terça-feira, 25 de junho de 2013

“Perda de contacto com a realidade exterior”

Autismo I



Definição

O autismo é uma doença psiquiátrica rara e grave da infância – Síndrome de Kanner – autismo infantil – caracterizado por um desenvolvimento intelectual desequilibrado, afectando também a capacidade de socialização.

Podemos também caracterizá-lo como uma anormalidade grave que se caracteriza por severos problemas ao nível da comunicação e do comportamento, e por uma grande incapacidade em relacionar-se com as pessoas de uma forma normal.

 "É hoje geralmente aceite que as perturbações incluídas no espectro do autismo, Perturbações Globais do Desenvolvimento nos sistemas de classificação correntes internacionais, são perturbações neuropsiquiátricas que apresentam uma grande variedade de expressões clínicas e resultam de disfunções do desenvolvimento do sistema nervoso central multifactoriais" (Descrição do Autismo, Autism-Europe, 2000).

O autismo é uma perturbação global do desenvolvimento infantil que se prolonga por toda a vida e evolui com a idade.

Os adolescentes juntam às características do autismo os problemas da adolescência, podendo contudo, melhorar a capacidade de relacionar-se socialmente e o seu comportamento ou, pelo contrário, podem voltar a fazer birras, mostrar auto-agressividade ou agressividade para com as outras pessoas.

É um distúrbio neurofisiológico e a sua causa é desconhecida. Alguns investigadores atribuem a alterações bioquímicas.
Outros associam a distúrbios metabólicos hereditários, encefalites, meningites, rubéola contraída antes do nascimento, ou até a lesões cerebrais. Porém existem bastantes incertezas e dúvidas na relação do Autismo com estas doenças.
O autismo resulta de uma perturbação no desenvolvimento do Sistema Nervoso, de início anterior ao nascimento, que afecta o funcionamento cerebral em diferentes áreas: a capacidade de interacção social e a capacidade de comunicação são algumas das funções mais afectadas.
As pessoas com autismo têm uma grande dificuldade, ou mesmo incapacidade, de comunicar, tanto de forma verbal como não verbal. Muitos dos autistas não têm mesmo linguagem verbal. Noutros casos o uso que fazem da linguagem é muito limitado e desadequado. No que respeita à comunicação não verbal, há uma acentuada incapacidade na sua utilização.
Paralelamente, as pessoas com autismo têm uma grande dificuldade na interpretação da linguagem, devido à dificuldade na compreensão da entoação da voz e da mímica dos outros com quem se relacionam.
O isolamento social é outra característica do autismo. Outra particularidade comum no autismo é a insistência na repetição. Por isso é que as pessoas com autismo seguem rotinas, por vezes de forma extremamente rígida, ficando muito perturbadas quando qualquer acontecimento impede ou modifica essas rotinas.
O balançar do corpo, os gestos e os sons repetitivos são vulgares, sendo mais frequentes em situações de maior ansiedade.
A maioria dos autistas tem também deficiência mental, com níveis significativamente baixos de funcionamento intelectual e adaptativo. Cerca de 30% dos autistas pode sofrer também de epilepsia.
O autismo resultante de uma perturbação do desenvolvimento embrionário, contudo, não é possível o diagnóstico pré-natal do autismo, nem este se manifesta por quaisquer traços físicos, o seu diagnóstico não é, em princípio, possível de ser feito nas primeiras semanas ou meses de vida.
A perturbação da interacção social do bebé é geralmente o primeiro sinal que alerta para a hipótese de diagnóstico de autismo o qual, nos casos mais graves, pode chegar a ser identificado antes do primeiro ano de idade.
Causa
A causa ou causas específicas do autismo são ainda desconhecidas, sabe-se, contudo que tem uma base genética importante.
Sobre esta determinante genética seriam acumulados factores adicionais (do meio interno e/ou envolvente) que eventualmente poderiam levar ao autismo e que seguramente contribuem para a sua expressão. Está, por outro lado, bem demonstrado que factores como a relação mãe / bebé ou a educação, não determinam em nada o aparecimento do autismo.
Trata-se de uma perturbação global do funcionamento cerebral, que afecta numerosos sistemas e funções, eventualmente com múltiplas causas e que se expressa de formas bastante diversas.
Existem medicamentos que podem aliviar os sintomas e as alterações comportamentais associadas ao autismo.
A quase totalidade dos autistas será sempre incapaz de gerir de forma autónoma a sua pessoa e bens, pelo que necessitam, durante toda a vida, do auxílio de terceiros. Estes devem atender à natureza única de cada pessoa com autismo e criar condições que permitam a expressão máxima das capacidades individuais.
Nas décadas de 40 e 50 acreditava-se que a causa do autismo residia nos problemas de interacção da criança com os pais e com a família. Várias teorias sem base científica e de inspiração psicanalítica culpabilizavam os pais (em especial as mães) por não saberem dar as devidas respostas afectivas aos seus filhos.

A partir dos anos 60 e com a investigação científica baseada sobretudo em estudos de casos de gémeos e nas doenças genéticas associadas ao autismo (X Frágil, esclerose tuberosa, fenilcetonúria, neurofibromatose e diversas anomalias cromossómicas) descobriu-se a existência de um factor genético multifactorial e de diversas causas orgânicas relacionadas com a sua origem.
Estas causas são diversas e reflectem a diversidade das pessoas com autismo: parecem haver genes candidatos, isto é, uma predisposição para o autismo o que explica a incidência de casos de autismo nos filhos de um mesmo casal.

Factores pré natais (ex.rubéola materna, hipertiroidismo) e durante o parto (ex.prematuridade, baixo peso ao nascer, infecções graves neonatais, traumatismo de parto) também podem ter influência no aparecimento das perturbações do espectro do autismo.

Existe uma grande ocorrência de epilepsia na população autista (26 a 47%) enquanto na população em geral a incidência é de cerca de 0,5%.

Actualmente, alguns investigadores encontram-se a efectuar estudos acerca de anomalias nas estruturas e funções cerebrais das pessoas com autismo.

Em suma, não há ligação causal entre atitudes e acções dos pais e o aparecimento das perturbações do espectro autista e não se encontra relacionado com a raça, a classe social ou a educação parental.
Incidência

Esta doença atinge mais o sexo masculino do que o feminino (cerca de 2 para 1).
As primeiras características podem surgir entre os 4 e os 8 meses de idade, devido ao atraso nível da motricidade e da fala.
O diagnóstico requer um cuidadoso exame físico, psicopedagógico e neurológico.
O Autismo pode ainda desenvolver-se em crianças que até então pareçam “normais” – Autismo secundário – onde ocorre um nível inexplicável de regressão.

Características/Evolução/Tratamento

As pessoas com autismo têm três grandes grupos de perturbações. Segundo Lorna Wing (Wing & Gould,1979), a tríade de perturbações no autismo manifesta-se em três domínios:

Domínio social: o desenvolvimento social é perturbado, diferente dos padrões habituais, especialmente o desenvolvimento interpessoal. A criança com autismo pode isolar-se mas pode também interagir de forma estranha, fora dos padrões habituais.

Domínio da linguagem e comunicação: a comunicação, tanto verbal como não verbal é deficiente e desviada doa padrões habituais. A linguagem pode ter desvios semânticos e pragmáticos. Muitas pessoas com autismo (estima-se que cerca de 50%) não desenvolvem linguagem durante toda a vida.

Domínio do pensamento e do comportamento: rigidez do pensamento e do comportamento, fraca imaginação social. Comportamentos ritualistas e obsessivos, dependência em rotinas, atraso intelectual e ausência de jogo imaginativo.

Características do autismo (Leo Kanner – 1943):
- Um profundo afastamento autista;
- Um desejo autista pela conservação da semelhança;
- Uma boa capacidade de memorização mecânica;
- Expressão inteligente e ausente;
- Mutismo ou linguagem sem intenção comunicativa efectiva;
- Hipersensibilidade aos estímulos;
- Relação estranha e obsessiva com objectos.

Posteriormente, mencionou a ecolália – fala de papagaio – linguagem extremamente literal, uso estranho da negativa, inversão pronominal e outras perturbações da linguagem (Kanner,J.,1946)

Um ano depois de Kanner ter publicado o seu artigo, em 1944, um pediatra austríaco Hans Asperger, publicava um artigo, em alemão "Die Autistischen Psychopathen im Kindesalter" no qual descrevia um grupo de crianças com características muito semelhantes às de Kanner, chamando igualmente autismo ao síndrome...

“De inteligência normal, estes rapazes tinham uma dificuldade marcada nas relações interpessoais. Quando se esperava que partilhassem os jogos com outras crianças ou se integrassem numa roda de brincadeiras, eram vistos sozinhos, preocupados de forma obsessiva com o objecto do seu interesse. A linguagem também era peculiar: embora por vezes usassem expressões ou vocábulos muito sofisticados, por outro lado não entendiam os ditados mais comuns ou as metáforas mais óbvias. As crianças com Asperger não compreendiam porque não dizemos o que pensamos, e pensamos o que não dizemos. A entoação era monocórdica sem as flutuações emocionais que dão colorido à nossa voz. A sua coordenação motora era tão pobre que se viam sistematicamente excluídos da participação em jogos colectivos, sem que, de resto, isso parecesse preocupá-los excessivamente. Em momentos de maior emoção apresentavam movimentos repetidos e estereotipados que lhes conferiam um aspecto bizarro.”

Asperger percebeu que estes rapazes partilhavam traços fundamentais com as crianças autistas.

Embora as características dos indivíduos fossem semelhantes, havia um grupo reconhecido por Asperger com níveis de inteligência e linguagem superiores – as crianças com estas características têm síndrome deAsperger. Porém, as suas observações ficaram ignoradas até aos anos 90 quando Lorna Wing, uma psiquiatra americana, chamou a atenção para o trabalho de Asperger e sublinhou a sua importância.
De então para cá o reconhecimento e o estudo desta disfunção cresceu exponencialmente, e as suas características clínicas e problemas associados foram melhor definidos.
As crianças com síndrome de Asperger são ermitãs: “Se eventualmente uma pessoa é companhia, duas são uma multidão.”
Alguns gostavam de ter amigos, mas não sabem como interagir socialmente: “A alternância do “dá-cá-toma-lá” na relação com os outros é lhes difícil. Não entendem como as outras crianças podem retirar prazer de brincadeiras mais ou menos violentas com contacto físico próximo, como também não percebem que o comum dos mortais não partilhe o fascínio por retroescavadoras, comboios, contentores do lixo ou outros temas obviamente de tremendo interesse e importância.”
Lorna Wing (1981) definiu o síndrome de Asperger com seis critérios de diagnóstico:
-A linguagem é correcta mas pedante e estereotipada;
-Ao nível da comunicação não verbal apresentam: voz monótona, pouca expressão facial, gestos inadequados;
-No que diz respeito à interacção social, esta não recíproca e revelam falta de empatia;
-Resistem à mudança e preferem actividades repetitivas;
-Ao nível da coordenação motora apresentam uma postura incorrecta, movimentos desastrados e por vezes estereotipias;
-Possuem uma boa memória mecânica e os seus interesses são especiais e circunscritos.

Hoje o síndrome de Asperger tem uma classificação separada do autismo no DSM IV – TR (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais).

A noção de um espectro de perturbações autísticas baseado na tríade de perturbações apresentada por Lorna Wing é importante para a educação e cuidados das crianças com autismo ou outras perturbações globais do desenvolvimento.

A criança autista vive num mundo à parte criado por ela própria, geralmente são incapazes de estabelecer relações pessoais normais, contudo, podem revelar uma ligação muito forte com os objectos.

Revelam ainda alterações ao nível da linguagem – padrões de fala inelegíveis e outras nem sequer falam, apresentam ainda dificuldades nas relações interpessoais; manifestam rituais – comportamentos estereotipados e repetitivos.

Podem ainda apresentar características como: inibição motora, mutismo, dificuldade em suportar mudanças de ambiente, recusa em procurar ou aceitar carinhos, gosto pela imitação de sons ou de movimentos, dificuldade em estabelecer amizades, entre outras…

O autismo é uma doença com um desenvolvimento gradual, assim: em bebés, os autistas não demonstram grande interesse pelo contacto, não sorriem, não olham para os pais, podem apresentar problemas ao nível da alimentação, do choro e do sono.
O bebé com autismo apresenta determinadas características diferentes dos outros bebés da sua idade. Pode mostrar indiferença pelas pessoas e pelo ambiente, pode ter medo de objectos.

Quando começa a gatinhar pode fazer movimentos repetitivos (bater palmas, rodar objectos, mover a cabeça de um lado para o outro). Ao brincar, não utiliza o jogo social nem o jogo de faz de conta. Ou seja, não interage com os outros, pode não dar resposta aos desafios ou às brincadeiras que lhe fazem. Não utiliza os brinquedos na sua função própria.

Aos 12 meses poderão demonstrar um interesse obsessivo por determinados objectos, revelam comportamentos estereotipados e repetitivos e até atrasos ao nível da locomoção.

Geralmente só a partir dos 24 meses é que se podem constatar dificuldades de comunicação – verbal e não verbal.

Depois dos 2 anos de idade a criança autista tem tendência a isolar-se, a utilizar padrões repetitivos de linguagem, a inverter os componentes das frases, a não brincar normalmente, etc…

Dos 2 aos 5 anos de idade o comportamento autista tende a tornar-se mais óbvio. A criança não fala ou ao falar, utiliza a ecolália ou inverte os pronomes.

Há crianças que falam correctamente mas não utilizam a linguagem na sua função comunicativa, continuando a mostrar problemas na interacção social e nos interesses.

Regra geral, dos seis anos de idade até à adolescência os sintomas mais perturbadores podem diminuir, contudo o problema não desaparece totalmente.

Os adolescentes juntam às características do autismo os problemas da adolescência. Podem melhorar as relações sociais e o comportamento ou, pelo contrário, podem voltar a fazer birras, mostrar auto-agressividade ou agressividade para com as outras pessoas.

Os adultos com autismo tendem a ficar mais estáveis se são mais competentes. Pelo contrário, os menos competentes, com QI baixo, continuam a mostrar características de autismo e não conseguem viver com independência.

No estado adulto, o autista não se consegue integrar na vida normal achando que o mundo é uma ameaça para si – fechando-se no seu mundo, pois sente maior segurança. Por vezes, neste período, o autista pode regredir e até voltar a manifestar comportamentos infantis.

As pessoas idosas com autismo têm os problemas de saúde das pessoas idosas acrescidos das dificuldades de os comunicarem. Os problemas de comportamento podem por isso sofrer um agravamento. Além disso, perdem muitas vezes o gosto pelo exercício físico e têm menor motivação para praticar desporto, o que não contribui para melhorar a sua qualidade de vida. Por outro lado, 
o seu comportamento pode tender a estabilizar-se com a idade.

O tratamento para o autismo não existe, centra-se apenas em tentar desenvolver na criança/jovem aptidões e competências ao nível da linguagem e ao nível social. Podem contudo, utilizar-se psicofármacos em situações de agressividade, autodestruição ou convulsões.
Características gerais das crianças autistas:
- Fisicamente sadios e de boa aparência;
- Desconhecimento da sua própria identidade;
- Falta de comunicação;
- Não mantêm o contacto visual;
- Retraídos, apáticos e desinteressados;
- Indiferença em relação ao ambiente que os rodeia;
- Resistência a mudanças de ambiente;
- Incapacidade de julgar;
- Ansiedade frequente e excessiva e aparentemente ilógica;
- Hiperactividade e movimentos repetitivos;
- Entorpecimento nos movimentos que requerem habilidade.

Sintomas:
Do nascimento até aos 15 meses:
-Problemas com a alimentação, como por exemplo: dificuldade na amamentação;
-Apáticos e não demonstram nenhum desejo de abraços e nem de mimo;
-Choro constante ou ausência total de choro;
-Desinteresse pelas pessoas e pelo meio ambiente;
-Medo anormal de estranhos;
-Movimentos repetitivos, como: balanceamentos das mãos, oscilações ou rotações prolongadas, entre outros…
-Interesse obsessivo por determinados objectos, jogos ou aparelhos mecânicos;
-Insistência nos seus desejos unicamente para que não se mude de ambiente físico;
-Problemas de sono.

Dos 18 meses até aos 2 anos:
-Dificuldades em aprender a controlar os esfíncteres e os hábitos de higiene;
-Hábitos e preferências estranhas na alimentação;
-Atraso na fala, ausência de fala ou poderão eventualmente perder a fala já adquirida.

Após os 2 anos:
-Afasia contínua ou utilização de padrões invulgares na fala, tais como repetir palavras e frases;
-Seguem os problemas de controlo dos esfíncteres e dos hábitos de higiene;
-Incapacidade para jogos vulgares;
-Alguns podem possuir habilidade musical, motora ou manual;
-Por vezes podem demonstrar insensibilidade à dor.   




Aluno Autista e o Processo de Aprendizagem



“É no processo de procurar uma maneira diferente de nos relacionarmos com nossas crianças, nossa família ou com pessoas com autismo que aprendemos a suportar o que existe sob a superfície e encontramos nesse diagnóstico tão difícil, mas que de fato faz parte da nossa vida, algo que nos empurra para uma nova vida”.
Deborah Barret, mãe de Anthony, 11 anos, autista.
“Todo tipo de apoio deve reconhecer que embora o autismo seja uma parte muito importante do que eu sou, não é tudo o que eu sou. Pais e profissionais deveriam reconhecer que não somente nós podemos aprender com eles, mas eles também podem aprender conosco”.
William Recai, voluntário no National Autistic Society da Escócia, diagnosticado aos 25 anos.

1. Histórico do Conceito de Autismo
Qualquer abordagem sobre o tópico autismo infantil deve referenciar os pioneiros Leo Kanner e Hans Asperger que, separadamente, publicaram os primeiros trabalhos sobre esse transtorno. Kanner, em 1943, descreveu a condição de onze crianças consideradas especiais, com características diferentes de um conceito que estava muito em voga na época, a esquizofrenia infantil. A publicação de Kanner, entitulada Autistic disturbance of affective contact, na revista “Nervous Child” e a tese de doutorado de Asperger em 1944 continham descrições detalhadas de casos de autismo, e também ofereciam os primeiros esforços para explicar teoricamente tal transtorno. Ambos acreditavam que desde o nascimento havia um transtorno básico que originava problemas altamente característicos. Parece uma coincidência notável o fato de que ambos escolheram a palavra ‘autista’ para caracterizar a natureza do transtorno em questão. Na verdade, não é uma coincidência, uma vez que esse termo já tinha sido apresentado pelo eminente psiquiatra Eugen Bleuler em 1911. Originalmente, esse termo se referia a um transtorno básico em esquizofrenia (outro termo lançado por Bleuler), mais especificamente, o estreitamento do relacionamento com as pessoas e com o mundo exterior, um estreitamento tão extremo que parecia excluir tudo, exceto a própria pessoa. Este estreitamento poderia ser descrito como um afastamento da estrutura de vida social para a individualidade. Daí as palavras ‘autista’ e ‘autismo’, originárias da palavra gregaautos, que significa ‘próprio’. Atualmente, elas são aplicadas quase que exclusivamente ao transtorno de desenvolvimento chamado de autismo. Tanto Kanner, trabalhando em Baltimore, quanto Asperger, trabalhando em Viena, notaram casos de crianças diferentes que tinham em comum algumas características fascinantes. Acima de tudo, as crianças pareciam incapazes de desenvolver um relacionamento afetivo normal com as pessoas.
Em contraste ao conceito de esquizofrenia de Bleuler, o transtorno autista parecia existir desde o começo da vida do paciente. O artigo de Kanner tornou-se o mais citado em toda a literatura sobre autismo, enquanto que o artigo de Asperger, escrito em alemão e publicado durante a Segunda Guerra Mundial, foi largamente ignorado. Surgiu uma crença de que Asperger havia descrito um tipo diferente de criança, que não devia ser confundido com o descrito por Kanner. A definição de autismo feita por Asperger, ou como ele a chamava, “psicopatologia autista”, é bem mais ampla que a de Kanner. Asperger incluía casos que mostravam um dano orgânico severo e aqueles que transitavam para a normalidade. Atualmente, o termo Síndrome de Asperger tende a ser reservado para as raras crianças autistas apenas ligeiramente afetadas (autismo de alto desempenho), que dão mostras mais claras de inteligência e altamente verbais. Já a síndrome de Kanner é freqüentemente usada para indicar a criança com uma constelação de aspectos clássicos ou ‘nucleares’, assemelhando-se, em detalhes surpreendentes, às características que Kanner identificou em sua primeira descrição inspirada.
Kanner viria a reconhecer, mais tarde, que o termo autismo não deveria se referir a um afastamento da realidade com predominância do mundo interior, como se dizia acontecer na esquizofrenia. Para Kanner – e esta pode ser considerada uma das melhores definições do conceito – não haveria no autismo um fechamento do indivíduo sobre si mesmo, mas um tipo particular e específico de contato do indivíduo com o mundo exterior.
Nos anos 1950 e 1960, o psicólogo Bruno Bettelheim afirmou que a causa do autismo seria a indiferença da mãe, que denominou de “mãe-geladeira’”. Nos anos 1970 essa teoria foi posta por terra e passou-se a pesquisar as causas do autismo. Ainda assim, autores como Rutter, afirmavam que o autista possuía uma incapacidade inata para estabelecer qualquerrelação afetiva bem como para responder aos estímulos do meio.
Felizmente, essas teorias foram superadas e hoje acredita-se que o autismo esteja ligado a causas genéticas associadas a causas ambientais. Dentre as possíveis causas ambientais, a contaminação por mercúrio tem sido apontada por militantes da causa do autismo como forte candidata, assim como problemas na gestação.

2. Características
O autismo é definido como um transtorno invasivo do desenvolvimento, isto é, algo que faz parte da constituição do indivíduo e afeta sua evolução. Manifesta-se antes dos três anos de idade. O autista, em geral, apresenta comprometimentos em três importantes domínios do desenvolvimento humano: a comunicação, a sociabilização e a imaginação. A isto, denomina-se tríade.
1. Desvios qualitativos da comunicação
São assim chamados pela dificuldade em utilizar com sentido todos os aspectos da comunicação verbal e não verbal. Isto inclui gestos, expressões faciais, linguagem corporal, ritmo e modulação na linguagem verbal.
Portanto, dentro da grande variação possível na severidade do autismo, pode-se encontrar uma criança sem linguagem verbal e com dificuldades na comunicação por qualquer outra via – isto inclui ausência de uso de gestos ou um uso muito precário dos mesmos; ausência de expressão facial ou expressão facial incompreensível para os outros e assim por diante – como se pode, igualmente, encontrar crianças que apresentam linguagem verbal, porém esta é repetitiva e não comunicativa.
Muitas das crianças que apresentam linguagem verbal repetem simplesmente o que lhes foi dito. Este fenômeno é conhecido com ecolalia imediata. Outras crianças repetem frases ouvidas há horas, ou até mesmo dias antes (ecolalia tardia).
É comum que crianças com autismo e inteligência normal repitam frases ouvidas anteriormente e de forma perfeitamente adequada ao contexto, embora, geralmente nestes casos, o tom de voz soe estranho e pedante.
2. Desvios qualitativos na sociabilização
São o ponto crucial no autismo e o mais fácil de gerar falsas interpretações. Significam a dificuldade em relacionar-se com os outros, a incapacidade de compartilhar sentimentos, gostos e emoções e a dificuldade na discriminação entre diferentes pessoas.
Muitas vezes a criança que tem autismo aparenta ser muito afetiva, por aproximar-se das pessoas abraçando-as e mexendo, por exemplo, em seu cabelo ou mesmo beijando-as quando na verdade ela adota indiscriminadamente esta postura, sem diferenciar pessoas, lugares ou momentos. Segundo Mirenda, Donnellan & Yoder (1983), “os distúrbios na interação social dos autistas podem ser observados desde o início da vida. Com autistas típicos, o contato ‘olho a olho’ já se apresenta anormal antes do final do primeiro ano de vida”. Muitas crianças olham de canto de olho ou muito brevemente. Um grande número de crianças não demonstra postura antecipatória ao serem pegos pelos seus pais, podendo resistir ao toque ou ao abraço. Dificuldades em se moldar ao corpo dos pais, quando no colo, são observadas precocemente. Crianças que, posteriormente, receberam o diagnóstico de autismo, demonstravam falta de iniciativa, de curiosidade ou comportamento exploratório, quando bebês.
Freqüentemente, os pais de autistas descrevem seus bebês como “felizes quando deixados sozinhos”, “como se estivessem dentro de uma concha”, “sempre em seu próprio mundo”. Os autistas têm um estilo “instrumental” de se relacionar, utilizando-se dos pais para conseguirem o que desejam. Um exemplo de modo instrumental de relacionamento ocorre quando a criança autista pega a mão da mãe e a utiliza para abrir uma porta em vez de abri-la com sua própria mão.
3. Desvios qualitativos na imaginação
Caracterizam-se por rigidez e inflexibilidade e se estendem às várias áreas do pensamento, linguagem e comportamento da pessoa. Podem ser exemplificadas por comportamentos obsessivos e ritualísticos, compreensões literais da linguagem, falta de aceitação das mudanças e dificuldades em processos criativos.
Esta dificuldade pode ser percebida por uma forma de brincar desprovida de criatividade e pela exploração peculiar de objetos e brinquedos. Usualmente, crianças autistas demonstram sérios problemas na compreensão e utilização da mímica, gestualidade e fala. Desde o início, os jogos de “faz-de-conta” e imitação social, amplamente observados nas crianças com desenvolvimento normal, são falhos ou inexistentes. Uma criança que tem autismo pode passar horas a fio explorando a textura de um brinquedo, e costumam ser fascinadas por objetos ou elementos inusitados para uma criança, como zíperes ou cabelos. Em crianças que têm autismo e têm inteligência preservada, pode-se perceber a fixação em determinados assuntos, na maioria dos casos incomuns em crianças da mesma idade, como calendários ou animais pré-históricos, o que é confundido às vezes com nível de inteligência superior.
As mudanças de rotina, como de casa, dos móveis, ou até mesmo de percurso, costumam perturbar bastante algumas dessas crianças. Apesar dessa resistência, os autistas
mantêm rotinas e rituais próprios. É comum insistirem em determinados movimentos, como abanar as mãos e rodopiar (movimentos estereotipados). Algumas preferem brincadeiras de ordenamento, alinhando objetos, por exemplo. Podem apresentar preocupação exagerada com temas restritos, como horários fixos de determinadas atividades ou compromissos, sendo que se cogita que os movimentos estereotipados estejam muito ligados a esta última característica, pois costumam ocorrer em horários fixos do dia.

3. Espectro do Autismo
O autismo não é visto como um continuum que vai do grau leve ao severo. Existe uma grande associação entre autismo e retardo mental, desde o leve até o severo, sendo que se considera que a gravidade do retardo mental não está necessariamente associada à gravidade do autismo.
Segundo Goodman & Scott (1997), um terço dos autistas com retardo mental sofrem crises convulsivas, que começam a se manifestar dos 11 aos 14 anos. A hiperatividade é freqüente, mas pode desaparecer na adolescência e ser substituída pela inércia. A irritabilidade também é comum e costuma ser desencadeada pela dificuldade de expressão ou pela interferência nos rituais e rotinas próprias do indivíduo. O autista também pode desenvolver medos intensos que desencadeiem fobias.
Cerca de 10% dos autistas perdem habilidades de linguagem e intelectuais na adolescência. O declínio não é progressivo, mas a capacidade intelectual perdida geralmente não é recuperada. Na vida adulta, quase 10% dos autistas trabalham e são capazes de ter uma vida independente.
A palavra autismo atualmente pode ser associada a diversas síndromes. Os sintomas variam amplamente, o que explica por que atualmente refere-se ao autismo como um espectro de transtornos. Dentro deste espectro encontramos sempre a tríade de comprometimentos que confere uma característica comum a todos eles. Alguns são diagnosticados simplesmente como autismo, traços autísticos, etc, ou Síndrome de Asperger (considerado por muitos como o autismo de alto desempenho). Além destes, existem diversas síndromes identificáveis geneticamente ou que apresentam quadros diagnósticos característicos, que também estão englobadas no Espectro do Autismo.

4. Síndrome de Asperger
Apesar de ter sido descrita por Hans Asperger em 1944, apenas em 1994 a Síndrome de Asperger foi incluída no DSM-IV com critérios para diagnóstico.
Algumas das características peculiares mais frequentemente apresentadas pelos portadores da Síndrome de Asperger são:
- Atraso na fala, mas com desenvolvimento fluente da linguagem verbal antes do cinco anos e geralmente com:
  • Dificuldades na linguagem,
  • Linguagem pedante e rebuscada,
  • Ecolalia ou repetição de palavras ou frases ouvidas de outros,
  • Voz pouco emotiva e sem entonação.
- Interesses restritos: escolhem um assunto de interesse, que pode ser seu único interesse por muito tempo. Costumam apegar-se a mais às questões factuais do que ao significado. Casos comuns são interesse exacerbado por coleções (dinossauros, carros, etc.) e cálculos. A atenção ao assunto escolhido existe em detrimento a assuntos sociais ou cotidianos;
- Presença de habilidades incomuns como cálculos de calendário, memorização de grandes seqüências como mapas de cidades, cálculos matemáticos complexos, ouvido musical absoluto etc;
- Interpretação literal, incapacidade para interpretar mentiras, metáforas, ironias, frases com duplo sentido, etc;
- Dificuldades no uso do olhar, expressões faciais, gestos e movimentos corporais como comunicação não verbal;
- Pensamento concreto;
- Dificuldade para entender e expressar emoções;
- Falta de autocensura: costumam falar tudo o que pensam;
- Apego a rotinas e rituais, dificuldade de adaptação a mudanças e fixação em assuntos específicos;
- Atraso no desenvolvimento motor e freqüentes dificuldades na coordenação motora tanto grossa como fina, inclusive na escrita;
- Hipersensibilidade sensorial: sensibilidade exacerbada a determinados ruídos, fascinação por objetos luminosos e com música, atração por determinadas texturas etc;
- Comportamentos estranhos de auto-estimulação;
- Dificuldades em generalizar o aprendizado;
- Dificuldades na organização e planejamento da execução de tarefas.
Na Sídrome de Asperger, algumas coisas são aprendidas na idade “própria”, outras cedo demais, enquanto outras somente serão entendidas muito mais tarde ou somente quando ensinadas.
Alguns pesquisadores acreditam que Síndrome de Asperger seja a mesma coisa que autismo de alto funcionamento, isto é, com inteligência preservada. Outros acreditam que no autismo de alto funcionamento há atraso na aquisição da fala, e na Síndrome de Asperger, não.
Muitas pessoas acreditam que a importância da diferenciação entre Síndrome de Asperger e Autismo de Alto Funcionamento seja mais de cunho jurídico do que propriamente para escolhas relacionadas ao tratamento.
Por um lado, parece menos grave dizer que alguém é portador de Síndrome de Asperger parece do que ser portador de autismo, mesmo que de alto funcionamento – embora isto seja provavelmente uma ilusão. Por outro lado, associações de autismo em todo o mundo alegam que esta divisão em duas patologias diferentes enfraquece um movimento que necessita de tanto apoio como o dos que trabalham pelo autismo.

5.Diagnóstico
Os pais e cuidadores são os primeiros a notar algo diferente nas crianças com autismo. O bebê desde o nascimento pode mostrar-se indiferente à estimulação por pessoas ou brinquedos, focando sua atenção prolongadamente por determinados itens. Por outro lado certas crianças apresentam um desenvolvimento normal nos primeiros meses para repentinamente transformar o comportamento em isolado. Contudo, podem-se passar anos antes que a família perceba que há algo errado. Nessas ocasiões os parentes e amigos muitas vezes reforçam a idéia de que não há nada errado, dizendo que cada criança tem seu próprio jeito. Infelizmente isso atrasa o início de uma educação especial, pois quanto antes se inicia o tratamento, melhor é o resultado.
Não há testes laboratoriais ou de imagem que, sozinhos, possam diagnosticar o autismo. Assim o diagnóstico deve feito clinicamente, pela entrevista e histórico do paciente, sempre sendo diferenciado de surdez, problemas neurológicos e retardo mental. Uma vez feito o diagnóstico acriança deve ser encaminhada para um profissional especializado em autismo, que se encarregará de confirmar ou negar o diagnóstico. Apesar do diagnóstico do autismo não poder ser confirmado por exames as doenças que se assemelham ao autismo podem. Assim vários testes e exames podem ser realizados com a finalidade de descartar os outros diagnósticos.
Dentre vários critérios de diagnóstico, três não podem faltar: poucas ou limitadas manifestações sociais, habilidades de comunicação não desenvolvidas, comportamentos, interesses e atividades repetitivos. Esses sintomas devem aparecer antes dos três anos de idade.
Não se conseguiu provar qualquer causa psicológica na etiologia do autismo. O que não significa que o meio seja ambiente inócuo. O prognóstico e o desenvolvimento da capacidade plena dessas crianças são influenciados pela forma como vivem (os cuidados que recebem e a estrutura da rede de apoio). A causa principal pode estar relacionada a alterações biológicas, sejam hereditárias, ocorridas na gestação e/ou parto. Possivelmente, dessas alterações decorrem os erros no funcionamento cerebral. Entretanto, uma definição exata ainda não é possível.
Podem apresentar, ainda, comportamento estranho e retraído; uma maneira inadequada de brincar; com ausência da reação de surpresa; interesses específicos com persistência em girar objetos e habilidades especiais (hiperlexia ou ouvido absoluto, por exemplo); fascinação por água; crises de choro e angústia sem razões explicáveis; risos e gargalhadas fora do contexto e um retardo no desenvolvimento das habilidades motoras.
Essas ocorrências servem como advertência para a necessidade de uma visão diferenciada pelos pais, educadores e médicos.
Visando a uniformização do diagnóstico foram criadas diferentes escalas, além das definições mundialmente seguidas contidas na Classificação Internacional das Doenças. 10ª. Edição (CID 10) e no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. 4ª. Edição. (DSM-IV).
As investigações laboratoriais que devem ser realizadas visando o diagnóstico diferencial e o diagnóstico de possíveis comorbidades associadas inclui os seguintes exames:
  • Sorologias
  • ECG
  • Avaliação oftalmológica
  • Neuropsicológico
  • Pesquisa do X frágil/ Cariótipo
  • RNM
  • EEG
  • Erros inatos do metabolismo /teste do pezinho
  • Avaliação audiológica.

6. Causas
A medicina aponta como causas do autismo um conjunto razoavelmente bem demarcado de possibilidades. São elas:
- Fenilcetonúria não tratada;
- Viroses durante a gestação, principalmente durante os três primeiros meses;
- Toxoplasmose;
- Rubéola;
- Anoxia e traumatismos no parto;
- Patrimônio genético.
Certamente, para a maioria das crianças autistas sem uma disfunção correlata, as causas ligadas a fatores genéticos são as mais prováveis. Estudos com gêmeos sugerem que a hereditariedade está intimamente ligada ao transtorno e que a origem esteja em uma combinação de genes, e não em um único gene isolado.
Nos casos de autismo associado a retardo mental profundo e severo, as causas podem estar mais ligadas a danos cerebrais do que a fatores genéticos.
Não há evidências de que problemas psicossociais ou eventos traumáticos na infância influenciem o surgimento do transtorno. Há duas teorias psicológicas acerca do surgimento. A primeira sugere que o problema original está na incapacidade do autista perceber que há diferenças entre seu estado mental e o dos outros. A outra hipótese diz respeito à função executiva do indivíduo, que geraria dificuldades de planejamento e organização.

7. Incidência
Incidência do autismo varia de acordo com o critério utilizado por cada autor. Bryson e Col., em seu estudo conduzido no Canadá em 1988, chegaram a uma estimativa de 1:1000, isto é, em cada mil crianças nascidas uma teria autismo. Segundo a mesma fonte, o autismo seria duas vezes e meia mais freqüente em pessoas do sexo masculino do que em pessoas do sexo feminino.
Segundo informações da ASA – Autism Society of América, a incidência seria de 1:500, ou 2 casos a cada 1000 nascimentos. De acordo com o órgão norte-americano Center of Disease Control and Prevention (CDC), o autismo afetaria de 2 até 6 pessoas em cada 1000, isto é, poderia afetar até 1 pessoa em cada 166. O autismo seria quatro vezes mais freqüente em pessoas do sexo masculino.
O autismo incide igualmente em famílias de diferentes raças, credos ou classes sociais.

8. Tratamento
O tratamento mais adequado para crianças autistas inclui escolas especializadas e apoio dos pais. Elas geralmente se desenvolvem melhor em instituições educacionais bem estruturadas, em que professores têm experiência com autismo. Programas comportamentais podem reduzir a irritabilidade, os acessos de agressividade, os medos e os rituais, assim como promover um desenvolvimento mais apropriado.
Medicamentos que agem sobre o psiquismo não controlam os principais sintomas do autismo, mas podem atenuar os sintomas associados. Estimulantes são capazes de reduzir a hiperatividade, mas geralmente aumentam de forma intolerável os atos repetitivos. Doses baixas de neurolépticos costumam reduzir a agitação e as repetições e em dosagens mais altas podem reduzir a hiperatividade, a retração e a instabilidade emocional. No entanto, é preciso verificar se o benefício é superior aos problemas causados pelos efeitos colaterais dessas drogas.

9. Educação especial para o autista:
A educação do autista é dificultada pela dificuldade de sociabilização, que faz com que o autista tenha uma consciência pobre da outra pessoa e é responsável, em muitos casos, pela falta ou diminuição da capacidade de imitar, que uns dos pré-requisitos cruciais para o aprendizado, e também pela dificuldade de se colocar no lugar de outro e de compreender os fatos a partir da perspectiva do outro.
Pesquisas mostraram que mesmo nos primeiros dias de vida um bebê típico prefere olhar para rostos do que para objetos. Através das informações obtidas pela observação do rosto dos pais, o bebê aprende e encontra motivação para aprender. Já o bebê com autismo dirige sua atenção indistintamente para pessoas e para objetos, e sua falha em perceber pessoas faz com que perca oportunidades de aprendizado, refletindo em um atraso do desenvolvimento.
Os pais e os profissionais estão bem cientes das dificuldades que as crianças com autismo têm em muitos ambientes educacionais. Em resposta têm desenvolvido programas alternativos e estratégias de intervenção. Embora alguns destes sejam úteis, a maioria enfatiza a correção das dificuldades comportamentais para melhorar o rendimento educacional. Entretanto, um outro aspecto do problema tem recebido menos atenção: as necessidades específicas de aprendizagem desta população especial. As necessidades envolvidas incluem dificuldades organizacionais, distração, problemas em seqüenciar, falta de habilidade em generalizar, e padrões irregulares de pontos fortes e pontos fracos. Embora nenhum destes se aplique à população inteira dos alunos com autismo, estes problemas de aprendizagem são vistos em um grau significativo em uma porcentagem grande destes alunos.
A organização é difícil para alunos com autismo. Requer uma compreensão do se quer fazer e um plano para a execução. Estas exigências são suficientemente complexas, inter-relacionadas e abstratas para apresentar obstáculos incríveis para alunos com autismo. Quando fica cara a cara com demandas organizacionais complexas, eles ficam freqüentemente imobilizados e muitas vezes nunca não são capazes de executar as tarefas pedidas.
O desenvolvimento de hábitos sistemáticos e rotinas de trabalho tem sido uma estratégia eficaz para minimizar estas dificuldades organizacionais. Os alunos com rotinas de trabalho estabelecidas da esquerda para a direita, de cima para baixo, não param de trabalhar para planejar onde começar e como prosseguir. As dificuldades organizacionais são minimizadas também com as listas de verificação, programações e instruções visuais mostrando concretamente aos alunos autistas o que foi completado, o que precisa ser terminado e como prosseguir.
A distração é outro problema comum dos alunos com autismo. Ela toma diversas formas na sala de aula: reagindo aos ruídos externos de carro, acompanhando visualmente os movimentos na sala de aula, ou “estudando” o lápis do professor na mesa ao invés de terminar o trabalho pedido. Embora a maioria de alunos autistas seja distraída por alguma coisa específica, as distrações divergem consideravelmente de uma criança para outra.
A identificação do que distrai cada aluno é o primeiro passo para ajudá-los. Para alguns podem ser estímulos visuais, enquanto para outros podem ser auditivos. As distrações podem estar respondendo a ruídos externos ou a movimentos visuais como também podem não se concentrar em aspectos centrais de tarefas pedidas. As avaliações cuidadosas das distrações individuais são cruciais. Depois destas avaliações as modificações ambientais podem ser feitas: podem envolver a disposição física da área de trabalho do aluno, a apresentação de tarefas relacionadas ao trabalho, ou muitas outras possibilidades.
A seqüenciação é outra área de dificuldade. Estes alunos freqüentemente não podem se lembram da ordem precisa das tarefas, porque se atém de forma concreta a detalhes específicos e nem sempre vêem relação entre elas. Porque as seqüências implicam nestas relações, são freqüentemente desconsideradas.
As rotinas consistentes de trabalho e as instruções visuais compensam essas dificuldades. As instruções visuais podem destacar seqüências de eventos e fazer com que os alunos autistas se lembrem da ordem adequada a seguir. A figura visual permanece atual e concreta, ajudando o aluno seguir a seqüência desejada. O estabelecimento de hábitos sistemáticos de trabalho é também útil; um aluno que trabalhe sempre da esquerda para a direita pode ter o trabalho apresentado na seqüência correta.
As dificuldades com generalização são bem conhecidas no autismo e têm implicações importantes para práticas educacionais. Os alunos com autismo freqüentemente não podem aplicar o que aprenderam em uma situação específica a ambientes/contextos semelhantes. A generalização adequada requer uma compreensão dos princípios fundamentais nas seqüências aprendidas e nas maneiras sutis pelas quais elas são aplicáveis a outras situações. Atendo-se a detalhes específicos, os alunos com autismo freqüentemente perdem esses princípios centrais e suas aplicações.
A colaboração entre os pais e profissionais e a instrução de base comunitária são maneiras importantes para melhorar a generalização nos alunos com autismo. Quanto maior for o empenho pela coordenação entre a casa e a escola, maior a probabilidade dos alunos aplicarem o que aprenderam a situações/contextos/ambientes diferentes. O uso de abordagens semelhantes e a ênfase em habilidades semelhantes são as maneiras pelas quais os pais e os profissionais podem colaborar para melhorar as habilidades da generalização das habilidades de seus alunos.
Um ensino de base comunitária é também importante para melhorar as habilidades de generalização. Porque o objetivo final é um treinamento bem sucedido de base comunitária, as atividades devem estar disponíveis em todos os programas educacionais. Isto deveria incluir passeios regulares ao campo real de atuação com uma freqüência crescente à medida que os alunos ficam mais velhos, oferecer oportunidades de trabalhos na comunidade em contextos “reais”, e atividades de lazer na comunidade.
Dentre os modelos educacionais para o autista, um dos mais importantes é o método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Communication Handicapped Children, em português, Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com Desvantagens na Comunicação), desenvolvido pela Universidade da Carolina do Norte e que tem como postulados básicos de sua filosofia:
  • propiciar o desenvolvimento adequado e compatível com as potencialidades e a faixa etária do paciente;
  • funcionalidade (aquisição de habilidades que tenham função prática);
  • independência (desenvolvimento de capacidades que permitam maior autonomia possível);
  • integração de prioridades entre família e programa, ou seja, objetivos a serem alcançados devem ser únicos e a estratégias adotadas devem ser uniformes.
Dentro desse modelo, é estabelecido um plano terapêutico individual, onde é definida uma programação diária para a criança autista. O aprendizado parte de objetos concretos e passa gradativamente para modelos representacionais e simbólicos, de acordo com as possibilidades do paciente.


10. O papel do professor
A escola oferece um ambiente propício para a avaliação emocional das crianças e adolescentes por ser um espaço social relativamente fechado, intermediário entre a família e a sociedade. É na escola onde a performance dos alunos pode ser avaliada e onde eles podem ser comparados estatisticamente com seus pares, com seu grupo etário e social.
Dentro da sala de aula há situações psíquicas significativas, nas quais os professores podem atuar tanto beneficamente quanto, consciente ou inconscientemente, agravando condições emocionais problemáticas dos alunos. Por exemplo, as crianças autistas não compreendem como se estabelecem as relações de amizade. Algumas não têm amigos, enquanto outras pensam que todos em sua sala de aula são seus amigos. Os alunos podem trazer consigo um conjunto de situações emocionais intrínsecas ou extrínsecas, ou seja, podem trazer para escola alguns problemas de sua própria constituição emocional (ou personalidade) e, extrinsecamente, podem apresentar as conseqüências emocionais de suas vivências sociais e familiares.
Os perfis irregulares das habilidades e dos déficits são características bem documentadas nos alunos com autismo. Também estão entre os mais difíceis para se desenvolver programas específicos. Um aluno autista pode ter a habilidade extraordinária de estabelecer relações espaciais ou de entender conceitos numéricos, mas ser incapaz de usar estes pontos fortes por causa das limitações organizacionais e de comunicação. São necessários professores com habilidade e com experiência, em ensinar na presença destes pontos fortes e fracos tão singulares.
Ensinar alunos com esta ampla gama de habilidades requer avaliações completas de todos os aspectos de seu funcionamento. Isto não pode se restringir às habilidades acadêmicas, mas deve também incluir os estilos de aprendizagem, distratibilidade, funcionamento em situações de grupo, em habilidades independentes, e em tudo mais que possa ter impacto sobre a situação de aprendizagem. Os estilos de aprendizagem são especialmente importantes para o processo da avaliação porque são essenciais para liberar o potencial de aprendizagem.
Como cada criança com autismo processa a informação e quais são as melhores estratégias de ensino devido à singularidade de seus pontos fortes, interesses e habilidades em potencial? Um professor hábil pode abrir a porta para várias oportunidades. Os adultos com o autismo que trabalham em bibliotecas, com computadores, em restaurantes, e muitos outros ambientes; são evidências de que, se tiverem instrução adequada, podem se tornar adultos produtivos. Porém, um número excessivo de programas de educação não reconhece os pontos fortes e déficits singulares deste grupo enigmático de aprendizes.
A principal possibilidade para uma melhoria constante é uma maior consideração das suas singularidades e mais treinamento para profissionais para ajudá-los a entender seus estilos de aprendizagem.

11. Conclusão
Este transtorno é, por excelência, a enfermidade do contato e da comunicação. Portanto, para ajudar pessoas com autismo a funcionar mais adaptativamente em nossa cultura, é necessário conceber programas tendo como base os pontos fortes e déficits fundamentais do autismo que afetam o aprendizado e as interações no dia a dia.
Esta abordagem do autismo é relativa a, mas diferente de identificar déficits com objetivos diagnósticos. As características diagnósticas do autismo, tais como déficits na área social e problemas de comunicação, são úteis para distinguir o autismo de outras deficiências, mas são relativamente imprecisos para a conceituação de como um indivíduo com autismo entende o mundo, age com base nesta compreensão, e aprende.
O trabalho como educador e de pessoas com autismo é fundamentalmente o de ver o mundo através de seus olhos, e usar esta perspectiva para ensiná-los a funcionar inseridos em nossa cultura de forma o mais independente possível. Enquanto não se puderem curar os déficits cognitivos subjacentes ao autismo, é pelo seu entendimento que é possível planejar programas educacionais efetivos na função de vencer o desafio deste transtorno do desenvolvimento tão singular que é o autismo.

12. Referências
AMA, Associação de Amigos do Autista, Internet
Ballone, G. J. Autismo Infantil, in. PsiqWeb
Goodman, R., Scott, S. Child Psychiatry. Blacwell Science, 1997
Henriques, S. Autismo, in Neurociências.Home,
Lebovici, S., Kestemberg, E. A Evolução da Psicose Infantil. Porto Alegre. Artes Médicas, 1995.
Mirenda, P., Donnellan, A. M., Yoder, D. E. (1983) Gaze behavior: A new look at an old problem. Journal of Autism and Developmental Disorders, 13, 297-309.
Mazet, P., Lebovici, S.. Autismo e psicoses da criança. Porto Alegre: Artes Médicas. 1991.
Autor: Vilmar Miguel de Brito
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