Por
Alessandra Cabral Meireles da Silva
Resumo:
O presente trabalho pretende abordar a postura da sociedade em relação à
maneira de tratar as pessoas portadoras de autismo nas relações laborais,
demonstrado a necessidade de participação de modo efetivo deste segmento nas
políticas públicas estabelecidas pelo Estado para que seja garantida a
igualdade de oportunidades, com o objetivo maior de incluí-los não só no
mercado de trabalho, mas em todas as condições construídas pela sociedade
contemporânea.
Palavras-chaves:
Autismo; Inclusão; Mercado de Trabalho e Cidadania.
Área Temática:
Direitos Humanos.
1. Introdução
O presente artigo
reconstituiu de maneira breve o percurso histórico de evolução dos direitos dos
portadores de necessidades especiais – com destaque aos Autistas, que se
iniciou em 1948, através da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada
pela Organização das Nações Unidas, e inspirou como lema deste milênio “A
Igualdade de Oportunidades”.
De acordo com o
Centro de Informação do Autismo (2010), “o autismo é uma alteração cerebral, um
transtorno que compromete o desenvolvimento psiconeurológico e afeta a
capacidade da pessoa se comunicar, compreender e falar, afetando seu convívio
social de forma global.”
Discutimos o
comportamento da sociedade para com aqueles considerados “diferentes” e,
principalmente, suas possibilidades de trabalho nesta era globalizada, onde o
desemprego estrutural afeta todos sem distinção.
Trata-se de uma
questão de política pública contemporânea, inclusive no âmbito do Mercosul,
pois se os Estados-partes comprometem-se a garantir a aplicação do princípio de
não-discriminação e principalmente, criar ações com a finalidade de eliminar o
preconceito de qualquer espécie, em especial, no que tange aos grupos em
situação de desvantagem no mercado de trabalho, desenvolverão um tratamento
paradigma em relação aos demais países do globo.
Discorreremos sobre
normas internacionais e a legislação brasileira destinadas à proteção das
pessoas portadoras de necessidades especiais, com ênfase ao portador de
autismo, e à proibição das práticas discriminatórias contra estes cidadãos na
relação laboral.
Por outro lado, o
Brasil desenvolve formas de efetivar a execução das leis de proteção aos
direitos dos portadores de necessidades especiais, através de denúncias ao
Ministério Público, quando se tratar de interesses coletivos e difusos ou
aplicando os remédios jurídicos cabíveis, de que o próprio interessado poderá
lançar mão quando se tratar de direitos individuais, bem como os juízes poderão
utilizar instrumentos de concretização dos direitos sociais.
Não se trata, pois,
como será demonstrado, de um interesse isolado, mas de uma questão de
interesses sociais entrelaçados e que merece o devido tratamento jurídico para
que essa nova perspectiva seja implementada da forma mais eficaz possível.
Por fim, tendo em
vista a Constituição Cidadã de 1988 ter reservado um capítulo destinado aos
direitos sociais, que têm como característica principal a atuação positiva do
Estado no tocante a sua concretização, o trabalho busca esclarecer os aspectos
que envolvem os direitos das pessoas portadoras de autismo, suas oportunidades
de trabalho, através de uma nova abordagem.
2. Breve perspectiva histórica da conquista dos
direitos dos portadores de necessidades especiais
Em 10 de dezembro
de 1948, na cidade de Paris, foi realizada a Assembléia Geral das Organizações
das Nações Unidas – ONU, onde foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, passando então a ser conhecido o direito humano, também chamado de direitos
de cidadania.
Esta Declaração deu
notável ênfase tanto aos direitos políticos e civis quanto aos direitos
sociais, pelo que se tornou em verdade, a maior fonte de inspiração para o
desenvolvimento dos direitos humanos nas décadas seguintes.
Em todos os países,
os direitos de cidadania decorrem de lutas árduas, processos longos, frutos de
sofrimentos decorrentes de vitórias e derrotas, derivadas das necessidades de
se firmarem contra outros interesses já existentes na sociedade. É necessário
que a sociedade esteja disposta a burlar os percalços, e passe a travar uma
luta democrática para a aquisição e manutenção de direitos aos portadores de
necessidades especiais.
Os inúmeros
levantes sociais ocorridos na Europa no século XIX iniciaram a conquista dos direitos
sociais, que se fortaleciam com as idéias socialistas, com os operários, ao
passo que as economias se industrializavam e a população urbana crescia. Os
Estados, então, lançavam as primeiras medidas de proteção social devido ao
aumento do poder político e social dos trabalhadores, que pressionavam e
almejavam por direitos trabalhistas.
Correspondem aos
direitos sociais o Welfare
State ou o Estado do Bem-Estar Social, que
é uma designação utilizada para o conjunto de políticas e serviços sociais voltados
para apoiar os indivíduos e as famílias no enfrentamento das situações de risco
social. Essas políticas e serviços são: a seguridade social, representada pela
saúde e previdência social (aposentadoria e pensões) e assistência social;
educação, habitação, entre outros. A seguridade social tem por fim desenvolver
laços de solidariedade, com o objetivo de superar a visão tradicional de
organização de tais políticas com base em formas de seguro social.
Em meados do século
XIX, as pessoas portadoras de necessidades especiais viviam as margens da
sociedade, abandonadas ou encarceradas, não havendo políticas públicas que
fosse voltada a sua assistência, entretanto, ao final deste mesmo século, com o
início das práticas de proteção sociais, a sociedade começa a ter um sentimento
de solidariedade em relação a essas pessoas, que passam aos cuidados de
instituições religiosas sob o regime de clausura e internações.
A partir do século
XX, com o avanço das ciências, passam a ser tratados como pessoas que possuem problemas
e merecem cuidados especiais, mas, apesar de estudadas, permanecem, ainda,
separadas da sociedade.
A ONU e,
principalmente a Organização Internacional do Trabalho – OIT tiveram papéis
fundamentais para impulsionar o surgimento e crescimento dos direitos sociais.
No ano de 1955, a
OIT, em Conferência Geral, lançou a Recomendação nº 99 sobre a “Reabilitação
das Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais”. Em seguida, em 1958, lançou
a Convenção nº 111 sobre “Discriminação em Matéria de Emprego e Profissão”,
abordando o problema dos portadores em relação ao trabalho e propondo a
abolição de qualquer situação que diminuísse à igualdade de oportunidades.
Porém, apesar de
todas as Declarações, o reconhecimento de tais direitos pelas Constituições dos
diversos países só ocorreu a partir da década de 70, como é o caso de Portugal
(1976), da Espanha (1978) e da China (1982), havendo ainda Constituições que
não traziam nenhum artigo tratando dos portadores de necessidades especiais,
como é o caso do Japão (1946), Cuba (1976) e França (1958).
No Brasil e em
outros países da América Latina, os direitos sociais se desenvolveram mais
lentamente e de forma desigual. Foi a CF de 1967, que assegurou aos deficientes
a melhoria da sua condição econômica e social, e a Carta Magna de 1988 reforçou
ainda mais este ideal através de ações governamentais concretas aos
pressupostos de modelo integracionista de deficiência.
Nos anos 50, a ação
governamental limitava-se à concessão de aposentadoria por invalidez pelos
Institutos de Aposentadoria e Pensão – IAPs, inércia que impulsionou a
sociedade a se organizar em grupos, como a Associação de Amparo à Criança
Defeituosa em São Paulo, gerida totalmente fora do âmbito estatal.
Com a constituição
do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, o governo expandiu suas
ações a um contingente maior de pessoas, e, com isso, em 1959 surge o primeiro
serviço de reabilitação física.
Em 1969, a Emenda
Constitucional nº 01, garantiu pela primeira vez a proteção específicas aos
excepcionais. Como conseqüência, a Emenda Constitucional nº12, em 1978,
garantiu a proteção aos cidadãos portadores de necessidades especiais no que
diz respeito à melhoria da condição social e econômica, mediante educação
especial e gratuita, a reabilitação, a proibição de discriminação e o acesso a
edifícios e logradouros públicos.
No ano de 1981,
passou a ser celebrado o Ano da Pessoa Portadora de Deficiência, oportunidade
que ocasionou a discussão do conceito de inclusão e integração, demonstrando
desta maneira, o paternalismo da ação governamental e das instituições
filantrópicas.
Ainda na década de
80, surgiram várias entidades representativas e organizações
não-governamentais, todas buscando uma mudança de postura da sociedade em
relação aos portadores de necessidades especiais.
Hoje, as ações
referentes à integração dos portadores, no âmbito do Governo Federal, estão sob
a coordenação da Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora
de Deficiência – CORDE.
A despeito de
tantos avanços, é importante uma atuação mais firme por parte dos governantes
para que os direitos dos portadores de necessidades especiais sejam realmente
garantidos, mantidos e efetivamente executados.
3. A sociedade e os autistas
O estilo de
organização da sociedade impõe muitas barreiras culturais que necessitam ser
modificadas, a fim de assegurar a igualdade de possibilidades a todos os
cidadãos. Por ser a efetivação dos direitos sociais muito demorada, para que
tal dificuldade seja superada, torna-se imprescindível uma mudança de atitude
da sociedade, e, justamente por tratar-se de uma questão cultural, as mudanças
ocorrem com o dispêndio de muito esforço. Então, apesar de ter se iniciado o
processo de “civilização”, percebe-se que ainda há muito por fazer.
O problema a ser elucidado
é demonstrar quais as barreiras que dificultam a equiparação entre as pessoas
portadoras do espectro autista e as demais, na perspectiva da empregabilidade,
e quais instrumentos podem ser utilizados para a concretização deste direito
social. Logo, um tratamento jurídico é imprescindível para analisar os
principais impactos na sociedade, além de desenvolver formas de viabilizar a
efetivação destas conquistas, bem como das necessidades especiais dessas
pessoas.
A sociedade prega a
fraternidade, contudo, a prática demonstrada não é essa. De modo geral, ignoram
tudo que fuja ao padrão considerado normal. Assim, deve-se trazer do isolamento
os estigmatizados, para que não sejam mais condenados à invisibilidade das
políticas governamentais, e demonstrar os obstáculos enfrentados pelos autistas
para terem acesso à oportunidade de emprego, tais como: a falta de cursos de
qualificação destinados para essa minoria que atinge um contingente
populacional significativo, a falta de atendimento educacional especializado
para que possa ser integrado à vida comunitária, entre outros.
Tais obstáculos
seriam minimizados se a disciplina “Educação em Direitos Humanos” fizesse parte
da grade curricular do ensino formal, principalmente, primário e secundário,
podendo até mesmo ser abordado com as crianças de uma maneira lúdica. No ensino
superior, a matéria já é bem difundida em cursos como Direito, Filosofia,
Medicina, Sociologia, entre outros, o que é um dado bastante positivo.
De acordo com dados
do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, não tem acesso ao
ensino formal 90% das crianças com necessidades especiais, quanto aos adultos,
os que conseguem ser alfabetizados não chegam a 4%.
No que diz respeito
às garantias constitucionais, o Brasil possui o aparato jurídico dos mais
abrangentes, portanto, quando se estabelece direitos, criam-se inúmeras
obrigações, que se não obedecidas, inviabilizam tais direitos, assim,
focalizando o problema, formula-se o perpétuo dilema das garantias
constitucionais: como concretizá-los em relação a estas pessoas?
4. O portador de autismo e a efetividade das leis
no âmbito do emprego
Ao analisar o tema
é mister falar sobre o tratamento concedido ao portador de necessidades
especiais no âmbito internacional: As posições da ONU e da OIT merecem destaque
neste processo, uma vez que nortearam as legislações internas de muitos países,
no sentido de adotarem um tratamento diferenciado aos deficientes, visando à
redução das desigualdades reais. Partindo desse contexto, surgiram, A Declaração
Universal dos Direitos Humanos, Convenções, Recomendações e Resoluções.
A Recomendação nº
99, de 1955, da OIT, trata da reabilitação profissional das pessoas portadoras
de necessidades especiais, abordando princípios e métodos de orientação vocacional
e treinamento profissional, meios de aumentar a oportunidade de emprego para os
portadores, emprego protegido, e disposições especiais para jovens e crianças
portadores de algum tipo de deficiência.
Já a Convenção nº
159, de 1983, também da OIT, promulgada pelo Decreto nº 129, de 1991, dispõe
sobre a política de readaptação profissional e emprego de pessoas portadoras de
necessidades especiais. Essa política é baseada na igualdade de oportunidades
entre os trabalhadores portadores de deficiência e os trabalhadores em geral,
não sendo considerada medida discriminatória aquelas especiais positivas que
visem a garantir essa igualdade de oportunidades. Assim, os países signatários
desta Convenção comprometem-se a desenvolver atividades de integração e de
fornecerem instrumentos que viabilizem o exercício das atividades profissionais
para as pessoas portadoras de necessidades especiais.
Em 2006, a
Assembléia Geral da ONU, adotou a Convenção Internacional para os Direitos das
Pessoas Portadoras de Deficiência, assinada por 192 países, tornando-se um
instrumento jurídico que vincula os Governos dos Estados-Signatários. A
finalidade é efetivar a melhoria do acesso à educação e a igualdade de
oportunidade ao emprego. Segundo a ONU, a necessidade desta Convenção foi
premente devido o fato de que os portadores de necessidades especiais são 650
milhões de pessoas em todo o planeta, 10% da população mundial.
No Mercosul,
trata-se de uma declaração presidencial sancionada em 1998, assinada por todos
os presidentes dos países membros, que tem por base a “Promoção da Igualdade”,
esta reitera o compromisso dos Estados com a não discriminação das pessoas com
necessidades especiais, que serão tratadas de maneira digna favorecendo sua
inserção social no mercado de trabalho, adotando medidas de educação, formação
e reorientação profissional e a garantir mediante legislações e práticas
laborais, a igualdade de tratamento e oportunidades.
No Brasil, no
âmbito da Administração Direta e Indireta, a Carta Magna instituiu leis programáticas
que foram regulamentadas, como o artigo 37, inciso VIII, instrumentalizada pela
Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre a obrigatoriedade de reserva de até 20% das
vagas abertas nos concursos públicos para preenchimento por portadores de
necessidades especiais. Vale salientar que devem ser asseguradas todas as
condições para a realização da prova, incluindo as facilidades necessárias ao
grau e tipo de deficiência, pois não havendo essas medidas por parte do
administrador encarregado pelo concurso, pode-se pleitear a anulação do mesmo,
sem prejuízo de restituição dos cofres públicos.
A extensão jurídica
desta Norma vai muito além da sua interpretação literal, pois a mesma postula
que as desigualdades decorram exclusivamente das diferenças das aptidões pessoais
e não de outros critérios individuais personalíssimos, tais como: sexo, raça,
credo. É neste sentido, que sustenta o que a citada Lei impõe, ou seja, a
aplicação de tratamentos desiguais para determinadas pessoas sem que isso
importe em ofensa ao principio da isonomia. Trata-se de uma discriminação
positiva para tentar se obter uma igualdade de oportunidades.
Já a Legislação
Ordinária nº8213/91, que regula benefícios previdenciários, em seu artigo 93,
trouxe forma hábil para combater a discriminação, introduzindo o sistema de
quotas no preenchimento de cargos na iniciativa privada. O valor principal
deste dispositivo legal é o incentivo ao portador de necessidades especiais no
sentido de reintroduzi-lo na sociedade, de fazer com que ele queira aprimorar
suas aptidões, seu potencial, superar as barreiras impostas, de forma que se
tornem pessoas habilitadas a preencher os novos postos de trabalho surgidos com
o advento da lei, então a qualificação é condição sine qua non para a obtenção do emprego.
A primeira
legislação sobre autismo na América Latina foi a Lei nº 13.380, aprovada em
2005 e regulamentada em 07 de setembro de 2007, de autoria da Deputada
Peronista distrital por Buenos Aires, Karina Rocca, mãe de um autista.
A Lei de autoria da
Deputada serviu de base para que os legisladores brasileiros elaborassem sua
própria norma e a primeira Lei Estadual a favor do autista surgiu na Bahia (Lei
nº 10.553/2007), cujo teor constitui-se de pleitos universais do segmento
autista.
Mesmo caminho
percorreu a cidade do Rio de Janeiro com a edição da primeira Lei Municipal nº
4.709, de 23 de novembro de 2007, que reconhece a pessoa com autismo portadora
de deficiência. E recém saído do forno, Manaus, através da Lei Municipal nº
1.495, de 26 de agosto de 2010, garante as pessoas autistas usufruir os
direitos assegurados pela Lei Orgânica do Município, contudo, não contemplou o
atendimento com a Terapia Ocupacional.
Na Paraíba, temos a
Norma Estadual nº 8.756, de 02 de abril de 2009, que instituiu o Sistema
Estadual Integrado de Atendimento à Pessoa Autista no âmbito do Estado, bem
como as diretrizes para a plena efetivação dos direitos fundamentais que
propiciem o bem estar das pessoas autistas.
A citada Legislação
garante programas de suporte comunitário constituídos de oficinas de trabalho
protegidas, bem como a prestação de atendimento visando à inclusão das pessoas
autistas no mundo do trabalho. Seria muitíssimo interessante acrescentar a Lei
um artigo que tratasse da criação de um cadastro único da pessoa portadora de
autismo, para sua inserção no mercado laboral junto às empresas localizadas no
Estado, pois muitas vezes deixam de contratar por não ter acesso a essas
informações.
Não há estatísticas
oficiais, mas no VIII Congresso Brasileiro de Autismo, realizado na cidade de
João Pessoa/PB, foi informado que somente na capital há aproximadamente 36 mil
autistas.
A verdade, é que na
prática, pouco foi feito, sair do mundo do papel para o mundo operacional, leva
algum tempo, entretanto, a criação da norma já foi o primeiro e importante
passo para a concretização dos direitos sociais.
Oportuno ressaltar
que apesar de já existirem leis estaduais e municipais tratando do tema – das
pessoas portadoras do espectro autístico – ainda não há uma lei federal capaz
de resguardar seus direitos e liberdades fundamentais.
Entretanto, a
Associação em Defesa do Autista – ADEFA, em 2010, apresentou proposta de
Anteprojeto de Lei Federal do Autismo, na Comissão de Direitos Humanos e
Legislação Participativa, para que o enfoque dado ao Autista, seja tratado como
caso de saúde pública a nível nacional, propondo o diagnóstico precoce,
tratamento multidisciplinar e acompanhamento para familiares de autistas, vale
ressaltar que atualmente apóiam o projeto os Senadores Paulo Paim e Cristovam
Buarque.
Assim, a temática
de eficácia dos direitos sociais, assegurando a plena inclusão do portador de
necessidades especiais – Autista – no contexto socioeconômico e cultural, deve
ser amplamente discutida e muito refletida, posto que devam receber igualdade
de oportunidades na sociedade, proporcionando a qualificação profissional, que
se dará primeiramente respeitando o acesso a educação, e a incorporação no
mercado de trabalho, que são direitos assegurados constitucionalmente.
5. A inclusão dos portadores de espectro autístico
nas relações laborais
Para se ter a noção
de cidadania, faz-se mister reconhecer a existência das diferenças sem
preconceito. As políticas sociais devem trabalhar em prol da inclusão de todas
as pessoas que possuam qualquer tipo de necessidade especial.
Não se levanta a
bandeira da concessão de privilégios para essas pessoas, mas sim, trata-se de
promover a igualdade de oportunidades para que possam desenvolver suas
potencialidades próprias e também gozar de plenos direitos. Torna-se necessário
uma atenção por parte dos Governos ao realizarem políticas sociais para que
estas possam alcançar a todos os seguimentos da sociedade e garantir os
direitos específicos de cada grupo.
Fala-se em
políticas compensatórias, definindo-se direitos sociais específicos e
especiais, e que, caso não haja esta possibilidade, as pessoas portadoras de
autismo continuarão excluídas do exercício de seus direitos.
Torna-se
imprescindível uma mudança de postura, com a participação dos cidadãos nas
decisões e ações que, na sociedade e no Estado, delimitam os rumos e o modo de
vida de todos. Em especial, a participação efetiva das minorias e de suas
entidades representativas, para que possam assegurar as práticas dos direitos
ora pleiteados, combatendo a massificação que despreza a autonomia individual e
grupal, fazendo com que cada um reconheça o outro, trabalhando por alternativas
que considerem a humanidade das pessoas.
Deve, ainda, haver
a garantia da igualdade com o significado de oportunidades iguais de acesso a
todas as condições construídas pela sociedade, com total liberdade para que as
pessoas com espectro autístico tenham a livre decisão sobre sua inclusão social
e econômica.
Faz-se mister,
diferenciar inserção de inclusão. Na primeira, o trabalhador pode estar
empregado, mas não ter necessariamente os seus direitos sociais garantidos,
como, por exemplo, a carteira de trabalho assinada. Já a inclusão tem o sentido
mais amplo: além de estar empregado, pressupõe que estão sendo respeitados os
direitos sociais e especialmente os direitos trabalhistas do individuo, que,
desta forma, tem a sua condição de cidadão respeitada de forma integral.
Para que todas
essas idéias sejam realmente efetivadas, é condição sine qua non a solidariedade, no sentido mais sublime da
palavra, constatando que as pessoas não podem ser felizes sem que os outros
também o sejam.
A legislação almeja
integrar o autista na sociedade através de alternativas, com o desenvolvimento
de programas de prevenção, que atendam suas necessidades especiais por um
atendimento especializado, bem como a integração das ações dos órgãos e das
entidades públicas e privadas nas áreas de saúde, educação, trabalho,
transporte, assistência social, edificação pública, previdência social,
cultura, habitação, desporto e lazer, com o fim de prevenir ou amenizar as
deficiências e eliminar as suas múltiplas causas.
Segundo Temple
Grandin, autista, Ph.d e professora da Universidade do Colorado – EUA (2010), é
importante dizer que o autista necessita de uma transição gradual da escola
para a inserção no mercado de trabalho, o ideal seria que o trabalho inicia-se
em pequenos períodos, enquanto ainda estivessem na sala de aula.
Pesquisas realizadas com autistas adultos que tiveram acesso ao emprego
demonstram que utilizam suas fixações como à base de suas carreiras, podendo
assim, serem bem sucedidos e usarem seus talentos e habilidades para tal. Ainda
podemos ressaltar que aqueles empregos que tiveram êxito não envolviam
interações sociais complexas.
Entretanto, para que
isto seja concretizado, torna-se necessário a efetiva aplicação da legislação
específica que trata da reserva de mercado de trabalho aos portadores de
necessidades especiais, como também a fiscalização do seu cumprimento, e a
aplicação de algumas regras de boa convivência.
É necessário
informação, educar empregados e empregadores sobre autismo, para que possam
auxiliá-los no trabalho e em seu crescimento profissional.
Uma medida dirigida
a alavancar o emprego das pessoas portadoras de autismo, será a prestação do
trabalho em centros próprios ou no domicilio, visando à passagem, assim que
possível, para um emprego nas mesmas condições das pessoas que não possuam
nenhuma necessidade especial.
As entidades
beneficentes de assistência social poderão intermediar a inserção laboral,
realizando-a sob as formas de colocação seletiva e promoção de trabalho por
conta própria, nessa modalidade encontram-se as cooperativas, regime de
economia familiar, trabalho autônomo.
Esta intermediação
poderá ocorrer através da contratação dos serviços por entidades públicas e
privadas ou na comercialização de bens e serviços decorrentes do programa de
habilitação profissional de adolescente e adulto portador de autismo, em
oficina de produção protegida ou terapêutica. Um bom exemplo foi dado pela
entidade Pestalozze, localizada na cidade de São Paulo, que iniciou um projeto
intitulado “Programa de emprego apoiado”, onde um consultor faz a ponte entre
os alunos e os empregos que oferecem as vagas, a experiência está dando certo,
pois foram inseridos 119 jovens. No Ceará, a entidade Casa da Esperança,
conseguiu vagas de empregos para alguns jovens autistas de baixo funcionamento,
a fim de executarem o serviço de serigrafia, que aprenderam nas oficinas
protegidas da instituição.
Outro meio será
realizado nas Negociações Coletivas, onde as partes poderão estabelecer postos
de trabalho reservados aos portadores de espectro autístico, é uma forma de
garantir o encaminhamento profissional.
Nas esferas das
empresas, podem ser oferecidas palestras de sensibilização sobre o potencial
das habilidades dos autistas, criar e publicar um “Manual de Boas Práticas”,
onde os colegas de trabalho seriam treinados para ajudá-los e aprenderiam a
compreender o que é o autismo.
Ainda outra forma
de estímulo, pode ocorrer prevendo-se descontos para os empregadores privados
das contribuições previdenciárias e assistenciais relativos a cada autista, por
períodos pré-determinados, de acordo com o grau de comprometimento de cada
portador, quanto maior o grau, maior o tempo de desconto.
É importante
ressaltar, ainda, que o empregador teria o reembolso parcial para efetuar as
transformações ocorridas em melhorias de condições de trabalho aos portadores
de autismo, ou para a remoção de barreiras arquitetônicas e ainda, isenção de
impostos para a aquisição de equipamentos para o aperfeiçoamento dos serviços.
Vale a pena algumas
modificações no sentido de premiar as empresas que cumprem o que está disposto
na lei, através de bônus, premiações, entre outros, com a finalidade de
incentivar cada vez mais a utilização de mão-de-obra do portador de
necessidades especiais.
A imposição da
obrigatoriedade da lei, não garante o seu cumprimento e muito menos que os
empresários venham oferecer as condições dignas e necessárias para que possam
exercer os seus trabalhos, mesmo porque estes esquemas muitos rígidos tendem a
estigmatizá-los.
É bem verdade que
os direitos e obrigações só são respeitados e cumpridos na grande maioria das
empresas por força de lei, mas, neste caso, deve-se levar em conta o objetivo
do dispositivo legal, que é a inserção do autista no mercado de trabalho,
valendo a pena a flexibilização na negociação com os empregadores, para que a
contratação de autistas seja encarada com uma nova filosofia: a de incluí-lo aproveitando
o seu potencial e não apenas para cumprir a lei de quotas.
Portanto,
percebe-se, que o princípio da igualdade, sem dúvida, é o esteio de todas as
garantias e prerrogativas de que goza o portador de necessidades especiais,
apesar de não se constituir em norma exclusivamente de proteção, mas sim de
instituição de princípio democrático, extensível a todos, que coloca o grupo
protegido em condição de inclusão e integração social. E é nessa extensão que
se pode sustentar a aplicação de tratamentos desiguais para determinadas
pessoas ou situações, sem que isso importe ofensa ao princípio, reconhecendo as
chamadas “Ações Afirmativas”.
6. Considerações finais
O estudo do tema
abordado é bastante relevante para o Direito, tendo em vista que remonta tanto
aos direitos humanos, quanto ao direito do trabalho, no tocante a efetivação do
direito de acesso ao trabalho da pessoa portadora de autismo.
Trata-se de uma
questão que, contemporaneamente, enraíza-se, cada vez mais, e das quais
decorrem inúmeras implicações: o desrespeito a cidadania e a dignidade da
pessoa humana, o desemprego, a discriminação. Então, é indispensável à
efetivação dos direitos sociais dos autistas no âmbito do direito ao trabalho
proporcionando mudanças significativas e um efeito positivo na sociedade, pois
vale salientar que os portadores de necessidades especiais não se limitam a um
grupo específico, distribui-se como homens, mulheres ou crianças, idosos ou
jovens, nas diversas classes sociais e regiões, não devendo por isso serem
rotulados pela deficiência que possuem.
Como disse Maior
(1998, p.18):
“Podem estar incluídos no universo das pessoas
portadoras de deficiências homens ou mulheres de qualquer faixa etária, de
qualquer raça ou etnia, de qualquer religião ou que tenham nascidos deficientes
ou que tenham adquirido a deficiência durante a vida. Portanto, o contingente
de pessoas portadoras de deficiências é heterogêneo, e representa a única
minoria social à qual qualquer um poderá, em alguma ocasião pertencer. A
existência de pessoas portadoras de deficiência reflete simplesmente uma
conseqüência da fragilidade da vida humana.”
Portanto, a
inclusão, integração e proteção possuem uma dimensão bem maior do que a simples
inserção do portador de autismo no mercado de trabalho, uma vez que valoriza o
direito à cidadania que qualquer pessoa tem, direito este que não pertence
somente aos deficientes, mas a toda a sociedade.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Denise
Lapolla de Paula Aguiar. Portadores de deficiência – sujeitos de direitos.
Revista do Ministério Público do Trabalho, São Paulo, ano X, nº19, p. 55-62,
mar. 2000.
BRASIL.
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília-DF: Senado, 2010.
_______. LEI nº
8.112, de 11 de dezembro de 1990. (Dispõe sobre o Regime Jurídicos dos
Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas
Federais).
_______. LEI nº
8.213, de 24 de julho de 1991. (Lei de Benefícios da Previdência Social).
CÁRDENAS, Sara
Lidia Feldstein de. Guia de estúdio de derecho a la integración: programa
desarrollado de la matéria.1. Ed. Buenos Aires, editora estúdio, 2010.
DIAS, Luiz Cláudio
Portinho. Panorama atual da pessoa portadora de deficiência física no mercado
de trabalho. Disponível na internet via URL: http//www.ambitojuridico.com.br.Acesso em 24 out 2010.
FONSECA, Ricardo
Tadeu Marques da. O trabalho protegido do portador de deficiência. Caderno
Pestalozzi, Niterói-RJ, ano I, nº2, jul.1999.
LAKATOS, Eva Maria;
MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia
do trabalho científico. 4.ed. São Paulo:
Atlas, 1992.
MAIOR, Isabel
Loreiro. Políticas sociais para as pessoas portadoras de deficiência no Brasil.
Revista Ação pela Cidadania, São Paulo, nº1, maio, 1998.
ORGANIZAÇÃO
INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Adaptação de ocupações e o emprego do portador
de deficiência. Traduzido por Edílson Alkmin da Cunha. Brasília-DF: Gráfica
Valci Editora Ltda, 1997.
PASTORE, José.
Oportunidades de trabalho para portadores de deficiência. 1. ed. São Paulo:
Editora LTR, 2001.
* Alessandra Cabral Meireles
da Silva é advogada. Especialista em Direito do Trabalho. Doutoranda em
Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino
(UMSA).