e ter insônia. Ocasionalmente, ouço falar de alguém que ficou maluco com Prozac. Isso, provavelmente, é causado por overdose. O macete é acalmar os nervos sem colocar o outro circuito em uma irritabilidade hipermaníaca. Um erro comum é dar mais remédios quando a insônia e irritabilidade começam. É o pior a fazer. Temos que baixar a dose. Tenho tomado a mesma dose de anti-depressivos há quinze anos e meu nervosismo ainda sobe e desce em ciclos; mas ele está ciclando em um nível inferior ao que fazia antes. Você tem de resistir à vontade de tomar mais remédio toda vez que há uma pequena recaída. Não se pode ter 100% sob controle, mas é possível ter algo como 90%, se as coisas estiverem funcionando de forma adequada. Também queria acrescentar outra coisa sobre drogas anti-depressivas: não são para todo mundo.

Uma vez que há muitas pessoas com o rótulo “autismo”, é importante mencionar que o que funciona muito bem para algumas pessoas pode não funcionar bem para outras. Quando falamos do assunto medicação, sempre se deve avaliar o risco versus o benefício. Quando uma pessoa toma um remédio, espera-se uma reação do tipo “UAU! Essa coisa funciona mesmo!” Isso compensa o risco de tomar um remédio. Se você começa a usar um remédio em uma pessoa autista, deve ter uma melhora evidente no comportamento em um curto período. Se essa melhora não é observada, provavelmente não é a droga correta. É simples assim.

SE: Infelizmente, algumas pessoas recebem uma prescrição e simplesmente tomam o remédio, ajude-a ou não.

TG: Quando você toma um remédio para pressão alta ou diabetes, tem um teste objetivo para medir a pressão ou o teor de açúcar no sangue. Com o autismo, você procura por alterações no comportamento. A única forma de avaliar se um remédio realmente funcionou é se professores e pais relatam mudanças. Quando a criança é levada ao consultório de um médico por 5 minutos, tanto poderá subir pelas paredes como se comportar como um perfeito anjo. O médico não pode ter um quadro detalhado do comportamento em cinco ou dez minutos. Só é possível ter uma compreensão acurada do comportamento a partir de pessoas que vêem o paciente – adulto ou criança – por muitas horas. Medicamentos dão melhoras dramaticamente óbvias. Se não há essa melhora, então a droga deveria ser abandonada. Se a pessoa toma a medicação por meses ou anos e você a quer descontinuar, ela deverá ser removida gradualmente, Remédios que vêm sendo tomados por poucos dias ou semanas podem ser suspensos abruptamente.

SE: Que retorno você tem recebido de pais e profissionais a respeito de sua máquina do abraço?

TG: Muitos pais me contam que os filhos buscam pressão, especialmente alguns adultos não-verbais. Entram embaixo das almofadas do sofá, enrolam-se em cobertores, mesmo quando está calor, e se deitam entre o colchão e a cama. A pressão acalma o Sistema Nervoso. Em crianças pequenas, há muitas formas baratas de providenciar pressão, como esteiras de ginástica e almofadões do tipo pufe. Para ajudar crianças hiperativas a ficar sentadas numa sala de aula, um colete pesado pode ajudar. É como um colete de fotógrafo, almofadado e pesado. De fato, apenas um pouquinho de pressão já ajuda a se acalmarem. Acho que a máquina do abraço é mais válida para adultos, mas gostei de saber os resultados de sua pesquisa com ela. Seus resultados fazem sentido para mim; apenas um tipo de criança tem grandes benefícios. São as crianças com um sistema simpático hiperativo.

A máquina do abraço não vai curar ninguém, mas ajuda a relaxar, e uma pessoa relaxada costuma ter melhor comportamento.


SE: Algumas pessoas não sabem que você tem doutorado em ciência animal. Rapidamente, qual foi o foco de sua tese e quais os resultados?

TG: Minha tese foi sobre os efeitos do ambiente no crescimento dendrítico do córtex somato-sensorial do porco. Havia muitas pesquisas sobre ratos nas quais um grupo de ratos vivia em uma pequena caixa plástica no laboratório e o outro grupo ficava em um verdadeiro “play ground tipo Disneylândia”, com todo tipo de brinquedos para escalar, que eram trocados diariamente. Os resultados claramente mostravam que os ratos da “Disneylândia” desenvolviam mais terminações nervosas no seu córtex visual. Assim, pensei: vamos tentar com porcos. Pus alguns porcos para viver em uma “Disneyporcolândia”, com brinquedos e camas de palha, e outros porcos vivendo em um cercadinho comercial. Adivinha o que aconteceu? Ficamos muito surpresos – os resultados deram para trás. Os porcos do cercadinho tinham mais terminações nervosas nos seus córtices. Então, perguntamos por que isso aconteceu.Olhamos as fitas registradas durante a noite, sem ninguém por perto. Descobrimos que aqueles porcos ficavam fuçando – fuçavam o chão e uns aos outros. Tinham comportamentos estereotipados quando ninguém estava por perto. Esta é uma das razões pelas quais acredito firmemente que não se deve deixar uma criança autista sentada num canto, desligada durante seis horas por dia. Elas podem formar “avenidas de dendritos” em lugares onde não deveriam existir.

Gostaria também de mencionar, ainda que seja apenas teoria, que há uma possibilidade de danos cerebrais secundários em crianças autistas. A criança nasce com desenvolvimento imaturo no sistema límbico e cerebelo. Mas se estas crianças se retraem, devido a problemas sensoriais ou de outro tipo, talvez outras partes de seus cérebros também não venham a se desenvolver de forma apropriada. Isso é só teoria; não posso provar, mas há experimentos que dão suporte a essa idéia. Por exemplo, se bebês animais não têm estimulação apropriada quando jovens, irão cometer erros permanentemente. Como você deve saber, alguns dos comportamentos estereotipados das crianças autistas também são vistos em animais de zoológicos, que cresceram num ambiente pobre. Por que um animal de zoológico teria um comportamento semelhante ao de uma criança autista? Bem , a criança autista não se desenvolve porque o mundo lhe é um lugar doloroso – sons, toques, a visão, tudo machuca – assim, ela se fecha. Animais de zoológico exibem esse comportamento por causa de seu ambiente limitado, onde não há nada para fazer. O leão do zoológico vive numa caixa de concreto. Felizmente, os zoológicos estão se esforçando para ter exposições mais bonitas mas, no passado, os leões de zoológico não tinham nada para fazer. Como resultado, seus cérebros não recebiam estímulos suficientes para se desenvolver e comportamentos estereotipados surgiam devido ao enfado.

Pesquisas mostram que um ambiente pobre é muito mais danoso a bebês animais que para animais adultos. Esses ambientes não prejudicam aos animais adultos como aos bebês. Este é um dos motivos porque acredito na intervenção precoce. Temos de trabalhar para manter essas crianças engajadas com o mundo. Há algumas que, aos três anos, você pode chamá-las, dizendo: “Preste atenção!” Há outras com quem tal estratégia não funciona. Com elas, se você forçar o contato ocular, vai causar nos seus sistemas nervosos uma sobrecarga sensorial. Elas vão “desligar” e nada vai entrar nelas. Elas são “mono-canal” e só conseguem usar um sentido de cada vez. Você precisa se aproximar suavemente, esgueirar-se, com essas crianças. Tente sussurrar em uma sala livre de distrações visuais. Pode tentar cantar com uma voz suave e baixa. Talvez assim consiga estabelecer contato. Há muita variação entre crianças autistas.

SE: Você sente que perdeu alguma coisa por ser autista?

TG: Nos últimos anos, quando trabalhava no meu livro, “Thinking in pictures”, percebi que eu perco alguma coisa que as demais pessoas têm – complexidade emocional – e eu a substituo por complexidade intelectual. Obtenho grande satisfação em usar meu intelecto. Gosto de visualizar coisas e resolver problemas. Isso realmente me deixa bem. Quando observo a complexidade emocional em outras pessoas, é o tipo de ritmo que rola entre namorados. Freqüentemente observo isso em aviões. Algumas vezes sento perto deles. É como observar seres de outro planeta. O relacionamento é o que os motiva mas, para mim, é visualizar como projetar algo, tal como visualizar melhores formas de tratar o autismo. Uso minha mente para resolver problemas e inventar coisas. Tenho uma tremenda satisfação em inventar coisas e fazer pesquisas inovadoras. Acabamos de concluir vários bons experimentos na Universidade. Tivemos resultados muito bons, e isso me satisfaz. Minha vida é, basicamente, meu trabalho. Se não tivesse meu trabalho, não teria qualquer vida. Isto leva à importância de manter as pessoas autistas na escola interessadas em algo que possam transformar em uma carreira. Eles precisam investir nos seus talentos, tais como trabalho artístico e programação de computadores.

Depoimento: Tirei meu filho do isolamento do autismo




A professora Anita Brito ouviu os médicos afirmarem que seu filho jamais voltaria a falar. Diagnosticado como autista, o menino ficou mais de um ano sem se expressar. Com uma rotina caseira de estímulos diários, Anita conseguiu trazer o filho de volta. Hoje, Nicolas tem 13 anos, lê, escreve, conversa e frequenta um colégio regular. E segue autista
Por Depoimento a Letícia González
"Uma das psicólogas
me disse que ele era retardado. Outra, mimado"
Editora Globo
 
NUNCA DESISTI DE CONVERSAR COM NICOLAS E TENTAR ENTRAR NO SEU MUNDO. HOJE, AOS 13, VEJO QUE ELE SEGUE EVOLUINDO
 
“Nicolas nasceu sem emitir nenhum som. O parto foi difícil, depois de um longo dia de contrações que terminou com uma cesárea. Assim que puxaram o bebê, ele não chorou. Tiveram de levá-lo para longe de mim, dar-lhe oxigênio para, só então, trazê-lo de volta. Quando o peguei no colo, ele chorava aos gritos. Foi então que comecei a falar baixinho e dizer a ele que eu era sua mãe, até que se acalmou. Foi a nossa primeira conversa. Nicolas se destacava dos outros recém-nascidos da maternidade pelo tamanho — havia nascido com 4,140 kg e 56 cm — e era um bebê lindo. Já na nossa casa em Jandira, no interior de São Paulo, arrancava elogios das visitas, que diziam: ‘Como é quietinho’.


Depois dos primeiros meses, essa característica começou a me preocupar. Nicolas tinha de ser alimentado de três em três horas, mas nunca chorava à noite para mamar. Eu é que tinha de acordá-lo. Também nunca tinha cólicas e ficava em silêncio no berço por horas, olhando para o teto. Quando tinha febre ou dor, respirava com dificuldade e essa era a única maneira de saber que estava doente. Um dia, quando ele tinha 4 meses, eu o coloquei no berço, liguei uma música e comecei a arrumar o quarto. Como tinha o hábito de conversar com ele, fui falando e, sem pensar, me peguei dizendo ‘Você não dá trabalho mesmo, hein, filho? Será que há algo errado?’. Foi a primeira vez que cogitei a hipótese de ele ter um problema.

Aos 6 meses, Nicolas olhou para mim e disse sua primeira palavra: ‘Tata’. Foi estranho o jeito que pronunciou as sílabas. Parecia correto demais. Achei que novas palavras viriam em seguida, como ‘mamãe’, ‘papai’, mas ele só voltou a falar no ano seguinte. Aos 9 meses, aprendeu a andar. Esse sinal de desenvolvimento, no entanto, contrastava com a sua falta de rea­ção a estímulos: não respondia a barulhos — a menos que fossem fortes e inesperados, o que o fazia chorar muito —, não dava atenção a pessoas que falavam com ele — para agonia das avós — e nem se mexia quando ganhava um brinquedo novo. Isso me levou a buscar na internet informações sobre autismo. Ele era pequeno demais para mostrar os sintomas clássicos, mas mesmo assim mencionei o assunto com meu marido, Alexsander, e depois com a pediatra. Alex me chamou de doida e a médica, de ‘mãe de primeira viagem’. Para reforçar, disse: ‘Seu filho é o bebê mais lindo que já vi, fique tranquila’. Aquilo não me acalmou, mas me fez pensar que talvez eu estivesse exagerando. Naquela noite, além do autismo, pesquisei também sobre uma síndrome que faz as mães fingirem que os filhos estão doentes para chamar a atenção para si. Mas eu não me via nas descrições. O que via, a cada noite de insônia passada em frente ao computador, eram semelhanças entre as atitudes de Nicolas e o autismo.

Crianças autistas podem ter pouca ou nenhuma interação com o mundo à sua volta, costumam ter fixação por assuntos específicos, têm raciocínio lógico (mas, muita vezes, inflexível) e parecem escutar apenas quando algo lhes interessa. Não há uma causa definida para a doença, mas a influência genética atualmente já é comprovada por estudos e aceita pelos médicos. Com 1 ano, Nicolas seguia regras sem contestá-las e aprendia com facilidade a diferença entre o certo e o errado. Com 1 ano e meio, expliquei a ele uma única vez como se usava o banheiro e, a partir desse dia, ele nunca mais usou fraldas. Outra coisa que ficou clara na época foi a sua paixão por objetos que giram. Ele ia sozinho até a lavanderia para assistir ao ciclo da máquina de lavar e, como também adorava o ventilador, costumava sentar-se atrás dele — eu o havia proibido de ficar de frente para o vento e ele nunca desobedecia. Quanto à fala, começou repetindo frases de desenhos animados. Ele não criava frases próprias e nem respondia às conversas. Tanto que minha mãe chegou a suspeitar que fosse surdo. Um dia, quando ela foi nos visitar, fiz o teste e falei baixinho: ‘Nicolas, olha para cá agora senão vou ficar chateada’. Ele, que estava brincando bem afastado de nós, largou o brinquedo e olhou.
 
Quando Nicolas completou 2 anos e meio, decidi levá-lo a uma psicóloga. Em quatro sessões, ela o diagnosticou como retardado mental e disse que jamais frequentaria a escola. Discordei, pois, em casa, ele agia com esperteza, só que do seu jeito. Ela tentou me consolar: ‘Sei que é difícil ouvir isso, você vai entrar em negação’.Depois disso, voltei a abordar o assunto com a pediatra, mas ela insistia que ele era perfeitamente normal. Troquei de médico e ouvi a mesma coisa. Quando meu filho já tinha 3 anos, tentei uma segunda psicóloga. Dessa vez foi pior. Nicolas, dizia, era mimado. ‘Quando vocês pararem de superprotegê-lo, ele vai se desenvolver’. Tentamos colocar Nicolas na escolinha, mas ele chorava do momento em que o deixávamos à hora da saída.

O diagnóstico definitivo só viria quase um ano depois, infelizmente­, por causa de uma doença. Aos 3 anos e 8 meses­, Nicolas desenvolveu uma inflamação­ nos vasos sanguíneos­ chamada Púrpura­ de Henoch-Schönlein­, que pode levar à morte­. Numa noite­, descobrimos um hematoma que cobria quase toda sua nádega e piorava­ de hora em hora. Eu perguntava­ sobre tombos­, batidas, mas não conseguia arrancar­ dele nem um ‘sim’ ou ‘não’, suas respostas habituais. No consultório­, assim que o médico o apalpou, Nicolas começou a gritar: ‘Ai meu Deus, que dor!’, com a mãozinha apoiada sobre a barriga. Houve­ correria­ na clínica quando o pediatra, que estava calmo­ até aquele­ instante, ordenou a uma das enfermeiras­: ‘Corre­ e prepara 20 ml de ...’. Nessa hora, não escutei mais nada. Segurei a mão de Nicolas e tentei­ consolá-lo, mas, na verdade­, pensava também em mim. Tive uma infância difícil numa casa com seis irmãos, e só consegui sair da pobreza­ depois de trabalhar e estudar­ muito­. Naquela época, eu e meu marido cuidávamos de nossa­ escola­ de inglês juntos e havíamos chegado­ a um patamar confortável­ de vida­. Aquela era a fase mais feliz­ da minha vida e a crise me fez ter medo­ de perder tudo.

Por causa da dor, Nicolas foi sedado. Ele despertou algumas horas depois, mas já estava irreconhecível. Seu rosto não tinha expressão, seus olhos não se cruzavam com os meus e ele estava mudo. Quando eu o pegava no colo, ele não se encaixava em mim, era como um peso morto. Nicolas sempre foi diferente dos demais, mas tínhamos uma conexão. Naquele dia, no entanto, ele parecia vazio. Pensar que não havia ninguém dentro daquele corpinho me fez ter vontade de morrer. Voltei para casa em luto, com a sensação de ter perdido um filho. Nessa época, passei a dormir cerca de quatro horas por noite e, quando conseguia adormecer, tinha pesadelos. Em um deles, Nicolas ia correndo para bem longe de mim e eu tentava alcançá-lo. Em outro, ele parava ao meu lado num jardim e gritava ‘Mamãe!’, mas eu não o ouvia.

Iniciamos uma nova maratona médica e, por causa do tempo­ que as visitas tomavam, decidimos que meu marido pararia de trabalhar. Alexsander, então, já dividia minha suspeita — a essa altura uma certeza — de que nosso pequeno fosse autista, mas por tristeza e cansaço, paramos de falar antes de os médicos darem um parecer. Tudo mudou no dia em que entramos no consultório de uma psiquiatra e, com poucos minutos de observação, ela disse: ‘Vocês já ouviram falar em autismo?’. ‘Sim’, respondemos em coro. ‘Me falem sobre o Nicolas’. E isso foi a melhor coisa que nos aconteceu.
Fomos encaminhados a um hospital em São Paulo pioneiro na área e ali tivemos o diagnóstico definitivo. É estranho falar em alívio quando alguém confirma que seu filho tem um problema sério, mas foi o que senti. Finalmente, três anos depois das minhas primeiras suspeitas, eu poderia tratá-lo com propriedade. Saímos do hospital confiantes de que, agora, a medicina nos ajudaria.
Editora Globo
NICOLAS, HOJE, AOS 13 ANOS

Mas a experiência com os psiquiatras foi frustrante, pois eles não se interessavam pela rotina do Nicolas. Apenas se limitavam a fazer perguntas sobre suas crises de ansiedade e receitar remédios.Nicolas se balançava, sacudia as mãos e às vezes mordia a parte interna da boca até sangrar, por isso a indicação de medicá-lo. Essa época foi difícil, porque os especialistas nos diziam que a criança autista vive em um mundo à parte e a família deve apenas deixá-lo mais confortável.
Eles não viam relação entre a crise de Púrpura e o mutismo dele, apenas diziam que era normal um autista não se comunicar. Eu ouvia isso e não aceitava a ideia de nunca mais ouvir a voz de Nicolas. Meu marido também sofria com a situação.

Em uma das nossas primeiras visitas ao hospital, Alexsander ficou tão assustado que apertou a minha mão até machucar. Enquanto esperávamos para ser atendidos, conversei com uma das mães na sala. Ela era bonita, bem vestida e acompanhava seu filho de 16 anos, portador de Síndrome de Asperger, uma das variantes do autismo. O garoto era espontâneo e logo começou a falar sobre carros, sua paixão. Vendo mãe e filho interagindo com tanto carinho, desejei isso para o futuro de Nicolas, que vivia em total silêncio. Foi então que veio o choque. Em um momento da conversa, ela me contou que o marido não havia suportado a pressão da doença e havia se suicidado alguns anos antes. Meu coração quase parou quando olhei para meu próprio marido, nervoso naquela sala, sem saber se Nicolas voltaria a se comunicar.

Nosso plano foi insistir nos estímulos, de todos os tipos. Eu tirava duas horas do dia para tentar entrar nas brincadeiras de Nicolas, falar sobre coisas que ele conhecia e gostava, chamar o seu olhar para o meu. Foram meses difíceis, porque eu não tinha nenhuma resposta da parte dele. Ao mesmo tempo, os profissionais que consultávamos nos davam perspectivas deprimentes. Enquanto uns diziam que Nicolas não era autista, outros diziam que ele era e não havia nada a fazer — a não ser medicar sua ansiedade. Eu lia estudos conduzidos nos Estados Unidos e entendia que o autismo tem muitas questões sem respostas, mas que ‘nada’ não era uma boa opção de tratamento.

Quando ele tinha 4 anos e meio, tive a ideia de levá-lo a um carrossel, coisa que ele adorava quando era menor. Comprei a ficha, coloquei Nicolas em um dos cavalinhos e fui para o lado de fora vê-lo girar. Depois da primeira volta, surpresa: Nicolas me olhou de relance, meio de lado, e levantou o cantinho dos lábios num quase sorriso. Meu coração pulou de alegria. Finalmente uma reação! Meu filho me olhava depois de um ano de isolamento. E continuou me olhando, meio de lado, meio sorrindo, a cada volta que dava. Quando o brinquedo parou, corri para comprar outra ficha e pedi para subir com ele no carrossel. Fiquei ao lado dele falando no seu ouvido, dizia que sentia sua falta, que gostaria de ver um filme com ele quando chegássemos em casa. Voltamos ao carrossel no dia seguinte e também no fim de semana, dessa vez com o meu marido, que na época estava de volta ao trabalho. Quando, na primeira volta, Nicolas nos olhou de cima do seu cavalinho, Alex disse: ‘Ele vai voltar, amor’. Choramos juntos.

Em menos de um ano, Nicolas­ estava falando novamente. Acho que, por algum bloqueio, não consigo lembrar o dia exato em que ele disse sua primeira palavra. Às vezes recebíamos apenas um ‘sim’ ou ‘não’ com a cabeça, mas era um começo. Com o tempo, ele voltou a repetir frases de filmes e se comunicava por meio delas. Também usava algumas expressões que só nós entendíamos, então­ fazíamos a ponte entre ele e o resto da família e os amigos. Com algumas adaptações, o convívio foi se tornando possível de novo. Quando ele tinha quase 6 anos, conseguimos uma bolsa para uma escola especializada em autismo em São Paulo­, e os avanços­ foram incríveis. Já no primeiro dia de escola, Nicolas aprendeu a se vestir sozinho. Durante seis meses, frequentou duas escolas: a especial e uma regular, onde fez adaptação para uma sala­ do 1o ano. Meu marido­ dirigia com ele até a capital de manhã, às vezes enfrentando duas horas de trânsito, aguardava a aula terminar e voltava com ele para Jandira, onde ele estudava à tarde.
Editora Globo
 
NICOLAS ADORA VIDEOGAME E SABE DE COR O ANO DE TODOS OS LANÇAMENTOS DE MARIO BROS. E SONIC
Nesses primeiros anos de escolarização, detalhes banais fizeram a diferença. O sinal da escola, por exemplo, era insuportável para Nicolas. O tumulto da cantina e a dificuldade de algumas crianças em lidar com um colega diferente também. Então, escolhemos uma instituição que não tocasse o sinal a cada período, combinamos com a dona da cantina que ele pegasse seu lanche por uma porta lateral e eu mesma fiz uma marcação cerrada em cima do bullying, conversando com professoras e alunos. Dessa forma, ele completou o 1o ano e conseguiu seguir o currículo comum.
Por ter o raciocínio linear e muitas vezes ser inflexível, Nicolas­ se recusa a fazer dever de casa, por exemplo. Ele diz que ‘a escola é para estudar, e a casa para­ descansar’. Então, as professoras passam os deveres na escola mesmo, e ele os faz antes de voltar para casa. Essa maneira de pensar já rendeu situações engraçadas, como­ a vez em que ele deixou vários exercícios de matemática­ em branco porque o livro trazia a pergunta ‘Você aceita um desafio?’. Ele respondeu ‘Não’ e deu a tarefa por acabada.

Com 8 anos de idade, as frases­ repetidas de filmes deram lugar aos nossos primeiros diálogos, com perguntas, respostas e réplicas­. Aos 10 anos, teve a sua fase dos porquês. E hoje, aos 13 e no 8o ano, estamos treinando em casa como expressar emoções e ser simpático com os outros, para­ evitar­ os ‘sincericídios’ naturais dele, como dizer que odiou a comida. Quem conversa com ele percebe a diferença em relação às outras crianças. Ele fala pausado, raramente começa uma conversa por conta própria e tem um sentido muito rígido do que é certo e errado. Se alguém fala palavrão e ele quer comentar o caso, repete­ a história, mas diz ‘palavrão’ no lugar de cada expressão grosseira. Ele balança as mãos, anda pela casa sem direção e exige que as pessoas cumpram todas as suas­ promessas, mesmo as mais banais. Mas conseguimos muitos progressos. Tanto que hoje ele dá palestras em escolas e em grupos de estudos explicando como vê o mundo.

No ano que vem, Nicolas quer paquerar. Depois, quem sabe, arranjar uma namorada. Há dois anos, ele aprendeu a dividir suas coisas com o novo irmão, Guilherme, um sobrinho de 15 anos, que adotamos depois que minha irmã­ morreu. Ainda é cedo para dizer se ele vai conseguir terminar­ o ensino médio e fazer vestibular, mas Nicolas adora videogame — especialmente os jogos do Mario Bros. Ele até cita as datas de lançamento com precisão enciclopédica — e diz que gostaria de seguir uma carreira na área de games. Nesses mais de dez anos de luta, percebi que o Brasil avançou­ ­no diagnóstico e no tratamento do autismo. No campo pessoal­, vi meu esforço recompensado. A história dele me inspira tanto que decidi escrever um livro, Meu filho­ ERA autista, publicado de forma­ independente no início deste ano.

TEXTO RETIRADO DA REVISTA MARIE CLAIR 
09/06/2012 

terça-feira, 21 de agosto de 2012

OFF: PARA TODO MUNDO SE LEMBRAR - DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS


Declaração Universal dos Direitos Humanos




Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, 
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultam em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum,  
Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de   Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,
Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,  
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,
Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,
A Assembléia Geral proclama:
A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.
Artigo 1º
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.
Artigo2º
Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
Não será tampouco feita qualquer distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
Artigo 3º
Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo 4º
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Artigo 5º
Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo 6º
Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei.
Artigo 7º
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo 8º
Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
Artigo 9º
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo 10º
Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Artigo 11
§1.     Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
§2.     Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo 12
Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Artigo13
§1.     Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.
§2.     Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.
Artigo 14
§1.     Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
§2.     Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas.
Artigo 15
§1.     Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.
§2.     Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
Artigo 16
 Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
§1.     O casamento não será válido senão como o livre e pleno consentimento dos nubentes.
§2.     A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.
Artigo 17
§1.     Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
§2.     Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
Artigo 18
Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Artigo 19

Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Artigo 20
§1.     Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.
§2.     Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo 21
§1.     Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
§2.     Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
§3.     A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
Artigo 22
Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo 23
§1.     Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
§2.     Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
§3.     Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
§4.     Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses.

Artigo 24

Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias periódicas remuneradas.
Artigo 25
§1.     Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
§2.     A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora de matrimônio, gozarão da mesma proteção social.
Artigo 26
§1.     Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
§2.     A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
§3.     Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
Artigo 27
§1.     Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.
§2.     Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.
Artigo 28
 Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.
Artigo 29
§1.     Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.
§2.     No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas por lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
§3.     Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas.
Artigo 30
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos. 

domingo, 12 de agosto de 2012

PL 1.631 - Votação em REGIME DE URGÊNCIA




O deputado federal  Hugo Leal,  CONSEGUIU TODAS AS ASSINATURAS para aprovar o requerimento de
URGÊNCIA URGENTÍSSIMA PARA VOTAÇÃO DO 
PL. 1631/11.

Agora o PL 1.631/11, deve ser votado em caráter de 
Urgência - Urgentíssima.

Não podemos esquecer que este evento teve o apoio fundamental das deputadas federais Mara Gabrilli e Rosinha da Adefal incansáveis defensoras da Pessoa com Deficiência.


Que cada um continue fazendo sua parte...

FELIZ DIA DOS PAIS


FONTE:WWW.VIVENCIASAUTISTICAS.BLOGSPOT.COM

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Câmara aprova política municipal para atendimento do autismo da assessoria de imprensa da Câmara de Vereadores de Sorocaba





Projeto de Martinez segue para sanção do Executivo. Em primeira disucssão vereadores aprovam temporizadores em semáforos



Os vereadores aprovaram em definitivo na sessão ordinária desta terça-feira, 7, o projeto de autoria do presidente do Legislativo, vereador José Francisco Martinez (PSDB), que cria uma política municipal de atendimento aos portadores de autismo. O projeto que segue para o Executivo para sanção ou veto tem o objetivo de possibilitar a identificação precoce da doença, oferecer tratamento adequado, garantir os diretos constitucionais dos portadores e amparar as famílias.



Entre as diretrizes da política municipal estão o reconhecimento do autismo como uma síndrome de natureza específica, com perfil psicoeducacional diferenciado, garantindo atenção adequada aos seus portadores; vagas em instituições públicas de saúde especializadas para todas as crianças que necessitarem; utilização de métodos pedagógicos adequados; apoios às instituições e realização de campanhas educativas.



O projeto também prevê o recenseamento das crianças autistas do município e a criação de uma central de informações (eletrônica ou telefônica) para orientação e encaminhamento; além do incentivo a formação de um núcleo de atendimento no Centro de Referência em Educação para que as crianças sejam atendidas dentro das escolas, oferecendo inclusive formação específica aos profissionais envolvidos no processo de inclusão.



Em nome do Centro de Excelência em Autismo (AMDE), o presidente da associação, José Osvaldo Gonçalves, utilizou a tribuna popular ao final da sessão para agradecer a aprovação da proposta que, frisou, atende aos anseios da instituição. Com 42 crianças e respectivas famílias atendidas, a AMDE zerou no último mês a lista de espera. O presidente anunciou ampliação no atendimento para o próximo ano, além da intenção de construção da sede própria. Gonçalves também agradeceu o apoio dos vereadores à entidade através de emendas parlamentares.



Da mesma forma foi aprovado em definitivo o projeto de Izídio de Brito (PT) que institui o “Dia da Trabalhadora e Trabalhador Terapeuta Ocupacional” a ser comemorado anualmente em 13 de outubro, com a realização de homenagem no plenário da Casa. Outros sete projetos foram aprovados em primeira discussão.



Temporizadores: Após a derrubada em plenário do parecer contrário da Comissão de Justiça em sessão anterior, os vereadores aprovaram o projeto de Francisco França (PT) que prevê a implantação de temporizadores nos semáforos equipados com radares nos principais pontos de tráfego do município.



O objetivo do projeto é evitar acidentes comuns no trânsito, pois o equipamento possibilita ao motorista visualizar com facilidade o tempo que resta para efetuar o cruzamento.



Saúde e prevenção: Outro projeto aprovado, de autoria do vereador Martinez, estabelece normas para a realização de procedimento de esterilização masculina, mais conhecidas por vasectomia, no Município. O projeto cria regras como a exigência do homem ter mais de 25 anos, ou, em caso de menor idade, ter no mínimo dois filhos vivos. As medidas têm a finalidade de evitar gravidez posterior, causada por reversão involuntária e falta de acompanhamento pós cirúrgico.



De José Crespo (DEM), projeto de lei aprovado obriga os centros comerciais, hipermercados, supermercados e outros estabelecimentos grande porte a prestarem primeiros socorros médicos aos clientes nos casos de urgência ou emergência.



E proposta de Vitor do Super José (PRP), também aprovada em primeira discussão, determina que os alunos do ensino fundamental da rede pública municipal respondam um questionário, no ato da matrícula, sobre doenças como diabetes, hipertensão, cardiopatias.



Demais propostas: Também foi aprovado nesta terça o projeto do vereador Marinho Marte (PPS) que cria campanha permanente de leitura nos parques e espaços públicos municipais. O objetivo é disponibilizar à população livros, jornais e periódicos através de bibliotecas fixas ou móveis incentivando a leitura.



Da mesma forma segue em tramitação outro projeto do presidente José Francisco Martinez (PSDB) que prevê a fixação de cartazes informativos sobre a Lei nº 8.190, de 18 de junho de 2007, que garante agilidade de processos cujos interessados são idosos.

sábado, 4 de agosto de 2012

UMA VISÃO INTERIOR DO AUTISMO



                                                                                                                                       
Tradução feita por Jussara Cunha de Mello - Belo Horizonte a pedido da Associação de Pais de Portadores de Autismo e outras Síndromes - APPAS.
Obtida da INTERNET- ftp://ftp.syr.edu/information/autism/an inside_view_of_autism_txt
Temple Grandin
Department of Animal Science, Colorado State University
Fort Collins, Colorado 80523
High-Functioning Individuals With Autism, edited by Eric Schopler and Gary B. Mesibov
Plenum Press, New York, 1992

INTRODUÇÃO
Eu tenho 44 anos de idade e sou uma mulher autista com uma carreira internacional bem sucedida. Meu trabalho é projetar equipamento para animais (especialmente gado) de fazendas. Completei meu Ph.D em ciências animais na Universidade Estadual do Colorado. Foi a intervenção precoce iniciada aos 2 anos e meio de idade que me ajudou a superar minha deficiência.
Neste capítulo falarei sobre a frustração que senti por não ser capaz de falar e sobre meus problemas sensoriais. Meus sentidos são super sensíveis ao barulho e ao toque. O barulho, especialmente quando é bem alto, dói meus ouvidos, e eu evito ser tocada para não ter que sentir aquela sensação opressiva.
Eu construí uma máquina de compressão que ajudou muito a acalmar meus nervos e a tolerar mais o toque. Na época da puberdade, comecei a ter horríveis ataques de nervos e de ansiedade. Eles foram ficando piores com o passar do tempo. Medicamentos antidepressivos aliviavam a ansiedade. Na última parte do capítulo abordo como direcionei minhas fixações em atividades construtivas e a uma carreira. A importância de um mentor é fundamental. Minhas habilidades e deficiências serão cobertas em detalhes nesta reportagem. Todo o meu pensamento é visual, como se fossem fitas de vídeos passando na minha imaginação. Até mesmo conceitos mais abstratos como "se dar bem com outras pessoas" são visualizados através do uso da imagem de uma porta.

A FALTA DA FALA
Não ser capaz de falar era uma completa frustração. Se os adultos falassem diretamente comigo eu podia entender tudo o que eles me falavam, mas eu não conseguia colocar as palavras para fora. Era como se fosse um balbucio ou uma grande gagueira. Se eu era colocada numa situação de leve "stress", as palavras às vezes superavam a barreira e conseguiam sair. Minha fonoaudióloga sabia como penetrar no meu mundo. Ela me segurava pelo queixo, me fazia olhar em seus olhos e dizer "bola".
Aos 3 anos de idade, "bola" saiu de minha garganta com grande esforço e soava mais como "bah". Se a terapeuta decidisse exigir muito de mim, eu fazia manha e pirraça. Se ela não exigisse de mim o suficiente, eu não fazia nenhum progresso. Minha mãe e meus professores ficavam imaginando porque eu gritava tanto. Os gritos eram a única maneira que eu tinha para me comunicar. Às vezes eu pensava logicamente comigo mesma, "eu vou gritar agora porque eu quero falar para alguém que não quero fazer determinada coisa".
É interessante que a minha fala se pareça com a fala estressada de crianças pequenas que tiveram tumores removidos do cerebelo. Rekate, Grubb, Aram, Hahn e Ratcheson (1985) descobriram que cirurgias de câncer que tenham lesado "vermis, nuclei e os dois hemisférios do cerebelo" causaram uma perda temporária da fala em crianças normais.
Os sons das vogais eram os primeiros a retornar, e a fala receptiva era normal. Courchesne, Yeung-Courchesne, Press, Hesselink e Jernigan (1988) deram a reportagem que de cada 18 autistas que funcionam num nível de alto a moderado, 14 deles têm o cerebelo menor (cerebellar vermal lobules VI e VII). Bauman e Kemper (1985) e Ritvo et al (1986) também descobriram que os cérebros de autistas tinham um número menor de células "Purkinje" no cerebelo. No meu caso, um exame de Ressonância Magnética revelou anormalidades no cerebelo. Eu sou incapaz de andar em linha reta. O teste feito pela polícia para descobrir se o motorista está bêbado, tipo "ande na linha", não funciona comigo, eu acabo tombando para os lados. Porém minhas reações são normais para outros testes de coordenação motora simples relacionados às funções ou disfunções do cerebelo.
Estímulos vestibulares algumas vezes podem estimular a fala em crianças autistas. Balançar a criança levemente num balanço às vezes ajuda a iniciar a fala (Ray, King & Grandin, 1988). Determinados movimentos suaves, coordenados são difíceis para mim, embora eu pareça bem normal para o observador casual.
Por exemplo, quando eu opero equipamentos hidráulicos que tenham uma série de níveis, eu consigo operar perfeitamente um nível de cada vez. Coordenar os movimentos para operar dois ou três níveis ao mesmo tempo é impossível para mim. Talvez isso explique porque eu tenho tanta dificuldade em aprender a tocar um instrumento musical, embora eu tenha um talento musical nato para melodia e tonalidade. O único "instrumento" que eu consegui aprender é assoviar com minha boca.

RITMO E MÚSICA
Durante meus anos escolares primários, a minha fala não era completamente normal. Geralmente eu gastava mais tempo do que as outras crianças para conseguir colocar minhas idéias para fora. Cantar, porém, era bem fácil. Eu sou afinada e consigo, sem nenhum esforço, sussurrar uma música que ouvi apenas uma ou duas vezes.
Eu ainda tenho muitos problemas com o ritmo. Consigo bater palmas num determinado ritmo sozinha, mas sou incapaz de sincronizar o meu ritmo com o ritmo de outra pessoa. Park e Youderian (1974) notaram uma falta de ritmo em pessoas autistas tocando piano. Os problemas de ritmo podem estar relacionados com alguns problemas de fala. Os bebês normais se movem em sincronia com a fala dos adultos (Condon & Sander, 1974). Os autistas não conseguem isso. Condon (1985) também descobriu que os autistas têm grande dificuldade em se orientar. Os que têm dislexia e os gagos também têm essa dificuldade só que em grau bem menor. Um ouvido ouve o som primeiro do que o outro. O assincronismo entre dois ouvidos chega a ser de mais de um segundo. Isso pode explicar alguns problemas de fala. As pessoas ainda me acusam de interromper conversas. Devido a uma falta de percepção de ritmo, é difícil para mim saber quando entrar na conversação. Não consigo seguir facilmente os altos e baixos do fluxo de uma conversa.

PROBLEMAS AUDITIVOS
Minha audição funciona como se eu usasse um aparelho auditivo cujo controle de volume só funciona no "super alto". É como se fosse um microfone ligado que capta todo barulho ao redor. Eu tenho duas escolhas: deixar o microfone ligado e ser inundada pelo barulho, ou desligar. Minha mãe conta que algumas vezes eu agia como fosse surda. Testes e exames mostravam que minha audição era normal. Eu não consigo moderar os estímulos auditivos que entram por meus ouvidos. Muitos autistas têm problemas como este (Ornitz, 1985). Em geral eles têm reações exageradas ou mínimas. Ornitz (1985) sugere que algumas das deficiências cognitivas podem ser causadas por distorções sensoriais. O autismo também traz profundas anormalidades nos mecanismos neurológicos que controlam a capacidade da pessoa de mudar o foco de atenção em meio a diferentes estímulos (Courchesne, 1980).
Eu não sou capaz de falar ao telefone dentro de um escritório barulhento ou aeroporto. Todo mundo consegue falar ao telefone num ambiente barulhento, mas eu não. Se eu tento apagar de minha mente o barulho que está num pano de fundo, eu acabo apagando também a conversa do telefone. Uma amiga minha, com pouco comprometimento autístico, tem um problema semelhante ao meu, só que pior. Ela não consegue ouvir uma conversa numa sala relativamente quieta de um hotel.
Os autistas devem ser protegidos dos barulhos que os incomodam. Barulhos altos e bruscos doem meus ouvidos como se fosse a broca de um dentista pegando um nervo. Um homem autista de Portugal muito dotado escreveu: "Eu saltava de dentro de mim quando ouvia barulho de animais" (White & White, 1987).
A criança autista cobre seus ouvidos porque certos sons doem. O barulho freqüentemente faz meu coração disparar. Anormalidades no cerebelo podem ter um importante papel em aumentar a sensibilidade aos sons. Pesquisas em ratos indicam que o "vermis" do cerebelo modula a entrada sensorial (Crispin & Bullock, 1984). Estímulos no cerebelo de um gato com um eletrodo tornarão o gato supersensível à sons e toques (Chambers, 1947).
Eu continuo detestando lugares confusos e barulhentos, tais como os Shopping Centers. Barulho contínuo e estridente como o do secador de cabelo ou ventilador de banheiro é irritante. Eu consigo fechar a minha audição e me ausentar da maior parte dos diferentes tipos de barulhos. Porém algumas freqüências são impossíveis de serem desconsideradas. É simplesmente impossível que uma criança autista se concentre em sala de aula se ela estiver sendo bombardeada com barulho que penetra sua mente como se fosse o motor de um avião. Quando eu era criança, a governanta da minha família costumava me punir enchendo uma sacola de papel de ar e estourando essa sacola em meus ouvidos. Para mim era uma tortura.
Mesmo agora eu ainda tenho problemas em "me desligar". Às vezes eu estou ouvindo uma música que gosto e de repente percebo que perdi a metade da música. Minha audição simplesmente se fecha automaticamente. Na faculdade eu tinha que ficar tomando notas o tempo todo para evitar que isso acontecesse.
O homem de Portugal que eu citei também escreveu que manter uma conversa é muito difícil. A voz da outra pessoa ficava longe como se fosse uma estação de rádio distante (White & White, 1987).

PROBLEMAS DE TATO
Eu sempre me comportava mal na igreja quando criança; minha anágua coçava e arranhava. As roupas de domingo eram diferentes na minha pele. A maior parte das pessoas se adapta em poucos minutos com a sensação de diferentes texturas de tecidos. Mesmo agora eu evito usar tipos diferentes de roupas de baixo, pois eu gasto de três a quatro dias para me adaptar a novas texturas. Quando criança, na igreja, as saias e meias me deixavam quase doida. Minhas pernas doíam no inverno frio quando eu usava saia. O maior problema era a troca de calças que eu usava a semana toda para as saias no domingo. Se eu usasse saias o tempo todo, eu provavelmente teria dificuldade em me adaptar às calças. Hoje em dia eu uso roupas que tenham textura semelhante. Meus pais não tinham idéia porque eu me comportava tão mal. Pequenas mudanças nas minhas roupas teriam resolvido esse problema.
Algumas crianças com esse problema podem ser ajudadas. Encoraje a criança a esfregar apele com pedaços de tecidos de texturas diferentes. Ajuda a eliminar o excesso de sensibilidade.

COMPRESSÃO
No meu livro "Emergence: Labeled Autistic" (Grandin & Scariano, 1986), eu descrevo a ânsia que eu sentia no meu corpo para receber um estímulo de compressão. Eu queria sentir aquela sensação agradável de estar sendo abraçada, mas quando as pessoas me abraçavam eu me sentia invadida por estímulos como se uma forte onda do mar se abatesse sobre mim. Quando eu tinha apenas 5 anos de idade, eu costumava "sonhar acordada" com uma máquina imaginária. Em meus sonhos, eu entrava dentro da máquina e ela me pressionava de maneira suave e confortável. Era de extrema importância que eu fosse capaz de controlar a máquina. Eu tinha que ser capaz de interromper os estímulos quando eles se tornassem muito intensos. Quando as pessoas me abraçavam, eu ficava enrijecida e tentava me afastar delas para evitar a enxurrada de estímulos desagradáveis. Eu parecia um animalzinho feroz resistindo. Quando pequena gostava de ficar debaixo das almofadas do sofá e ter minha irmã sentada sobre elas. Nas diversas conferências sobre autismo que participo, uns 30 a 40 pais já vieram até mim e me disseram que seus filhos buscam este estímulo de profunda compressão. Pesquisas de Schopler (1965) indicaram que crianças autistas tendem a preferir os estímulos sensoriais mais próximos como o toque, o gosto ou o cheiro do que os mais distantes como a audição ou a visão.

A MÁQUINA DE COMPRESSÃO
Aos 19 anos de idade eu construí uma máquina de compressão. Este modelo é totalmente forrado com uma borracha macia e o usuário tem completo controle sobre a duração e a quantidade de pressão que a máquina exerce. Uma descrição completa da máquina está em Grandin (1984) e Grandin e Scariano (1986). A máquina proporciona uma pressão confortante sobre grandes áreas do corpo.
Levou muito tempo para que eu aprendesse a aceitar a sensação de ser abraçada e não tentar me afastar. Reportagens na literatura indicam que as pessoas autistas tendem a não ter empatia (Bemporad, 1979; Volkmar & Cohen, 1985). Eu acho que a falta de empatia é, em parte pela falta dos estímulos agradáveis do tato
Há mais ou menos 12 anos atrás, eu observei que as reações de um gato siamês em relação a mim após eu ter feito uso da máquina de compressão. Este gato costumava fugir de mim, mas após eu usar a máquina, aprendi a acariciar o gato gentilmente e ele decidiu ficar comigo. Eu precisei ser confortada antes de ser capaz de oferecer conforto ao gato (Grandin, 1984).
Eu tenho descoberto com minhas próprias experiências que eu quase nunca me sinto agressiva após usar a máquina. Foi necessário que eu aprendesse a receber a compressão confortadora da máquina primeiramente para que eu me relacionasse melhor com as pessoas. Há 12 anos atrás eu escrevi: "Eu observo que, a não ser que eu seja capaz de aceitar a máquina de compressão na vida, eu nunca serei capaz de dar amor a outro ser humano." (Grandin, 1984).
Durante o meu trabalho com gado, eu percebo que tocar os animais faz com que eu cresça em empatia por eles. Quando eu toco e esfrego as mãos nos animais me sinto mais gentil em relação à eles. A máquina teve um grande efeito no sentido de acalmar o meu sistema nervoso.
Essas máquinas de compressão têm sido usadas em algumas clínicas para se trabalhar com criança autistas e hiperativas. Lorna King, uma terapeuta ocupacional de Phoenix, Arizona, afirma que a máquina tem um efeito calmante sobre o comportamento hiperativo. Terapeutas têm descoberto que um estímulo compressor profundo tem um efeito calmante (Ayres, 1979). Estudos com animais e com pessoas mostram que a compressão reduz os estímulos do sistema nervoso (Kumazawa, 1963; Melzac, Konrad & Dubrobsky, 1969; Takagi & Kobagasi, 1956).
Pressão nas laterais dos porcos induz a um processo de relaxamento (Grandin, Dodman & Shuster, 1989).

ANSIEDADE NA PUBERDADE
Na infância eu era hiperativa, mas nunca havia me sentido "nervosa" até chegar à puberdade. Nesta época o meu comportamento foi de mal a pior. Gillberg and Schaumann (1981) descrevem uma deterioração no comportamento de muitas crianças autistas quando atingem a puberdade.
Logo após a minha primeira menstruação, os ataques de ansiedade iniciaram. Era um constante sentimento de pavor a todo tempo. Quando as pessoas me perguntam como é, eu digo: "Imagine que você fez algo que lhe trouxe grande ansiedade, como, por exemplo, a sua primeira fala em público. Agora pense bem se você se sentisse assim a maior parte do tempo sem razão de ser.". Eu ficava com o coração batendo rápido, as palmas das mãos suadas e inquieta.
Os "nervos" me pareciam mais uma situação de hipersensibilidade do que ansiedade. Era como se o meu cérebro estivesse correndo a 150 quilômetros por hora em vez de 60. "Librium" e "Valium" (medicamentos fortes) não conseguiam me dar alívio. Os "nervos" seguiam um ciclo diário e ficavam pior à tardinha e no início da noite. Eles se acalmavam tarde da noite e no início da manhã. Os "nervos" iam em ciclos com a tendência de piorar na primavera e no outono. Eles também se acalmavam durante a menstruação.
Às vezes os "nervos" se manifestavam de outras formas. Por semanas eu tinha "crises de colite" e quando eu tinha os "ataques de nervos" iam embora.
Eu estava desesperada por alívio. Um dia eu descobri que se eu fosse no brinquedo de rodar do parque de diversões eu sentia um alívio temporário. Pressão intensa e estímulo vestibular acalmavam meus nervos. Bhatara, Clark, Arnold, Gunsett e Smeltzer (1981) descobriram que crianças autistas pequenas têm sua hiperatividade reduzida quando, duas vezes por semana, são colocadas numa cadeira giratória e giradas.
Enquanto visitava o rancho da minha tia, eu observei que o gado era às vezes levado à um tubo pressurizador para receber uma pressão relaxante. Alguns dias depois eu tentei em mim mesma e me aliviou por algumas horas. A máquina que eu construí para mim mesma foi inspirada na máquina que eu vi no rancho da minha tia e tinha duas funções: ajudar a relaxar os meus nervos e prover um sentimento agradável de ser abraçada.
Antes de construir a máquina, a única maneira de conseguir alívio era através de muito exercício físico ou trabalho manual.
Pesquisas feitas com pessoas autistas ou retardadas mostram que vigorosos exercícios físicos podem diminuir o índice de comportamento disruptivo e os estereótipos (McGimsey & Favell, 1988; Walters & Walters, 1980). Existem duas outras maneiras de lutar contra os nervos: fixar numa atividade intensa ou se retirar e tentar diminuir ao máximo toda a intromissão de estímulos externos. Fixar numa atividade para mim teve efeito calmante. Enquanto eu era a editora da revista para criadores de gado "Arizona Farmer Ranchman", eu costumava escrever três artigos a cada noite. Enquanto estava datilografando furiosamente, eu me sentia mais calma. Eu ficava muito nervosa quando não tinha nada para fazer.
Com o passar da minha idade os meus nervos ficaram piores. Há 8 anos eu passei por uma cirurgia de vista que foi muito estressante para mim e disparou o pior ataque de nervos da minha vida. Eu acordava no meio da noite com meu coração aos pulos e os pensamentos obsessivos de que eu estava ficando cega.

MEDICAMENTOS
Na próxima parte eu vou descrever as minhas experiências com medicamentos. Existem muitas variações do autismo e o que funciona comigo pode não funcionar com outra pessoa. Os pais de crianças autistas devem buscar orientação de médicos e profissionais que estejam acompanhando as últimas pesquisas médicas.
Eu li na biblioteca médica que as drogas antidepressivas tais como "Trofanil" (imipramine) são efetivas para tratar pacientes com ansiedade e pânico endógeno (Sheehan, Beh, Ballenger & Jacobsen, 1980). Os sintomas descritos nos arquivos médicos eram semelhantes aos meus sintomas, por isso eu decidi tentar "Trofanil". 50 mg deste medicamento na hora de dormir funcionaram como mágica. Em uma semana a sensação de nervosismo começou a ir embora. Depois de usar "Trofanil" por 4 anos eu mudei para 50 mg de "Norpramin" (desipramine), que tem menos efeitos colaterais. Essas pílulas mudaram a minha vida. Os problemas de colite e outras doenças relacionadas ao stress foram resolvidos.
O Dr. Paul Hardy, de Boston, acha que "Trofanil" e "Prozac" (fluoxetine) são medicamentos efetivos para tratar certos pacientes autistas (adultos e adolescentes) com pânico e ansiedade. Tanto o Dr. Hardy quanto o Dr. John Ratey (comunicação pessoal, 1989) aprenderam que devem ser usadas doses bem pequenas destas drogas.
Em geral, essas doses são bem menores do que as doses usadas para tratar depressão. Doses muito altas podem causar agitação, agressão ou excitação, e doses muito baixas não fazem efeito. Meus "ataques de nervos" se manifestavam em círculos, e eu tive várias recaídas mesmo tomando os medicamentos. Foi preciso muita força de vontade para continuar com as 50 mg de medicamento e deixar as recaídas irem diminuindo aos poucos. Antes de começar a tomar o remédio, a "máquina" (comparando com um carro) estava correndo muito o tempo todo. Agora eu sinto que ela corre numa velocidade normal. Eu não tenho mais as fixações de antes; "Prozac" e "Anafranil" (clomiprmine) têm se mostrado efetivos em autistas que têm sintomas obsessivos-compulsivos ou pensamentos obsessivos correndo em suas mentes o tempo todo. As doses efetivas de "Prozac" têm sido algo entre 2 cápsulas de 20 mg por semana à 40 mg por dia. Outras drogas promissoras para adolescentes ou adultos agressivos são os bloquedores beta (beta blockers). Eles reduzem de forma significante o comportamento agressivo (Ratey *et al*., 1987).

UMA MELHORA LENTA
Durante os 8 anos que eu tenho tomado antidepressivos, tenho tido uma melhora estável na minha fala, sociabilização e postura. A mudança aconteceu tão gradualmente que eu nem percebi. Muito embora tenha sentido o alívio nos meus "nervos" imediatamente, leva tempo para desaprender velhos hábitos.
No ano passado, eu visitei uma antiga amiga que me conhecia antes que eu começasse a usar os medicamentos. A minha amiga Billie Hart, me disse que eu era uma pessoa mudada. Ela me disse que a minha postura agora é ereta e o meu contato de olhos melhorou muito. Ela também me disse que eu não pareço estar mais o tempo todo sem ar na minha respiração, e parei de engolir constantemente.
Várias pessoas que eu conhecia de muitas reuniões sobre autismo, têm visto bastante melhora na minha fala e maneirismos nestes oito anos que eu tenho tomado medicamentos. Minha velha amiga Lorna King também vê essas mudanças. "Sua fala parecia pressurizada, saindo de uma maneira quase explosiva".
Eu acho que video-tapes podem ajudar muito, em especial pessoas autistas com capacidade de falar e interagir. Eu não conseguia perceber as minhas "esquisitices" de fala e maneirismos até que comecei a me observar no vídeo.

HISTÓRICO FAMILIAR
Podemos aprender muito com o histórico de nossa família.
Nas minhas muitas viagens para conferências de autismo, tenho encontrado famílias com desordem afetiva no seu histórico. A relação entre desordem afetiva e autismo é também mencionada na literatura (Gillberg & Schaumann, 1981). O histórico familiar de pessoas autistas pouco comprometidas costuma conter ansiedade ou pânico, depressão, dons ou grandes habilidades em certas áreas, alergia a certos alimentos e determinados tipos de desordem no aprendizado. Em muitas das famílias que eu entrevistei, a desordem nunca havia sido formalmente diagnosticada, porém um questionário cuidadoso era revelador.

SINTOMAS DE DEPRIVAÇÕES SENSORIAIS
Animais colocados num ambiente que restringe de forma severa os estímulos sensoriais, desenvolvem muitos dos sintomas autísticos, tais como um comportamento estereotipado, hiperatividade e auto-estimulação (Grandin, 1984). Porque um autista e um leão preso numa jaula de concreto de um zoológico têm algumas características semelhantes? Por experiência própria eu gostaria de sugerir uma possível resposta. Como já disse, sempre tive uma sensibilidade extrema aos estímulo auditórios e de tato. Eu provavelmente criei um mundo à parte para me proteger dos estímulos que eu não conseguia lidar. A minha mãe me diz que, quando eu era bebê, eu evitava as pessoas e me endurecia toda. Desta forma, eu era aversiva ao contato com as pessoas e não recebia os estímulos do tato que eu tanto precisava nesta época da minha vida. Os estudos em animais mostram que restringir os estímulos sensoriais em filhotes e ratos afeta o desenvolvimento normal do cérebro.
Os filhotes criados em canis de concreto sem contato com a natureza tendem a ser hiperexcitáveis, e as ondas elétricas de seus cérebros contêm sinais de excitamento nervoso até seis meses depois de serem removidos do canil (Melzack & Burns, 1965). Crianças autistas, às vezes, têm as ondas (EEG) de seus cérebros dessincronizados, o que indica agitação(Hutt, Lee & Ounstead, 1965). Se cortamos fora os bigodes de um filhotinho de rato, a parte do cérebro que recebe estímulos através do bigode fica super sensível (Simons & Land, 1987). A anormalidade aqui fica mais ou menos permanente, já que esta área do cérebro continua anormal mesmo depois que os bigodes crescem de volta. Alguns autistas também têm um metabolismo cerebral hiperativo (Rumsey *et al*, 1985).
Eu às vezes me pergunto, se tivesse recebido mais estímulos de tato quando pequena será que eu seria menos "hiper" como adulta? Esses estímulos são muito importantes para os bebês e ajuda no desenvolvimento (Casler, 1965). Terapeutas têm percebido que crianças que evitam estímulos agradáveis ao tato podem aprender a gostar desses estímulos se tiverem sua pele trabalhada e gradualmente acostumada com diferentes toques. Pode esfregar a pele com tecidos e texturas diversas. Também pode pressionar a pele da criança fazendo uma massagem agradável.
Eu nasci com problemas sensoriais devido a anormalidades no cerebelo, mas talvez uma segunda lesão neurológica tenha sido causada por falta de estímulos de tato apropriados, por eu evitar, quando bebê, o toque das pessoas. Autópsias em 5 cérebros de autistas mostraram que anormalidades no cerebelo ocorreram durante o desenvolvimento fetal, muitas áreas do sistema límbico eram imaturas e anormais (Bauman, 1989). O sistema límbico não amadurece completamente até 2 anos após o nascimento. No meu livro, eu descrevo algumas fixações estúpidas de "banheiro" que me colocaram em situações difíceis. Uma pesquisa interessante de McCray (1978) mostra a ligação entre a falta de estímulos de toque e o hábito excessivo da masturbação. A masturbação cessou quando as crianças receberam mais afeição e abraços. Talvez comigo essas fixações de "banheiro" nunca houvessem acontecido se eu tivesse tido a capacidade de gostar de abraços e demonstrações de afeto quando eu era pequena. Ultimamente tem havido muita publicidade sobre a terapia de segurar ou abraçar fortemente a criança. Nessa terapia, a criança autista é abraçada até que ela pare de resistir. Se isso houvesse sido feito comigo eu teria achado terrivelmente desagradável e estressante. Muitos pais têm dito que usar essa terapia de forma mais gentil é bem efetiva e ajudou a melhorar o contato de olhos, a fala e a sociabilização da criança. "Powers e Thorworth" (1985) dão reportagem de resultados semelhantes. Talvez fosse bom que bebês autistas fossem gentilmente acariciados quando tentam resistir ao toque. A minha reação era a e um animal selvagem. A princípio o toque era intolerável e depois se tornava agradável. A minha opinião é de que essa aversão seja quebrada gradualmente, como se estivesse domando um animal. Se o bebê aprender a gostar do contato físico, outros problemas de comportamento poderão, no futuro, ser minimizados.

DIRECIONANDO FIXAÇÕES
Atualmente eu tenho uma carreira bem sucedida projetando equipamento para gado, e devo isso ao meu professor de ciências do segundo grau. O Sr. Carlock ajudou-me a canalizar a minha fixação para me motivar a estudar psicologia e ciências. Ele também me ensinou a usar tabelas científicas.
Este conhecimento me capacitou a descobrir o "Trofanil". Enquanto o psicólogo queria eliminar a minha máquina de compressão, o meu professor encorajou-me a ler jornais científicos para que eu pudesse entender porque a máquina tem um efeito relaxante. Quando mudei-me para o Arizona para fazer a faculdade, costumava ir para os ranchos estudar as reações do gado à máquina. Este foi o início da minha carreira.
Hoje sou reconhecida como líder no meu campo de trabalho, viajo pelo mundo todo projetando equipamentos para grandes firmas de gado e já escrevi mais de 100 trabalhos científicos e técnicos nesta área (Grandin, 1984). Se o psicólogo tivesse tido sucesso em tirar de mim a minha máquina compressora, talvez agora eu estivesse sentada em algum canto apodrecendo em frente a uma TV em vez de estar escrevendo este artigo.
Alguns dos autistas mais bem sucedidos são pessoas que, de alguma forma, conseguiram canalizar as fixações da infância transformando-as em carreiras (Bemporad, 1979; Grandin & Scariano, 1968; Kanner, 1971). Quando Kanner (1971) acompanhou e buscou saber sobre seus 11 casos originais, haviam dois que se sobressaíam e eram bem sucedidos. Um deles transformou a fixação que tinha por números em um bom trabalho em um Banco. Quando era criança um fazendeiro o contratou e encontrou um alvo para sua fixação. Ele disse que o menino poderia contar as fileiras de pés de milho se ele arasse a terra.
Muitas das minhas fixações, à princípio, estavam relacionadas aos meus sentidos. Quando eu estava na quarta série, gostava de usar um certo tipo de propaganda eleitoral que era feita de duas placas de madeira presas de maneira que eu as vestia como se fosse um vestido. Na verdade, eu gostava de me sentir um sanduíche com as placas na frente e atrás. Alguns terapeutas dizem que o uso de uma veste mais pesada freqüentemente reduz a hiperatividade.
Mesmo que a minha atração por propagandas eleitorais tenha se iniciado por razões sensoriais, eu acabei me interessando por eleições. Meus professores deviam ter tirado proveito disso para me estimular e me fazer interessada em Estudos Sociais. Calcular os pontos das eleições poderia me ajudar em Matemática. A minha leitura poderia ser motivada através da leitura das propagandas e das pessoas que estavam concorrendo aos cargos políticos. Se uma criança se interessa muito por aspiradores de pó, então use o livreto de instruções do aspirador como livro texto para essa criança.
Outra das minhas fixações eram as portas de correr de vidro. No início eu estava interessada nelas porque eu gostava da sensação de vê-las se movimentando. Depois, gradualmente as portas tiveram outro significado para mim. Vou falar sobre isso num outro capítulo. Um adolescente autista que tenha interesses desse tipo pode ser estimulado a aprender mais sobre ciências. Se o meu professor tivesse me desafiado a aprender os mecanismos e partes eletrônicas da porta de correr, eu provavelmente teria entrado na área de eletrônica. As fixações podem ser tremendos motivadores e os professores precisam usar essa ferramenta. Quando os interesses da criança são estreitos é preciso trabalhar para aumentá-los e transformá-los em atividades construtivas. O mesmo princípio pode ser aplicado tanto em crianças com um comprometimento pequeno quanto crianças com comprometimento mais forte com o autismo. Simons e Sabine (1987) dão uma lista com muitos bons exemplos.
É preciso diferenciar as fixações dos estereótipos do tipo bater palmas ou ficar se balançando. Fixação é um interesse em algo externo como avião, rádio ou portas de correr. A criança que fica agindo estereotipicamente por um longo período de tempo pode danificar o sistema nervoso.

VISUALIZAÇÃO
O meu pensamento é visual. Quando eu penso em conceitos abstratos como me relacionar bem com outras pessoas, eu uso imagens visuais como a de uma porta de correr. Relacionamentos devem ser abordados de uma forma cuidadosa caso contrário a porta pode se fechar bruscamente. Park e Youderian (1974) descrevem visualização para explicar conceitos abstratos. Quando eu era pequena, eu precisava visualizar a oração do "Pai Nosso" para compreendê-la. O "poder e a glória" eu via como torres elétricas de alta tensão e um imenso arco-íris brilhante formando um sol. A palavra "transgressão" era visualizada como um sinal de "proibido traspassar" preso na árvore do meu vizinho. Algumas partes da oração eram simplesmente incompreensíveis para mim. O único tipo de oração não visual que eu tenho é quando eu penso em música. Hoje eu não preciso mais usar a imagem da porta quando eu penso em relacionamentos pessoais, mas eu preciso relacionar um determinado relacionamento em particular com algum coisa que eu li. Por exemplo, a briga entre Jane e Joe (estórias em quadrinhos) era como o Canadá e os Estados Unidos discutindo a respeito de algum tratado comercial. Quase todas as minhas memórias estão relacionadas a imagens visuais de eventos específicos. Se alguém diz a palavra "gato", a imagem que me vem a mente é de determinados gatos em particular; gatos que vi ou li a respeito. Eu não consigo pensar em gatos de uma forma generalizada.
A minha carreira profissional me ajuda a focalizar os meus talentos e minimizar as minhas fraquezas. Ainda hoje eu tenho problema em seguir uma extensiva quantidade de informações verbais. Se as direções de um posto de gasolina contiverem mais do que três passos, eu tenho que escrevê-las. Estatísticas são coisas extremamente difíceis para mim porque eu não consigo manter uma parte da informação na minha cabeça enquanto executo o próximo passo. Álgebra para mim é quase impossível, pois não consigo fazer uma imagem visual e acabo misturando os passos na seqüência. Para aprender estatísticas eu tive que sentar com um tutor e escrever as direções para cada teste.
Eu não tenho problema em entender os princípios das estatísticas, pois consigo ver as distribuições na minha cabeça. A questão é que não consigo lembrar a seqüência para fazer os cálculos. Eu tenho também alguns traços de dislexia, tais como reverter os números e misturar as palavras que têm um som parecido. Também confundo "direito" com "esquerdo".
Sou capaz de "ver" cada parte do projeto vai se encaixar e também consigo "ver" as possibilidades de problemas. Às vezes fico abismada em ver os arquitetos e engenheiros cometendo erros tão estúpidos nos edifícios. O desastre no Hyatt Regency que matou 100 pessoas foi causado por erro de visualização. A pessoa que pensa de maneira seqüencial não consegue ver o "todo". Eu tenho visto várias vezes em indústrias onde alguém da manutenção com apenas o segundo grau consegue desenhar uma peça de equipamento depois que todos Ph.D's da Companhia já tentaram e não conseguiram. Ele pode ser um pensador visual. Existem, provavelmente, dois tipos de pensadores: visual e seqüencial. Farah (1989) concluiu que "pensar em imagens é distinto de pensar em linguagem". Eu tenho tido a oportunidade de entrevistar pessoas brilhantes que têm o pensamento visual muito pequeno.
Existe, no entanto, uma área de visualização onde eu sou bem pobre. É difícil para mim reconhecer rostos, a não ser que eu conheça a pessoa a muito tempo. Isso costuma me trazer problemas sociais. Einsten era um pensador visual que foi reprovado no segundo grau na matéria de "Linguagem" e ele costumava depender de métodos visuais para estudar (Holton, 1971-1972). Numa reunião sobre autismo eu tive a oportunidade de conhecer alguns familiares de Einsten. O histórico da família tem um alto índice de autismo, dislexia, alergia alimentar, dons de maneira geral e talentos musicais. O próprio Einsten tinha muitos traços autísticos. Um leitor perspicaz pode percebê-los lendo Einsten &Einsten (1987) e Lepscky (1982).
Um brilhante programador de computador, que também é autista, me disse que ele consegue visualizar a árvore do progama em sua mente e depois é só preencher os galhos com os códigos. Um compositor autista me disse que ele fazia "sons-gravura".
Eu era boa construindo coisas, mas quando comecei a trabalhar com desenho levou tempo até que eu aprendesse a relacionar as linhas do desenho com a visualização da minha imaginação. Quando eu construí a casa dos meus tios, eu tinha dificuldade para relacionar as marquinhas simbólicas no desenho e a real construção. A casa foi construída antes que eu aprendesse a fazer uma planta. Agora posso traduzir instantaneamente o desenho de uma planta na imagem de uma construção pronta. Enquanto eu "agonizava" sobre as plantas de casas, fui capaz de tirar do meu "arquivo" de memórias uma reforma que foi feita na minha casa quando eu tinha 8 anos de idade. As imagens mentais da minha infância me ajudaram a instalar janelas, colocar tomadas e esquematizar o sistema de água e esgoto. Eu repassava os "vídeos" das minhas lembranças e imaginação.

CARACTERÍSTICAS DA GENIALIDADE
Estudos comprovam que quando os autistas-gênios ficam menos fixados e mais sociáveis eles vão perdendo suas características de genialidade (savant skills), tais como a capacidade de contar cartas de um jogo quase imediatamente, calcular calendários ou a genialidade nas artes (Rimland & Fein, 1988). desde que eu comecei a tomar medicamentos eu perdi a minha fixação, mas não a capacidade de visualizar. Alguns de meus melhores trabalhos foram feitos enquanto eu estava sob o efeito de medicamentos.
Minha opinião é que os autistas-gênios perdem algumas de suas genialidades porque eles perdem a capacidade de fixar sua atenção. A contagem de cartas mostrada no filme "Rain Man" não é nenhum mistério para mim. Eu acho que os gênios visualizam as cartas na mesa como os desenhos de um tapete persa, por exemplo. Para saber quais cartas ainda estão fora da mesa, eles simplesmente olham e vêm este tapete. A única coisa que me impede de contar cartas ou calcular calendários é que eu não tenho mais a concentração para segurar na minha mente uma imagem visual completamente imóvel por muito tempo. É minha impressão que os autistas-gênios que se socializam, na verdade, mantêm sua capacidade visual.
No meu caso, as imagens visuais mais fortes são de coisas que evocam emoções mais intensas, como trabalhos importantes. Essas memórias nunca ficam distantes, mas mantêm-se afiadas. No entanto, eu era incapaz de manter as imagens das casas que haviam numa rua por onde eu sempre passava, até que tivesse feito grande esforço para isso. Uma imagem visual forte é como um filme onde se vê todos os detalhes e pode ser passado na mente exatamente como uma imagem. As imagens fracas são como um filme meio fora de foco e podem ter detalhes faltando.
Os talentos precisam ser nutridos e ampliados em algo útil. Nádia, uma mulher autista bem conhecida, desenhava muito bem quando pequena (Seifel, 1977). Quando ela conseguiu ter as habilidades sociais mais rudimentares, ela parou com seus desenhos. Provavelmente os talentos poderiam ser reacesos por algum professor que se interessasse nela de forma pessoal. Seifel (1977) descreve como Nádia fazia desenhos nos guardanapos ou outros papéis que ela pudesse encontrar. Ela precisava de equipamento apropriado. Treffert (1989) fala de vários gênios que não perderam a sua genialidade quando se tornaram mais sociáveis. O uso desses talentos era encorajado.

DEFICIÊNCIAS E HABILIDADES
Cinco anos atrás, eu fiz um teste para determinar minhas habilidades e deficiências. O teste (Hiskey Nebraska Spatiak Reasoning Test) mostrou que a minha performance foi normal ou um pouquinho acima. No outro teste (Woodcock-Johnson Spatial Relations Test), eu consegui apenas uma pontuação regular porque era um tipo de teste controlado pelo relógio, havia um tempo limite. Eu não sou do tipo que pensa rápido, leva tempo para que a imagem visual se forme. Quando eu vou inspecionar um lugar para projetar o equipamento de empacotar carne de gado, eu normalmente fico parada olhando para o prédio por uns 30 minutos. Eu preciso imprimir a imagem na minha memória com todos os detalhes. Depois de fazer isso, eu tenho um "vídeo" mental que eu posso passar quantas vezes eu precisar quando estou trabalhando no projeto. Quando estou desenhando, a imagem de uma nova peça de equipamento gradualmente emerge. À medida que a minha experiência aumentava, eu necessitava de menos medidas para supervisionar o trabalho. Muitas vezes, em projetos de reformas, os engenheiros acabam medindo um monte de coisas que no final serão jogadas fora. Falta visualizar como o prédio vai ficar depois de reformado, onde partes serão demolidas e partes acrescentadas.
A minha memória para coisas do tipo número de telefones é bem pobre, a não ser que eu consiga transformar esses números em uma imagem visual. Por exemplo, o número 65 significa aposentadoria e eu visualizo alguém na Cidade do Sol no Arizona. Se eu não consegui anotar, eu não consigo me lembrar o que as pessoas me disseram a não ser que eu transforme aquela informação em imagens visuais. Recentemente eu estava ouvindo a fita com uma palestra médica enquanto dirigia, para me lembrar de informações, dadas na fita tais como a dosagem de certas drogas, eu precisei formar uma imagem mental. Por exemplo, 300mg é um campo de futebol com sapatos. Os sapatos me lembram que o número 300 é "pés" e não metros.
No sub teste Woodcock-Johnson Blending, onde eu tinha que identificar palavras que soavam bem devagar, eu tive uma graduação de segunda série escolar. Também no sub teste de Aprendizagem Visual-Auditória eu fui um desastre. Eu tinha que memorizar o significado de símbolos arbitrários, como por exemplo um "triângulo" que significa cavalo e depois ler toda uma sentença composta por símbolos. Eu só consegui aprender aquelas que eu podia fazer uma imagem dos símbolos, por exemplo, eu imaginei o triângulo como uma bandeira carregada por um cavaleiro a cavalo. Línguas estrangeiras eram para mim quase impossível. Formação de conceitos foi outro teste onde eu obtive a graduação da quarta série. O nome desse teste, na verdade, me irrita porque eu sou boa na formação de conceitos na vida real. O teste envolvia pegar um conceito como, por exemplo, "largo", " amarelo" e depois achá-los num outro grupo de cartões. O problema é que eu não conseguia manter o conceito na minha mente enquanto procurava pelos outros cartões. Se me tivessem permitido escrever o conceito, eu teria me saído muito melhor.

APRENDENDO A LER
A minha mãe foi a minha salvação no que diz respeito à leitura. Eu nunca teria sido capaz de aprender pelo método que requer a memorização de centenas de palavras. Palavras são muito abstratas para se lembrar. Ela me ensinou através de fonemas antigos, que não são usados atualmente. Depois que eu trabalhei bastante e aprendi todos os sons, eu fui capaz de ler as palavras. Para me motivar, ela lia uma página e parava subitamente na parte mais empolgante. Eu tinha que ler a próxima sentença. Gradualmente, ela foi lendo menos e menos. A Sra. David W. Eastham do Canadá ensinou seu filho autista a ler, com métodos similares, fazendo uso de alguns métodos montessorianos. Muitos professores pensavam que o menino fosse retardado. Ele aprendeu a se comunicar datilografando e veio a escrever lindas poesias. Douglas Biklen da Universidade de Syracuse, já conseguiu ensinar algumas pessoas autistas não-verbais a escrever fluentemente na máquina de escrever. A princípio, para evitar repetição em uma só tecla, os pulsos são sustentados por outra pessoa.
O método de leitura visual desenvolvido por Miller e Miller (1971) também pode ser de grande ajuda. Para aprender verbos, por exemplo, cada palavra tem as letras desenhadas de forma a parecer ação. Por exemplo, "cair" teria as letras caindo e "correr" teria as letras como se fossem corredores. Esse método precisa ser mais trabalhado e desenvolvido para se ensinar os sons através dele. Seria bem mais fácil aprender os sons se usássemos a foto de um "trem choo-choo" para ensinar o som "ch" e assim por diante.
A principio eu só conseguia ler em voz alta. Hoje, quando leio silenciosamente, uso uma combinação de visualização instantânea com o som das palavras. Por exemplo, essa frase de revista "muitos pedestres pararam na rua da cidade", é vista por mim instantaneamente como um filme em movimento. As sentenças que contêm palavras mais abstratas como "aparente" ou "incumbiu" são soadas foneticamente.
Quando criança, eu costumava sempre falar meus pensamentos, ou seja, eu "falava sozinha". Isso se dava porque os meus pensamentos pareciam mais reais e mais concretos dessa forma. Ainda hoje quando estou sozinha desenhando, eu costumo falar comigo mesma sobre o projeto. A fala ativa mais áreas do cérebro do que o pensamento.

MENTOR
"Um professor imaginativo, preparado para gostar do que faz e desafiar a criança, parece ser o fator decisivo no sucesso educacional de crianças autistas 'high-functioning'" (autista que funcionam num nível mental mais elevado) (Newson, Dawson & Everard, 1982). Bemporod (1979) também menciona o conceito mentor. O meu mentor no segundo grau foi o Mr. Carlock, meu professor de ciências. Os métodos estruturais de modificação de comportamento que normalmente funcionam com crianças pequenas são, geralmente, inúteis com crianças mais velhas "high-functioning" com inteligência normal.
Eu tive muita sorte de seguir o caminho certo depois da faculdade. Conheci 3 outros autistas "high-functioning" que não tiveram tanta sorte. Um deles é um homem que é Ph.D em matemática e fica sentado em casa o tempo todo. Ele precisava de alguém para encorajá-lo e dar um empurrão na direção certa. Não deu certo para ele ensinar matemática, ele deveria ir em busca de uma posição onde pudesse pesquisar nesse campo e assim teria menos contato diário com pessoas. A outra pessoa que conheço é uma mulher formada em história que trabalha vendendo coisas por telefone. Ela precisa de um trabalho onde possa utilizar seus talentos de forma mais ampla. Todos dois precisavam de ajuda depois da faculdade. O terceiro homem fez o segundo grau com êxito, e também fica sentado em casa. Ele tem um talento nato para pesquisas em bibliotecas. Se uma pessoa interessada trabalhasse com ele, ele seria ótimo para fazer trabalhos para algum jornal, pesquisando informações relacionadas a alguma história. Todos três precisam de trabalhos onde eles possam focalizar seus dons e minimizar suas deficiências.
Também conheço uma mulher autista que teve sorte. Ela entrou para trabalhar na área de artes gráficas onde é capaz de colocar a sua habilidade visual para funcionar. Sua auto-estima também se levantou quando conseguiu sucesso com suas pinturas e foram compradas por um banco local. O sucesso com as pinturas lhe abriu muitas portas sociais. No meu próprio caso, as portas se abriram para mim depois que eu fiz um cenário para um show da faculdade. Eu ainda continuei sendo vista como "estranha", mas pelo menos já era considerada uma "estranha" legal. As pessoas respeitam os talentos, mesmo quando acham você esquisita. Elas passavam a se interessar por mim depois que viam os desenhos e fotos do meu trabalho. Eu me tornei uma "expert" na minha área.
Os autistas "high-functioning" nunca se encaixarão de verdade nessa roda-viva social. Se eles conseguem um trabalho interessante terão uma vida satisfatória. Eu passo a maior parte das minhas sextas e sábados à noite escrevendo e desenhando. Quase todos meus contatos sociais são com pessoas da minha área ou interessadas em autismo. Eu prefiro ler obras de não-ficção, coisas que têm a ver com os fatos. Eu tenho um interesse mínimo em novelas e todas as complicações dos relacionamentos interpessoais que elas trazem. Quando leio romances, prefiro estórias que sejam mais diretas e que aconteçam em lugares interessantes com muita descrição.
O mentor precisa ser alguém com capacidade de oferecer apoio e ajuda em diferentes áreas e assuntos. O emprego é, em geral, uma área restrita, mas muitos autistas precisam aprender a fazer orçamento de suas financias, como requerer da maneira certa os planos de saúde e, às vezes, precisam de conselhos nutricionais. À medida que a pessoa se torna mais independente, o mentor vai saindo de cena, mas ele pode ser necessário se a pessoa perde o emprego ou enfrenta alguma crise.

QUEM ME AJUDOU A SUPERAR
Muitas pessoas me perguntam: "Como você conseguiu se recuperar?" Eu tive muita sorte em ter as pessoas certas trabalhando comigo no momento certo. Aos dois anos de idade, eu tinha todos aqueles sintomas típicos do autismo. Em 1949, a maioria dos médicos não sabia o que era autismo, mas felizmente um neurologista sábio recomendou uma "terapia normal" em vez de uma instituição. Eu fui levada a uma fono que tinha uma escolinha maternal especial na sua própria casa. Essa fono foi o profissional mais importante na minha vida. Aos 3 anos, minha mãe contratou uma governanta que continuamente mantinha a mim e à minha irmã ocupadas. O meu dia era feito de atividades estruturadas, tais como andar de skate, balançar, pintar. Embora as atividades fossem estruturadas, eu podia ter algumas escolhas limitadas. Por exemplo, um dia eu podia escolher entre construir um "homem de neve" ou escorregar nela. Ela na verdade participava em todas as atividades e também nos liderava em atividades musicais. Nós marchávamos ao redor do piano com tambores de brinquedo. Meus problemas sensoriais não eram muito bem manejados. Eu teria sido muito beneficiada se tivesse um terapeuta ocupacional treinado em integração sensorial trabalhando comigo.
Eu fui estudar numa escola primária normal com professores mais velhos e experientes em salas pequenas. A minha mãe foi outra pessoa muito importante que me ajudou a superar. Ela trabalhava em parceria com a escola. Ela usava técnicas que são usadas hoje em programas que têm dado certo para me integrar à sala de aula. Um dia antes dela me levar para a escola, ela e a professora explicaram às crianças sobre mim e que eles precisariam me ajudar.
Como eu disse anteriormente, a puberdade foi um período muito difícil para mim. Fui mandada embora da escola no segundo grau por causa de brigas. Entrei para uma pequena escola interna no interior que trabalhava com crianças talentosas com problemas emocionais. O diretor era inovador e era considerado um "lobo solitário" por seus colegas psicólogos.
Foi lá que eu encontrei o Mr, Carlock. Uma outra pessoa tremenda foi a minha tia Ann. Eu visitava o seu rancho durante o verão.
Tanto no segundo grau como na faculdade, as pessoas que mais me ajudaram foram as de mentes criativas e pensadoras não convencionais. Os profissionais mais tradicionais como o psicólogo da escola eram perigosos para mim. Eles estavam ocupados tentado me psicanalisar e tentando tirar de mim a minha máquina compressora. Mais tarde, quando eu me interessei por empacotamento de carne e seus processos, Tom Rohrer, o gerente de um frigorífico local se interessou por mim. Por 3 anos eu visitei o frigorífico uma vez por semana e aprendi muito. O meu primeiro emprego de projetista foi na sua indústria. Eu quero enfatizar a importância da mudança gradual do mundo escolar para o mundo de trabalho. As minhas visitas na indústria se davam enquanto eu ainda estava na faculdade. As pessoas autistas precisam ser introduzidas ao mundo do trabalho antes de se formarem. As pessoas autistas que eu mencionei anteriormente poderiam ter brilhantes carreiras se homens de negócios locais se interessassem por eles.

PROGRAMAS PARA AUTISTAS
Nas minhas viagens tenho observado muitos programas diferentes. Na minha opinião, os programas que são efetivos para crianças pequenas têm alguns denominadores comuns que são semelhantes independentemente de suas bases teóricas. Uma intervenção o mais cedo possível melhora o prognóstico. Abordagens passivas não funcionam. Minha governanta era às vezes "malvada", mas a estrutura montada por ela e sua intensidade evitaram que eu me alienasse. Tanto ela como minha mãe usaram apenas seus instintos. Os bons programas têm uma variedade de atividades e usam mais do que uma abordagem. Um bom programa para criança pequenas deve incluir programas flexíveis de modificação de comportamento, fono, exercícios, tratamento sensoriais (atividades que estimulam o sistema vestibular e ajudem a retirar o excesso de sensibilidade ao tato), atividades musicais, contato com crianças normais e muito amor. A efetividade dos diversos tipos de programa irá variar muito de caso para caso. Um programa que é efetivo num caso poderá ser menos efetivo noutro caso.

http://www.painet.com.br/rocha/temple.htm

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